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Parte IV

Vou contar uma história, uma de assombrar, onde os vilões são heróis disfarçados e as vítimas potenciais criminosos.

Era halloween, o último, um ano antes de tudo acontecer e lá estava Ivar Murdock, o garoto solitário, a aberração, mais precisamente eu.

Dois vídeos foram feitos e compartilhados de forma constante, para o deleite dos agressores e para a ruína da minha autoestima.

A fantasia caiu com uma luva, um espantalho, o trapo velho e a camisa xadrez, os cabelos desengonçados e bagunçados cobertos pelo chapéu de palha. Por uma burrice chamada socialização pensei em tentar conversar, interagir, " Seja um menino normal, Ivar, ou ninguém nunca chegará perto de você. " É o que meus tios costumavam falar e como um bom garoto eu resolvi escutar.

Eu poderia tatuar tolice e ingenuidade para uma mesma noite.

Meu grande erro foi conversar com Nancy Quinn, mas meu antigo eu era um estúpido apaixonado pela garota popular e venenosa, a rainha da crueldade que amava pisar em seus fiéis súditos e eu fui um deles.

Nunca disperse a atenção do copo de bebida em mãos, nem mesmo se a menina mais linda da escola estiver sorrindo para você. Foi a trágica lição que aprendi naquela noite, eu mais ri do que proferi alguma palavra, mas ao terminar o copo meu estômago dobrou e a ânsia subiu por minha garganta.

Correr até o banheiro nunca pareceu tão distante quanto naquele instante, toda a refeição do dia saiu com brutalidade e a cada novo respirar sentia tudo ao meu redor girar. Minha visão se tornou turva e somente me lembro de ouvir uma voz melodiosa perguntar se eu estava bem, preferia ter ficado com a cara enfiada na privada a ter ido com Nancy.

" Vamos para a tenda, lá tem um sofá e você pode ficar até melhorar. "

Não me recordo o momento exato que apaguei, mas me lembro perfeitamente quando acordei, eu tremia e o frio aumentava gradativamente. Minha visão pesada, a cabeça explodindo e o gosto amargo na boca.

Tentei puxar as mãos, contudo elas não vieram, foi quando percebi que estavam amarradas em cordas. Completamente grogue, abri os olhos e tentei focar no que poderia conseguir enxergar, percebi que estava sem a fantasia, despido de qualquer roupa – totalmente nu.

O desespero me atingiu em cheio, o que resultou nos meus pulsos em carne viva mais tarde.

Às vezes penso no quanto eu fui cruel com eles, mas então me recordo dessa noite e vejo que eu deveria ter feito mais. Arrancado seus corações e humilhado cada um diante de todos.

Aterrorizador, é uma palavra que definiu o momento que quatro figuras adentraram o local reservado, as máscaras de animais traziam calafrios e resultaram em perfeitos pesadelos por noites, até um dia sonhar que usava elas e abatia eles como animais em um frigorífico. 

A queimadura veio com risadas e um grito angustiante dos meus lábios, a cera quente da vela respingou pelo meu corpo e a dor transbordava me fazendo urrar e debater em busca de sair de lá.

— Até que ele é bonitinho quando não está usando aquelas roupas largas, não se parece tanto com um psicopata. — A voz feminina ecoou por trás da máscara de urso retorcendo meu estômago ao reconhecê-la.

Observei o porco se aproximar e engoli em seco ao ver a régua de madeira da professora de matemática, o objeto passou pelas minhas coxas e o estalo veio.

— Nunca te ensinaram a não assediar uma garota?

Com a minha falta de resposta não demorou para que a tortura voltasse, uma batida após a outra criou vergões em minha pele que toda vez que me olho sem roupa ao tocá-las ainda posso sentir.

— Ivar sabe o que acontece com assediadores em Napoleoni — o coelho riu e abaixou na minha frente — uma pena que não pude fazer o mesmo com nosso querido Robert.

— Vamos ter certeza que ele nunca irá se esquecer. — O porco ensanguentado se aproximou e a filmadora foi ligada, as risadas reverberaram e aumentaram quando em completo desespero comecei a chorar e berrar em súplica para aquilo parar.

Em algum momento eu apaguei novamente e acordei em meu próprio vômito e retornamos ao momento que Amélia tentou me ajudar e encenamos perfeitamente a nova Carrie a Estranha, ou melhor, Ivar a aberração.

A partir daquele dia eu parei de tentar me encaixar, meu cérebro encravado passou a ter pensamentos que muitos considerariam loucura e coloquei cada um deles em prática.

Eu não podia mais me ajudar e ninguém conseguiria. Então eu criei o meu conto de fadas e a realidade onde queria viver.

Um ano arquitetando tudo, um ano sofrendo e engolindo cada caco de vidro, me submetendo ao nada e sendo tratado como uma larva, estava na hora de agir. Sorri ao ver Amélia se aproximar, parando ao meu lado para ficar no posto de vigia, a perfeita rainha de copas combinando nossos trajes para aquela noite tão especial.

Me aproximei do grupo que aguardava ansioso para entrar e comprimi os lábios ao ver os quatro, bem ali, esperando uma noite tenebrosa e repleta de pegadinhas. O show teria seu início.

— Me sigam, por favor. — Caminhei para dentro da tenda onde o labirinto se iniciaria revelando as quatro passagens onde cada um teria que entrar.

Os olhares se intercalaram, e sorrisos divertidos alargaram em suas faces, uma pena que eu tirei cada um e recebi somente lágrimas, o que era brincadeira para mim não acabou sendo para eles. Triste porque eu não me arrependo nem um pouco do que fiz.

Cada atitude, ação e omissão, se alojou em meu peito, eles deveriam ter me matado no último halloween, isso teria evitado o que aconteceu no momento que seguiram suas trilhas de tijolos ensanguentados. Mas não fizeram isso e no fim cada um deles morreu quando chegou o próximo dia das bruxas.

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