Parte I
Alguns irão me chamar de desprezível, outros de um estilo de herói diferente, tudo dependerá da sua perspectiva e ponto de vista. Mas uma coisa posso garantir, no fim de toda situação eu era somente uma vítima que se cansou de sofrer e resolveu começar a agir.
Ainda me lembro dos gritos e súplicas, o sangue escorrendo pelo carpete cobrindo minhas botas e a faca luminosa completamente ensanguentada conforme irradiava o metal. A risada que ecoava e a música orquestral que transpassava por meus ouvidos. Um espetáculo e tanto para aquela noite.
Eles queriam me transformar no vilão, assim aconteceu e então, eu me tornei um para cada uma de suas histórias de conto de fadas e não me arrependi nem um pouco.
Acredito veemente que quem vive tempo demais na escuridão acaba virando parte dela, as trevas começam a entrar em sua corrente sanguínea e o sangue que antes era vermelho passa a ser preto, obscuro e a sensação de vazio preenche cada partícula de seu poro até não restar mais nada que possa te fazer se sentir menos do que uma aberração.
Brincadeiras são poderosas, elas podem ser satisfatórias ou brutalmente mortais, varia de quem é o jogador e eu, fui mortalmente pisado por cada uma delas enquanto eles riam e gargalhavam a cada novo cair, esbarrão e violência.
Não gosto de culpar os meus atos pela falta de afeto e atenção durante a infância ou cada espancamento em nome do amor se aquilo poderia ser considerado uma forma de carinho eu preferia nutrir o ódio. Eu sabia perfeitamente o que estava fazendo e os meus planejamentos, me culpe pelas minhas atrocidades, e julgue pelas minhas ações, mas sejam misericordiosos com cada fruto podre que utilizavam de máscaras para esconder sua perversão.
Voltemos ao dia em que eu decidi criar um jogo, iria fazê-los pagar na mesma moeda, dor gera dor e digamos que era adepto ao ditado de "Olho por olho, dente por dente. " A vingança veio, um castigo seria dado na mesma proporção com uma punição relativa ao tamanho da ofensa, pena que eu acabei passando desse limite arrancando cada olho e dente que apareceu no meu caminho.
Napoleoni sempre foi uma escola requisitada, pomposa e formosa, um exemplo a ser admirado, entretanto por debaixo dos panos as coisas nunca são como realmente aparentam. Posso contar nos dedos os professores e alunos que realmente eram almas límpidas e puras, para sanar a sua curiosidade contarei quem são: Robert Miller, professor de filosofia, pouco reconhecido e taxado como insano por suas ideias revolucionárias, uma pena, o mundo não estava preparado para alguém como ele. Amélia Dunlap, um doce de garota, gostava da maneira como seu sobrenome ressoava a cada vez que pronunciava como o mel feito por abelhas – um vício acalentador para meus lábios e por fim, Dick Finch, um babaca egocêntrico e agressivo que não media esforços para usar os punhos, porém que defendia as pessoas de serem ainda mais humilhadas pelos demônios daquele manicômio escolar e eu era um deles.
Poucas pessoas, não? Mas dizem que o importante é ter as pessoas certas ao seu lado e isso claramente me beneficiou.
Queria mostrar para cada um deles o que seus atos significavam, estava na hora de colherem o que plantaram e eu daria cada fruto podre com o maior prazer e um sorriso largo no rosto. Pena que eles não veriam.
Gosto como as festividades de Halloween são uma tradição em Masca, jovens vestidos com fantasias ridículas prontos para pregarem travessuras e nunca atrás dos doces, o dia que ninguém se importaria com as brincadeiras maldosas de adolescentes que não possuíam o mínimo de inteligência e o máximo de crueldade.
Era minha vez de brincar.
Andar pelos corredores do colégio era torturante, toda vez que precisava passar por entre os alunos me sentia sufocado. Os olhares curiosos, as fofocas irreais e nada moralistas, mentiras em forma de verdade que destruíram a reputação de alguém. E eu? O garoto maníaco com tendências sociopatas. Seja recluso, introvertido e isolado, use roupas escuras e fique somente no seu canto lendo um livro qualquer, você vai ver o quão interessante pode se tornar aos olhos dos outros. Escutei eles sussurrando segredos até o meu nome estar sujo.
Eu tinha características perfeitas de um terrorista, e no fim eles estavam certos, eu me tornei um.
Questionava as intenções duvidosas do diretor de ter tido a brilhante ideia de fazer um baile de bruxas durante o halloween, o momento perfeito para uma recriação de Carrie a estranha e uma oportunidade única para humilhar a aberração do garoto estranho.
Lembro perfeitamente de como viralizou aquele maldito vídeo, as risadas ao fundo enquanto eu permanecia completamente desmaiado em meu próprio vomito após terem batizado a bebida e o enorme desenho tatuado – de um pênis – em minhas bochechas com caneta permanente, as vezes a falta de criatividade deles me surpreende e os dizeres: " Aberração " sentenciado na testa.
Se tivesse sido somente isso, talvez, só talvez, eu teria deixado passar, mas não foi.
Os flashes piscavam como um borrão alucinante, contudo eu lembrava perfeitamente o momento que Amélia veio até mim para ajudar com sua mão estendida e ainda sentia o cheiro podre do sangue de restos animais que se espalhou quando o balde caiu nos acertando com maestria. Não era para ela, mas atingiu inundando seus cabelos loiros e o vestido brilhante tomado de pedras se tornou tenebroso, perfeito para a comemoração, só faltou eu morrer pelo balde na cabeça – mas, isso infelizmente não aconteceu.
Vê-la chorar foi um dos piores momentos da minha vida, eu poderia não ter sentimentos pelos outros ou qualquer empatia, mas ela era diferente e aquilo foi apenas a fagulha para o que iria iniciar.
A vontade de se vingar é deliciosa quando acesa.
Voltar para casa sozinho nunca foi um problema, até me sentia bem ao colocar os fones no último volume e ignorar a existência de todos. Porém, isso mudou quando meus olhos focaram naquela cena – Dick Finch, jogado no chão enquanto abraçava o próprio corpo, havia sangue muito sangue em suas roupas principalmente nas calças sociais e só entendi quando minha atenção focou na enorme madeira jogada ao lado do garoto.
Foram poucas vezes que me senti enjoado e enojado, aquela foi uma delas.
Levar Dick para casa foi uma tarefa extremamente difícil, escutá-lo chorar baixo a cada passo ou ter que encarar os machucados expostos em todo seu corpo me traziam incômodo e acima de tudo saber que ele teria uma ferida nunca cicatrizada em sua alma que provavelmente o apodreceria de dentro para fora.
Não éramos colegas, tão pouco amigos, quem sabe apenas dois garotos que se esbarravam pelo corredor acidentalmente. Só que encontrá-lo naquele estado deplorável me fazia lembrar do meu e disseminava ainda mais o ódio dentro de mim.
Quando eu cheguei em casa me encontrei olhando para o espelho, o meu reflexo, ou alguém que eu enxergava do outro lado. Sem fisionomia, sem expressão, só vazio.
Eu era a imensidão de um abismo sem fim pronto para quebrar cada osso com a queda.
Nessa noite me peguei imaginando, deitado observando o teto como seria vê-los implorar por suas vidas e chorarem em desespero, dormi sorrindo e sonhando com o dia que aquilo se realizaria.
" Não faça aos outros o que não quer que façam a você. " A primeira frase que o professor Miller proferiu ao iniciar a aula, Confúcio foi um grande filósofo isso era verdade, uma pena que as pessoas não se importavam com ensinamentos deste tipo e no fim faziam ainda pior para com os outros.
Eles seriam agraciados, pois eu retribuí o que eles queriam que fizessem com cada um. Tratei todos como no fundo queriam ser.
Existia uma frase de Confúcio que se tornou minha favorita, citada naquela aula em específico: " Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão. " Acendi tantas velas que perdi a conta de quantas vezes esperei pelo sol, mas em todas ele parecia cada vez mais distante.
Decidi que seria o meu sol, ou melhor, me tornaria a escuridão, tão fria e assustadora que todos teriam medo de estar diante dela. Eu seria temido, me tornaria o pior pesadelo deles.
No fim foi uma aula interessante e de grande aprendizado se não fosse por Harper Jones, a garota insuportável e mesquinha de pais ricos, família importante e sorriso falso. As pessoas falavam sobre uma beleza sobrenatural, enquanto eu a considerava um verme fingindo ser uma lagarta.
Escutar as acusações de assédio que Robert Miller recebeu foi como um tiro próximo aos meus ouvidos, a demissão veio e com ela a mentira arrastada do que de fato aconteceu. Professor Robert, um homem casado e aparência juvenil – o interesse de muitas alunas e alunos. Quem sabe fosse sua fisionomia sensual, os cabelos na altura dos ombros ou o olhar intelectual, a forma inteligente a cada palavra dita. Sendo impossível não se encantar, o único defeito dele era ser ingênuo demais com os estudantes da Napoleoni.
Foram pequenas situações que se arrastaram até colidirem com o vidro de minhas impulsividades. Partindo-o e espatifando cacos para todos os lados.
Meus olhos incendiavam em luxúria e o sorriso perverso cobria meus lábios, olhem o que vocês me fizeram fazer.
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