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Capítulo 1


Ela ajeitou a tiara roubada mais uma vez, desprendendo um par de fios das tranças intrincadas para melhor lhe emoldurar a face. Pelos intercomunicadores, sabia que a entrada do palácio já se enchia de gente, mas ela, como boa anfitriã que era, não tinha qualquer hesitação em chegar atrasada à própria festa.

Passou as mãos pela frente do vestido, sentido o veludo dourado do corpete e a textura dos bordados no topo das largas saias brancas, apenas curtas o suficiente para não roçarem no chão quando ela andava. Modas de outros tempos, talvez, mas não havia forma mais delicada de mostrar o seu poder do que com luxos perfeitamente desnecessários.

Saiu para o longo corredor, apreciando o silêncio dos seus passos na carpete decorariva e o cintilar das jóias que a decoravam sob a forte luz elétrica. As portas para o hall de entrada, onde a sua multidão a esperava, foram abertas à pressa pelos dois guardas que as ladeavam. Ela pôs o seu melhor sorriso, preparando-se para se apresentar no patamar da dupla escadaria que decorava o grande Hall.

Passou as portas, e o silêncio que lhe chegou aos ouvidos fê-la sorrir ainda mais largo sem nem ter de fingir. O espaço, decorado a veludo e mármore e iluminado pela luz de ouro que vertia do grande candelabro central, estava quase cheio de gente que a olhava.

_Sejam bem vindos, _ projetou, erguendo os braços _ ao Leilão deste ano. Espero que tenham tomado o meu convite como um elogio! _ A multidão riu-se com ela. _ Hoje estão entre os melhores dos melhores, os mais influentes, os mais poderosos... para terem sequer aqui chegado é porque são excepcionais. _ Ela começou a descer um lado das escadas, com a mão no corrimão de ouro e os olhos sem se desviarem do grupo. A maioria bebia as palavras dela, com expressões que iam do medo à adolação. Tudo lhe servia. _ Este ano temos imensas peças únicas, mais do que qualquer um dos leilões anteriores. Eu sei que um Rembrandt adquirido há menos de um ano ou o primogénito de um rei não são para todos os orçamentos, mas não têm de se preocupar porque temos items para todas as carteiras e todos os gostos. A sala de baile será aberta em poucos minutos, e a licitação começará dentro de uma hora. Até lá... _ tinha acabado de chegar ao último degrau das escadas, admirando a forma como a multidão se tinha virado para lhe seguir os movimentos. Estendou a mão para apanhar um copo de champagne do tabuleiro que por ela passava _ aproveitem!

Ergueu o copo, e muitos dali seguiram-na e brindaram entre si. Sorriu mais ainda, levando o copo aos lábios para fingir um gole antes de entrar na multidão.

Todos os que ali estavam tinham sido escolhidos a dedo por ela, e até havia alguns que ela reconhecia. Costumava ser difícil associar os nomes às caras, na área em que trabalhava, mas o seu leilão era um convite irrecusável e, por isso, uma ótima oportunidade para os inteligentes criarem contactos e aprenderem segredos.

Podia ser impossível faltar a tal evento mas, aparentemente, era bem fácil chegar atrasado. As portas para a sala de baile já se abriam para deixar a multidão escoar lá para dentro e ainda não havia sinal de alguns dos poucos que realmente lhe importavam. A humidade quente da selva tornava o esperar lá fora numa tarefa desconfortável, e ela nem fez por ir espreitar.

Eram poucos os que sabiam onde aquela mansão, aquele palácio escondido algures no mato amazónico ficava. Era raríssimo ter ali convidados, e ainda mais raro era ter ali convidados que lhe fossem importantes o suficiente que trazê-los com um saco a tapar-lhes a vista fosse fazer má impressão. Normalmente emprestava os próprios condutores, e veículos fortes o suficiente e com janelas suficientemente escuras para que localizar o ser esconderijo fosse impossível.

Então claro que os poucos que tinham a sua permissão para lá chegar pelos próprios meios estavam atrasados. Da sua Corte, só Lóng tinha sido pontual, como a velha costumava ser.

Que fosse. Na pior das hipóteses e dependendo das horas a que chegassem, apenas não lhes daria a cortesia de acordar os preços de certos artigos antes do leilão começar. Por mais que às vezes os odiasse, aquelas pessoas eram aliados úteis demais para ela se arriscar a perdê-los.

Andou pela sala, tão leve que quase flutuava, a conversar com vários dos seus convidados. Tomava notas mentais de todas as informações que lhe podiam vir a ser úteis; ali o conhecimento funcionava quase como o seu próprio tipo de dinheiro, e aqueles jogadores menores ainda não sabiam como o guardar. Ela sabia quase tudo sobre aquela gente, mas dela eles só conheciam a face e a alcunha.

Não era por acaso que lhe chamavam de Rainha.

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