seven. the one blessed by the cauldron
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Alis lhe arrumou um novo quarto, longe o suficiente para que não conseguisse ver as feições de Tamlin, a não ser que desejasse. Silenciosamente, Feyre agradeceu à aia por isso em algum momento enquanto enrolava-se nos lençóis macios, controlando seu cansaço e desfazendo os curativos em torno de seus braços, deixando os ferimentos que agora não passavam de meros arranhões. Em algum momento, consideraria oferecer um pouco mais de confiança à Lucien pelo apoio que vinha lhe dando, ajustando-se aos seus planos não-verbalizados e fazendo o possível para que eles fossem realizados. Ele se tornara um confiável parceiro de missão e, apesar dos ressentimentos ainda lhe cegassem quando se tratava do feérico, Feyre compreendia o fato de Demetria ter defendido o mesmo.
Ela analisou o pequeno bilhete que havia sido cuidadosamente escondido entre seu travesseiro e o colchão, liberando um riso baixo de felicidade genuína ao ler as letras elegantes que combinavam perfeitamente com o tipo de macho que Ludovik sempre mostrou ser. Uma boa mudança nos planos acabara de acontecer.
Estava quase tornando-se impaciente quando houve pequenos toques em sua porta, ela rapidamente fez o possível para parecer a fêmea mais lamentável que já existira, antes de abrir as portas para Ianthe. A sacerdotisa lhe olhou, as sobrancelhas loiras franzidas e um ar falso de preocupação rondando suas feições. Feyre não precisou de muito para forçar um choro, jogando-se nos braços da sacerdotisa como uma feérica desamparada que buscava pelo apoio de uma amiga, uma imagem cuidadosamente pintada e que poderia facilmente ser considerada uma falha.
─ Calma, querida, você precisa respirar.─ Profere ela, aproximando-se do jarro da mais nova cômoda de Feyre e derramando a água em um copo.─ Tome um gole, acalma-se, o dia fora agitado o bastante.
Fingindo tremores, Archeron mal tocara no copo e o devolvera para Ianthe, respirando fundo de forma abalada.
─ Sinto muito, por tudo.─ Murmura, entrelaçando os dedos no próprio colo.─ Esse deveria ser uma comemoração, algo feliz.─ Choraminga e acerta um tapa na própria testa, encolhendo-se.─ Estúpida humana, que nunca aprende.
─ Oh, Feyre... Me escute, tudo bem?─ Ianthe tocou nos ombros da fêmea, confortando-a.─ Tamlin cometeu erros, ele está tentando concertá-los, tentando se mudar para você.─ Ela pisca os olhos, sorrindo.─ O importante agora é compreender os tropeços em uma caminhada tão longa e que perdoar Tamlin faz parte de um processo importante para vocês dois como um casal.
Feyre franziu as sobrancelhas, erguendo a cabeça e levando uma mão para as da sacerdotisa. Ah, ela não conseguia acreditar que ouvira palavras como aquela.
─ Então, o que você fez com minhas irmãs também foram apenas um tropeço de Tamlin?─ A voz soa levemente gélida e os olhos opacos obrigando Ianthe a recuar, no entanto as mãos de Feyre agarraram seu pulso, tão quentes quanto fogo. A sacerdotisa grunhiu, sentindo a pele borbulhar embaixo daquelas palmas.─ Ou, talvez, um tropeço seu? O sofrimento delas foi um tropeço de sua caminhada, Ianthe?
─ Feyre, o que você está...─ As feições da sacerdotisa clarearam, como se estivesse enxergando Feyre pela primeira vez. A fêmea abriu um sorriso, acenando com a cabeça.
─ Pois é, Ianthe.─ Disse, enfim.
As chamas contidas tornaram-se gelo e cobriram praticamente todo o corpo da fêmea loira que engasgou ao ser envolvida. Archeron levantou-se, indo até as janelas, afastando as cortinas com os dedos, vendo Tamlin afastando-se da mansão em sua forma bestial, acompanhado por sentinelas montados em seus devidos cavalos. Pelo que parecia, os Bogge finalmente haviam adentrado na propriedade e Feyre esperava que Lucien já estivesse com os relatórios roubados vindos de Hybern em mãos, escondendo-os.
─ Durante a organização do casamento, lhe pedi apenas uma única coisa, Ianthe.─ Fala, virando-se para a fêmea.─ Sem vermelho. E, então, havia um tapete de rosas vermelhos até Tamlin. Por um tempo, me perguntei em como não havia escutado-me, mas, percebi que você o fez. Escutou cada palavra minha e as usou contra mim, ─ Feyre dá passos lentos.─ porquê Tamlin jamais iria se aliar com Hybern sem uma promessa, não é? Você precisava que ele ficasse ainda mais desesperado, mais incapaz de pensar em outra coisa. Então, tramou debaixo de nossos narizes, fez o possível para que eu colapsasse.
─ Você está enganada.─ Fala Ianthe, desespero pode ser captada em sua voz.─ O único erro que cometi foi o de não escutá-la! Eu deveria ter confirmado seus desejos! Nunca faria algo desse tipo, para prejudicá-la! Você precisa me ouvir, não fiz nada de errado.
Feyre revira os olhos, retornando a sentar-se no colchão, espreitando os olhos na direção de Ianthe.
─ Claro, você não imaginava que Rhysand apareceria e me ajudaria, mas acabou que foi uma ótima coincidência, afinal pode manipular Tamlin melhor, pôr dúvidas, convencê-lo que deveria fazer de tudo para quebrar o acordo.─ Ela sorrira, lenta e terrivelmente cruel.
Invadir uma mente desprotegida sempre fora fácil quando chegou a dominar seus poderes daemati. E não se surpreendeu com o que encontrou vagando pela mente de Ianthe, todas as cruéis maquinações que fizera. Feyre precisou segurar o próprio vômito quando vira resquícios do que parecia uma noite de Calanmai pelo som dos tambores, onde Ianthe sorria como o diabo para um Lucien claramente desgostoso com a situação que se encontravam. No entanto, não demorara muito para finalmente ter o que tanto precisava.
Brannagh e Dagdan. Rei Hybern. O exército que se aproximava. Os relatórios que enviava para Hybern muito antes dos planejamentos de casamento de Feyre e Tamlin. Cada fio que compunha aquela teia de fingimento.
Erguendo uma mão, tocando os fios loiros de Ianthe, enrolando os dedos neles e os puxando com tanta força que a mesma grunhiu.
─ Você vai pagar por tudo isso.─ Feyre diz, mantendo seus olhos nos dela. As palavras ressoando, fixando-se em cada célula do corpo da fêmea.─ Não agora, tenho que cuidar de algumas coisas um pouco mais importantes, mas irei voltar. Não pra essa corte, mas para você. Você nunca vai saber quando, vai viver com a incerteza que posso arrancar sua vida a qualquer momento. E não vai comentar nada do que aconteceu para ninguém.─ A ex-humana moveu os dedos. O gelo tornou-se um vapor rondando pelo quarto. Incapaz de se mover, Ianthe chorava silenciosamente.─ Toda vez que alguém perguntar, você vai morder a própria língua e não vai parar até as perguntas pararem. E você vai assumir a culpa por tudo. Pelos Bogge, pelo roubo de documentos. Tudo irá cair nos seus ombros e você vai aceitar. Quando alguém lhe perguntar o motivo de tamanha traição, deixe com que Tamlin veja a vadia que ele confiou tanto, que ele a puna.
Feyre continuou sorrindo. Logo, agarrou os cabelos de Ianthe com mais força, guiando a cabeça da mesma até a quina de sua cômodos, onde atingiu com força, desmaiando-a instantaneamente. Sangue manchou o carpete do quarto, mas não lhe incomodara. Pelo silêncio que se alastrou pela mansão, era claro encontravam-se adormecidos ou tentando auxiliar contra os Bogge em algum lugar longe o bastante da propriedade.
Saindo do cômodo, tomando cuidado para deixar as luzes feéricas apagadas e fechar a porta da maneira mais cuidadosa possível, levando-se até a porta do escritório de Tamlin. O cômodo estava igualmente silencioso.
─ Lucien?─ Murmurou. Inclinando-se para analisar o corredor, porém, recebida apenas pela escuridão, sem quaisquer resquícios do feérico de cabelos carmesim.
Feyre precisava urgentemente encontrá-lo o mais rápido possível, eles precisavam partir antes do retorno de Tamlin. Então, ela abriu a porta do escritório.
Lucien não sabia onde estava. Fora apenas um impulso guiado por sua curiosidade enquanto recolhia o que identificava ser os relatórios de Hybern, quando dera um passo em falso, notando que o assoalho havia rangido de forma diferente. Então, bastou meio segundo para livrar-se do tapete e franzir o cenho pro alçapão que Tamlin mantinha escondido.
Ele ouvira uma história muito tempo atrás, quando ainda tinha a Corte Outonal como lar, antes de possuir o afeto de Jesminda. Entre risadas e palavras recheadas por deboche, Beron compartilhou com os filhos sobre uma caçada que o antigo Grão-Senhor da Primaveril, o pai de Tamlin, iria guiar nas terras da Noturna. As memórias estão turvas por ser novo demais quando a escutara, mas Eris empalidecera e sua mãe mal respirava. Dias após, Beron rira tão alto que toda a mansão escutara, Eris havia murmurado sobre a mãe e irmã de Rhysand terem sido mortas brutalmente com um olhar atônito. Em uma madrugada, a retaliação pelo sangue derramado acontecera e dois novos Grão-Senhores nasceram ao mesmo tempo.
Os detalhes, Lucien só soubera quando encontrara Demetria. A Dama dos Pesadelos lhe questionou sobre asas membranosas, inegavelmente illyrianas, e citara o desejo de que Rhysand tivesse um corpo, ou partes dele, para enterrar. Mas jamais as encontrara, não importava o quanto vagara pela mansão ou cuidadosamente questionou Tamlin sobre o assunto. E fitando aquele alçapão tão fácil de ser descoberto, Lucien chamou a si mesmo de tolo.
Se as asas pertenciam às fêmeas que faziam parte da realeza Noturna, é óbvio que Tamlin levaria o segredo de suas localizações para seu túmulo. Porém, pela forma que escondera tal passagem, lhe trazia a falsa impressão de Tamlin desejar a recuperação daqueles restos mortais. Empurrando os papéis dentro da bolsa que carregava, Lucien abriu o umbral, saltando para a escuridão.
Um cheiro de putrefação atingiu-lhe com força, mas forçou-se a caminhar por entre as paredes feitas de lama, assim como o piso, onde suas botas afundavam e se sujavam ainda mais. Logo, sua mão foi tomada por chamas, aquelas que não brilhavam vermelhas como o céu ao anoitecer, mas, sim, quase em um tom dourado igualmente parecido com o amanhecer.
Os arredores foram banhados por aquela luz e Lucien teve certeza que estava em alguma passagem por debaixo da mansão. Alguns passos são dados, e ele não conseguia crer no que se revelava em frente aos seus olhos. Haviam retalhos espalhados por toda a parte, não, aquilo se tratava do que um dia fora asas. Asas parecidas como as de um morcego, as mesmas que enfeitavam as costas de todo illyriano. Os restos misturavam-se com a terra gerando aquele cheiro insuportável, todo aquele lugar exalava a sonhos interrompidos, vidas que foram destruídas pela ganância de machos.
Lucien mal conseguia respirar conforme recuava, incrédulo com tal visão, pelo significado que ela trazia. Ele recuava, até esbarrar em algo, ou melhor alguém. O feérico virou-se a mão em chamas, pronto para agarrar. Porém, gelo revestiu seu punho antes que pudesse ter alguma chance. Os olhos de Feyre fora a última coisa que vira antes da escuridão os engolir.
─ O que diabos você tá fazendo, Lucien?─ Grunhe ela, desfazendo o gelo. Um som alto no andar de cima fez com que as orelhas arqueadas se movessem, acompanhando o movimento de passos pelo que parecia ser o corredor da mansão.
Lucien reconhecia aquele som, o ouvira mais vezes do que poderia contar. Olhando para Feyre, ele soube que ela também reconhecia. Feyre Archeron nem ao menos respirou antes de puxar Lucien Vanserra, atravessando-os para a Corte Noturna sem que Tamlin fosse capaz de adentrar em seu escritório.
Demetria esperava pelas Archeron mais velhas naquela manhã, parecendo tão confortável em seu casaco felpudo e satisfeita em aproveitar um chá ao lado de Amren que Nestha sequer atentou-se ao cintilar altamente perigoso dos olhos da Grã-Senhora, sentando-se a mesa que apresentava cestas repletas de pães recém-assados, além de travessas com queijo e presunto. Elain exibiu um sorriso, cumprimentando-as, seguindo os mesmos passos da irmã, não demorando para morbiscar um pão, os olhos de corça analisando o horizonte revelado pelas janelas.
─ Hoje, você irá treinar.─ Anunciou Demetria, os lábios ocultos atrás da xícara e olhos esverdeados centrados em Amren. Todavia, Nestha sabia que a Dama estava se direcionando à ela e Elain.
Archeron mais velha abaixou o talher que usava para desfrutar de um pedaço do bolo feito à base de frutas vermelhas.
─ Prometi torná-la fatal, Archeron.─ A feérica depositou a xícara na mesa, encarando Nestha.─ Mas, acredito que investir em sua magia será uma perda de um tempo que não possuímos.
A mais velha das irmãs arqueou uma sobrancelha, desacreditada de tais palavras, não sabia se deveria classificar o tom usado como ofensivo ou cordial pela forma que Demetria dissera.
─ No entanto, acredito que conseguirá usar seu corpo para se proteger e proteger sua irmã.─ A Grã-Senhora estalou os dedos. Nestha tentou conter o espanto ao deparar-se com a forma esfumaçada que aos pouco tornou-se uma feérica de belas feições.─ Nuala as ajudara à vestir os trajes e responderá qualquer coisa que esteja ao seu alcance.
Demetria ergueu-se. E Amren lhe acompanhou, sustentando um sorriso zombeteiro. Elain encolheu os ombros, lançando um olhar para Nestha, confusa por ter sido incluída no treino.
─ Sua promessa se estende apenas a mim, não há porquê Elain fazer algo desse tipo.─ A Archeron disse, os olhos tempestuosos lentamente retornando a fitar aquela Dama que levantou uma sobrancelha, os lábios rosados esticando-se em um sorriso.
─ Então, o que Elain Archeron planeja fazer?─ Questiona, a voz soando levemente gélida. Nestha reprimiu um resmungo pela postura arrogante da fêmea quando sua irmã encolheu os ombros.─ Deseja aperfeiçoar os jardins de toda a cidade, ou se depreciar por ter se tornado feérica e perdido sua adorável vida humana?
Elain não respondera, seus olhos de corça estavam inquietos.
─ Escute-me.─ Demetria piscou os olhos, o prateado que habitava neles intensificou-se.─ Não irei permitir que permaneçam em seus quartos como pequenas crianças com medo do mundo. Tornar seus lamentos em força é sua melhor opção, mas, se não desejam, me apresentem soluções melhores do que conter a raiva e o desespero e ir cuidar de jardins ou ler livros.
Diante do silêncio das irmãs Archeron, a Grã-Senhora analisou as feições claramente revoltadas de Nestha e as afligidas de Elain com certa satisfação. Não havia o quê retrucar. Estava certa em bloquear os meios que as permitiriam afundar em um caminho sem volta que só serviria para impedi-las de viver aquela nova vida, onde seriam capazes de feitos inimagináveis. Feyre Archeron ainda encontrava-se na Corte Primaveril, incapaz de decidir os caminhos de suas irmãs, mesmo que fosse a mais nova. Então, Demetria continuaria com a responsabilidade de manter as irmãs de sua espiã e amiga querida salvas, bem cuidadas, saudáveis mentalmente e fisicamente.
─ As quero lá embaixo em treze minutos.─ Declara, tocando nas saias de seu vestido com as pontas dos dedos.─ Se não aparecerem, temo dizee que eu saberei e vocês irão ter suas devidas punições.
─ Punições?─ Exclama Nestha, levantando-se.─ Não somos seus cachorrinhos para ter punições por não cumprir uma ordem sua. Você pode ser a Grã-Senhora deles, mas não é a minha.
Amren pareceu interessada na figura da Archeron mais velha, no brilho prateado que se acendeu em seus olhos azuis enquanto Demetria abanou o ar como se tovesse afastando um inseto desagradável.
─ Enquanto estiver em minha corte, dependendo de mim, infelizmente para seu espírito indomável, ─ Enunciou, após um breve e tenso silêncio.─ você é minha, Nestha Archeron. E pode desgostar o suficiente dessa verdade.─ Demetria sorriu, os passos sendo dados em direção às escadas.─ Quaisquer imprevistos, venham me encontrar na biblioteca.
A Dama dos Pesadelos se fora, mas Amren continuou. A feérica de olhos esfumaçados inclinou a cabeça, sua postura lembrando a de um predador, principalmente quando sorrira tão cruel quanto uma besta sem alma. Nestha não recuou como Elain havia feito, manteve o queixo erguido do modo que uma rainha certamente faria. A segunda no comando da Corte Noturna lhe achou interresante, parecida demais com a fêmea que tomou uma corte dominada por pesadelos.
─ Nestha Archeron.─ Soletrou o nome da ex-humana, saboreando as letras da mesma forma que fazia com sangue.─ Seja inteligente e, em vez de desafiar, una-se a crianças que tenham uma natureza igual a sua, como aquela fêmea que acabara de subir as escadas. Será capaz de dominar o mundo, caso o faça.
A expressão relaxada que ela apresentava e o fazia questionar a si mesmo repetidas vezes o motivo pelo qual Demetria gastara os últimos minutos em seu total foco no bordado que cuidadosamente tecia. Rhysand sumira poucos minutos após sua parceira descer para o café-da-manhã na companhia de Amren. E como a fêmea designou Cassian à cuidar do treinamento físico das irmãs mais de Feyre, deixara Azriel com a responsabilidade de mantê-la longe de supôr a razão pela qual o Grão-Senhor sumira, apesar de estar óbvio. Então, ele esteve fingindo finalizar ou ler relatórios, mesmo que as sombras sussurassem, dizendo-lhe sobre a Dama já saber do que se tratava aquela silenciosa vigilância.
Foram poucos minutos passados e Azriel acreditava que Demetria havia avançado o bastante no bordado ao ponto de reconhecer a recriação do que parecia ser os espíritos do Solstício atravessando o céu noturno de inverno. Vê-la concentrada daquela forma lhe lembrava os momentos em que a mãe de Rhysand permitia ser ajudada pelos três illyrianos, sabendo o quanto iriam arruinar seus tecidos.
As portas da biblioteca se romperam em um estrondo, uma Nestha vestida por couro illyriano e cabelos trançados atravessou o portal, caminhando na direção da Dama dos Pesadelos que nem ao menos dignou-se a olhá-la, ainda bordando.
─ Não irei treinar com ele.─ Grunhiu Archeron, fúria podendo ser vista em seus olhos. Demetria inclinou a cabeça, lentamente levando suas íris até Nestha que ajustou a postura, continuando a exibir feições irritadiças.
─ Na quarta coluna, terceira prateleira.─ Profere, soando quase que desinteressada.─ Há um livro, pegue-o e se sente.
Nestha Archeron sopesou suas opções, marchando e guiando-se para buscar o que fora pedido. Logo, estava sentando-se ao lado da fêmea de cabelos curtos que retornara a bordar, borrões brancos e azul formando um perfeito equilíbrio.
─ Página quarenta-e-cinco.─ Murmura. O som de páginas sendo passadas com certa suavidade e rapidez.
Franzindo o cenho, os dedos da recém-feérica deslizaram pela imagem de um Caldeirão erguido por mãos femininas esguias, brilhando. O líquido dourado que continha se derramava pelas bordas, efervescente e repleto por símbolos feéricos, acumulando-se na terra para formar aquilo que chamavam de mundo. Ela reconhecera a visão, fora afogada nela e obtinha inúmeros traumas, graças a isso.
─ As lendas dizem que tudo foi gerado a partir do Caldeirão, a magia que corre por nossos corpo vieram como consequência de nossa criação.─ Explica Demetria, esticando um dedo e cutucando o desenho do Caldeirão.
─ Por que está me dizendo isso?─ Nestha ergue os olhos, fitando-a.
A Dama dos Pesadelos suspira, fincando a agulha em uma das estrelas que acabara de fazer e deixando-o descansar nas saias de seu vestido.
─ Compreender de onde veio seu poder lhe fará obter certo controle sobre ele, Nestha.─ Azriel observa quando a fêmea de cabelos curtos pressiona as costas contra o estofado da poltrona, suas feições de repente carregando certo cansaço.─ Não sei o que você fez, mas, agora possuí um poder que veio daquilo que criou todo esse mundo e, para poder utilizá-lo plenamente, precisa fortalecer seu corpo. Apesar de desgostar, Cassian é um general, ele treina seu corpo todos os dias, já que a guerra pode vir a qualquer momento e precisa estar pronto.
Nestha abaixou a cabeça por um instante, aparentamente pensativa.
─ Eu o obriguei a dar algo em troca.─ Diz, exalando uma calmaria perturbadora. Demetria acenou, compreendendo os segredos por trás da fala. Nestha levantou-se, depositando o livro já fechado na cadeira que estava.─ Vou para meu quarto.
Quando a mesma alcançou as portas, uma leve bufada de poder brutal impediu Nestha de abri-las. A feérica virou-se para a Grã-Senhora, os lábios crispados, pronta para rosnar.
─ Amanhã, no mesmo horário.─ Declara, retornando ao bordado.─ Cassian esperará você e Elain, então, não se atrase, Nestha Archeron.
Não houve resposta. Porém, Demetria recolheu o próprio poder, permitindo que a refém-feérica se fosse. Os olhos verde-prata encararam Azriel e os papéis que ele segurava, as sobrancelhas franzidas.
─ E, Azriel, por favor, pare de fingir que está ocupado.─ Ela afundou a agulha, lentamente recriando mais um dos espíritos viajantes.─ Cassian vai precisar descontar a frustação com alguém, ajude-o com isso.
Azriel acenou, mas continuou sentado. Demetria revirou os olhos, enxergando que precisaria continuar suas palavras.
─ É uma ordem de sua Grã-Senhora, Mestre-Espião.
Parado em ruas iluminadas, dominadas pela sinfonia das músicas e das risadas, Lucien viu-se tropeçando levemente nos próprios pés, encarando seu redor. O olho de metal rangindo quando encarou uma loja que possuía suas vidraças quebradas e claros arranhões de garras em suas paredes de tijolos, detalhes que se repetia ao longo da rua nas mais diversas lojas e cabanas visando vender comidas saborosas. Aquela visão era tão parecida com a Corte dos Pesadelos que Demetria construiu que o macho esperava a aparição de Jolriel e Kirk, porém, nenhum deles apareceria. O emissário sabia de tal informação, mas não compreendia onde estava.
─ Lucien.─ Sua atenção foi atraída para Feyre. A feérica ergueu uma sobrancelha, silenciosamente perguntando-lhe o motivo pelo qual encontrava-se parado em meio a uma rua movimentada.
─ Onde estamos?─ Pergunta, aproximando-se. A Archeron lançou um olhar para o rio abaixo, alívio crescente poderia ser enxergado em seus olhos azuis-cinzentos. Mas, então, retornou a caminhar, os pés descalços e roupas tão finas que era possível enxergar o contorno de seus seios. Lucien reprimiu um rosnado quando um Grão-Feérico passou por eles, deparando demais na silhueta de Feyre
─ Velaris, a cidade da luz estelar.─ Responde ela, uma calma prazerosa sendo refletida ao passo que analisava seu redor, tentando se localizar antes de seguir por uma rua. O macho reparou que estavam subindo a rua, onde mansões e prédios não-comercial erguiam-se, tornando os caminhos menos movimentados.─ Demetria não te disse?
─ Não havia como, não podia ficar muito tempo distante da Primaveril.
Feyre aceita suas palavras, os passos reduzindo a velocidade até que parassem em frente a uma das mansões, aquela que parecia a mais adornada e grandiosa comparada às outras. A feérica respira, os lábios esticando em um sorriso quando cruzava o jardim da frente, abrindo a porta que se abriu facilmente ao seu toque. Lucien lhe seguiu.
Se surpreendendo quando parou na antecâmara de madeira e mármore, avaliando a sala de jantar e a sala de estar que se abriam para o pequeno jardim da frente e a rua, as escadas para o segundo andar, depois o corredor ao lado que dava para a cozinha e o jardim do pátio. Feyre desapareceu entre as paredes, chamando por nomes que reconhecia ser o do General da Corte Noturna e da famosa portadora da verdade, Morrigan. Ainda tentando compreender a situação que se desenvolvia, Lucien caminhou pelo tapete felpudo, poderando suas decisões.
─ Não deveria estar aqui, filho do Grão-Senhor.─ Enuncia uma voz. Há uma feérica de pele escura fitando-o, próxima ao batente de madeira que dava acesso à cozinha, similar a uma sombra.
Ela parecia estar pensando nas consequências que sua corte teria que arcar, caso o atacasse. Lucien recuou.
─ Cerridwen?─ Chama Feyre. Pelo som, ela encontrava-se no andar de cima. A fêmea ergue a cabeça, os olhos enchendo-se de surpresa. Há passos, não demorou para a espiã da Corte dos Pesadelos cruze a porta.─ Cerridwen!
Feyre liberou um riso de felicidade, jogando-se nos braços da fêmea, abraçando-a.
─ Você está bem.─ Afirma Cerridwen, tocando nas bochechas de Feyre que acenou.─ Nuala e eu, ficamos preocupadas quando a Senhora disse que estava em missão na Primaveril.
─ Eu sei.─ Archeron sorriu, mas retrocedendo, segurando as mãos da amiga.─ Os outros estão na Casa do Vento? Todos estão bem? Minhas irmãs?
─ Sim, todos estão.─ Respondeu, prontamente. Seus olhos hesitantes em Lucien que mantinha distância.─ Madja curou Azriel e as asas de Cassian. A Senhora retornou com suas irmãs há poucos dias, elas estão bem.
Feyre suspirou, fechando os olhos, os ombros erguendo-se levemente como se um peso tivesse sido retirado deles. O macho sorriu com tal visão. Sua parceira parecia relaxada naquela cidade, os olhos contendo euforia e sorrisos fáceis. Feyre Archeron estava imensamente feliz, não havia motivos para verbalizar, dava para saber o quanto aquela corte era significativa.
─ Está magra.─ Cerridwen murmura, ligeiramente desgostosa.─ Venha, acabei de tirar alguns biscoitos do forno.─ Feyre deixou com que a feérica lhe puxasse, mas antes de adentrar na cozinha, seus olhos acinzentados pararam em Lucien. E ela firmou seus passos.
─ Você não vem?─ Pergunta para o emissário que pareceu surpreso.
Por um momento, Feyre teve a impressão que seus cabelos carmesim se iluminaram, trazendo uma imagem de um rio de lava para a mente de Feyre. Mas levou como uma mera ilusão causada pela a luz que se infiltrava na mansão através das janelas. Lucien sentou-se em seu lado, observando Cerridwen depositar uma vasilha feita de vidro na mesa, acompanhando por taças de vinho.
─ Se todos estão na Casa do Vento, por que está aqui?─ Archeron captura um biscoito, experimentando o gosto de nozes e chocolate. Um sorriso enfeitou o rosto sombreado.
─ O Grão-Senhor veio até a cidade.─ Lhe respondeu.─ Está procurando por um presente, quer dá-lo a Senhora.
─ E Demetria?─ Murmurou Lucien, bebericando o vinho.─ Como ela está?
Cerridwen lhe ofereceu um olhar, virando-se para Feyre.
─ A Grã-Senhora esteve zelando pela segurança de suas irmãs e organizando os Precursoras da Escuridão para a guerra.─ Compartilhou.─ Escaparam da Corte Primaveril em boa hora, os convites para a reunião foram enviadas e as respostas já estão sendo aguardadas.
Feyre Archeron e Lucien se encararam. A fêmea separou os lábios, pronta para questioná-la sobre. Porém, o cheiro de vinho e neve lhe alcança. Feyre já está de pé quando a figura de Rhys aparece. O macho de olhos estrelados sorri, parecendo nada surpreso.
─ Olá, Feyre querida.
Ela riu, sendo acolhida pelos braços que se abriram para recebê-la. Rhysand sorriu, pressionando um beijo na têmpora da Archeron antes de afastá-la, analisando-a. Então, o Grão-Senhor encara Lucien que observava toda interação.
─ Demetria ficará feliz em ver os dois, esteve esperando vocês todo esse tempo.
A Casa do Vento foi construída em uma das montanhas, entalhada por pedras vermelhas e aquecida pelo sol com inúmeras varandas, pátios projetando-se sobre a queda até o leito do vale. Feyre Archeron não sabia o sentimento que possuía seu corpo quando Rhys aterrisou na varanda em frente a sala de jantar, deixando-a ali antes de retornar para a Casa na Cidade, visando buscar Lucien. Por um momento, ela continuou ali, respirando com as mãos trêmulas pela ansiedade de encontrar aqueles que considerava família.
A única memória que obtinha deles fora um completo caos. Na época, mal sabia se era possível para Cassian sobreviver com suas asas membranosas, aquela possibilidade do mesmo ser incapaz de realizar o que mais amava lhe perturbou durante todos os dias na Corte Primaveril. A poça feita do sangue de Azriel também morou em seus pesadelos. As feições abaladas de Mor e Rhys. A fúria mortalmente dominada pelas sombras de Demetria. Às vezes, Feyre despertava na Primaveril, pensando que tudo fora um pesadelo interrompido e todos encontravam-se mortos.
A certeza de que estavam bem, preparando-se para as batalhas que viriam e focados em garantir o bem-estar de suas irmãs. Dizer que sentia um completo alívio é insuficiente. Chegou aos seus ouvidos o som do deslizar das portas de vidro da varanda, ela ergueu a cabeça e um sorriso iluminou suas feições quando enxergou Demetria.
A Dama dos Pesadelos encontrava-se com uma mão em uma das portas ainda e a outra carregando o que parecia ser um bordado, os olhos esverdeados com manchas prateadas presos na Quebradora da Maldição, os lábios tremendo, parecendo conter um sorriso que não demorou a se espalhar. Ela estava tão bem quanto merecia estar. O vestido impecável, os cabelos curtos sem nenhum fio fora do lugar.
Os olhos de Feyre encheram-se de lágrimas.
─ Feyre?
Ela balançou a cabeça. Demetria riu. Feyre acredita que já estava chorando quando foi abraçada pela fêmea, sendo apertada por seus braços. Ela soluçou. Não fora pela saudade ou alívio. Fora pela realização de que finalmente encontrava-se em casa.
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