IV
Me assusto com a janela se abrindo sozinha, até ver uma figura conhecida entrando por ela. Era Eryn, com seus cabelos brancos escorridos pelos ombros.
— Bom dia, princesa — falou Eryn com um sorriso de canto se recostando na mesma.
— Como subiu até aqui? — Fui até a janela para checar a altura.
— Não posso sair por aí falando dos meus truques — falou pegando uma mecha de meu cabelo.
— Mas o que faz aqui? Sentiu saudades?— me afastei.
— Não seja bobinha, você nem é tudo isso que dizem...
— E o que dizem de mim por aí? — Cruzei os braços o encarando.
— Só umas mentiras de sempre... Como "A princesa é a mulher mais bela de todo o reino" "Beleza mais rara que já existiu"... francamente, nunca viram uma mulher bonita.
— Então eu sou feia?
— Feia é um termo um pouco pesado, talvez jeitosinha...
— Ah e você também não é lá essas coisas, já te falaram isso?
— Não, pois não seria uma verdade, sabe... já me olhei no espelho — ele apontou para o próprio rosto fazendo um gesto de círculo.
— Convencido — joguei uma das almofadas da janela — ainda não me disse o que veio fazer aqui.
— Venho ver se está tudo bem com você, se sua madrasta não está mais a incomodando.
— Não, por incrível que pareça não.
— Então você resolveu os assuntos pendentes com ela — ele fez um sinal de esfaqueamento em direção a barriga.
— Não! Claro que não, mas minha prima e ela andam juntas o tempo todo. Aliás, como você sabia o nome da minha madrasta? Você falou de um jeito daquela vez como se já a conhecia.
— Apenas observei suas alegações...
— Como você conseguiu subir até aqui? Como conseguiu matar aqueles homens com tanta facilidade? Por quê do nada você começou a me visitar?
— Perguntas demais para poucas respostas.
— Então me responda apenas uma... Quem é você?
— Por quê esse interesse repentino em saber disso?
— Bom, se vou ter algum tipo de vínculo com você, pelo menos preciso saber com quem estou convivendo e falando sobre mim.
— Como eu disse, muitas perguntas para poucas respostas. Vejo que já deu a minha hora — ele subiu na janela, mas eu segurei sua mão.
— Por quê não me diz a verdade?
— Por que você não precisa saber de tudo, talvez não agora... — ele pulou a janela como se pulasse um degrau, caindo praticamente estático.
Se ele não me contar quem ele é, descobrirei por conta própria. Eu o tenho observado nos últimos meses que ele aparecia aqui, seu jeito de andar, falar, de se movimentar, seu cabelos brancos é incrivelmente incomum e suas roupas não conseguia reconhecer. Talvez possa ser uma roupa especial para assassinos, mas mesmo assim irei atrás de respostas.
O único lado bom é que minha madrasta parou de me atormentar, assim poderei fazer a minha pesquisa. A adaga que ele me deu, as jóias nela não são daqui e são extremamentes raras, o ourive não a reconheceu e me falou que o cristal negro só havia em um único lugar, terras feericas, achei uma tolisse já que isso é apenas história inventada.
Mas o comportamento dele está me fazendo acreditar em superstições tolas e sem cabimento. Onde já se viu um ser mais ágil, forte, mágico e de orelhas pontudas? Parece uma piada de mal gosto.
Fui à biblioteca e peguei todos os livros supersticiosos e os levei para meu quarto. Nunca pensei que o castelo teria tantos livros assim, lerei um por um, não vai ser como meus livros de romance, mas vou me acostumar.
Ouço a porta ranger, a olho imediatamente e vejo a figura de meu irmão, ele entra sorrateiramente sem dizer uma única palavra, passado sua mão pelos móveis do meu quarto.
— O que você quer?
— Isso é maneira de tratar seu irmão?
— Isso é maneira de entrar no quarto de uma dama?
— Qual dama? Vejo apenas uma menina, uma menina que logo todos irão se esquecer assim que eu for coroado.
— Às vezes me esqueço que você é um egocêntrico e narcisista — ele deu um sorriso, me provocando, era o que ele estava fazendo — fala logo está fazendo aqui e saia do meu quarto.
— Vim a pedido do papai, ele quer você no jantar. Ele quer todos no jantar para dar uma notícia. E por favor use algo bonito, temos visitas.
— Que visitas?
— Se não tivesse ficado em seu quarto o dia todo você saberia — ele continua tocando em tudo, até chegar ao meu colar.
— Nem pense em tocar essas mãos imundas no meu colar. Já fui avisada, agora se retire — levantei e abri a porta para que ele se retirasse.
Ele nem sequer tocou no colar, caminhou até a porta com seu nariz empinado. Quem ele pensa que é? já não basta as intimidações de minha madrasta, agora isso?
— O Netac está chegando, vai estar na torcida pelo seu irmão? — ele parou na porta.
— Claro, para rir de você assim que fracassar — dei um sorriso forçado. Ele deu uma risadinha e saiu.
Sinceramente, não me importaria se Eryn arrancasse sua cabeça. Na verdade, seria satisfatório. Eu descerei até lá e descobrirei oque é de tão importante para a folha insignificante estar presente. Temos visitas? bom... deixarei minhas pesquisas para depois.
Desci até a sala onde ficam os servos, Marlee a responsável pelos meus vestidos deve estar lá. Abri a porta e os servos pararam para me olhar, não é comum alguém da realeza aqui.
— Marlee, preciso da sua ajuda!
— Claro senhora — ela abaixou a cabeça levemente — em que posso ser útil?
— Quero um vestido, o mais chamativo possível.
— Claro senhora.
— Não precisa me tratar assim, me chame de Rosalie.
— Como desejar.
Voltei ao meu quarto à espera de Marlee, vestirei algo adequado para a ocasião, algo chamativo o bastante. Em outros momentos pensaria que estou querendo chamar a atenção, mas convenhamos que estou mesmo. Se minha madrasta me tortura, meu pai me desprezava e meu irmão é um idiota nascizista, o que há demais em "causar" em algum momento? Eryn só vem aqui quando lhe convém, minhas amigas estão aproveitando suas vidas de condeças, o que tenho aqui para me divertir ou me distrair?
Possuo furos das unhas de Rowena em algumas partes do meu corpo, sou assombrada todos os dias pelo único acontecimento horrível de minha vida. Se há algum sentido na vida, qual sentido tem a minha?
Aproveitarei para colocar em minha perna um bainha para carregar comigo o presente dado por Eryn, única coisa boa que tive em minha vida, a adaga é claro. Eryn é um egocêntrico convencido.
Batem a porta.
— Rosalie? — diz Marlee batendo a porta.
— Pode entrar Marlee.
— Trouxe seus vestidos— diz abrindo a porta, seu braço está com pelo menos cinco vestidos. Ela colocou os vestidos separados sobre a cama.
Com toda a certeza ela tinha um excelente gosto para esse tipo de peças. Mas os meus olhos só soube olhar para o vestido preto com um decote enorme e uma fenda que chegava até minha virilha, não sei se eu teria seios tão fartos para esse tipo de vestimenta mas é chamativo o bastante. Já que está aqui irei o experimentar, peguei o vestido e pedi para Marlee me ajudar a vesti-lo.
— Não o acha muito inadequado? A rainha não irá gostar muito...
— Não! Ele ficou perfeito! Não me importo com o que "a rainha" ache.
— Deverás ficou muito bonito em seu corpo, é como se tivessem feito para você.
Me olhei ao espelho e não tinha como não concordar, o vestido caiu muito bem e aparentava que meus seios eram fartos e gostei disso.
— Sinto que falta alguma coisa...— disse Marlee abrindo a gaveta da penteadeira e puxando uma jóia que eu não soube entender o que era até ela colocar em mim, era como um colar que pegava do pescoço até acima do umbigo, com certeza aquele era o toque final.
Marlee escovou meus cabelos e os deixou solto, e colocou vários anéis em minha mão. Ela realmente sabia o que estava fazendo.
— Obrigada Marlee, ficou perfeito.
A porta da sala de jantar é aberta pelos guardas assim que me veem, estou parada ao meio com as mãos levemente uma sobre a outra. Ergo minha cabeça lembrando da adaga que possuía, não estou completamente sozinha.
Rowena e Liandra se engasgaram com o vinho ao me ver, os olhos do meu irmão se arregalaram e meu pai apertou seu cálice com força. As visitas estavam desconfortáveis... consegui o que eu queria. Abri um largo sorriso e me assentei na ponta da mesa, de frente para o grande soberano... piada.
— Espero não ter perdido o grande anúncio...
— Não perdeu nada, querida filha! — falou meu pai — Pelo contrário, estávamos a sua espera.
— Ótimo! Podem começar.
Meu irmão se levantou com um cálice de vinho em sua mão e o ergueu.
— O grande anúncio desta noite, em que os pais de Liandra vieram para o ouvir pessoalmente — ele fez um sinal para Liandra se levantar — Hoje, ela não será mais Duquesa de Keterous, a partir de hoje ela será reconhecida como Rainha de Notolia — ele estendeu o cálice — Um brinde a próxima rainha!
A felicidade dos pais de Liandra era evidente, a mãe por casar bem a filha e o pai por conseguir mais domínio... mas o sorriso que Rowena lançou para mim foi o que me fez ferver por dentro. Eu sou a verdadeira rainha, era pra ser o meu jantar de comemoração da minha coroação. Não irei deixar desse jeito, não posso perder tudo assim, preciso lutar, eu quero o meu reino e o meu povo que eles não saberão cuidar.
Me levantei de minha cadeira erguendo um cálice.
— Parabéns meu irmão pelo lindo noivado.
— Obrigado irmã — falou ele.
— Calma, ainda não terminei...Parabéns por desde o momento que nasceu ter roubado a minha coroa e ter feito da minha vida um inferno. Mas sem recentimento — dei um sorrisinho,— te perdoo por isso.
— Já chega Rosalie! — falou meu pai.
— Calma papai ainda não terminei, não dei meu grande anúncio... Já que foi retirada de mim a coroa, quero recuperá-la!
— Impossível, já falávamos sobre isso várias vezes e minha palavra é a Lei.
— Sim, sua palavra pode ser a lei, mas ainda decido por mim mesma e anúncio que irei competir no Netac — olhei para Rowena sorrindo, vi a fúria em seus olhos. Eu a estava desafiando.
— Está blefando, você não pode participar, é uma mulher e mulheres são fracas — falou meu irmão, isso era um desafio?
— Sou fraca ou você tem medo de perder para uma mulher? — conseguia ver que tirei todos do sério, meu pai não consegue processar uma palavra sequer.
Os servos entraram na sala com bandejas fartas, foi posto ao centro da mesa um grande suíno assado. A mesa estava extremamente farta para apenas sete pessoas, um extremo desperdício, minha mesa farta enquanto seu povo morre de fome. Colocaram os pratos e posicionaram os talheres, foi servida a comida mas antes de que o rei possa comer alguém come primeiro por ele. Bom, ser um tirano faz você ter pessoas que não o querem no poder, eu seria uma delas, meu ódio por meu pai é evidente, talvez por tudo que me vou passar com Rowena e ficar simplesmente calado.
— Meu amor — disse Rowena alisando o ombro do rei, — não vai aceitar uma afronta dessas permanecer intacta, né?
— O que quer dizer?
— É evidente que Rosalie não sabe manejar uma espada, acha mesmo que vai se sair bem nos jogos?
"Quem ela pensa que é pra falar assim de mim?"
— Bom, vamos ter que ver para saber...
— Você não pode aceitar algo assim!
— Está me contestando? Como eu disse, a minha palavra é a lei, se ela quer participar, que participe.
— Mas...
— Não tem mas Rowena — ele a interrompeu.
— Você está agindo dessa forma só porque sua esposa morta era uma mulher grotesca como Rosalie!
Vi meu pai apertar os talheres, a ira se apossou do seu rosto, levantou a faca e a enfiou com força na mesa.
— Já disse que basta Rowena! — ele gritou, sua voz ecoou por toda a sala fazendo os convidados se assustarem — Sua presença conseguiu se tornar insuportável nesse recinto, peço que se retire imediatamente! E por favor, não pronuncie uma única palavra, sua voz está me dando nojo.
Ela se levantou de forma bruta, fazendo a sua cadeira cair para trás, todo o seu trajeto ela o fez olhando pra mim. Senti minha pele ser perfurada quando ela a agarrou, era suas unhas de metal.
— Escute aqui, não pense que isso irá ficar desse jeito, pois não irá! Você me desafiou no momento em que entrou nessa sala, não pense que todo esse teatrinho ficará por isso — ela afundou as unhas em minha pele, a dor era evidente mas a controlei e a olhei nos olhos.
— Solte o meu braço! — murmurei para ela,— ou não responderei pelos meus atos.
— Está me afrontando? Vejo que a garotinha está se dando de corajosa. Você não me conhece Rosalie... meça suas palavras comigo.
Eu levei minha mão até a adaga.
— Ou se não o que?
— Eu não falei para se retirar Rowena?— falou o meu pai.
Quando ela retirou suas garras de mim, retirei minha mão da adaga. Alguma coisa me diz que terei de dormir com ela debaixo de meu travesseiro.
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