forty six. mission
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O sol mal havia aparecido no horizonte entre as montanhas gélidas quando Feyre sentiu os lençóis de pele que utilizava para cobrir seu corpo serem puxados brutalmente e então, viu-se sendo encarada por olhos esverdeados manchados pelo prateado. Demetria possuía uma fita em torno de seus curtos cabelos castanhos e no seu corpo, o uniforme illyriano se encontrava sendo ostentado. A feérica não disse nada a ex-humana, apenas sorriu causando o cintilar de suas orbes e, logo, Feyre parecia saber exatamente o que deveria fazer. Não demorou muito em vestir-se também de couro illyriano, espalhando adagas por seu corpo e hesitando levemente quando agarrou um arco illyriano, pondo-o em suas costas em um movimento ágil.
A Dama dos Pesadelos se encontrava em meio a neve, os olhos fixos nas mulheres illyrianas que já podiam ser vistas vagando pela aldeia, carregando cestas tanto de comida, tanto de roupas. Ela apenas se virou para fitar a ex-humana quando a mesma parou ao seu lado, armada e pronta para enfrentar o que quer que fosse destinado. Demetria inclinou levemente a cabeça, analisando-a cuidadosamente antes de sorrir como se estivesse satisfeita e então, ergueu um dedo, apontando para uma direção entre as árvores, cujas copas sustentavam neve, tornando o verde em um borrão pálido.
─ Perto de um córrego, você encontrará um amigo meu, ─ Disse ela, a voz suave.─ você pegará um pergaminho e o trará até mim.─ Feyre assentiu, os olhos azul-acinzentados presos na direção que foi indicada. Demetria suspirou e ergueu uma mão, tocando no ombro da jovem feérica com cuidado, um gesto dominado de afeição que fez Feyre lembrar de um tempo sombrio, onde Demetria a ajudou quando tudo pareceu tão sem esperança.─ Não me decepcione.
E, Feyre não disse mas prometeu a si mesma que não o faria.
Por isso que suas botas afundavam na neve, pisoteando galhos e notando que o som da maneira tênue se partindo conseguia ser tão alto quanto um trovão em meio a quietude da floresta, o arco encontrava-se em suas mãos mas a incerteza de conseguir ou não utilizá-lo prevalecia, afinal a corda era tão firme e pesada que seria difícil efetuar um rápido disparo. O cenho se franziu, notando que em determinado ponto o chão se inclinava e terminava em um córrego cinzento e forte, o vento soprava levando seu cheiro mais pra sul quando ela escorregou pela neve, derrapando até que estivesse a beira do córrego.
Era na mesma direção que seguiu, então, estava certa. Naquele momento, por conta do barulho ruidoso gerado pelo córrego e o vento, ela não conseguiu escutar até que o mesmo estivesse em sua frente. Com cabelos carmesim presos para trás, armadura de couro junto de facas e espadas, o olho metálico rangeu quando Lucien a fitou, a pele dourada se tornando pálida aos poucos. A chuva começou a cair no momento que Feyre ergueu o arco, as mãos trêmulas, porém havia firmeza em seu olhar, algo que a levou esticar a corda o máximo que podia, mesmo que o ato tivesse feito cortes nos seus dedos. Lucien ergueu os braços, tenso e surpreso.
─ Feyre...
─ Não.─ A palavra rouca ecoou pela floresta.─ Como me encontrou?
O macho piscou os olhos e um sorriso adornou seus lábios ao notar o brilho selvagem nas orbes azul-cinzentas que o fez lembrar daquela humana que se recusava a ser uma presa perante os feéricos, mesmo se um desses feéricos fossem um Grão-Senhor. E, se fosse analisá-la melhor, poderia notar as bochechas salpicadas por sardas coradas e que não se encontrava mais com a aparência de pálida e magra cadavérica daquela mesma sombra que vagava pela Corte Primaveril, permitindo que tomassem decisões por si, até mesmo no seu casamento.
─ Não vou perguntar novamente, Lucien.─ Rosnou ela, os dedos se tornando cada vez mais firme em torno do arco em suas mãos.─ Como me encontrou?
Seu sorriso apenas cresceu e memórias tomaram sua mente, lhe levando ao momento que aquela Feyre, aquela humana capturou um Suriel e enfrentou Nagas para libertá-lo, mesmo sabendo da natureza incerta dos feéricos. Daquela que jamais dispensou palavras afiadas e petulantes referentes a Tamlin e a si, jamais abaixando sua cabeça diante deles por mais que seu instinto e temores implorassem que o fizessem. Aquela que se arriscou em meio ao Calanmai para saciar sua curiosidade. Incapaz de frear sua mente e, muito menos, seus lábios, uma vez que as palavras saltaram antes que pudesse impedi-las:
─ Senti saudades de você, humana estúpida.
Algo bem próximo de ódio fervilhou nas veias de Feyre que rapidamente disparou uma flecha que viajou pelo ar, cortando a chuva até acertar um ponto atrás do Grão-Feérico, cujo sorriso nem ao menos chegou hesitou com o ato da feérica, o que fez aquele sentimento mais perigoso que a raiva tornou sua visão em vermelho quando mais uma flecha foi recolocada em sua mira, apenas aguardando o momento para ser disparada novamente.
─ Eu estava morrendo, Lucien. Eu era ossos e pele mas continuaram me pressionando, continuaram ignorando que estava morrendo, você ignorou que eu estava quebrada, sangrando e ninguém sequer ousava tentar me curar.─ A flecha se inclinou em sua direção. E os ombros de Lucien se encolheram com as palavras possuídas pelo rancor e raiva que aos poucos se acumulou conforme Feyre ia sendo apresentada a uma família, uma verdadeira família que a ensinou a ser mais forte do que jamais poderia ser, não debaixo da proteção de Tamlin e de sua corte.─ E, agora, que estou bem, melhor do que nunca estive e nunca teria sido se tivesse continuado do lado de Tamlin, do seu lado. Então, não me diga que está com saudades, suas saudades são nada para mim, você é nada.
─ Está certa.─ Disse, a respiração acelerada e o queixo erguendo-se, como se estivesse pronto para enfrentá-la da mesma maneira que costumava fazer em um tempo que parecia sombrio mas possuía momento de felizes ao lado daquela humana.─ Você não passava de uma sombra, um brinquedinho que Tamlin usava para não se sentir tão miserável e talvez esse é o motivo pelo qual está fazendo de tudo para trazê-la para a Primaveril. Talvez ele venha até essa corte e a arranque dos braços de Rhysand do mesmo jeito que a tirou de sua família.─ Suas palavras saíram frias à mesma medida que suas mãos se abaixavam e seus dedos roçassem no couro da pequena bolsa presa em sua cintura. A feérica mostrou os dentes, e mais uma flecha flutuou pelo ar. Lucien inclinou levemente a cabeça para o lado, mal dando importância quando o ferro cortou fios de seu cabelo carmesim quando o fez.
─ Então quero vê-lo tentar. Se Tamlin me quer novamente, presa naquela maldita mansão e definhando com todos fingindo-se de cegos, tudo bem. Eu quero vê-lo tentar, pois juro pela Mãe que irei matá-lo, jogarei toda nossa maldita história no lixo como ele fez e irei matá-lo por ter me deixado ser consumida pelo inferno.─ Disse ela, cada letra acompanhada das camadas de aço que aos poucos cobriam seus olhos azuis tornando-os ainda mais cinzentos. Lucien sorriu novamente, parecendo satisfeito quando ergueu os ombros e maneou com a cabeça.
─ Bom, eu não posso dizer que ficaria triste por isso.─ Em passos lentos, arrastando suas botas pela neve até que finalmente se virasse, dando as costas para a Grã-Feérica que apertou forte o arco em suas mãos, os dedos tornaram-se trêmulos quando preparou-se para atingi-lo com uma flecha, porém se manteve aguardando e continuou daquela maneira até que ele olhasse por cima dos ombros, lhe enviando mais um sorriso antes de se tornar fumaça e cinzas desaparecendo.
Feyre respirou, abaixando o arco, deixando que a flecha escorregasse dentre seus dedos e atingisse a neve, se afundando. Ela respirou mais uma vez, largando o arco e permitindo que tivesse o mesmo destino que a flecha. Ela respirou por uma segunda vez e, dessa vez, foi ela que desabou, caindo na neve, tentando agarrá-la com suas mãos, procurando algo que a mantivesse firme, confiante que se encontrava longe de Tamlin e de seu constante abuso, buscando algo que a lembrasse que era Feyre Archeron, que não era um bichinho de estimação mas sim uma caçadora, alguém que todos deveriam temer, uma vez que quando se encara a escuridão por tanto tempo, ela começa a encarar como uma resposta.
A chuva gélida continuou caindo, escorrendo pela gola do traje da ex-humana e encharcando completamente suas roupas enquanto suas mãos continuavam apalpando a neve, seus dedos adentrando no cobertor branco e frio até que sentissem a terra que havia por debaixo. Feyre respirou por uma última vez e ergueu o queixo, fitando o céu nubloso e os galhos das árvores.
Ela não era mais humana. Fazia muito tempo que encarou seu reflexo, enxergando as orelhas pontudas, os traços que se tornaram exoticamente tão lindos e limpos que chegava a doer, mas pareceu que só naquele momento que realmente aceitou aquela verdade que sempre esteve em sua frente, porém facilmente ignorada quando se encontrava rodeada pela proteção sufocante de Tamlin e de todos de sua corte, sendo tratada como alguém fraca e frágil exatamente igual a humana que já fora. Ela era uma Grã-Feérica, jamais seria fraca a não ser se permitisse. Ela era dona de seu destino e nunca permitiria que eles tomassem a rédea do que lhe pertencia novamente.
Piscando os olhos, Feyre retirou as mãos da neve e franziu os olhos ao sentir algo roçar em seus dedos. As sobrancelhas se franziram quando agarrou o que parecia ser couro enrolado ao redor de algo que a feérica descobriu ser um pergaminho após desenrolar o couro. E quando a realidade lhe atingiu com força, o ar em seu pulmões se foi.
─ Está sorrindo.─ Notou Cassian, desconfiança dominando sua voz quando encostou-se no batente da porta e se deparou com Demetria retirando uma chaleira contendo chá quente do fogão. A Grã- Feérica o olhou, o cenho curvando-se aos poucos conforme virava na direção do general.
─ Está sonhando ainda?─ Perguntou, inclinando o objeto em mãos e conduzindo o líquido até a xícara que anteriormente depositou na mesa.─ Não estou sorrindo.
Cassian deu de ombros, caminhando até a mesa e capturando a xícara antes que a Dama dos Pesadelos pudesse reclamar algo, ingerindo o líquido quente em um único gole, os lábios se esticando em um sorriso provocador, mesmo que sentisse o chá deslizando por seu corpo, aquecendo dolorosamente todas as partes. Demetria crispou os lábios, irritada e seus olhos cintilaram na mesma proporção que espirais negros começavam a aparecer em sua pele.
─ O que as duas crianças estão fazendo?─ Ambos viraram-se na direção de Mor que adentrava na cozinha, um sorriso acolhedor em seus lábios quando escorregou para a cadeira, estalando a língua no instante que seus dedos agarraram a borda da cesta que guardava os pães. Demetria ignorou sua pergunta e ergueu um dedo, apontando-o diretamente para a face do general que ergueu uma sobrancelha em desafio.
─ Faça isso mais uma vez e perderá seu brinquedo favorito.─ Ameaçou. Cassian teve a decência de parecer afetado com as palavras ditas, apesar de continuar a sustentar aquele sorriso atrevido em seus lábios.
─ Ora, não faça isso, sei que sabe o quanto muitas fêmeas gostam desse meu brinquedinho.─ Sibilou ele, risonho e movendo levemente o quadril, uma sequência de gestos que fez Demetria revirar os olhos e depositar a chaleira na mesa, virando-se para ir em busca de outra xícara. Enquanto seus dedos abriam o armário e suas orbes buscando por alguma porcelana, Cassian conseguiu ver o vislumbre do cintilar dos olhos da Dama dos Pesadelos e o sorriso em seus lábios foi desaparecendo aos poucos.
─ Eu estou falando desse brinquedinho, bastardo.─ Disse ela, finalmente distanciando do armário com uma xícara nas mãos e rapidamente preenchendo a xícara ainda descansando na mesa. Mor riu, arrancando mais um pedaço da massa macia do pão e cobrindo a boca com o punho. Cassian pareceu ficar pálido e sua boca se abriu, mas nada disse, principalmente quando Rhys e Azriel atravessaram o portal da cozinha. Enquanto o Encantador das Sombras se sentava ao lado de Mor, o Grão-Senhor aproximou-se da Dama dos Pesadelos, pressionando um beijo contra têmpora da fêmea que distanciou os lábios da borda da xícara para agarrar a mão do macho e depositar um beijo em seus dedos fazendo rir.
─ Demorou para acordar, irmão.─ Falou Cassian, cruzando os braços.─ A noite foi tão longa assim?
─ Pela Mãe, será que você nunca─ Começou Demetria mas foi interrompida assim que ouviu a porta da frente da casa bater com força e passos fortes se fizessem ouvidos até que uma Grã-Feérica parasse no batente, os cabelos loiro-castanho molhado grudando em seu rosto e pescoço, o traje que vestia pingando no assoalho e seus olhos... Aquelas orbes azul-cinzentas pareciam flamejar quando foram postas na Dama dos Pesadelos.
Lentamente, sabendo que aquele par de olhos a seguia, Demetria depositou a xícara na mesa novamente e ergueu o queixo, suas orbes verde-prata cintilaram no instante que o fez. Feyre apertou o pergaminho em suas mãos por um momento antes de jogá-lo na mesa, ignorando que os respingos tenham atingido Mor e Azriel no processo.
─ Aqui está.─ Falou ela, firme. Demetria ergueu uma sobrancelha.
─ Algum problema?
Feyre rangeu os dentes.
─ Algum problema?─ Repetiu.─ Ah, não, não há nenhum problema além de você não ter me dito que seu velho amigo é Lucien.
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