Um menino egoísta
"Um dos protagonistas dessa história já morreu há muito tempo e não veria problema nela ser contada porque acreditava que tudo foi por uma causa maior. O outro tinha treze anos quando aconteceu e não gosta de falar dessas histórias, de lembrar delas nem que comentem sobre elas. Nem a esposa dele sabe sobre isso. Ele não te mataria se soubesse que você leu, mas faria você se arrepender caso espalhasse por aí, principalmente se contasse às irmãs dele."
...
Tyr saiu do Campo sozinho, Onúris matou aula e saiu mais cedo. Eles faziam isso juntos de vez em quando, mas ele não fazia com tanta frequência por gostar do ambiente do Campo. No portão, o garoto vê seu pai esperando ao lado do carro.
O motorista não estava.
O jovem Zander vai até o pai devagar, segurando a mochila pelo ombro. Sua mãe ensinou que mostrar seu medo já é se entregar a derrota, então Tyr se manteve neutro e calmo, como Magnólia quer que o filho seja.
- Pai?- Tyr pergunta, confuso. - Hoje tem algum exame?
Ele fez essa pergunta com o máximo de calma que conseguia, empurrando seu medo em uma caixa e a guardando. Não gostava daqueles exames, e eles se tornavam piores quando Tyr não sabia a data porque assim ele não conseguia se preparar mentalmente.
- Não, filho.- Doutor Herasmos responde gentilmente.- Na verdade, eu preciso falar com você.
- Algum problema?- O garoto pergunta, com medo de ter que ir ao laboratório agora. Normalmente, se seu pai tivesse um problema com os exames que fazia, Tyr ia ao laboratorio e só voltava para casa no dia seguinte.
- Depende.- Seu pai responde cabisbaixo e dando passagem para o filho entrar no carro.- Vamos, eu te explico no caminho.
Os primeiros cinco minutos se seguiram em total silêncio, as janelas estavam fechadas e Tyr observava a rua enquanto seu pai cantarolava sua música favorita.
- Filho, você contou ao seu irmão o que fazemos?- Herasmos Zander pergunta calmamente.
Tyr mantém a expressão de desinteresse, que lhe dava uma certa segurança. Ele acabou deixando escapar para Onúris o que acontecia, foi um momento de fraqueza em que ele teve um pesadelo com os exames de novo e seu irmão o viu.
- Ele acabou descobrindo.- Tyr tenta amenizar um pouco a situação.- Não consegui convencer ele de outra coisa. Sabe como é o Onúris, pai.
Herasmos solta uma breve risada.
- Sei.- Ele responde com o tom de voz agradável.- Quando o nosso guerreirinho coloca algo na cabeça, ninguém é capaz de tirar. Eu só estou preocupado porque ele contou à sua mãe.
Tyr cerra o punho, contendo o medo dentro de si. Do jeito que Onúris descobriu naquela noite, ele com certeza disse à Magnólia de um jeito extremamente dramático. Agora, ela poderia ficar com raiva do pai deles e isso causaria uma briga terrível. O garoto não queria isso.
- Filho, você sabe como essa pesquisa pode ser importante para todos.- Herasmos diz em tom melancólico.- Pense em quantas vidas podemos salvar.
- Eu sei.- O garoto diz com a voz baixa, se lembrando de todas aquelas agulhas, dos sedativos, das seringas que ninguém dizia o que tinha antes de injetarem nele, das lâminas cortando sua pele e das horas de escuridão sem saber o que faziam com ele enquanto dormia.- Eu quero ajudar o senhor, eu juro.
- Mas sua mãe nunca entenderia se eu dissesse o que estamos fazendo.- Seu pai diz com o tom nervoso, com medo.- Ela vai nos obrigar a parar. Por isso, não podemos dizer a verdade à ela.
- Mentir para a mamãe?- Tyr pergunta, erguendo as sobrancelhas e olhando para o pai. Ele não queria fazer isso. Mentir para a mãe dele, o garoto nunca faria isso por ninguém.
- É uma meia verdade, filho.- Doutor Zander diz em tom reconfortante.- Eu vou dizer tudo e você tem apenas que concordar.
- Mas...
- Filho, se sua mãe souber de toda a verdade, ela vai ficar furiosa e acabar com tudo.- Uma lágrima desce pela bochecha de seu pai.- Ela pode me deixar, eu amo sua mãe, não quero perdê-la.
Tyr fica quieto quanto a isso, vendo a dor nos olhos do pai, percebeu o que poderia acontecer se a família pensasse que ele está sofrendo.
- Lembre-se.- Seu pai diz em um tom mais duro.- Isso não se trata apenas de você. Estamos mentindo para sua mãe por Escarion, por ela e para manter nossa família unida e forte.
- Uhum.- O garoto volta a olhar para a estrada.
- Você não é egoísta, Tyr.- Herasmos continua com a voz baixa.- Sei que quer o melhor para todos.
Tyr lembra de uma cientista que injetou uma agulha enorme entre suas costelas mesmo com ele grunhindo de dor, ela nem olhou nos olhos dele nem disse uma palavra. Doeu, mas é como seu pai disse, é por uma causa maior. Maior que sua dor.
- Não sou egoísta, pai.- O garoto diz com a voz quase inaudível.
- Sei que não, filho. Sei que não.
Ao chegar a mansão Bracken, tudo parecia normal. Eles deixam o carro na garagem ao lado da casa e seguem pelo corredor que leva até a sala de entrada, onde eles ouvem a voz de Magnólia Zander conversando com alguém.
- Lembre-se.- O pai de Tyr sussurra.- Tudo o que eu vou dizer é verdade.
O menino apenas assente e espera o pai abrir a porta.
Sua mãe estava no sofá com o telefone no ombro, analisando as unhas de metal, ela olha para o marido e para o filho e vai colocar o telefone no gancho.
- Depois eu ligo, Val.- Lady Magnólia diz antes de desligar. - Tyr, deixe eu ver suas costas. - Seu tom de voz é severo.
- O quê?- O menino fica confuso por um momento.
- Levante sua camisa e me mostre a cicatriz que o Onúris disse que viu.- Ela ordena.
Tyr deixa a mochila no canto do sofá e vira de costas, levantando a camisa para mostrar a mãe o que ela queria.
- O que significa isso, Herasmos?- Magnólia se vira com um olhar furioso para o marido.
- Mag, meu amor, eu posso explicar.- Ele diz com calma enquanto o filho esconde a cicatriz.- Não é como pensa.
- Você está usando o meu filho como rato de laboratório, Herasmos.- Magnólia aumenta o tom de voz.- Me dê uma razão para não cortar sua garganta agora.
Tyr se afasta dos pais, pega sua mochila e tenta ir até as escadas.
- Fique aqui.- Sua mãe diz, severa. O garoto vai até o sofá e se senta ali, no alto das escadas, vê Onúris assistindo tudo.- Estou esperando uma explicação, Herasmos.
- Mag, o DNA dele é extraordinário.- O pai de Tyr responde.- Você sabe disso, criamos o filho perfeito.
- E o que te dá o direito de ficar arrancando o sangue e outras coisas do meu filho sem o consentimento dele ou o meu?- A mãe de Tyr aumenta o tom de voz, ele olha para o irmão lá em cima. Oni estava apreensivo também.
- Mas, amor, nós só começamos isso há dois anos.- O pai dos irmãos Zander diz com a voz calma e gentil.- Eu expliquei tudo ao nosso filho, ele não vê problema com isso e nem sofre. Eu garanto à você.
- Por que está fazendo isso com ele? - Magnólia esbraveja.
- Magnólia, você reparou que o Tyr não teve nem mesmo uma gripe desde que nasceu?- Herasmos pergunta, erguendo as sobrancelhas.
- Claro que sim.- Ela responde dando de ombros.
- Imagina se todo o escariano fosse assim? Livre de doenças e imunes a tudo de mal que possa existir.- O pai de Tyr mostra um sorriso de expectativa. - Isso é possível graças ao nosso filho de ouro.
Ele gesticula para o garoto no sofá com um olhar amistoso, Tyr passa a encarar os próprios pés.
- Pense em tudo o que pode ser evitado, os escarianos serão ainda mais elevados sobre os outros.- Herasmos diz com a voz suave, segurando os ombros da esposa.- Nosso filho vai entrar para a história, todos nós vamos.
Tyr não percebe sua mãe dobrando os joelhos na frente dele na hora, só sente ela segurando suas mãos com ternura.
- Isso é verdade, filho?- Magnólia pergunta.- Seu pai disse a verdade? Se tiver algo errado, querido, apenas me diga e isso acaba agora.
Ele poderia colocar tudo para fora, dizer que os exames estão doendo e o machucando sempre e piorando cada vez mais, que ele tem pesadelos com aquele laboratório e com seu pai o matando ou o prendendo lá para nunca mais ver os irmãos.
Poderia contar que seu pai faz isso desde que ele tinha seis anos de idade, sem explicação no início. Que também tem medo daquele laboratório.
Ele poderia dizer a verdade, sua mãe o ouviria e o protegeria disso.
"Você não é egoísta, Tyr." A voz de seu pai ecoa em sua cabeça.
Herasmos era um cientista muito bom, fez coisas incríveis pelo reino e pela família. Realizou o sonho da mãe de Tyr de ter filhos, nenhum dos irmãos Zander estaria ali se não fosse por ele. O pai de Tyr era um gênio que poderia fazer qualquer coisa, só precisava do material.
O garoto também sabia que os pais se amavam. Se contasse a verdade, iria separar os dois. Provavelmente os irmãos também se dividiriam com isso.
Tyr não queria que isso acontecesse por causa dele, por causa do medo dele. Não queria desapontar seu pai nem causar problemas na família.
Não era um menino egoísta.
- Sim, mãe.- O garoto responde com a voz surpreendentemente natural.- O papai disse a verdade, eu estou bem.
Magnólia continuou o encarando, esperando alguma rachadura da mentira aparecer, Tyr se mantém neutro para que sua mãe eliminasse todas as dúvidas sobre o bem estar do filho.
- Tem certeza, querido?- Sua mãe pergunta com a voz gentil.
- Claro.- O garoto responde dando de ombros e sorrindo, como se aquilo não fosse nada.- Eu estou bem, pode ter certeza.- Ele assegura.
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