nine. god save the queen
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O sol lentamente surgia, ultrapassando o horizonte quando Lucien pôs os pés em uma das inúmeras sacadas da Casa do Vento quando notara a presença de Demetria. Ambos mal tiveram algum momento a sós para conversarem, mantendo-se presos a trocar olhares e silenciosamente apoiar um ao outro da forma ocorreu naturalmente, apesar das razões que levara Lucien a se ajoelhar em frente à Dama dos Pesadelos.
E naqueles primeiros instantes da manhã, quando podia-se notar indícios do orvalho espalhando-se pelas terras noturnas, o feérico viu-se trilhando um caminho até estar sentado ao seu lado. Ela havia abandonado seus amados vestidos e utilizava um belo conjunto azul, tendo os cabelos em um penteado meio-preso e meio-solto. Demetria continuava a ser uma imagem tão longe quanto próxima daquela fêmea que assistiu ter os dedos quebrados em frente às sete cortes de Prythian e que cruelmente articulou uma revolta para libertar todo um povo. Ainda sustentava aquela crueldade nos olhos mas liberava risos dominados de alegria sem hesitar.
─ Não há resposta de nenhum dos Grão-Senhores.─ Comenta ele, os olhos fixos no horizonte.
A fraca chuva caindo sobre a cidade agregavam uma cena que só havia presenciado em pinturas, onde os raios solares atingiam as gotas espalhando as cores do arco-íris pela cidade, como se estrelas estivessem se despertando por entre as ruas que encontravam-se acordando. Era uma visão que poucos eram capazes de testemunhar e Lucien agradecia Feyre por trazê-lo até ali. O título de Cidade da Luz Estelar nunca lhe fez tanto sentido.
─ Não tem porquê se preocupar. Apesar de suas birras, eles são líderes de uma corte inteira, pensarão em seu povo.─ Demetria o responde, sorrindo suave. Os olhos pareciam ainda mais dominados pela coloração prata.
─ Duvido que Beron terá alguma preocupação com eles.─ Ele diz, pensando na forma cruel que o Grão-Senhor outonal conduzia a própria corte.
─ No entanto, ─ A feérica sorri, os dedos sendo guiados até os bolsos de sua calça, erguendo um tecido escuro e estendendo-o para o macho.─ possuí uma estranha atração pelo lado mais forte.
Lucien franziu as sobrancelhas carmesim, um sorriso erguendo os lábios e seus olhos a encaram, uma centelha de um brilho quase tão intenso quanto o sol brotando naquelas orbes. Naquele tecido, havia uma noite estrelada bordada. Estrelas cadentes que possuíam uma mistura de colorações branca, azul, e verde-pálida, uma explosão como fogos de artifícios.
─ Nosso solstício de inverno é um pouco diferente das outras cortes.─ Revela Demetria, notando os traços de curiosidade e encanto nas feições do macho.
─ Acredito que terei que vê-lo pessoalmente para saber.─ Diz, após o silêncio cheio de implicações deixado pela fêmea que esboçou um sorriso.
Demetria sorri, confirmando as palavras ditas e Lucien balança a cabeça, um riso leve escapando por seus lábios durando um mísero instante tornando-se um suspiro. Palavras não precisam ser ditas para que ela compreendesse os motivos pelo quais o feérico parecia tão preocupado. O futuro encontrava-se incerto. Ninguém compreendia ou ousava questionar quem sairia vitorioso naquela guerra que se aproximava e Lucien possuía muitos assuntos pendentes, principalmente com a fêmea que é sua parceira e sequer tinha noção.
Esticando uma mão, tocando no ombro masculino, ela o direciona um olhar, as manchas prateadas cintilando sob o brilho do sol que já alcançava os céus. Ela não precisou falar, mas Lucien entendeu e se sentiu agraciado pela presença da Dama dos Pesadelos em sua vida.
Pela primeira vez nos séculos que se passaram, sentiu o que era ter uma amiga. Não era um sentimento de dívida que se sobressaía sobre todas suas atitudes quando tratava-se de Tamlin, não se tratava de aguentar constantes abusos psicológicos, uma repreensão ilimitada. Na verdade, era algo acolhedor, quente como um cobertor em seus ombros durante o inverno. É uma certeza inegável que há uma pessoa capaz de destruir exércitos por si, de quebrar os laços com a própria família se isso significasse defendê-lo.
Desde a morte de Jesminda, Lucien viu-se sem um lugar que pertencesse a ele. Corte Outonal jamais fora um lar mas, pelo menos, ele estava próximo à quem amava. Corte Primaveril sempre seria um refúgio que acabou sendo obrigado a aceitar por conta do desejo de retribuir Tamlin pela ajuda. Mas, por mais impressionante que fosse, aos poucos Lucien descobria um lugar que poderia chamar de lar. A Corte Noturna sempre foi responsável pelos contos aterrorizantes que o mantinham acordando enquanto criança, todavia Demetria o mostrou que poderia criar uma vida ali, como seu emissário e um dos fiéis seguidores de sua Grã-Senhora. E encontrava-se emocionado, emocionado, por ter cruzado seu caminho com o dela, mesmo que ela tenha o feito primeiro ao curar suas costas brutalmente machucadas enquanto ainda estavam presos no governo de Amarantha.
─ Obrigada, Demetria.─ Ele disse cada letra com todo o coração e seus olhos entregaram toda a verdade que ela já sabia.
Briallyn é uma rainha, sempre fora destinada a ser uma desde os tempos antigos quando o fato das mulheres reais serem herdeiras legítimas do trono tornou-se muito mais do que uma tradição. Desde que era uma criança, ela fora proibida de participar de eventos que não fossem políticos, excluída de uma vida pertencente a uma criança, forçada a criar pensamentos sólidos voltados para os reinos e na relação que deveria desenvolver com cada rainha.
Aos dezoito anos, quando sua mãe adoeceu repentinamente, ela já havia absorvido todos os ensinamentos necessários quando se tratava das responsabilidades de uma monarca e entendia que faltava pouco para que se sentasse no trono, contando com as outras rainhas para governar os reinos mortais com sabedoria. Ninguém jamais comentara em sua frente mas Briallyn fora uma criança quando assumiu o trono, jovem demais para ter que suportar a dor de perder uma mãe e o peso que a coroa trazia, mas milagrosamente forte para aguentar tudo, não demorando a se casar com um Grão-Duque e garantir uma posição ainda mais sólida no reino ao engravidar o mais rápido possível.
Pelos vinte anos que se seguiram, ela governou como a mais sábia e bela dentre as rainhas, apresentando ideais que eram admirados por seu povo e toda a realeza. Até nascer uma rainha mais bela e inegavelmente inteligente. Vassa é radiante desde que era apenas uma menina, acompanhando a mãe nas reuniões das rainhas, mantendo os olhos e ouvidos atentos. Cabelos semelhantes ao fogo que dominava as lareiras por todo inverno e olhos azuis deslumbrantes, ela sequer chegara a maioridade mas todos comentavam sobre o quanto Vassa seria capaz de superar todas as rainhas que vieram anteriormente, o quanto a jovem princesa simplesmente apagaria todas as rainhas com sua vivacidade.
Briallyn viu-se tomada pela fúria. Então ela sacrificou toda sua juventude, seus sonhos e paixões para que uma outra mulher tomasse todos seus títulos tão facilmente? Ah, não, ela jamais irá permitir tal absurdo. Se acreditavam que Vassa seria muito mais do que ela, então, era dever de Briallyn como rainha mostrá-los quem merecia ser respeitada da maneira que uma governanta deveria ser.
E quando o rei feérico de Hybern ao lado do humano que apenas ouviu falar através de lendas apareceu em seu caminho, ela apenas pensou que era a oportunidade de livrar-se de Vassa. Deixar a garota presa a um esperto feiticeiro no corpo de uma ave de fogo enquanto dispensava boatos sobre o mal-estar persistente da rainha mais nova dentre as mortais reais. Aos poucos, Briallyn retomou sua influência e poder. Tudo parecia estar tomado pela paz após a tempestade turbulenta, principalmente com a notícia de que poderia se tornar imortal, graças ao Caldeirão.
Tudo parecia bem, os planos que cuidadosamente traçou para garantir sua glória se guiavam na direção do sucesso e da sua maior realização, porém mais uma vez ela presenciou toda vida que desejava ser transformada por conta de uma garota feroz e de beleza admirável. Briallyn jamais se esqueceria daquela maldita mulher que estragou seus planos com aqueles danados olhos tempestuosos e a ferocidade de uma fera que acabara de ser liberada da sua jaula.
Nestha Archeron pagaria por ter a transformado naquilo. Briallyn perdera a beleza que ainda fazia seu povo repensar antes de questioná-la. Seus cabelos tão negros quanto a noite encontravam-se grisalhos, sua pele estava distorcida pelas rugas que vinham com a idade e as orelhas arqueadas serviam para lhe lembrar do enorme erro que cometera. Ela estava presa a um corpo imortal mas velha, condenada a uma vida eterna como uma idosa.
Ela grunhiu, fitando seu reflexo no espelho, as mãos se erguendo e unhas fincando-se naquela pele enrugada, resistindo por pouco ao desejo de arrancá-las. Briallyn mataria aquela garota audaciosa por aquilo. Graças ao seu envelhecimento repentino, há boatos espalhando-se pelos corredores do castelo, todos eles sussurravam sobre o que as rainhas fizeram em nome da própria ambição e sobre a fúria das falecidas primeiras rainhas que as amaldiçoaram por terem feito contato com feéricos novamente.
Imbecis, Briallyn os considerava como tal. Como se os mortos tivessem algum poder para moldar os vivos.
─ Tenho a breve impressão de que você era jovem.
A rainha arregala os olhos, afastando-se de sua penteadeira, encarando seu quarto, as velas mal conseguiam o iluminar por inteiro, tornando-o uma mistura de sombras distorcidas e paredes banhadas por cores alaranjadas. A mulher não conseguia enxergar completamente o quarto, não conseguia identificar de onde viera aquela voz maliciosa e sussurrante. Ela recuou, cuidadosamente procurando por algum objeto afiado entre as caixas de jóias. Com os boatos, sempre vinham os assassinos contratados pelos nobres, apesar de Briallyn não possuir uma filha com idade suficiente que pudesse herdar o trono. A mais velha acabara de completar sete anos de idade e sequer começou os estudos necessários.
─ Quem está aí?─ Perguntou em voz alta. O silêncio lhe recebeu, arrepiando seu corpo por inteiro.─ Sou a rainha de Ruendry, ordeno que se revele!
Briallyn ficou tensa quando um riso parecido com o tilintar de sinos espalhou-se pelo cômodo, uma terrível sinfonia aos seus ouvidos, uma promessa nada silenciosa de morte. Ela reconheceu aqueles olhos esverdeados dominados por manchas prateadas quando aquela feérica surgiu, quase como se tivesse saído de uma sombra. O vestido que trajava cintilou quando moveu-se e atrás de si, podia-se ver a figura de uma mulher. As feições afiadas e olhos azuis insensíveis esquentaram e esfriaram as veias da rainha quando notara o quão cruel Nestha Archeron parecia em meio a escuridão, vestida de um couro escuro e uma espada despontando por trás de um dos ombros.
─ Olá, rainha de Ruendry.─ Cantarola a fêmea, os cabelos curtos roçaram nos ombros desnudos enquanto se curvava de forma debochada, sustentando um sorriso.─ Devo dizer que é um prazer revê-la.
Briallyn rosna, irada.
─ Cale-se, besta!─ Nestha Archeron dá um passo a frente e sem pensar duas vezes, a rainha agarra uma de suas caixas de jóias, jogando-a na direção da feérica.─ Não chegue perto!
A fêmea cujo nome não sabia se moveu, erguendo uma mão em frente a arrogante garota que havia causado a perda de sua beleza, impedindo-a de avançar na direção da rainha que encolhia-se ainda mais contra o móvel atrás de si, semelhante a uma presa na frente de seu predador. Ela exibiu um sorriso, um que arrepiou a pele de Briallyn.
Como rainha de um povo que fora escravizado pelos feéricos, se manter longe daqueles seres inundados de magia é a coisa mais sábia que deveria fazer. Sua mãe desperdiçou mais do que anos para lembrá-la da crueldade, de tudo que foi sacrificado apenas para garantir a liberdade que possuíam naquele momento. Havia um cômodo conectando todos os palácios das rainhas mortais, criado especialmente para mantê-las lembradas de que humanos são frágeis, meras carcaças inúteis comparadas aos corpos imortais e completamente inchados de magia, demônios desejando por sangue.
Ela havia se esquecido daquilo, da história que todos se esforçavam para esquecer. Ela esqueceu-se que eles eram responsáveis pela submissão e libertação dos humanos. Briallyn possuía uma coroa entre os cabelos porquê um feérico permitiu que fosse assim.
─ Imagino o quão pouco deve ter oferecido para fazer vocês se curvarem.─ Murmura a tal fêmea, inclinando a cabeça.─ Uma vida imortal é realmente tudo que desejavam ou havia mais?
Briallyn manteve em silêncio. Os olhos ocultos nas sombras adotaram um brilho frio.
─ Responda.─ Grunhe Nestha. A rainha não mais mortal direciona um olhar a ela, revirando os olhos.
─ O maldito rei feérico lhe deu um presente.─ Diz, erguendo um dedo, apontando-o para ela.─ O que você conseguiria com uma vida mortal patética? Nada, mas, ele lhe deu tudo. Oportunidade de ser o que jamais conseguiria ser. Você e sua irmã podem usufruir de coisas que jamais seriam capazes caso fossem humanas. Mas, claro que uma garotinha como você jamais entenderia e iria arruinar isso para mim.
─ Nunca pedi por um presente.─ Rosna Nestha e a fêmea que se encontra próxima se afasta, deixando a Archeron trilhar um caminho até a rainha.─ Minha irmã nunca sequer pensou nisso, mas você a forçou a isso. Ela perdeu tudo que tinha e merecia ter.─ A rainha escorrega, pressionando as costas contra a parede. Um sorriso fora adornado nos lábios da feérica vestida de couro illyriano quando notara o temor nas orbes da realeza.─ E você vai pagar por isso.
A fêmea que acompanhava Nestha não a interrompeu novamente quando a mesma agarrou o braço da rainha, derrubando-a com facilidade no piso como se não fosse nada. Os ossos de Briallyn resmungaram no instante que sentiu o pé da Archeron contra seu peito, prendendo-a. A lâmina prateada refletiu a luz das velas quando foi erguida e Briallyn arregalou os olhos.
─ Você não ousaria.─ Ela fala, os lábios ainda tremendo. Nestha inclinou a cabeça, segurando o cabo com mais força, não havia nenhuma sugestão em seus gestos.
─ Não tem idéia do que eu não ousaria fazer.─ A espada desceu, cravando-se bem ao lado da cabeça da rainha que gritou, sentindo uma de suas orelhas arqueadas queimar com o corte aberto ali. Nestha ergueu a lâmina novamente, o sangue ali escorregou, atingindo a bochecha esquerda da rainha. Seu engasgo aumentou o sorriso da Archeron.─ E cortar seu pescoço é uma delas.
─ Você não vai fazer!─ Briallyn arrisca.─ Sou a rainha, eles iriam atrás de mim, vocês jamais conseguiriam lidar com outra guerra.
─ Humanos não são páreo para os feéricos.─ Responde, zombaria tornando-se sólida.─ No final, talvez eu devesse agradecê-la por me tornar nisso, não irei ser destroçada tão facilmente quanto seus exércitos.
Briallyn não poderia morrer, ela havia cobiçado tornar-se mortal por um motivo e não desistiria dele tão fácil.
─ Faço qualquer coisa que quiser, realizo qualquer desejo que tiver, só...─ Ela engoliu seco vendo-a arquear uma sobrancelha, mais uma gota de sangue caiu em sua bochecha.─ Não tire minha vida! Lhe dou de tudo! Apenas não tire minha vida de mim!
Nestha Archeron não lhe respondeu, apenas direcionou sua atenção para a fêmea misteriosa que observava toda cena com desinteresse, analisando as jóias que escaparam da caixa de jóias.
─ Você não se envolverá nessa guerra.─ Fala a tal feérica, ainda sem fitar as humanas que se tornaram imortais.─ E garantirá que as outras rainhas não irão fazer o mesmo.
Briallyn fechou os olhos, mordendo os lábios com tanta força que sentiu o gosto do próprio sangue na ponta da língua.
─ Nós saberemos se estiverem planejando algo, então, sequer pensem em cogitar ou Nestha ficará feliz em ter suas cabeças.─ A fêmea gesticula na direção da Archeron que acabara de deslizar a lâmina prateada pelo pescoço, abrindo um corte superficial.
Briallyn continua quieta.
─ Venceremos essa guerra, Briallyn. E quando a terminarmos, podemos facilmente ir atrás de todas as rainhas pela traição, sabe muito bem disso.─ Ela estala a língua.─ Do mesmo jeito que atravessamos as barreiras, podemos simplesmente derrubar seus palácios e tornar suas coroas nossas.─ A fêmea de cabelo curto se aproxima, inclinando-se brevemente e mantendo a mão estendida.─ Você manterá todos os exércitos mortais longe da guerra e, em troca, gentilmente permito que tenham suas cabeças. Temos um acordo ou não?
Não havia escapatória. Briallyn não hesitou em colar sua palma com a da feérica e um grito escapou por seus lábios quando sentiu uma queimação intensa na região de suas costas.
─ Se tornou uma feérica, imagino que devemos mostrá-lo como acordos sempre são cumpridos.
Nestha Archeron se afasta, ainda sustentando a espada e olhos frios em uma promessa silenciosa de que ainda iria cumprir o que tanto desejou fazer naquela noite. Briallyn manteve no piso, encolhida e paralisada como um rato na frente de dois gatos famintos.
─ Cometa um erro e sua cabeça será minha. Nunca esquecerei que você tirou tudo da minha irmã e que deve pagar por isso.
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