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Capítulo 8

Ele aguentava bem a bebida. Tão bem como se podia esperar de alguém como ele, pelo menos. Talvez fosse a pouca herança nórdica que tinha ou só mesmo o hábito, mas, mesmo depois de já ter perdido a conta há pelo menos três copos atrás, ainda nem bamboleava, e isso era mais do que se poderia dizer de alguns dos outros convidados.

O alcóol era um famoso relaxante que, lutando contra a estimulante adrenalina que ainda lhe nadava nas artérias, estava finalmente a começar a ganhar. Já não tremia e, contra o seu melhor juízo, já não tinha medo pelos montros que o rodeavam, somente o receio suficiente para manter a sua distância.

E quê, se o custo disso fosse um menor tempo de reação e pensamentos mais turvos? Valia completamente a pena.

A mulher que estava sentada a seu lado no bar bebericava com muito mais controlo que Marco. Mesmo no seu estado alterado, ele percebia a forma como ela o olhava.

Não era feia, a mulher. A cara era completamente normal e esquecível, com a pele de um marrom doce maquiada de forma discreta, mas o corpo era, para dizer o mínimo, único. Era fina, esguia; parecia ter uma total ausência de gordura ou de curvas e, no seu lugar, tinha a musculatura definida que raramente se via numa mulher. Mas a ela até ficava bem. O cabelo natural coroava-a, seguro no topo da cabeça com o simples facto de ser encaracolado o suficiente para lutar contra a gravidade. O vestido dela devia ser o mais básico daquela sala toda, feito às modas dos anos vinte para complementar a figura da mulher da qual ele agora se apercebia que não sabia o nome.

_ Se calhar devia ser mais discreto, senhor, _ sussurrou-lhe ela ao ouvido, num tom quente que lhe lançou eletricidade pela espinha abaixo. _ O que irão os outros pensar, se o virem a comer-me com os olhos dessa forma?

_ O mesmo que ao vê-la a chegar-se assim tão perto de mim.

Ela levantou-se do banco, avançando com uma perna em frente da outra para fazer as ancas baloiçar. Pôs-se atrás dele, massajando-lhe as costas ao de leve, absolutamente adorando a forma como ele tremia sob o seu toque. Não era como se ele fosse capaz de resistir, não é?

Maldito álcool.

_ Deixe-os pensar o que quiserem, então. A maioria está demasiado bêbeda para reparar, seja como for... _ sorriu com um calor aliciante. _ E não é que nós possamos dizer que estamos de cabeça fria, não é? Pelo menos não honestamente.

Ele não pôde evitar sorrir, relaxando. _ Estava só a pensar no como não sei o seu nome. _ disse para tentar desviar a conversa. E para tentar desviar o foco de onde estava preso nesse momento.

_ Chame-me... Alícia.

Ele pousou a mão sobre a dela e, pensando com a cabeça certa desta vez, virou-se para a olhar.

_ Eu não sou uma fada, dos mitos, sabe? Não é como se, se me der o seu nome, eu fique com a sua alma.

Ela riu, mas algum do calor tinha-se perdido pelo caminho. Tirou-lhe as mãos dos ombros, fazendo-o sentir a sua falta de propósito. Depois sentou-se de novo a seu lado, desta vez virado para si em vez de para o bar.

_ Não, não é, _ disse. _ Mas é novo aqui, não é? E as gentes de cá nem precisam de saber o seu nome para lhe roubar a alma.

Ele sentiu-se frio de repente, como se o afastar dela tivesse quebrado o feitiço ou como se os pensamentos finalmente o tivessem alcançado através do desejo e do álcool.

_ E você é veterana, não é, senhora? Seguir as "regras" já deve ser segunda natureza.

Ela pousou-lhe a mão na perna, fingindo-se de triste para o reconfortar.

_ Já não é a primeira vez que cá estou, não, mas não sei se me chamaria de veterana. E admito que me é difícil manter tudo em mente, todas estas regrinhas, principalmente ao fim do dia e com uns copinhos em cima...

Ela moveu a mão, mas felizmente Marco estava suficientemente lúcido para a impedir de avançar mais.

Houve alguma emoção que passou na face dela, demasiado rápido para ele a identificar, mas isso deu-lhe a garantia de que tinha reagido da forma certa.

_ Não se quer divertir? _ perguntou ela. _ Estou aqui a trabalhar, sabe?_ quase cantou, com humor na voz.

Ele sorriu, irónico, empurrando o copo sobre o bar entre uma mão e outra. Por mais apetecível fosse ter aquele líquido no estômago, sabia quão péssima essa ideia era.

_ Sei que sim. Já descobriu o que precisava? _ O seu tom saiu gélido, e a outra nem tentou esconder a sua surpresa.

_ És bom, _ sussurrou ela, mudando visivilmente de estratégia. Pousou ambas as mãos sobre o bar, deixando-as visíveis, admitindo derrota nessa frente. _ Se não o prazer, o que o traz aqui?

Ele encolheu os ombros. _ O mesmo que a si, suponho.

Ela sorriu ainda mais largo, divertida. _ É que é bom mesmo, _ disse para ninguém. _ Mas se está à espera que eu diga ao que venho, vai ter de tentar um pouco mais do que isso!

Ficaria feliz com o elogio, se ele não viesse de uma assassina sem escrúpulos que estava a tentar apanhar a menor das suas falhas. Em vez disso, pediu ao bartender um copo de água gelada.

Isso só a fez rir.

_ Não preciso de lhe perguntar, senhora, que eu já sei.

Ela escondeu a surpresa. Ou pelo menos ele achava isso, porque ela não dava indícios nem de uma forma nem de outra.

_ Ai sim?

_Sim, _ respondeu ele.

_ E o que seria isso?

Foi a vez de ele sorrir. Mastigou um dos cubos de gelo que lhe vieram no copo, usando a sensação para se manter agarrado aos pensamentos. Eles teimavam em escorregar para coisas mesmo nada a ver, como uma criança untada a manteiga a escapar-se dos braços da mãe para se atirar para um daqueles escorregas de dois andares. O que fazia zero sentido.

_ Informação _ acabou por admir.

Ela sorriu. _ E quem lhe disse que eu estava aqui à procura de informações? _ perguntou ela, bem humorada.

_ Ninguém teve de o fazer. Quem mais se recusaria a dizer algo tão simples quanto a razão porque está aqui? Se estivesse a vender algo, publicitaria o mais possível, e se estivesse aqui às compras... se estivesse...

Ela riu-se. _ Pois. A Alícia é a que está às compras de arte para o chefe. Ou era a que queria vender a coleção privada? _ riu-se ela. _ Tinha a ver com arte, de qualquer forma.

_ Eu quase que apostava que isso dependia de com quem estava a falar. _ Ele bebeu a água que lhe estava no copo de uma vez, deixando só para trás o resto do gelo.

_ Tenho de ser mais cuidadosa! Se um novato qualquer vem aqui e decifra logo tudo...

Marco sorriu. _ Tenho a certeza que seja do cansaço, Aranha. Ou do álcool.

Ela ficou fria. Não estava à espera que ele soubesse a sua alcunha ou, pelo menos, que lha associasse.

_ Eu cá acho que só o subestimei. É um erro que não vou repetir. _ Relaxou, tomando um gole da sua própria bebida. _ Suponho que a Rainha me tenha introduzido?

_ Nem por isso. Mas eu devia ter suspeitado logo de início que a senhora não estava aqui só pela conversa. Que mulher com esse aspeto me apareceria aqui assim?

Ela ficou chocada por um segundo, e depois desatou a rir. _ Está-se a fazer a mim? Depois de saber quem sou?

Marco encolheu os olhos, orgulhoso. _ e porque não? O pior que me pode dizer é não.

Ela riu mais. _ Você nem faz ideia.

Ele deixou-se relaxar, comendo mais um daqueles deliciosos cubos de gelo. A Aranha já tinha controlado o riso.

_ Se calhar nem vai aceitar os meus conselhos mas, se eu fosse a si, teria mais cuidado. Principalmente com a Rainha, a sua empregadora. Lembre-se que ela o está a usar tanto quanto eu, e que ela tem os seus métodos para o manipular até que esteka colocado exatamente como ela quer. – Levantou-se. – Se quiser sair deste sítio onde não pertence intacto, _ disse ela. Depois aproximou-se, talvez demais. Lentamente, ela plantou-lhe um beijo na bochecha, e aproveitou a oportunidade para lhe sussurrar ao ouvido: _ Lembre-se das regras, Marco Vilanova.

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