forty nine. final act
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As ruas estavam manchadas por sangue. Velaris não era nada parecida com aquele paraíso repleto de paz e felicidade que foi apresentado para Feyre, aquela cidade parecia ser o perfeito retrato de seus pesadelos. Há feéricos feridos, lamentando não só por suas vidas mas também por todas aquelas que se perderam em meio ao ataque de Hybern. O odor de morte estava impregnado nas roupas da ex-humana enquanto caminhava pelas ruas, o tecido de sua roupa agarrado ao seu corpo por conta do suor, sangue e fuligem. Ela não ousou olhar para trás, para o corpo despedaçado do Attor que acabara de retirar a vida, não só por ela mas também por Demetria e Rhys, por todos que haviam sofrido nas mãos daquela criatura vil.
Feyre respirou, erguendo o rosto e fitando o céu ainda claro acima. Era impossível ignorar como o sangue escorria ao longo das ruas, tornando o Rio Sidra em uma confusão vermelha e tirando todo aquele brilho encantador da cidade. É cruel aceitar que isso é uma consequência, uma reação causada quando revelaram Velaris para aquelas rainhas miseráveis.
Em meio ao Arco-Íris, Feyre prometeu a si mesma que as destruiria, tornaria suas coroas em pó e levaria o caos para seus reinos, as faria experimentar o gosto amargo de assistir suas cidades tão belas se tornarem um horror jamais visto.
─ Feyre.─ Um chamado foi o que a fez virar-se e encarar Cassian, suas asas membranosas se encontravam abertas e as lâminas de suas espadas estavam banhadas de vermelho. E ela soube que o general teve prazer em destroçar as ameaças com seu poder bruto.─ Precisamos ir.
Havia algo urgente em seu tom de voz, uma perturbação nos olhos avelãs. O corpo da fêmea tensionou, sabendo que algo mais sério do que aquele ataque se encontrava acontecendo.
─ O que aconteceu, Cassian?─ Perguntou, fechando as mãos em punhos, sentindo seu coração se revestir de gelo, escuridão e a mais cruel das chamas. O general apertou o cabo de suas espadas por um momento.
─ É Demetria.
Rhysand se encontrava em silêncio. De joelhos na sacada, os olhos púrpuras fitando o céu que lentamente tornava-se o que seria uma bela pintura que retrataria perfeitamente o crepúsculo, caso as circunstâncias não parecessem tão desesperadoras. O silêncio do Grão-Senhor estava os aterrorizando, deixando uma sensação de nervosismo se instalar, até mesmo no coração de Amren que mantinha o cenho franzido, como se não acreditasse nas palavras do jovem encantador que se encontrava no meio da sala naquele instante.
Demetria... Feyre fechou os olhos com força, mordendo os lábios e falhamente tentando acalmar os tremores de seu corpo. Azriel se manteve em silêncio como uma sombra enquanto mantinha os olhos no irmão ajoelhado, parecendo frágil demais, uma figura distante do perigoso Grão-Senhor que todos fora da Corte Noturna temia. Cassian não esperou um mísero segundo antes de desaparecer nos corredores da Casa do Vento e retornar com um tabuleiro de xadrez nas mãos.
─ É apenas isso?─ Questionou Mor, desacreditada.─ Demetria desapareceu em um ataque de Hybern e só?─ A fêmea se levantou e avançou na direção de Ludovik que lhe lançou um olhar frio, a princesa dos pesadelos agarrou os ombros do encantador sem se incomodar com a forma que as sombras sibilaram nos ouvidos do macho.─ Ela é sua Senhora, a Dama dos Pesadelos! Como puderam ser tão descuidados? Aquela fêmea fez tudo por vocês e nem sequer são capazes de protegê-la?
Ludovik piscou os olhos, as orbes cinzentas tornaram-se mais escuras. Mor não recuou e jamais o faria em toda sua vida, não diante de um macho vindo da Cidade Escavada.
─ Você perdeu o direito de dizer uma única palavra sobre meu povo quando resolveu nos desprezar em vez de tentar lutar por mudança.─ Ele disse, frio como a neve que cobria as montanhas da Corte Invernal. Morrigan teve a decência de parecer afetada com as palavras.
─ Cuidado com a língua, espião.─ Falou Azriel, se aproximando. Ludo ergueu uma sobrancelha para ele e uma mão foi até a adaga presa em sua cintura quando ergueu o queixo para o illyriano, não parecendo tremer o respeitável Mestre-Espião do Grão-Senhor da Corte Noturna.
─ Ou o quê?─ Sibilou. Os sifões azuis de Azriel brilharam por mero instante, parecendo pronto para se lançar contra o Grão-Feérico audacioso.
─ Parem.
Todos os olhares foram até Rhysand, observando quando o mesmo se levantou lentamente, aquela áurea de escuridão ondulando em seus ombros como se implorassem para ser libertadas. Tendo as roupas cinzentas não passando de nada além de frangalhos, Amren foi a primeira a falar com um tom sério:
─ Eu irei decifrar o código, ainda hoje.
Rhys balançou a cabeça, ainda sem virar-se para encará-los, nem mesmo no instante que Amren caminhou para fora da sala em passadas rápidas e com um objetivo claro nos olhos enevoados. O silêncio permaneceu entre aqueles que restaram, eles não conseguiam sequer imaginar o que estaria se passando pela cabeça do macho. Cinquenta anos atrás, a mesma ocorreu e o que veio a seguir continua os perturbando. Uma guerra estava vindo, pronta para bater em suas portas e destruir as cidades que tanto amam. E Demetria se encontrava na mão do inimigo, mais uma vez.
─ Como eles estão?─ Perguntou ele. Ludo respirou, entendendo que a pergunta era para ele, afinal havia sido enviado com a missão de informar o Grão-Senhor sobre o rapto de Demetria por um Jolrien que parecia estar em seu limite com os olhos cruéis brilhando por conta das lágrimas que se negava a derramar e um Kirk que havia se ajoelhado em meio ao quarto da Dama, juntando as mãos e murmurando uma oração que já fora esquecida pelo mundo. Como seus pais estavam incapazes de fazê-lo, Zion era quem estava consolando June, tentando distraí-lo das memórias. Parecia que o terror de cinquenta anos atrás estava retornando, porém pior, muito pior.
─ Ela protegeu June até o último segundo, mas isso não acalma o coração de nenhum deles.─ Por fim, proferiu, abaixando levemente a cabeça. Rhysand assentiu em confirmação e lançou um último olhar para a cidade da Luz Estelar.
Poucas luzes restavam naquela noite. Tão poucas... Demetria teria odiado aquela visão, ela teria destroçado cada um da forma mais cruel que conhecia e ficaria imensamente feliz por aquilo. Como Grã-Senhora daquela corte, Demetria defenderia seu povo com a mesma fúria que protegeu a Corte dos Pesadelos. E, por isso, Rhys não a merecia.
─ Diga para Kirk e Jolly que ela retornará, ─ Asas membranosas surgiram em suas costas e ódio fervilhou nos olhos do macho.─ mesmo que eu morra.
Demetria piscou os olhos e uma dor latejante explodiu em sua cabeça fazendo-a morder os lábios ao dar-se conta que gritaria de tanta dor. Ela curvou-se e algo queimou em sua garganta ao mesmo tempo que seu estômago revirou, o som dos grilhões soou quando se chocaram uns contra os outros com o movimento da fêmea. Uma dor fina lhe fez entender que seus pulsos se encontravam presos e que sua magia parecia adormecida em seu interior da mesma forma que havia ficado em todos aqueles cinquenta anos.
A Dama tossiu, sentindo que tendo aquelas náuseas, não demoraria muito para vomitar. No entanto, antes que de fato o fizesse, um som de chaves tilintando atraiu sua atenção para um ponto em meio a escuridão intensa que se encontrava. Ela farejou o ar, tentando identificar quem estaria caminhando em sua direção e seu corpo ficou tenso quando deparou-se com aquele cheiro impregnado de uma magia tão obscura que quase a fez engasgar, mas se recusou abaixar minimamente a cabeça diante daquele poder quando as portas de ferro se arrastaram lentamente até estarem abertas, revelando uma figura que não conhecia mas sabia que estava lutando contra seus planos no futuro.
─ Criança da Morte.─ O macho cantarolou com malícia. Demetria se manteve calada, os olhos cintilando em meio ao breu. O Rei Hybern sorriu diante da expressão de fúria gélida daquela fêmea.─ Eu estive procurando por você, mas creio que já saiba disso, não é?─ O macho ergueu uma das sobrancelhas e certa zombaria cobriu seus olhos escuros.─ É inteligente ao ponto de perceber que Amarantha apenas a manteve viva por conta de uma mísera ordem mas estúpida o bastante para me enfrentar sem nem ao menos pensar duas vezes.
Demetria ousou esticar os lábios em um sorriso e abaixou levemente o queixo, continuando a fitar o macho com seus olhos esverdeados cheios de manchas prateadas acesos, uma clara ameaça silenciosa. Aquele que continha a coroa daquele reino teve a decência de parecer minimamente abalado com o silêncio perigoso da fêmea, com o significado que parecia trazer, quase como se estivesse em frente a uma besta que apenas o analisava, buscando pelo momento perfeito para fincar suas garras afiadas em sua pele. Notando a hesitação do macho, a Dama dos Pesadelos riu, o som de sinos tilintando soou dentro da cela.
─ Você é o rei, ─ Sibilou ela, risonha.─ deveria aprender a disfarçar melhor seu medo, afinal não quer que seus súditos saibam que estão indo lutar em uma guerra que já está ganha, ─ Demetria piscou os olhos e fitou os grilhões em seus pulsos com desinteresse antes de retornar a encarar o soberano.─ ou realmente acredita que é capaz de vencer, só por ter o Caldeirão ao seu lado?
O macho não respondeu nada, apenas se agachou para olhar diretamente nas orbes esverdeadas em sua frente.
─ Escute-me bem, criança. Não é o Caldeirão que me dará a vitória mas, sim, isso aqui.─ Ele apontou diretamente para a própria cabeça.─ Inteligência e a experiência que falta em você é o que me faz mais poderoso e capaz de destruir Prythian.─ Novamente, sua resposta foi o silêncio e olhos cheios de fúria. Um sorriso brotou em seus lábios quando se levantou, recuando poucos passos.─ Caso sobreviva, saiba que não terá mais nada, pois tudo que conhece virará cinzas e pó quando finalmente terei o que é meu.
Um mero movimento feito com os dedos foi realizado e com um vento infestado por um cheiro insuportável de magia escura, as portas se fecharam em um arrastar lento, abandonando Demetria na escuridão, enjaulada como uma criatura perigosa.
Tamlin é um tolo mas Lucien se sentia um pouco pior que um tolo ao dar-se conta dos planos que haviam sido traçados em sua frente, porém não deu a devida atenção, focado demais na tarefa que incumbiu a si mesmo de ir em busca das asas illyrianas, a única coisa que havia sobrado dos corpos da mãe e irmã do Grão-Senhor da Corte Noturna, também acabando por se tornar a passagem que o Vanserra poderia ter pelo menos uma parcela da confiança de Rhysand. Fitando o Círculo Íntimo da Corte Noturna, franzindo o cenho para o illyriano que possuía um dardo de freixo no peito sendo carregado por Rhys e o general, Cassian, evitando que seu olhar se cruzasse com as orbes azuladas cheias de choque da Archeron mais nova que não parava de analisar Tamlin e seu boldrié com facas de caça illyrianas, cada vez mais sendo atingida pela realidade que se revelava.
Lucien impediu o Grão-Senhor da Corte Primaveril de caminhar na direção de Feyre com uma mão no ombro. Ele não permitiria que colocasse suas garras nela, não depois de todas as decisões que tomou até ali.
─ Qual foi o custo.─ Disse Rhys em um tom baixo ao lado de Feyre. Tamlin o ignorou, olhando para o rei.
─ Tem minha palavra.
O Rei sorriu e Feyre se encheu de raiva.
─ O que você fez?─ Perguntou, um passo sendo dado na direção do macho de cabelos loiros.
─ Fizemos um acordo. Eu entrego você, e ele concorda em deixar que minhas forças entrem em Prythian pelo próprio território. Então, eu o uso como base enquanto removemos aquela muralha ridícula.─ Respondeu o rei, de seu trono.
Feyre balançou a cabeça, se negando a acreditar. Tamlin... Como ele pôde? Ele simplesmente vendeu suas terras, seu povo para aquele verme, tudo... Tudo apenas para que pudesse a ter em seus braços, presa em sua mansão como um bichinho de estimação.
─ Você é louco.─ Cuspiu Cassian. Tamlin estendeu a mão.
─ Feyre.─ Uma ordem, algo que fez Lucien olhá-lo sem nem ao menos tentar esconder o óbvio desdém, mesmo que só tivesse durado apenas um mísero segundo. A fêmea não se moveu, não recusou um passo ou encolheu os ombros da mesma forma que costumava fazer nos tempos em que a Primavera era seu lar.
─ Você ─ Um dedo grosso foi apontado na direção de Feyre.─ é uma fêmea muito difícil de capturar. É claro, também concordamos que vai trabalhar para mim depois que for devolvida para casa, para seu marido, mas... É futuro marido ou marido? Não me lembro.
Lucien olhou para todos eles, prendendo-se em Rhysand que mantinha suas orbes estreladas nele, a escuridão presa nelas parecendo pronta para devorá-lo. Algo faltava ali, na verdade, alguém. Uma fêmea de olhos cintilantes deveria estar ao lado de Rhys, pronta para destroçar Tamlin da maneira que já havia prometido em algum momento. Demetria...
Tamlin continuou mantendo a mão estendida.
─ Vou levá-la para casa.
─ Não vou a lugar nenhum com você.─ Sibilou ela em resposta, desprezo cobrindo sua voz completamente.
─ Vai dizer outra coisa, minha querida.─ Replicou o rei.─ Quando eu completar a parte final de meu acordo.─ Ele apontou para o braço esquerdo dela com o queixo.─ Quebrar esse laço entre vocês dois.
─ Não.─ Ela murmurou.─ Não deixe que ele faça isso. Eu disse a você... eu disse a você que estava bem. Que eu parti...
─ Você não estava bem.─ Tamlin rosnou.─ Ele usou aquele laço para manipulá-la. Por que acha que eu passava tanto tempo fora? Estava procurando uma forma de libertar você. E você partiu.
─ Eu parti porque estava morrendo naquela casa!─ Gritou em resposta. Ela piscou os olhos, respirando fundo e tentando pensar claramente na situação que os rodeava.
Eles estavam em desvantagem ali... Jurian encarava Mor como se ela fosse a primeira que mataria e Azriel estava morrendo, a poça de seu sangue estava sujando suas botas. Naquele instante, ela parou de lutar contra aquele punho que mantinha seu poder preso e em vez disso, o acariciou com cuidado, o fez entender que ela era sua igual.
Ela era feérica e não feérica. Tudo e nada. Real e não. Ela não poderia ser detida, por ninguém. Então, quando Tamlin avançou na sua direção, Feyre se tornou nada além de névoa e sombra, atravessando para longe do Grão-Senhor. O rei soltou uma gargalhada grave quando Tamlin tropeçou e Rhys avançou, atingindo-lhe com um soco no rosto.
Feyre recuou, as mãos transformadas em garras e escuridão rondando por seus ombros. A espiã que Demetria considerou perfeita para a Corte dos Pesadelos.
─ Não vou com você.─ Disparou.─ E mesmo que fosse... Seu imbecil covarde por nos vender a ele! Sabe o que ele quer fazer com aquele Caldeirão?
─ Ah, vou fazer muitas, muitas coisas com ele.─ Falou o rei. E não demorou para o Caldeirão surgir entre eles.─ Começando agora...
Feyre não hesitou. Nas garras em suas mãos, água ondulou por entre seus dedos e nas asas que se esticaram em suas costas, fogo e sombras tentavam encontrar uma harmonia letal. No entanto, seu poder sumiu, novamente preso naquele punho invisível.
─ Ah, isso.─ Estalou a língua.─ Olhe para você. Uma criança de todas as sete cortes, igual e diferente de todas. Como o Caldeirão ronrona em sua presença. Planejava usá-lo? Destruí-lo? Com aquele livro, podia fazer o que quisesse...─ Feyre se manteve calada diante do questionamento do rei.─ Vai me contar em breve.
─ Não fiz acordo com você!─ Falou, revolta explícita em seus olhos.
─ Não, mas seu mestre fez, então, vai obedecer.
A Grã-Feérica rosnou e virou para Tamlin, mostrando os dentes na mais pura ameaça. E dentro de seu coração, Lucien sentiu-se orgulhoso ao vê-la lutar tanto contra Tamlin, sendo quem estava destinada a ser desde que aceitou se sacrificar por sua família.
─ Se me levar daqui, se me afastar da minha família, vou destruir você. Vou destruir sua corte e tudo que estima.
Os lábios do macho se contraíram.
─ Não sabe do que está falando.
Lucien comprimiu um sorriso e encolheu os ombros, mantendo a imagem do macho que temia Tamlin e que estava acostumado a receber tapas ou algo pior. O Rei gesticulou com o queixo para a porta ao lado, pela qual os machos primaveris haviam entrado.
─ Não, ela não sabe.─ As portas se abriram novamente.─ Não haverá destruição.─ Continuou o Hyberniano, conforme as mulheres atravessaram as portas e cessavam os passos por um mero instante para fitar o Círculo Íntimo do Grão-Senhor da Corte Noturna com nada além de um ódio sólido. Uma delas sorriu com malícia no momento que se afastaram para deixar com que seus guardas passassem.
Feyre ofegou quando homens arrastaram suas irmãs, amordaçadas e amarradas, diante do rei de Hybern. Porém, os olhares de Lucien não se encontravam presos nas duas humanas, mas sim nos feéricos que mantinham armas apontadas diretamente para o coração da figura que possuía os pulsos presos com grilhões e uma mordaça na boca. A fêmea de queixo erguido apenas vagou o olhar pelo salão do trono, suas orbes esverdeadas parando por um momento no rastro de sangue que se iniciava em uma das portas e acabava em uma poça aos pés daqueles que considerava família, apesar de nunca ter dado voz ao pensamento. Rhys rosnou e os olhos estrelares se tornaram flamejantes conforme analisava o buraco que há no vestido da Dama, bem em seu peito, a mancha vermelha que rodeava aquele espaço.
Demetria piscou os olhos e Lucien logo foi observado por aquelas orbes cintilantes, há uma mensagem nelas e o emissário a entendeu. Ao lado do Grão-Senhor Primaveril, o macho rapidamente respirou, balançando suavemente a cabeça. Tudo e mais um pouco... Sim, ele poderia fazer. Por ela, ele o faria.
— Você cometeu um grande erro — disse o rei a Rhysand, enquanto seus olhos se mantinham em Demetria.— no dia em que foi atrás do Livro. Eu não precisava dele. Estava contente por deixar que permanecesse escondido. Mas assim que suas forças começaram a xeretar... Decidi: quem melhor para ser minha conexão com o reino humano que meu amigo recém-ressuscitado, Jurian? Ele tinha acabado de passar por todos aqueles meses se recuperando do processo, e queria ver o que acontecera com o antigo lar; então, ficou mais que feliz em visitar o continente por uma longa temporada.
As rainhas sorriram para ele, realizando uma reverência. Os braços de Rhys se retesaram em um aviso silencioso.
─ O valente e esperto Jurian, que sofreu tanto no fim da Guerra, agora é meualiado. Está aqui para me ajudar a convencer essas rainhas a ajudarem com minha causa. Por um preço, é claro, que é irrelevante aqui. E é mais inteligente trabalhar comigo, com meus homens, que permitir que vocês, monstros da Corte Noturna governem e ataquem. Jurian estava certo em avisar a Suas Majestades que você tentaria pegar oLivro, que alimentaria as rainhas com mentiras sobre amor e bondade, quando ele virado que o Grão-Senhor da Corte Noturna era capaz. O herói das forças humanas, renascido, como um gesto ao mundo humano de minha boa-fé. Não pretendo invadir ocontinente, mas trabalhar com eles. Meus poderes protegeram a corte delas de olhos curiosos, apenas para mostrar os benefícios a elas.─ Um risinho para Azriel, que mal conseguia erguer a cabeça para grunhir de volta.─ Tentativas tão impressionantes de se infiltrar no lugar sagrado delas, encantador de sombras, e uma prova irrefutável para Suas Majestades, é claro, de que sua corte não é tão benevolente quanto parece.─ E um olhar para Demetria que foi empurrada por mãos brutas.─ Principalmente, se formos levar em conta, esta belíssima mulher aqui, seu nome é Demetria. Ela foi capaz de destruir meus exércitos e destroçar minha general por pura sede de sangue, uma cruel besta nascida da morte. Tenho certeza que não há mais o que dizer sobre essa corte que só queria as enganar com mentiras tão adoráveis que facilmente poderiam ser verdade.
Elain chorava baixinho e Nestha tinha os cabelos castanhos-dourados embaraçados como se houvesse lutado e ofegava conforme encarava as paredes brancas igual a ossos que as cercava, da mesma forma que pareceu alerta às janelas revelando o mar quebrando em baixo da sacada e se estendendo para além dali.
─ Mentiroso!─ Grunhiu Feyre, se virando para as Rainhas.─ Eles são mentirosos, e, se não libertarem minhas irmãs, vou massacrar...
— Estão ouvindo as ameaças, a linguagem que usam na Corte Noturna? — Proferiu orei para as rainhas mortais, os guardas os cercando em um semicírculo. — Massacrar, ultimatos... Eles querem acabar com a vida. Eu desejo dar vida.
A rainha mais velha disse ao rei, recusando Feyre e suas palavras:
— Então, mostre, prove esse dom que mencionou.
Rhysand deu um passo, puxando a ex-humana para perto. Ele disse, em voz baixa, para a rainha:
— Você é uma tola.
─ É mesmo? Por que se submeter à velhice e a doenças quando o que ofereço é muito melhor? ─ Ele gesticulou com a mão na direção de Feyre que franziu o cenho. ─ Juventude eterna. Você nega os benefícios? Uma rainha mortal se torna uma rainha que pode reinar para sempre. É claro que há riscos, a transição pode ser... difícil. Mas um indivíduo com força de vontade poderia sobreviver.
A rainha que parecia ser mais jovem, com seus belos cabelos negros ondulando ao redor dos ombros, deu um leve sorriso. Apenas as duas outras, aquelas que vestiam branco e preto,pareceram hesitar, aproximando-se uma da outra, e de seus guardas altos.
A rainha idosa ergueu o queixo:
— Mostre. Demonstre que pode ser feito, que é seguro.─ O rei assentiu.
— Por que achou que pedi que minha boa amiga Ianthe descobrisse quem FeyreArcheron gostaria de ter consigo durante a eternidade? ─ Próxima de Rhys, a Archeron mais nova olhou para as Rainhas, uma pergunta óbvia estampada em suas feições que revelavam desespero.─ Ah, perguntei a elas primeiro. Elas acharam muito... deselegante trair duas mulheres jovens e equivocadas. Ianthe não teve tais problemas. Considere isso meu presente de casamento para vocês.─ Terminou em um tom cordial, os olhos postos em Tamlin.
O rosto de Tamlin ficou tenso.
─ O quê?
─ Acho que a Grã-Sacerdotisa estava esperando por seu retorno para contar, masnão perguntou por que ela acreditava que eu fosse capaz de quebrar o acordo? Por queponderava tanto sobre o assunto? Há muitos milênios as Grã-Sacerdotisas são obrigadas a se ajoelhar perante os Grão-Senhores. E durante esses anos em que Ianthe morou naquela corte estrangeira... que mente aberta ela tem. Depois que nos conhecemos, depois que pintei a Ianthe uma imagem de Prythian sem Grão-Senhores, em que asGrã-Sacerdotisas pudessem governar com graciosidade e sabedoria... Não foi preciso muito para convencê-la.
Feyre sentiu tontura, parecia que se curvaria no piso e vomitaria ali mesmo. Tamlin também pareceu perto de fazer o mesmo. Lucien ficou inexpressivo enquanto proferia:
─ Ela entregou... entregou a família de Feyre. A você.
─ Entregou?─ O rei riu com escárnio.─ Ou salvou dos grilhões da morte mortal? Ianthe sugeriu que ambas eram mulheres com força de vontade, como a irmã. Sem dúvida sobreviverão. E provarão para nossas rainhas que pode ser feito. Se a pessoa tiver força.
─ Não...─ Feyre murmurou. O rei interrompeu:
─ Sugiro que se preparem.
E, então, um poder branco, terrivelmente infinito se chocou contra eles como uma força subjugadora. Tudo que Feyre conseguiu ver foi Rhysand cobrindo seu corpo com o dele no momento que foram atirados ao chão, ela ouviu o grunhido de dor enquanto o Grão-Senhor absorvia a maior parte daquele poder. Cassian se contorceu, as asas brilharam conforme se mantinha protegendo Azriel e seus gritos assombrariam os pesadelos de Feyre por um longo tempo. Suas asas membranosas que carregavam cicatrizes de batalha estavam sendo destruídas pela pura magia cruel. Mor tentou alcançá-lo, porém era tarde demais. Rhys se moveu por um momento, parecendo ir partir em disparada até o rei, porém poder os atingiu e o Grão-Senhor caiu de joelhos.
As irmãs Archeron gritavam, porém o grito de Elain era um aviso, os olhos de corça atentos e fixos na direita de Feyre que se encontrava exposta. Tamlin corria na sua direção, pronto para agarrá-la. Como se seu corpo estivesse agindo por conta própria, a Quebradora da Maldição golpeou uma faca illyriana contra o macho com força, obrigando-o a se abaixar para não ser atingido e então, recuou ao ver a segunda faca que estava nas mãos da feérica. Ele a olhou boquiaberto, olhando para Rhys, como se finalmente pudesse ver que ele agora possuía a lealdade de Feyre. A fêmea virou-se e parecia preparada para esfaquear os soldados que avançavam, os interrompendo.
Cassian e Azriel se encontrava no chão. Jurian ria baixinho, os olhos no sangue que jorrava das asas em frangalhos do general illyriano. Demetria não os olhava, na verdade ela os tinha fechado com força, não parecendo suportar nem ao menos visualizar a cena ou escutar os gritos. Feyre arrastou os pés para Cassian, talvez seu sangue pudesse salvar suas asas...
De joelhos ao lado de Cassian, Mor disparou para o rei, rugindo de puro ódio. Novamente, aquele poder golpeou mas a de cabelos loiros desviou, a faca inclinada na mão e pronta para ser lançada. No entanto, Azriel gritou de dor e ela congelou, lentamente a lâmina em sua mão caiu com um ruído. Parecendo impressionado, o rei ficou de pé e sussurou.
─ Que rainha poderosa você é.
Mor recuou.
─ Que prêmio.─ Disse o rei, o olhar sombrio prestes a devorar Mor. Azriel ergueu a cabeça, jogado sobre o próprio sangue, os olhos cheios de ódio e dor quando disse entredentes para o rei:
─ Não toque nela.
Mor olhou para Azriel e não parou de se mover até, de novo, se ajoelhar ao lado dele e pressionar o ferimento de Azriel com a mão. Ele chiou, mas cobriu os dedos ensanguentados de Mor com os próprios. Rhys se colocou entre Feyre e o rei quando a mesma se ajoelhou diante de Cassian, arrancando o couro que cobria seu antebraço.
─ Coloque a mais bonita primeiro.─ Falou o rei, Mor já esquecida. Feyre virou-se, os guardas do rei lhe agarraram pelas costas. Rhys apareceu ali no mesmo instante. Azriel gritou, arqueando as costas, o veneno do rei avançando.
─ Por favor, evite ter ideias burras, Rhysand.─ Ele sorriu para Feyre.─ Se algum de vocês interferir, o encantador de sombras morre e quero que pensem bem no que posso fazer com a doce Demetria. Uma pena quanto às asas do outro troglodita.─ O rei fez uma reverência debochada para as irmãs.─ Senhoras, a eternidade espera. Provem para Suas Majestades que o Caldeirão é seguro para... indivíduos com força de vontade.
Elain tremia, chorava, sendo empurrada para a frente. Na direção do Caldeirão. Nestha começou a se debater contra os homens que a seguravam, fúria em seus olhos.
─ Pare.─ Disse Tamlin. O rei não o fez, nunca o faria. Lucien levou de novo a mão à espada e grunhiu:
─ Pare com isso.
Nestha urrava para os guardas, para o rei, conforme Elain cedia, passo a passo, nadireção daquele Caldeirão. Quando o rei gesticulou com a mão, líquido encheu oCaldeirão até a borda. As rainhas apenas observavam, com expressões petrificadas. E Rhys e Mor, separados de Feyre por aqueles guardas, não ousaram sequer mover um músculo.
─ Isso não é parte do acordo. Pare com isso agora.─ Tamlin ordenou.
─ Não me importo.─ Disse o rei, simples. Tamlin se atirou contra o trono, como se fosse despedaçar o rei. Aquela magia branca incandescente se chocou contra ele, empurrando-o para o chão e uma coleira de luz rodeou seu pescoço, em volta dos pulsos. O poder dourado de Tamlin irradiou, lutando de forma inútil. Feyre se forçou contra o punho que segurava seu poder, rasgando-o.
Lucien deu um passo decidido para a frente quando Elain foi agarrada por doisguardas e erguida. Ela começou a espernear, o choro se tornando mais intenso enquanto os pés se chocavam contra as laterais do Caldeirão, como se fosse derrubá-lo.
─ Basta.─ Lucien disparou até Elain, porém antes mesmo que pudesse dar um segundo passo e o poder do rei o laçou. No chão, ao lado de Tamlin, com o único olho arregalado, ele pareceu horrorizado.
─ Por favor.─ Implorou Feyre para o Rei que gesticulou para que Elain fosse atirada na água.─ Por favor, faço qualquer coisa. Darei qualquer coisa a você.─ Ela ficou de pé, se afastou do corpo de Cassian, olhando para as rainhas.─ Por favor, vocês não precisam de prova, eu sou prova de que funciona. Jurian é prova de que é seguro.
A rainha idosa falou:
─ Você é uma ladra e uma mentirosa. Conspirou com nossa irmã. Sua puniçãodeveria ser a mesma. Considere isso um presente.
O pé de Elain atingiu a água, e ela gritou com um terror que atingiu Feyre tão profundamente que ela caiu no choro, desesperada.
─ Por favor.─ Implorou, por uma última vez. Nestha lutava, rugia debaixo da mordaça e balançava os braços como se fosse destroçar os guardas que a segurava com as próprias mãos, se negando a desistir, se negando a implorar.
Elain, por quem Nestha teria matado, se prostituído, roubado. Elain, que fora gentil e doce. Elain, que deveria se casar com o filho de um senhor que odiava feéricos. Elain que acabara de ser enfiada dentro do Caldeirão em um único movimento. Feyre gritou no momento que a cabeça da irmã afundou e não emergiu. Nestha também gritava, os berros não passando de um ruído, Cassian avançou até ela, cegamento e gemendo de dor.
O rei de Hybern se curvou levemente para as rainhas e disse:
─ Vejam.
Rhys, ainda separado de Feyre por uma parede de guardas, fechou os dedos empunhos, no entanto não se moveu, e Mor tampouco ousou se mover, não com a vida de Azrielnas mãos do rei. E, como se tivesse sido virado por mãos invisíveis, o Caldeirão entornou.Mais água negra e coberta por fumaça do que parecia possível foi despejada em forma de cascata. Como se tivesse sido atirada por uma onda, Elain foi jogada com o rosto parabaixo no piso de pedra.
As rainhas se aproximaram. Viva, ela tinha de estar viva, precisava ter querido sobreviver... Elain inspirou, ergueu as costas de ossos esguios, a camisola molhada estavapraticamente transparente quando se levantou do chão, se apoiando nos cotovelos e a mordaça continuando em sua boca no momento que virou-se para encarar Feyre.
Nestha começou a rugir de novo.
O rosto de Elain tinha se tornado infinitamente mais lindo, e as orelhas de Elain estavam pontiagudas sob os cabelos encharcados. As rainhas arquejaram. E, por um momento, tudo que Feyre conseguiu foi pensar no próprio pai. O que diabos ele faria ou diria quando se deparar com o mais novo rosto feérico de sua filha preferida.
─ Então, podemos sobreviver.─ Sussurrou a mais jovem das rainhas, os olhos brilhando.
Feyre caiu de joelhos, soluçando.
─ Agora, a felina selvagem, por favor.─ Continuou o rei de Hybern.
Nestha ficou em silêncio e Feyre a olhou. O Caldeirão se levantou. Cassian se moveu, curvando-se no chão, a mão dele estremecendo na direção de Nestha. Elain tremia nas pedras molhadas, a camisola agora na altura das coxas, os pequenos seios completamente visíveis sob o tecido ensopado. Os guardas riam.
Lucien grunhiu para o rei, sem parecer afetado com a magia feria seu pescoço:
─ Não a deixe no maldito chão...
Luz os cegou e o som de arranhão machucou os ouvidos. Quando a escuridão retornou, Lucien estava de pé, o único olho que possuía parecia brilhar, raiva ardendo ali com o fogo outonal que herdou enquanto caminhava na direção de Elain, completamente livre das amarras. Tamlin continuou no chão, agora uma mordaça de magia na boca, os olhos acompanhando Lucien quando retirou o casaco e se pôs de joelhos diante da ex-humana de olhos castanhos como os de uma corça, ela se encolheu para longe dele, temerosa.
Os guardas puxaram Nestha para o Caldeirão. Feyre arquejou e deu-se conta que há inúmeros tipos de tortura, porém o mais cruel era aquele. A tortura que já testemunhou ter acordado Rhysand, ainda preso nos pesadelos. A tortura de ser incapaz de se mover ou lutar enquanto nossos entes queridos são destruídos. O olhar de Feyre e Rhys se encontraram. Dor ondulou naqueles olhos violeta, ódio e culpa e pura dor. O perfeito reflexo dos olhos de Feyre.
Nestha lutou a cada passo. Ela não desistiu, não facilitou da forma que havia feito por toda sua vida. Suas unhas os arranharam e se debatia com força. Porém, nada daquilo foi suficiente, ela não poderia se salvar e Feyre não foi o suficiente para salvá-la. Igual a Elain, Nestha foi erguida e Elain continuou no chão, estremecendo com o casaco de Lucien nos ombros. Ela fechou os olhos e se encolheu, ouvindo os pés agitados da irmã mais velha atingir a água fria. Novamente,Cassian se agitou, as asas destruídas estremecendo e jorrando sangue à medida que os músculos se encolhiam. Ao som dos gritos repletos de ódio da Archeron mais velha, osolhos vítreos e cegos de Cassian se arregalaram, respondendo a uma promessa que fizera mas a dor lhe derrubou mais uma vez.
Afundada na água até os ombros, ela não se rendeu nem mesmo quando aquela imensidão líquida e escura subiu, Nestha continuava lutando, arranhando e gritando de forma incontrolável.
─ Afunde-a.─ Sibilou o rei, impaciente. Com dificuldade, os guardas empurraram os ombros magros de Nestha, agarraram os cabelos castanho-dourados e a forçando para baixo. Ela se debateu por uma última vez, conseguindo se libertar dos longos braços.
Com os dentes expostos, Nestha apontou um dedo para o rei de Hybern. Quando aqueles olhos furiosos desapareceu na água e a mão foi violentamente empurrada para baixo, o rei de Hybern teve o bom senso de parecer abalado. Água negra subiu por um momento. A superfície ficou imóvel.
Feyre vomitou no chão, trêmula. Rhysand se ajoelhou ao seu lado na poça crescente do sangue de Cassian, a abraçando, lhe dando o conforto que precisava enquanto o Caldeirão, de novo, se inclinava. No instante que a água escura e dominada por fumaça derramou mais uma vez, Lucien ergueu Elain com cuidado e a tirou do caminho. As amarras que mantinham Tamlin preso sumiram e ele ficou em pé, grunhindo para o rei. Até mesmo o punho em torno da mente de Feyre se afrouxou, se tornando em uma mera carícia. Era possível sentir a vitória que dominava o rei naquele momento. Mas Feyre não se importou com aquilo, não quando Nestha se encontrava jogada nas pedras e antes mesmo de sequer erguer a cabeça, a Archeron sabia que Nestha estava diferente, ela sentiu...
Era como se o Caldeirão tivesse sido forçado a dar mais do que queria para fazê-la, como se ela tivesse lutado até submersa, arrastada para o fundo e decidida que se fosse para o inferno, levaria o Caldeirão junto. Como se o dedo que apontou para o rei fosse uma promessa de morte que faria de tudo para cumprir. Nestha respirou, agora com a beleza intensificada, as orelhas arqueadas. Quando Nestha olhou para Feyre, só era possível ver ódio, poder, inteligência. E todos os sentimentos sumiram, substituídos pelo horror e choque que contorceu seu belo rosto quando se ergueu, livre. Ela tropeçou nas pernas mais longas e mais finas, arrancando a mordaça com as unhas e não hesitando ao se chocar contra Lucien, trazendo Elain para seus braços e gritando para Lucien quando o mesmo caiu:
─ Solte-a!
Os pés de Elain escorregaram no chão, mas Nestha a levantou, passou as mãos pelorosto de Elain, pelos ombros, pelos cabelos. Os olhos brilhando, o nome da irmã escapando de sua boca como um lamento, soluços de arrependimento, como se tudo aquilo fosse sua culpa, por não ter protegido sua querida irmã. Tentando se levantar, responder à voz de Nesthaenquanto ela segurava minha irmã e murmurava seu nome diversas vezes, porém o olhar de Elain estava em algum ponto por cima do ombro de Nestha.
Para Lucien cujo rosto ela finalmente vira. Olhos castanho-escuros encararam um olho vermelho e outro metálico. Suas sobrancelhas se franziram, como se encarasse algo que não compreendesse.
Lucien piscou os olhos e seu rosto se virou um pouco para o lado, o suficiente para fitar Feyre caída no chão, chorando nos braços de Rhys. O suficiente para ver Demetria analisando os grilhões em torno de seus pulsos, o brilho em seu olhar deixava claro que não suportaria esperar por mais tempo. Ele respirou. Tudo e mais um pouco...
Erguendo o queixo e retornando a fitar Elain, suas mãos caíram ao lado de seu corpo e uma voz falha foi forçada quando Lucien sussurrou para Elain, quando a mentira deslizou por sua língua com facilidade:
─ Você é minha parceira.
Demetria enfrentou situações piores do que esta. Ela assistiu o macho que amava de todo coração e chamava de ser irmão em sua frente, ela teve as mãos cortadas por inúmeras vezes e foi obrigada a limpar salões inteiros com elas danificadas, os dedos de suas mãos foram torcidos e quebrados por tantas vezes que a dor se tornou comum, beirando o suportável. Seu parceiro foi abusado todas as noites por cinquenta anos e ela poderia não passar de nada além de uma sombra mas jamais permitiria que ele fizesse o mesmo. Ela enfrentou o bastante para seu coração que já era transformado em gelo fosse reforçado por ferro e cicatrizes. Ela era a Dama dos Pesadelos. Ela era algo que ninguém chegaria perto de entender, uma vida que nasceu da morte e agora respirava, vivia.
Demetria como a governadora da Cidade Escavada e a criança da morte não se renderia tão fácil para um rei que se achava no direito de destruir tudo que lutou tanto para conquistar. Não se renderia para alguém que machucava aqueles que ela amava com a mesma facilidade que respirava, quem acreditava justo transformar vidas para alcançar a tão desejada vitória. A decisão já estava tomada quando a rainha mais nova deu um passo, pronta para ter a vida eterna.
Seus olhos esverdeados cheios de manchas prateadas se deflagraram e transformou-se em mais, queimou até que suas orbes não tivessem mais um mísero resquício esverdeado, tornando-se em prata líquida. Sólida e gélida. Os grilhões ao redor de seus pulsos foram dominados por faixas negras que vagaram pelo ferro e acompanhado por um estalar de dedos, se desfez em pó. Os guardas tentaram mover-se para detê-la, mas com um único olhar, caíram no piso em um baque que atraiu todos os olhares para a Dama dos Pesadelos que agora levava as mãos até a mordaça entre seus lábios, lentamente retirando-a.
O Rei gargalhou, cortando o silêncio que havia surgido.
─ Muito bem, então.─ Ele ergueu as mãos e bateu palmas para a fêmea que o fitava, inexpressiva.─ Devo dizer que a subestimei, criança da morte. Mas, me diga, o que irá fazer agora que está liberta?─ Sua pergunta ecoou pelo salão.─ Arriscará a vida do Mestre-Espião para me matar ou se ajoelhar aos meus pés? Vamos, diga, me sinto especialmente curioso por este momento.
Demetria não disse nada. Um passo foi nada na direção do trono e o sorriso do rei se esticou, o grito de Azriel foi ouvido. O corpo do espião tinha espasmos no piso sobre o próprio sangue, porém ela não parou. Os espirais lentamente brotando por sua pele enquanto sua boca rosada se abria e dizia, calma como a morte:
─ Pensa que tenho medo de você, ou de seus poderes?─ Ela riu e sua mão se esticou na direção de Azriel, não demorou para que o macho se agitasse no chão, rapidamente virando e as mãos escorregando no próprio sangue enquanto se curvava ao lado de Mor, tossindo tão fortemente que seus ombros balançavam violentamente. Azriel continuou a tossir até que conseguisse vomitar no piso, um líquido esbranquiçado que possuía o cheiro inconfundível de magia se espalhou em meio ao sangue. O Caldeirão se agitou como se respondesse ao poder da Dama dos Pesadelos.
Feyre piscou os olhos, não demorando a entender o que a Dama dos Pesadelos fizera. Azriel estava pondo todo o veneno em seu organismo para fora.
─ Por acaso, ─ Demetria inclinou a cabeça para o lado.─ esqueceu que não há ninguém neste mundo que possuí mais poder que eu?─ Ela deu mais um passo na direção do trono. O Caldeirão se agitou novamente. O rosto do Rei aos poucos se tornava gélido, o brilho triunfante havia sumido.─ Ninguém controla a morte, majestade. Ninguém.
─ É o que veremos.─ A magia do rei ondulou, prestes a atingi-la quando Demetria desviou em um movimento fluído e então, de repente, a Dama dos Pesadelos se encontrava próxima do Caldeirão. Cólera tingiu o rosto do Rei e seu poder se expandiu, pronto para engolir Demetria que ergueu as mãos, pronta para rebater aquela magia.
Feyre havia fracassado. Tanto com eles tanto com suas irmãs que agora tinham as vidas destruídas... Por todos eles, a ideia que surgiu em sua mente não pareceu tão temível assim. Mesmo que Demetria conseguisse suportar todo aquele poder por tempo demais, eles ainda estariam presos naquele castelo, Cassian e Azriel estavam feridos, estavam indefesos. Com um espasmo, Feyre caiu de joelhos, as mãos puxando os cabelos e trincando os dentes enquanto soluçava. O feitiço não conseguiu a conter no momento que ela explodiu além dele. O poder rompeu pelo salão e a força reunida sibilou, recuando.
Rhys congelou, o rei e as Rainhas ficaram boquiabertos. Suas irmãs e Lucien se virou para ela em conjunto com Demetria que franziu o cenho, o prateado de seus olhos se suavizando.
Silêncio.
De forma lenta, Feyre abaixou as mãos, respirando e piscando os olhos. Ela parecia confusa quando virou-se para todos, franzindo o cenho com confusão, então sussurrar:
─ Tamlin?
Ele não se moveu, continuava boquiaberto.
─ Tamlin?─ Ela olhou para as mãos, o sangue, seus amigos com expressões cheias de sombras e irmãs ensopadas.
Feyre recuou, para longe deles, para Tamlin.
─ Tamlin.─ Chamou. Lucien arregalou o olho quando cuidadosamente se pôs entre Feyre e as irmãs. Ela virou para o rei de Hybern.─ Onde...─ Seus olhos piscaram quando fitou Rhysand.─ O que você fez comigo.─ Sussurrou, um som gutural.─ O que você fez?
Casualmente, Rhys ajustou sua postura e colocou as mãos nos bolsos quando se inclinou levemente, ronronando:
─ Como se libertou?
─ O quê?─ Exclamou Jurian, avançando na direção deles. Feyre se virou para Tamlin.
─ Não deixe que ele me leve de novo, não deixe que ele... não...─ Ela começou a chorar ao ponto de estremecer.
─ Feyre...─ Falou Tamlin. Feyre se encolheu, chorando ainda mais.
─ Não deixe que ele me leve...─ Implorou.─ Eu não quero voltar...
Cuidadosamente, Demetria tocou os braços das irmãs Archeron, ignorando a forma que Elain pareceu morder os lábios para não deixar uma exclamação escapar e os olhos de Nestha se afiaram. Lucien manteve sua atenção presa em Feyre, enxergando por trás de cada mentira no momento que ela se virou, olhando para o rei e falou:
─ Quebre o laço.
A Archeron mais nova se jogou no chão diante do trono.
─ Quebre o laço. O acordo... Ele... me obrigou... ele me fez jurar. Faça-o.─ Implorou.─ Sei que pode. Apenas... me liberte. Me liberte disso.─ Feyre olhou para Tamlin.─ Basta. Basta de mortes, basta de assassinatos. Basta. Me leve para casa e as liberte. Diga a ele que é parte do acordo e liberte-as. Mas basta, por favor.
Tamlin disse para o rei:
─ Solte-as, quebre o acordo de Feyre e vamos acabar com isso. As irmãs vêm conosco. Você já ultrapassou limites demais.
Jurian abriu a boca, pronto para protestar quando rei o interrompeu:
─ Muito bem.
O Rei apenas apontou para Feyre. Tamlin a segurou em seus braços quando ela gritou devido à dor que rasgou seu braço esquerdo. Um estalo soou e o mundo se partiu quando o acordo se rompeu.
Feyre desmaiou por um mero segundo. Tamlin arrancou a luva de sua mão esquerda e a pele estava límpida sem alguma tatuagem. Ela estava chorando, envolvida pelos os braços do macho loiro, cada centímetro em sua pele parecendo errado com o contato.
─ Você está livre, Rhysand.─ Gesticulou o rei.─ Como pode ver, Demetria fez o favor de retirar o veneno do corpo de seu amigo. As asas do outro, creio que estejam um pouco destruídas.
Quando Feyre olhou, eles já lhe encaravam. Rostos ensanguentados, frios e transtornados, mas ela sabia a verdade, sua família a encarava com amor por debaixo de cada olhar. Todos eles entendiam as lágrimas que molhava seu rosto enquanto eles silenciosamente se despediam. Ela virou, encarando Demetria que ergueu os lábios em um sorriso e um leve balançar de cabeça. A Archeron abaixou a cabeça, continuando a chorar.
Ágil, a Dama dos Pesadelos não teve dificuldade ao empurrar as costas de Lucien com o pé, lançando-o para o chão quando puxou os braços das irmãs que acabaram de se transformar em feéricas, rapidamente atravessando para longe. Lucien rugiu quando Rhys disparou, segurando Azriel e Cassian com Mor em suas costas, os três não olharam para Feyre uma última vez quando atravessaram para fora dali da mesma forma que Demetria.
Demetria se debateu, água escura e fria a rodeava, tornando-a parcialmente cega enquanto olhava ao redor, buscando por algum resquício da pele pálida ou dos cabelos castanhos das irmãs Archeron. Ela não ousou se mover para a superfície, não quando elas poderiam estar afundando, talvez incapazes de mover, principalmente depois de serem forçadas a adentrar em um Caldeirão que possuía aquela mesma água escura. Seus olhos vagaram pela escuridão até que um mero vislumbre de cabelos castanhos-dourados chamou sua atenção, não foi difícil deduzir que aquela que balançava os braços tão furiosamente na água densa era Nestha e seu espírito feroz.
Demetria não hesitou, forçando os braços se moverem na direção da ex-humana que continuava tentando alcançar a superfície. A fêmea se virou para ela, os olhos azuis queimando. A Dama dos Pesadelos não se importou com a forma que Nestha pareceu resmungar quando agarrou seu braço, começando a se mover para cima, enfrentando cada pontada que surgia nos seus músculos após longas horas presa na mesma posição.
Em uníssono, ambas respiraram quando se libertaram da opressão daquelas águas e Demetria tremeu, olhando ao redor da mesma forma que Nestha começou a fazer desesperadamente, procurando pelos cabelos castanhos e olhos de corça de Elain.
─ Nestha.─ Chamou a Dama, a voz levemente instável por conta do frio. A ex-humana não lhe deu ouvidos, continuando a procurar pela água.
─ Elain?─ Gritou ela e quando silêncio a recebeu, virou-se para Demetria.─ Onde está Elain? O que fez com ela?
─ Não seja estúpida!─ Exclamou em resposta e revirou os olhos, erguendo uma mão, apontando na direção de uma plataforma de madeira que flutuava na água ao longe, Nestha franziu o cenho, não demorando para recolher os fios de cabelos da figura que se inclinava na água, analisando-a como se estivesse considerando mergulhar.
─ Vamos.─ Falou Demetria, os cabelos curtos colados ao rosto pálido.─ Precisamos sair daqui antes que anoiteça.
Nestha não a questionou, lhe acompanhou enquanto nadavam para a plataforma. Elain respirou, aliviada ao ver a irmã mais velha e Demetria. A recém-feérica esticou os braços, deixando que a irmã segurasse em si para subir na estrutura e enquanto a de cabelos castanho-dourados respirava contra a madeira, erguendo a cabeça, parecendo notar as montanhas gélidas que lhe rodeavam, neve caindo e se alojando nos seus ombros desnudos, tornando o frio ainda mais intenso, rapidamente ela se encontrava tremendo da mesma forma que Elain o fazia.
Demetria olhou para as irmãs e fechou os olhos, se curvando para pressionar a testa contra a madeira por apenas um segundo. Seu corpo tremeu por inteiro quando se ergueu novamente.
─ Onde estamos?─ Grunhiu Nestha, estendendo uma mão na direção de Elain que rapidamente aceitou o toque e logo se encontrava encolhida nos braços da irmã, tentando aquecê-las.
A Dama dos Pesadelos respirou, o ar frio adentrando nos pulmões quando fez. E no momento que ergueu a cabeça, o olhar fixo na margem do lago em que se encontravam. Ela ouviu Elain arquejar, levemente assustada ao fitar a figura de cabelos castanhos na altura dos ombros e um sorriso levemente malicioso nas feições belas, o corpo coberto por uma armadura que parecia ser de couro illyriano, apesar de ser completamente branca com detalhes em dourados.
─ Você fará de tudo para cumprir a promessa, não é?─ Não foi necessário um nome ser dito para Nestha soubesse que a Dama dos Pesadelos estava falando com ela.─ Independente do custo?
─ Ele e aquelas rainhas irão pagar com a morte depois do que fizeram comigo e Elain.─ Respondeu, ódio dominando cada palavra dita enquanto abraçava cada vez mais Elain. Demetria assentiu e se virou para Nestha, um sorriso cheio de segredos nos seus lábios.
─ Então, se prepare para uma guerra, Nestha Archeron, pois destruirá o exército do rei com a mesma fúria que lutou por si e por sua irmã.─ Demetria fitou os olhos da Archeron mais velha, parecendo enxergar as mesmas labaredas que queimavam em seu interior naquela recém-feérica.─ Você vai tornar seus exércitos em cinzas, vai mostrá-lo que seu erro foi fazê-la ficar ainda mais forte do que era, vai fazê-lo lembrar do nome Nestha Archeron, até mesmo na morte.─ Ela olhou para o macho que parecia a esperar.─ Mas, primeiro, vou ensiná-la a ser letal.
Feyre se encontrava no próprio quarto, após ser lavada e reverenciada como uma guerreira que acabara de retornar viva e saudável para sua família amável. Tamlin havia lhe dado certo espaço para que pudesse vestir-se e pensar em tudo que supostamente passou na Corte Noturna. Olhando-se no espelho, Feyre não conseguia crer que já vestira aquele mesmo vestido e tinha amado as colinas verdejantes da Corte Primaveril tão profundamente que aceitou um destino em que viveria ali, não passando de nada além de um mero objeto que Tamlin iria exibir quando achasse necessário.
Ela havia posto os pés naquela corte e já sentia falta do céu estrelado, da magia encantadora de Velaris e de estar na companhia de pessoas que a tratava como a lutadora que era, amando-a por isso. Feyre respirou fundo e se afastou do próprio reflexo, analisando seu antigo quarto com atenção antes que um sorriso surgisse nos lábios ao pensar no quão fácil foi enganar Tamlin, bastou apenas algumas lágrimas e olhos suplicantes para fazê-lo acreditar na mentira. Ele continuava o mesmo macho que acreditava que Feyre ainda pertencia a ele, ainda o amava tão intensamente que enfrentaria novamente aquela montanha por ele.
O Grão-Senhor da Corte Primaveril retornou triunfante, com a noiva que lutou bravamente para recuperar nos braços. Para os habitantes da Corte, aquilo era um claro sinal que Tamlin é nada além que um macho amoroso que lutava por quem amava, eles com certeza ficaram felizes por seguir um macho como aquele, tão dedicado ao amor. Tão confiantes na falsa imagem que Tamlin os fez crer por tantos anos que nem se deram conta que Feyre estava diferente, saudável de uma forma que nunca estivera naquela mansão.
Tão cegos e absurdamente leigos, que até que tenha acabado, não perceberam que seu Grão-Senhor não retornou com sua noiva primaveril e aquela que se encontrava no coração daquela corte não era a mesma que lutou por cada um deles, eles jamais perceberão que haviam acabado de comemorar o retorno de Feyre Archeron, a espiã da Corte dos Pesadelos, e que ela seria a causa da desgraça que iria cair sobre aquela corte.
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