Lídia
Era por volta das nove da noite, Lídia queria dormir cedo, não por cansaço, mas sim para ter um jeito de se afastar de tudo. Gostava dos sonhos que tinha com seus colegas de trabalho, seus amigos e sua filha. Sonhava com os dias no hospital sem nenhuma perda ou emergência, via sua menina no sofá da sala e as duas comendo brigadeiro de frente para a TV.
Lídia queria poder dormir mais, ficar ali por quantas horas seu coração pedisse, mas sempre acordava e se situava.
"Perdi meu trabalho, meus amigos, sou uma traidora procurada e minha filha me odeia."
Alguém bate na porta, Lídia se senta na cama lamentando por nem ter tido a chance de fechar os olhos.
- Entra.- Lídia diz aborrecida, não se preocupou com a possibilidade de ser sua mãe porque Magnólia não bate na porta antes de entrar.
Onúris coloca a cabeça dentro do cômodo, Lídia percebeu pela sua expressão o que poderia ser.
- Sophie está entrando em contato com a Magnólia agora.- Seu irmão diz com cautela, esperando a reação da irmã.
Por isso, Lídia levanta. Antes, ela teve que lidar com o fato de que sua filha foi para uma missão dada pela avó. Seu único alívio era que Tyr estaria junto e não permitiria que nada acontecesse com ela, ele prometeu. Tyr colocava a segurança da família acima de tudo e Lídia tinha fé no irmão mais velho.
"Proteja minha bebê, irmão, por favor."
Ela pediu internamente várias vezes, mas tudo mudou quando seu irmão foi pego. Lídia não sabia o que esperar, mas uma coisa era certa: Miriam o deixou ir. Por algum motivo que a Zander não conseguia imaginar qual, mas pode ser um sinal de esperança para Lídia, seus irmãos e sobrinhos.
Mas, agora sua filha tinha fugido e mentido para o tio, deixando para trás uma Magnólia muito furiosa. Sophie fugiu deles, sua mãe interpretou isso como uma traição e com certeza vai puni-la por isso. Miriam provavelmente não vai poder se mostrar misericordiosa com ela, nem Urano. Pelo o que Lídia conseguiu se informar ali, Sophie deixou todos furiosos.
No corredor, viu que todos estavam ali, até os mais novos. Cori e Éden estavam na linha que separa a sala de estar da de jantar, o mais longe possível da avó, e Imene estava ao lado do pai que estava sentado preguiçosamente em uma das poltronas.
Héstia estava na outra cadeira, com os pés sobre o joelho do irmão. Magnólia estava de frente para a televisão, observando bem a neta.
Na TV, ela estava dentro de um carro escuro, usando um moletom verde escuro, seu cabelo estava sujo e oleoso preso em um rabo de cavalo. Sophie sorri quando vê a família reunida e acena contente, pura encenação. "O que está aprontando, filha?" Sempre que Sophie mostrava um sorriso que deixava sua boca só um pouco aberta, significa que ela teve uma ideia. Lídia sempre temeu as ideias que a filha tinha.
- Vó?- Sophie chamou. Magnólia sentou na cadeira mais próxima e assumiu a pose de autoridade que tinha. Ela já se imagina em um trono, usando um vestido de metal e uma coroa de aço com um diamante como única jóia no acessório.
- Sim, Sophie? - Ela pergunta fazendo o papel de boa avó, escondendo sua fúria.- Posso saber por que a senhorita saiu de sua posição antes do seu tio chegar? - Magnólia pergunta, cruzando as pernas.
- É porque eu tenho algumas notícias para dar.- A filha de Lídia anuncia.
- Quais? - Magnólia pergunta em um tom neutro.
- A primeira é que o Hank Fowller não ajudou em quase nada.- Sophie diz, ela parecia focada em algo que estava ao seu lado. Antes que Magnólia falasse algo, a menina continua.- Mas não teve problema porque pelo menos ele facilitou a entrada para a Floresta e a missão foi cumprida.
Magnólia demora a responder, Lídia não sabia o que esperar com aquilo, Sophie não deveria ter entrado em contato com eles. "Por que está fazendo isso?"
- Disso, eu já sabia, meu bem.- Magnólia diz com a voz doce.- Agora, me diga o que quer.
- Tem outra notícia e ela meio que explica porque Denver não está no meio de uma guerra civil.- Sophie continua encolhendo os ombros. - Eu queria te mostrar.
- Qual?- Magnólia pergunta novamente com o rosto terrivelmente sério.
- É que... - Sophie para de falar e resolve mostrar alguma coisa coberta por uma lona velha e descobre uma parte mostrando que é alguém.
Magnólia segura os braços da cadeira e se levanta devagar como uma cobra se preparando para o ataque.
- Impossível. - Ela sibila olhando para o rapaz. Lídia sentiu seu coração saltar e quase repetiu as palavras da mãe.
- Não.- Ouviu sua sobrinha Cori dizer em choque.
- Esse aí é o...- Onúris aponta o dedo indicador para a tela que mostrava o rapaz inconsciente bem ao lado de Sophie.
- O monstrinho da Miriam.- Magnólia rosna, Lídia não conseguia respirar, o medo a sufocava. Não, ele não tinha voltado dos mortos, ele estava vivo esse tempo todo. Sobreviveu ao ataque de Lídia. Sua mãe com certeza a mataria pensando que ela tinha planejado isso. O príncipe estava inconsciente e com os pulsos presos em aros de metal.
- Mas... a Lili não tinha matado ele?- Hestia pergunta sem perceber o que isso poderia causar.
- E matei.- Lídia confirma, estava com medo de ser morta na frente da família pelas mãos de Magnólia.- Derrubei sua nave, o afastei dos soldados e o deixei lá. Como minha mãe me ordenou.
- Ele foi salvo.- Sophie diz voltando a câmera do celular para si.- Ficou se curando na Floresta.
- Sophie.- Magnólia diz em um tom direto e frio.- Traga ele aqui!
Sophie franze o cenho, a luz da câmera em seu rosto a deixava mais pálida que o normal. Ela olha da tela para o príncipe e contorce o canto da boca, pensando.
- Que tal se a gente fizer um acordo?- A garota pergunta.
Então, Lídia entende o que a filha queria.
"Não faça isso." Ela pede internamente.
- Porque... eu acho que tenho três opções do que fazer. - Sophie dá de ombros.- Eu poderia levar o príncipe/rei até você e deixar fazer o que quiser com ele e continuar com vocês, ou poderia chamar a própria Imperatriz Miriam e exigir um resgate dela, ou poderia negociar com você.
Todos os filhos de Magnólia congelaram com isso, com o olhar petrificado na menina na tela e na mãe que a encarava com um olhar selvagem. Lídia queria desligar a tela, tirar a filha da mira daquele olhar feroz da avó dela.
- Como é que é? - Magnólia pergunta com o mesmo tom que usava antes de mandar os filhos para a Caixa do medo. Quando crianças, sempre que Lídia ou os irmãos demonstravam algum medo, Magnólia os trancava em um lugar escuro no subterrâneo da casa para "canalizar" o medo deles. Agora os irmãos Zander não têm medo de nada, só da Caixa do medo.
- Não quero ser princesa, é muito chato e os vestidos são desconfortáveis.- Sophie continua, erguendo a tela do celular para mostrar ela e o principe enquanto acariciava o cabelo dele. - Embora eu nunca atrapalhasse o plano de vocês de conquistar o continente em menos de sete anos, quero a minha liberdade de fazer as coisas que quero e vestir o que quiser. Bem longe de vocês.
Magnólia suaviza um pouco a expressão e mostra um sorriso de desdém.
- E para onde você vai? - Ela pergunta.- Você não tem para onde ir. Sem mim, não lhe resta nada, Sophie.
A filha de Lídia dá de ombros e afasta o cabelo da testa do filho de Miriam, ele não parecia estar nem perto de acordar.
- Para onde eu quiser, e não vai ser problema seu, sua única preocupação vai ser arrancar os segredos do Vitor dele.- Diz apontando para ele com o polegar.- Eis o meu trato: eu te entrego o príncipe/ rei e você me deixa em paz, mas ainda com o cartão sem limite por um período de dois anos. Me parece bem barato para um continente, não acha?
- Pelo aço dos meus ossos.- Lídia ouviu Oni resmungar. Esse era uma expressão antiga, como se o aço fosse um deus e vivesse nos ossos dos Zander. Lídia sempre achou isso completamente ridículo.
Magnólia ficou em silêncio, todos na sala ficaram tensos, um cordão estava prestes a ser arrebentando ali. Lídia não sabia o que esperar, mas com certeza ficou surpresa quando viu a mãe gargalhar. Magnólia se sentou de novo, sem fôlego e com a mão com garras de aço na frente do rosto, cruzou as pernas e conseguiu encarar a neta ainda com um sorriso.
- Eu lhe ensinei que os Zander citam seus próprios termos.- A mãe de Lídia começa.- E você aprendeu a lição, Sophie. Esse é o espírito que eu adoraria que liderasse a família Zander durante seu reinado quando Tyr e eu não estivermos mais aqui.
- Pena.- Sophie diz em tom casual.- Então, temos um trato? O príncipe pela minha liberdade?
- Claro, meu bem.
- Ótimo.- Sophie diz mostrando apenas seu rosto.- Depois mando os detalhes da troca.
Lídia sentiu os joelhos tremerem. O que estava acontecendo ali? Magnólia não tolera ser desafiada por ninguém, então por que estava aceitando a oferta de Sophie? A resposta era tão óbvia.
Quando Sophie encerra a ligação, Cori é a primeira a falar.
- Você não vai deixar ela ir.- A sobrinha de Lídia diz e Magnólia assente.
- Cori, minha querida, você é igual ao seu pai.- Magnólia diz parecendo orgulhosa. - Não, claro que não, mas se eu mostrasse qualquer sinal de recusa, ela o entregaria imediatamente para a imperatriz. Isso eu não posso arriscar.
- Vai fazer uma armadilha para ela? - Oni pergunta analisando as unhas dos pés de Hestia.
- Assim que a criatura da Miriam estiver em minhas mãos, cuido pessoalmente dela.- Magnólia responde ainda observando a tela, roçando a ponta do dedo indicador com o polegar.
- O que você vai fazer? - Lídia pergunta indo na direção dela. Oni tenta segurar seu cotovelo, mas ela desvia o braço e fica de frente para a Magnólia.- O que pensa que vai fazer com a minha filha?
Lídia fica de frente para a mãe que a olha com desprezo, ela era sem dúvida a mais odiada da família. Por ter sido a responsável pela rebeldia que cresceu entre seus irmãos e outros motivos pelos quais ela tinha arruinado os planos da mãe sem saber. Magnólia dá de ombros e sorri.
Ela continua a observando, ninguém se mexe, os irmãos e sobrinhos de Lídia continuam a observando em total silêncio.
- Não se preocupe Lídia, não vou matar minha neta.- Ela diz gesticulando para Lídia.
- Deixe eu procurá-la.- Lídia se ouve dizer
- Saiam.- É tudo o que a mãe de Lídia diz, os mais novos são os primeiros a sair, Héstia anda de costas até a sala de jantar e Oni fica observando as duas que continuam na sala por alguns instantes antes de sair e olhar para Lídia com um olhar de "qualquer coisa, grite." - Lídia, meu bem, você não pode ir para Denver atrás da Sophie.
- Por quê não?- A mulher se segura para não gritar.
- Porque no momento em que você colocar os pés em Denver, a própria Imperatriz cai em cima de você e eu ainda não tenho recursos o suficientes para derrotá-la. Apenas contê-la por um tempo até conseguir alguma coisa realmente útil.
- E o arsenal nuclear que você conseguiu em Therese não é o suficiente?- Lídia quase grita.
- Para preocupar os civis e alguns conselheiros, sim.- Magnólia assente observando a ponta dos próprios pés, suas unhas estão pintadas de vermelho sangue.- Mas Miriam não precisa desse arsenal. Aquela vadia está planejando algo e eu tenho que descobrir o que é. Não podemos voltar para o tabuleiro onde ela obriga os outros a jogar. Você não vai para Denver.
O tom dela estava estranho, sem fingir ser uma governante, Magnólia não tentava emanar autoridade. Lídia quase ficou preocupada com ela, quase. Sophie é sua prioridade agora, Lídia Zander tem que focar em ajudar sua filha.
- Mãe.- Ela diz se ajoelhando e segurando as mãos da mãe, como uma criança pedindo.- Você mesma disse que nós devemos ficar unidos, Sophie é minha filha e está se desviando do caminho dos Zander. Deixe-me ir atrás dela e eu a trago de volta.
- Seu irmão a trará de volta, não importa o que custe.- Magnólia sussurra fazendo carinho na bochecha de Lídia.
- Meu irmão não conhece a Sophie, eu conheço.- Lídia diz colocando a mão no peito, deixando seu medo pela filha transparecer.- Sei para onde ela pode tentar ir, me colocar no lugar dela.
- Minha querida, você tentou isso por quatro anos e não conseguiu.- Magnólia diz com a voz metódica. - Não adianta, Sophie não é mais aquela garotinha indefesa que corria para você em qualquer situação de ameaça. Ela aprendeu que é uma Zander.
As duas ficam em silêncio, Lídia pensando em outra maneira de convencer sua mãe a deixá-la ir enquanto Magnólia pensava em outra loucura enquanto ajeitava o cabelo da filha.
- Já parou para pensar por um único segundo o futuro que poderia ter tido?- Lídia vira o rosto para o lado, pensou que a mãe tinha desistido dessa conversa há um ano.- Lembra como as pessoas olhavam para você, o Urano e a Miriam quando vocês eram pequenos? Os Três Primeiros reencarnados, diziam, os melhores do Campo, diziam, os que levariam Escarion para um nível além da glória, diziam.
Ela cita todos os comentários que Lídia já ouviu na adolescência com um tom que queria fazer a filha se arrepender das escolhas que fez.
- Você teria casado com um homem que não teria te decepcionado, você sabe disso. - Magnolia diz erguendo o queixo da filha, a fazendo olhar para ela.- Estaria em um nível de poder comparável ao meu ou até maior, como segunda no comando do império mais poderoso e próspero da história do mundo. Pensou nisso, Lídia? - Magnólia perguntou, analisando o rosto impassível da filha.- Nem eu daria ordens a você, não teria que fugir de mim se tivesse enfrentado seus medos, se não tivesse sido covarde e tivesse agarrado o poder que estava diante de você. Nem teria que se preocupar com a Sophie.
Lídia chegou a ver a imagem que Magnólia descreveu. Ela de um lado do trono, com roupas de ferro; Urano do outro, com suas roupas azuis e pretas; e Miriam sentada no trono, com a luz do sol radiando atrás dela. Os três no auge do poder, sem seguir ordens de ninguém. Era como esperar que o sol nascesse a Oeste, e não foi ela que arruinou o sonho do reino de Escarion de ver uma segunda versão dos Três Primeiros. Foi outra pessoa.
- Eu era livre para escolher outras alternativas e minha vida não se resume a minha convivência com os homens. Não me arrependo de nada do que eu fiz, a não ser de deixar minha menina cair nas suas mãos.- Lídia diz calmamente enquanto se levanta.- Deixe- me buscá-la.
- Não.- Magnólia responde com a voz direta. - Seu irmão vai encontrá-la.
Com isso, Lídia sai irritada da sala. Sophie pode morrer quando chegar ou morrer em Denver ou em qualquer lugar que encontrem ela levando um príncipe inconsciente na traseira de um carro. Pode acontecer qualquer coisa com ela, e Lídia não poderia fazer nada para evitar. Ou poderia?
Era uma ideia arriscada, mas é a última chance que ela teria de salvar a filha. As chances de Tyr dizer não, com medo de Danielle sofrer as consequências depois, e de ajudar a irmã para pelo menos um dos Zander se ver livre da Magnólia são iguais. Lídia esperou a mãe sair da sala, sentindo o metal das joias dela se afastando, e entrou escondido.
Não tinha ninguém ali e o monitor ainda estava ligado, Lídia tenta ligar para o último número que a mãe ligou. Torcendo para que, se Cyrus estiver certo e existirem deuses que nos protegem, esses deuses a protegessem agora.
Devem existir, porque Tyr atendeu a ligação.
Ele estava dirigindo, sua visão estava focada na estrada.
- Tyr. - Lídia chama pelo irmão e ele olha para ela, surpreso.
- O que está fazendo?- Ele pergunta, reparando na sala vazia e no olhar da irmã.
- Você não pode trazer a Sophie aqui.- Lídia diz sem rodeios.
- Eu sei, mas...
- Eu sei onde a Dani está.- Lídia o corta, dizendo aquilo antes que seu irmão terminasse a frase.- Magnólia me encarregou de cuidar dela agora.
Tyr franze a testa e volta a olhar para a tela.
- Por que ela precisou de você agora?- Ele pergunta, preocupado.
- Ela está bem, só fez greve de fome por um tempo e deixou o médico que atendia ela cego de um olho.
Alegria, tristeza e culpa se misturam no olhar do irmão de Lídia.
- Eu posso tirar ela daqui enquanto você leva a Sophie para longe e deixa o príncipe ir.- Ela começa a falar, mas seu irmão a interrompe.
- Você não precisa fazer nada.- Ele diz com a voz neutra e sem emoção, com os olhos na estrada.- Tem certeza absoluta de onde a Dani está?
Lídia assente, confusa.
- Tenho, ela está nos quartos do subsolo aqui.- Ela responde.- Magnólia não tem onde esconder a Dani de você agora.
- Urano deu um susto nos aliados dela.- Tyr concluiu.
- Sim.- Lídia concorda.
Seu irmão fica um tempo sem responder, dirigindo e atento ao volante. Ele só volta a falar depois de ouvir o som de metal se retorcendo e pessoas gritando.
- Você ainda confia em mim, Lili?- Tyr pergunta, Lídia percebe ele diminuir a velocidade do carro e parando em algum lugar.
- Sim.- Ela responde sem nem pensar na resposta.
- Ótimo.- Ele olha para tela e desliga, deixando Lídia sem entender o que o irmão vai fazer.
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