Capítulo 23 - O Eco de um Nome Esquecido: Ethan Albélia
“Eu sei que errei. Sei que fiz pessoas sofrerem… mas eu não queria. Eu não estava bem. Mas agora… agora eu estou tentando. Você pode pelo menos acreditar em mim? – Aaron Albélia”
A alvorada nascia pálida e fria, um véu de prata se derramando sobre o bosque adormecido. O ar cortante carregava o perfume agridoce das folhas de pessegueiro que se acumulavam sobre a neve, um tapete de seda rosada espalhado sobre a brancura imaculada do solo. Cada floco que caía cintilava por um instante antes de repousar suavemente entre os galhos, rendendo-se à quietude do inverno.
Agnes emergiu das profundezas da floresta, uma aparição de gélida majestade. Suas escamas brancas reluziam como prata líquida, refletindo os lampejos suaves da magia dispersa no ambiente. Cada passo seu era um deslizar elegante e silencioso, como se o próprio chão se curvasse sob sua presença. Mas algo no ar chamou sua atenção—a eletricidade sutil que denunciava a presença de um Cultivador do Sol. Era quase como se quisesse ser encontrado.
Os brilhos eram como migalhas, eles se adensavam mais adiante, e à medida que avançava, Agnes percebeu as silhuetas frágeis de dois garotos humanos. Estavam abraçados, seus corpos tensos e os olhos dilatados pelo medo. O desespero exalava deles como um cheiro metálico, cravando-se na atmosfera carregada do bosque.
A colossal criatura inclinou a cabeça, aproximando-se com um interesse felino. Seus olhos vermelhos, fendas cortantes, varreram os meninos, capturando cada tremor, cada respiração trêmula. O que faziam ali, tão pequenos e indefesos em um território onde a piedade era um conceito esquecido? Seriam filhos de nobres fugidos? Sobreviventes de alguma tragédia? Ou apenas tolos que haviam se aventurado além dos limites de sua sorte?
Um dos garotos ergueu os olhos para ela, o rosto pálido como osso esculpido, os lábios entreabertos em um pavor mudo. Tentava falar, mas as palavras morriam antes mesmo de se formarem. O outro permaneceu imóvel, mas quando finalmente virou o rosto, algo em Agnes se rompeu—um instante de desordem em sua mente ordenada.
A familiaridade bateu nela. A respiração lhe falhou, as memórias se lançando sobre ela como uma onda revolta. Aqueles olhos... brilhantes, intensos, ardendo como o próprio sol.
Aaron.
O nome se gravou em sua mente como ferro em brasa. Aaron, o Tirano Louco. O homem a quem ela servira. O homem cuja sombra nunca deixara de persegui-la.
E agora, diante dela, preso no corpo de um menino aterrorizado, estava ele.
O destino possuía um senso de humor cruel.
O medo exalava dos gêmeos como um fedor amargo, adensando o ar já pesado do dia. Ethan tremia, os olhos arregalados como os de um veado encurralado. Seu peito arfava, o som de sua respiração entrecortada era mais um sintoma do desespero que o consumia.
— Aaron, o que vamos fazer? — Ele choramingou, a voz embargada, um sussurro febril que mal passava de um sopro.
A mão de Aaron apertou-lhe o braço com força suficiente para machucar.
— Cala a boca. — O tom dele era firme, mas a tensão na sua própria voz era inconfundível. — Cadê a sua coragem? São apenas filhotes.
Ethan o encarou, incrédulo. Seus olhos foram dos de Aaron para a imensa serpente alva que os vigiava, seus olhos rubros brilhando como carvões acesos. A criatura não se movia, mas o simples fato de sua atenção estar sobre eles era um peso esmagador.
— Filhotes? — Sua voz era um fio de medo. — Filhotes deveriam ser pequenos e indefesos, Aaron. Isso é um monstro. Eu devia ter desconfiado quando entramos no bosque ao invés de irmos ao palácio.
— Não chame Agnes de monstro! — Aaron repreendeu, com um tom impaciente, mas também cheio de preocupação. — Ela entende nossa língua. Se continuar falando assim, pode ser que ela e seus irmãos resolvam nos matar apenas por insultá-los.
Ethan selou os lábios instantaneamente.
— Evite movimentos bruscos — murmurou. — Se assustarmos eles, seremos atacados.
— Eu... eu estou tentando! — Ethan balançou a cabeça, a respiração entrecortada. Mas o medo o traía. Seus olhos, marejados, dançavam de um lado para o outro, como se buscassem uma saída invisível. — Mas… mas… o que vamos fazer se ele atacar? O que fazemos se não conseguirmos escapar? Eu não quero morrer aqui!
Antes que Aaron pudesse responder, o arbusto à frente explodiu em movimento.
Um dragão serpentino emergiu das sombras.
Suas escamas negras brilhavam como obsidiana sob a luz trêmula do sol filtrado pelas folhas. Ele deslizou pelo chão com velocidade ameaçadora, as garras afiadas cravando-se na neve fofa. Seus olhos lilases brilharam com um ódio instintivo, as pupilas contraídas em fendas assassinas.
E então ele rugiu.
O som estremeceu o ar, ecoando pelo bosque como um trovão. Os gêmeos gritaram. Ethan se encolheu contra Aaron, que apenas apertou os punhos, ciente de que estavam completamente vulneráveis.
Enroscados nos galhos acima, os outros dragões se agitaram. Os chifres vibraram com energia. Eles saltavam entre os troncos, suas longas caldas deslizando, suas garras arranhando. Estavam se preparando para o ataque.
Foi então que Agnes se moveu.
Ágil como uma corrente de vento cortante, ela avançou.
O chão tremeu sob seu peso colossal. Suas escamas brancas reluziram como prata em meio à penumbra, um contraste cruel contra a escuridão do dragão negro que ameaçava os gêmeos.
Ela rugiu.
Um som grave, profundo, uma promessa de destruição.
O ar vibrou. As folhas dos pessegueiros foram arrancadas do galho.
Israel hesitou. Seus chifres iluminaram-se instintivamente – acumulando energia espiritual –, o corpo rígido de tensão. Os outros dragões desviaram o olhar, alguns recuando para a segurança dos galhos mais altos. O respeito estava lá. O medo também.
Agnes era uma alfa. E todos ali sabiam disso.
Com um comando silencioso, ela ordenou que os filhotes recuassem. Um a um, eles se afastaram, relutantes, mas submissos. Restou apenas Israel.
O dragão negro não se movia. Seu corpo oscilava entre ir ou ficar. O instinto gritava para recuar. Mas o orgulho… o orgulho dizia para ficar.
Então, Agnes fez algo que nenhum deles esperava.
Ela olhou para os gêmeos.
E então, começou a mudar.
Seu corpo tremeu, dobrando-se sobre si mesmo. As escamas peroladas deslizaram, encolhendo, se contorcendo como um fluxo de energia viva.
As garras diminuíram. O rugoso tornou-se macio.
E onde antes havia uma criatura colossal, agora havia uma garota.
Os gêmeos prenderam a respiração.
Cabelos brancos como luar desceram em ondas suaves sobre seus ombros. A pele pálida contrastava com os olhos vermelhos, ardentes como brasas vivas. As pupilas fendidas pareciam rasgar o mundo, penetrando nos pensamentos mais profundos de quem ousasse encará-la.
As escamas não haviam desaparecido completamente. Pequenos fragmentos perolados cintilavam em sua testa, espalhando-se discretamente pelo contorno do rosto, uma lembrança silenciosa de sua verdadeira natureza.
Suas orelhas eram levemente pontudas, uma marca sutil de algo não inteiramente humano.
Ela piscou.
O bosque ficou em silêncio.
Nem os dragões ousavam respirar.
Foi quando…
Agnes falou.
— Não podem andar sozinhos pelo bosque, é perigoso. — Sua voz era uma melodia doce, mas havia algo cortante nela, uma ameaça velada sob a doçura infantil. — Há feras malvadas que comem crianças perdidas e desobedientes. A mãe de vocês nunca falou sobre isso?
Ethan arregalou os olhos. Seu rosto, já pálido, ficou translúcido.
— O bosque nunca foi perigoso… até hoje. — Aaron interveio, forçando-se a soar mais firme do que se sentia. Ele hesitou, os músculos enrijecidos de tensão. — De qualquer maneira, não pretendíamos invadir o território de vocês. Estávamos apenas brincando no Palácio Lótus e nos distraímos com um coelho que entrou no bosque. Agora não sabemos como retornar.
Em instantes, o dragão de escamas negras seguiu o exemplo de Agnes e também se transformou em uma aparência semi-humana. Ele se passaria facilmente por um garoto humano, se não fosse pelos olhos lilases e as escamas distribuídas por sua testa e bochechas. Seus cabelos eram brancos e sua pele tinha o tom profundo do ébano.
— Irmã, está mais do que óbvio que esse humano está mentindo. Ele hesita, tanto em suas palavras quanto em suas ações, mas não há um pingo de medo na aura dele, ao contrário do outro ali. — o semi-humano apontou com o queixo para Ethan, que pressionou os lábios e desviou o olhar para baixo, então olhou para Aaron que ao seu ver, encarava tudo aquilo com fascínio mal disfarçado.
— Aaron, acho melhor voltarmos outra hora, com a mamãe. Tanto Agnes quanto Israel parecem assustadores, e eles não sabem nada sobre o vínculo que fizemos — Ethan se aproximou mais do irmão gêmeo e sussurrou, temeroso.
— Falando sério? Estou com tanto medo que minhas pernas mal me obedecem. Aquela hora que avançaram sobre nós, minha nossa, achei que meu coração fosse sair pela boca. — Aaron sussurrou, passando a mão no rosto e estalando a língua, irritado consigo mesmo. — Ser uma criança nessas horas é péssimo. Mas sabe de uma coisa? Eu precisava comprovar. Agnes está aqui, viva, e eu não sou um mentiroso.
— Nossa, que legal, você não é um mentiroso, Aaron. E agora, o que faremos com essa informação se estivermos mortos?
Aaron abaixou os olhos, suspirando diante das palavras do irmão. Então, olhou para Agnes. Sua confiança nela parecia inabalável.
— Se morrermos, vou te dar uma surra. — Ethan sussurrou, tentando mascarar seu medo com uma bravata. Ele tomou uma longa tragada do ar frio, preenchendo seus pulmões e depois o liberou, forçando seu corpo a liberar a tensão. Em seguida, endireitou os ombros e soltou a mão de Aaron, avançando sozinho em direção a Agnes e Israel.
— Com licença — disse Ethan, com uma coragem recém-descoberta. — Peço desculpas por termos invadido seu território, não foi intencional. Gostaria de me apresentar apropriadamente.
Aaron ficou em silêncio, observando com um misto de surpresa e orgulho enquanto seu irmão tomava a dianteira. Ethan colocou a mão em punho sobre o peito, onde seu coração batia descompassado, e inclinou a cabeça em um gesto respeitoso. Israel deu um passo para trás, seus olhos se estreitando em desconfiança.
— Sou um príncipe do Império do Sol, Ethan Albélia, e aquele é meu irmão, Aaron Albélia. — Ethan manteve a voz firme, apesar da garganta seca. Ele lançou um olhar rápido para Aaron, que, ainda perplexo, acenou com a cabeça e levantou a mão em um tchauzinho, esboçando um sorriso tenso. — Somos irmãos mais novos de Kaylus, acho que… vocês o conhecem. É o companheiro de alma de Lilian.
Agnes levou a mão aos lábios, tentando esconder um sorriso intrigado. Apesar do medo evidente na aura frágil de Ethan, ele havia se colocado à frente para protegê-los. Era algo verdadeiramente surpreendente, e ela não pôde deixar de sentir um lampejo de respeito pelo jovem príncipe.
— Então vocês são principes... — comentou Agnes, com um tom que misturava curiosidade e cautela. — Nunca imaginei que encontraria principes perdidos em nosso bosque. Sendo assim, permita-me me apresentar adequadamente.
Agnes fez uma reverência graciosa, como se estivesse usando um vestido, apesar das calças que vestia. Ela segurou a lateral imaginária de uma saia inexistente e se curvou ligeiramente, dobrando os joelhos em um gesto elegante e fluido. A ação parecia natural, quase instintiva, refletindo uma mistura de respeito e cortesia, mesmo diante dos humanos que as feras mágicas tanto odiavam.
— Eu sou Hadassa. Meu nome é inspirado em uma flor que cresce em abundância na floresta onde minha mãe nasceu. — Ela sorriu ligeiramente, como se o nome carregasse um significado especial que ela estava compartilhando com eles.
— Hadassa… é um nome bonito — comentou Ethan, tentando aliviar a tensão com um elogio sincero.
Agnes esboçou um pequeno sorriso antes de continuar.
— Meu irmão se chama Israel — ela disse, tocando o ombro do irmão, que parecia ainda mais tenso com a aproximação de Ethan. — Ele herdou o nome de nosso pai, que também se chamava assim. Papai era uma fera mágica conhecida por ser alguém persistente e forte. Mamãe nos contou que ele fazia parte do Conselho Imperial e morreu lutando por algo em que acreditava junto aos rebeldes.
Ethan piscou, surpreso. Ele sentiu um calafrio percorrer sua espinha ao ouvir a palavra "rebelde".
— Re… belde? — gaguejou ele, tentando esconder o nervosismo. — Quer dizer que ele fazia parte da mesma organização que invadiu o palácio da mamãe no mês passado?
— O Império do Sol é complicado. Tem muitas facções brigando por coisas diferentes. Faz anos que o imperador expulsa pessoas do Conselho só porque elas defendiam as feras mágicas. Ele queria se livrar de quem discordava dele. — Agnes fez uma pausa, esperando que Ethan entendesse. Mas ele apenas franziu a testa, confuso. — Você nunca ouviu falar disso?
— Nunca... Por que o meu pai faria algo assim? — Ethan perguntou, a voz carregada de confusão e um toque de medo.
— Mamãe disse que Derick Albélia não é um bom governante. Ele cala as pessoas porque não gosta de ouvir opiniões diferentes.
Ethan abriu a boca para retrucar, mas as palavras morreram em sua garganta. Sua mente se encheu de dúvidas e questionamentos, mas antes que pudesse formular uma resposta, Agnes acenou para Israel.
De repente, o corpo do garoto começou a se transformar de maneira impressionante. As escamas negras se expandiram e brilharam sob a luz intensa do sol, refletindo tons azulados e dourados conforme ele crescia e mudava de forma. Em instantes, ele não era mais um menino, mas um gigantesco dragão. Suas escamas, negras cintilavam sob os raios solares, reluzindo como metal aquecido ao fogo.
Os gêmeos assistiram, boquiabertos e com os olhos arregalados, enquanto a transformação se completava diante deles.
— Vamos guiá-los até a fronteira do bosque, mas depois disso, estarão por conta própria. E se tentarem algo… — Agnes fez uma pausa, o olhar sombrio e cheio de uma ameaça silenciosa se concentrou nos gêmeos. — Não hesitaremos em nos defender. Vamos, subam.
Os gêmeos, ainda atônitos, trocaram olhares de incredulidade antes de obedecer. Escalaram a superfície escorregadia das escamas negras, que era surpreendentemente quente e firme sob suas mãos e pés. A sensação era ao mesmo tempo estranha e emocionante, e eles avançaram com cuidado.
O bosque, banhado pela luz do sol, parecia um universo encantado. As folhas rosas reluziam vivamente, refletindo os raios dourados que atravessavam as copas das árvores. Flocos de neve caiam preguiçosamente do céu límpido, rodopiando suavemente antes de pousar sobre a vegetação vibrante, criando um contraste hipnotizante entre o frio do ar e a vivacidade das cores ao redor. O aroma doce e exótico dos frutos maduros pairava no vento, enquanto o som distante de criaturas mágicas ecoava entre as árvores.
O dragão serpenteava silenciosamente a poucos metros do chão, suas escamas iridescentes captando o brilho do sol e refletindo tons dourados e azulados a cada movimento. Ele os guiava com precisão através do labirinto de árvores e vegetação densa. A experiência era surreal e envolvente; os garotos, mesmo ainda atônitos, não conseguiam esconder a sensação de maravilha diante da majestade da criatura.
— Hadassa, eu ainda não entendo. Por que sua mãe ajuda a família imperial se o esposo dela se tornou um rebelde? — Ethan perguntou, observando a garota se distrair com a paisagem do bosque.
A menina suspirou profundamente, refletindo sobre as complexidades intrincadas de sua própria família.
— Eu não sei direito, alteza... Só sei o que minha mãe contou. Meu pai queria ajudar as feras mágicas e tentou fazer isso no Conselho Imperial, mas acabou se tornando um rebelde. Minha mãe acreditava que podia mudar as coisas por dentro. Desde jovem, ela esteve ao lado do príncipe John e acreditava que juntos poderiam transformar o Império.
Durante a pausa, Agnes observou Aaron, que até então estivera em silêncio. Foi um momento breve, mas ela viu nos olhos escuros dele uma tempestade de sentimentos complicados.
De repente, Ethan começou a bocejar repetidamente, seu cansaço se tornando evidente. Ele esfregou os olhos, com seu corpo começando a ceder ao sono. Sua expressão era uma mistura de confusão e frustração, incapaz de compreender totalmente o que estava acontecendo.
Aaron observou o irmão com um olhar complicado. A mão que cobria a dele brilhava imperceptivelmente com um leve brilho dourado, quase invisível para os olhos desatentos. O brilho parecia suavizar e entorpecer o garoto, que finalmente tombou sobre as escamas, completamente adormecido.
Agnes prendia a respiração diante da demonstração de poder do príncipe. Ele encantou Ethan para que dormisse no meio da conversa, sem nem ao menos se importar com o que ele pensaria. Esse tirano não tinha escrúpulos!
O príncipe, com movimentos cuidadosos, ajeitou o irmão sobre as escamas frias e suaves, suas mãos traçaram um gesto quase carinhoso, apesar da expressão dura e fria que marcava sua face. Havia uma impenetrabilidade em seu olhar, uma indiferença gelada que refletia na rigidez de seus traços. Ele parecia distante, como se a conversa tivesse se tornado irrelevante no instante em que tomou a decisão de adormecer Ethan.
— Você realmente permitiu que sua mãe a nomeasse? — A voz de Aaron quebrou o silêncio, carregada de uma desaprovação fria. — Prefere carregar o nome de uma mísera flor a aceitar o nome que escolhi para você?
Agnes agarrou-se firmemente às escamas de Israel, sentindo um arrepio que não era causado apenas pelo vento gelado ao seu redor. Ela sabia que esse confronto era inevitável, mas a franqueza crua de Aaron a pegou desprevenida. Seus olhos escarlates endureceram ao encontrarem os dele, agora cheios de uma intensidade que ela reconhecia bem.
— Eu não sou mais aquela pessoa, Alteza — Agnes retrucou, a firmeza em sua voz desafiava o poder que ele outrora exercera sobre ela. — Recebi uma nova chance, e desta vez, não vou desperdiçá-la com você. Não permitirei que me prenda novamente.
Aaron franziu o cenho, perplexo, sua mente tentando compreender as palavras dela. Ele balançou a cabeça lentamente, seus olhos escurecendo com uma mistura de confusão e irritação. As memórias do passado pareciam dividir suas realidades, enquanto o silêncio entre eles se tornava pesado, carregado de uma história que só eles conheciam.
— Prender? Quando foi que te prendi? — ele rebateu, a voz carregada de incredulidade. — Você era tão livre que ignorava todos os meus chamados. Quantas vezes você não me abandonou?
Agnes sentiu uma dor profunda em seu coração ao encarar o príncipe, suas palavras, repletas de raiva e tristeza, ecoavam pelo ar como um lembrete de tudo o que tinham perdido. Ela sabia que precisava ser firme, mesmo que isso significasse feri-lo mais uma vez.
— A única forma de desfazer um pacto entre uma fera mágica e um humano é com a morte — declarou Agnes, sua voz firme e decidida, reverberando com uma certeza inabalável. — Felizmente, eu consegui uma nova chance, e não cometerei o mesmo erro novamente! Estou contente que você tenha renascido e que seu cultivo tenha voltado ao normal, Alteza, mas justamente por conhecer sua verdadeira face, eu quero ficar longe de você! — A voz de Agnes não tremia, não havia espaço para hesitação.
Ela não permitiria que ele a arrastasse para seus problemas novamente.
Aaron pareceu ter recebido um golpe. Sua expressão machucada mostrava claramente o impacto das palavras de Agnes. Ele abriu a boca para responder, mas hesitou, as palavras presas na garganta. Quando finalmente encontrou sua voz, ela estava cheia de desespero.
— Você não pode simplesmente desistir de mim! Nossas vidas estão interligadas. Você acha que eu quero passar por aquele inferno novamente? Claro que não, é justamente por conhecer o futuro que eu quero mudá-lo! — ele exclamou, sua voz carregada de dor.
Agnes olhou para ele com frieza, seus olhos como rubis faiscando diante da raiva e da decepção. Ela sabia que ele estava tentando, mas não podia mais se deixar enganar pelas suas promessas vazias.
— Então me responda. Você tem alguma intenção de se vingar?
Aaron hesitou novamente, suas palavras vacilantes.
— Agnes... — ele começou, mas foi interrompido.
— Não precisa terminar, sua hesitação já diz bastante! Você vai se corromper novamente e vai me obrigar a participar de tudo, usando-me como um meio de alcançar sua vingança — Agnes disse friamente. As escamas peroladas de sua testa se contraíram enquanto ela fuzilava o príncipe com um olhar ameaçador.
— E o que você espera que eu faça!? Já fui enganado uma vez, e veja onde isso me levou! — Aaron gritou, a frustração transbordando. — Se eu não agir, vou ser manipulado de novo! Eu estou lutando para sobreviver, Agnes! Isso é errado? Você realmente acha que eles não devem pagar pelo que fizeram!?
Agnes apertou os punhos, o olhar carregado de desapontamento.
— Sempre você e a sua dor. Sempre a sua luta. Nunca o que acontece com os outros — ela rebateu, a voz carregada de indignação. — Você destruiu o Império do Sol e continua achando que tudo se resume à sua vingança! Já parou para pensar no que deixou para trás? No que está destruindo agora? Eu não vou seguir esse mesmo caminho. Pelo menos eu vou lutar para mudar meu destino e o do meu povo!
Aaron ergueu os olhos para Agnes, buscando algo que nem ele sabia nomear. Sua voz tremeu, carregada de um peso que parecia esmagá-lo.
— Eu sei que errei. Sei que fiz pessoas sofrerem… mas eu não queria. Eu não estava bem. — Sua respiração falhou, e ele apertou os punhos como se tentasse se segurar em algo que escapava por entre seus dedos. — Mas agora… agora eu estou tentando. Você pode pelo menos acreditar em mim?
Agnes sentiu a dor por trás das palavras dele, mas não podia ceder. Aaron não era mais o jovem príncipe que corria até o bosque para incomodá-la com suas brincadeiras e travessuras. O menino ingênuo de antes havia se partido, e em seu lugar restava alguém quebrado demais para enxergar além da própria dor.
Ela respirou fundo antes de responder, mantendo o olhar firme.
— Eu não posso apoiar a sua vingança. Você sabe disso. — Sua voz não era fria, mas carregava uma firmeza inabalável. — Nenhum deles se lembra do que aconteceu, Aaron. Tudo isso… é inútil. Você está preso ao passado enquanto o presente continua escapando por entre seus dedos.
Ela hesitou por um instante, suavizando o tom.
— Olhe para Ethan. Ele está com você agora. Você sofreu tanto quando o perdeu… e agora ele voltou. Você tem a chance de reconstruir isso, de se redimir pela dor que causou a ele. Por que não tenta, pelo menos dessa vez, seguir um caminho diferente?
O silêncio se instalou entre eles, quebrado apenas pelo som suave das folhas ao vento.
— Ethan? — A voz de Aaron rompeu a quietude, pequena, hesitante, quase frágil. — Ele… ele estava lá?
Agnes virou o rosto para encará-lo, surpresa com a pergunta. Os olhos de Aaron ainda brilhavam com resquícios de lágrimas, mas agora carregavam algo além da tristeza—desorientação.
— Você esqueceu do seu irmão? — Sua voz saiu mais baixa do que pretendia, tomada pela incredulidade.
Aaron piscou, como se a própria pergunta o atingisse com força. Seus dedos crispados arranharam as escamas, como se buscassem um ponto de ancoragem na realidade que parecia se despedaçar ao seu redor.
— Desde quando eu tenho um irmão gêmeo? — Ele murmurou, a confusão estampada em seu rosto. — Por que não lembro dele?
Seus olhos desceram para o pequeno corpo adormecido ao seu lado, a respiração tranquila de Ethan contrastando com o caos que consumia Aaron por dentro. Com a manga, ele limpou o rastro das lágrimas em sua pele, o olhar perdido, assombrado.
Agnes desviou o olhar. O Palácio Gardênia surgia imponente à distância, seus muros brancos reluzindo sob a luz do sol poente. Ela se agarrou à visão como se fosse um refúgio, uma forma de manter sua mente longe do tumulto de emoções que Aaron despertava nela.
— Alteza, não me faça perguntas difíceis — respondeu, mantendo a voz neutra. — Como vou saber disso?
Mas mesmo enquanto dizia aquelas palavras, algo dentro dela vacilou. Ela conhecia bem as sombras do passado que Aaron tentava tocar, os vazios em sua memória que o atormentavam. Ela própria passara tempo demais tentando costurar as peças de uma história que se desfazia sempre que chegava perto demais da verdade.
O silêncio voltou, mas desta vez não trouxe alívio.
— Agnes… — Aaron chamou novamente, e algo em seu tom a fez estremecer. — Ethan estava do lado de Darius?
Havia algo na forma como ele perguntou, na urgência crua em sua voz, que fez seu coração apertar. Por um momento, o mundo ao redor desapareceu.
— O quê? — Sua resposta saiu instintiva, quase um sussurro. — Não, claro que não! O príncipe foi o homem mais honrado e justo que já conheci. Ele nunca concordaria com o que Darius fez a você!
As palavras saíram rápidas, cheias de convicção, mas a dúvida permaneceu no olhar de Aaron.
— Como é possível que tudo aquilo tenha acontecido se Ethan estava comigo? — A respiração dele acelerou, a confusão se transformando em pavor. — E como… como ele morreu?
Ele se inclinou na direção de Agnes, os olhos desesperados cravados nos dela.
— Fui eu? — Sua voz se quebrou. — Eu o matei?
Por um instante, tudo pareceu parar. O vento deixou de soprar, os ecos distantes do palácio se tornaram irrelevantes. Agnes sentiu uma pontada no peito, mas não permitiu que transparecesse.
Ela sustentou o olhar dele, firme, inabalável.
— Não espere nada de mim — disse, sua voz cortante como uma lâmina. — Muitas coisas aconteceram no Túmulo de Espadas. Se você esqueceu, o problema é seu.
A resposta bateu contra Aaron como um golpe seco. Ele piscou, atordoado, mas Agnes não desviou o olhar. Ela não podia.
Não podia ceder. Não podia mostrar fraqueza.
Porque se Aaron começasse a lembrar… se ele realmente juntasse as peças…
Talvez ele não suportasse a verdade.
Israel deslizou suavemente pelo ar, começou a baixar até tocar o solo diante dos portões do Palácio Gardênia. A fera mágica se abaixou com elegância, suas enormes patas se movendo com uma precisão quase majestosa. O som sutil das escamas raspando no chão ecoou na manhã silenciosa, como um sussurro profundo e ameaçador.
Os dois guardas, de armaduras metálicas polidas e lanças empunhadas, observaram a cena com olhares de temor e determinação. Seus corpos rígidos revelavam a tensão enquanto as lanças eram levantadas em posição de alerta, apontadas para o dragão colossal. O mais velho dos guardas, com rugas profundas e uma expressão de preocupação, fez um gesto para que seu colega jovem se preparasse para qualquer eventualidade.
— Alto! — gritou o guarda mais velho, sua voz tremendo levemente. Ele tentou manter a compostura, mas a tensão era visível.
Agnes, mantendo a tranquilidade em sua postura, desviou o olhar para os guardas. O dragão se abaixava ainda mais, permitindo que os gêmeos começassem a descer.
— Chegamos. É melhor vocês entrarem. E por favor, não voltem a entrar no bosque. Não se esqueça que você é uma criança. Precisa prezar pela sua segurança e a de seu irmão — Agnes disse, tentando encerrar a conversa de forma definitiva.
Os guardas, observando a situação de perto, notaram a figura dos gêmeos descendo cuidadosamente da fera mágica. Os pequenos começaram a se mover com cautela, enquanto a serpente permanecia imóvel. O guarda mais jovem, ainda com a lança erguida, deu um passo à frente para assegurar que nada de inesperado ocorresse.
Quando os garotos finalmente tocaram o solo, o guarda mais jovem relaxou um pouco, mas ainda mantinha a lança em prontidão. O outro guarda fez um sinal discreto, indicando que a situação estava sob controle e que a tensão estava diminuindo. Ambos ajudaram os garotos com um misto de alívio e cautela a se posicionar de maneira segura.
Após descerem, Israel passou a se afastar, deslizando silenciosamente para dentro da floresta. Suas escamas, reluzentes como obsidiana polida, criaram um contraste assombroso com a escuridão que a cercava. Cada movimento era acompanhado por um farfalhar suave, quase imperceptível, enquanto seu corpo sinuoso desaparecia entre as árvores, como um rio de sombras.
— Agnes! — Aaron gritou, sua voz carregada de urgência. Agnes se recusou a olhar diretamente para o príncipe, mas isso não impediu que Israel se detivesse. — Se eu abandonar minha vingança... você será capaz de me perdoar? — sua voz quebrou sob o peso de sua própria angústia, revelando uma vulnerabilidade que raramente deixava transparecer.
Agnes fechou os olhos por um momento, como se estivesse reunindo forças para responder. Quando finalmente se virou para ele, seu olhar estava carregado de uma mistura complexa de emoções — tristeza, compaixão e algo mais profundo, quase imperceptível.
— Aaron, eu nunca quis te odiar — ela começou, sua voz suave, mas firme, ecoando na floresta. — E talvez, no fundo, nunca odiei de verdade. O que me machucou foi ver quem você se tornou, como se tivesse esquecido o que realmente importa. Se você estiver disposto a deixar o seu passado para trás, não apenas te perdoarei, mas estarei ao seu lado para te ajudar a resolver tudo de forma justa. Nós podemos encontrar uma maneira de corrigir o que foi feito, mas não através de ódio e destruição. Eu acredito que, juntos, podemos encontrar uma saída que não envolva mais dor.
Os olhos de Aaron se encheram de uma mistura de alívio e dor. Ele baixou a cabeça, absorvendo as palavras de Agnes. Ele sabia que o caminho que ela propunha não seria fácil, mas havia algo reconfortante na ideia de tê-la como companheira.
Agnes, sentada sobre a vasta e poderosa cabeça da criatura, manteve seu olhar fixo em Aaron. Seus olhos, agora carregados de uma determinação tranquila, transmitiam uma promessa silenciosa. Então, com um último olhar, ela desapareceu na floresta.
Meus caros leitores,
A história de Aaron Albélia não é apenas sobre guerra, reinos e traição. É sobre as cicatrizes invisíveis que um homem carrega. Algumas marcas são deixadas pela lâmina do inimigo, mas as piores são aquelas forjadas pelo tempo, pelo medo e pelas escolhas que pareciam inevitáveis.
Aaron é um homem feito pela guerra, e a guerra raramente constrói reis sábios. Governantes assim não nascem apenas de batalhas vencidas, mas das perdas que os moldam. Ele subiu ao trono coberto de sangue, não apenas o dos outros, mas o próprio. Por um instante, acreditou que poderia ser um libertador, mas aqueles que seguram espadas por tempo demais inevitavelmente se tornam aquilo que um dia combateram.
E então, surge Darius.
O mais perigoso não é aquele que toma o trono pela força, mas aquele que faz com que o rei caia sozinho. Darius não precisou sujar as mãos, porque Aaron já segurava a faca. Apenas lhe deu razões para usá-la. O jogo da traição é sutil—e Darius o jogou melhor do que ninguém. No fim, não é o exército mais forte que vence, mas aquele que entende melhor as fraquezas de seu inimigo.
Mas nem todos jogam esse jogo.
Agnes compreende algo que Aaron nunca soube aceitar: vingança não constrói reinos, apenas os destrói mais rápido. E, no entanto, fugir do próprio destino não significa escapar dele. A história tem um jeito cruel de nos trazer de volta ao mesmo ponto, não importa quantas vezes tentemos correr.
E então, há Ethan.
As memórias de Aaron foram arrancadas, ou talvez ele mesmo as tenha trancado em algum lugar escuro de sua mente. A dor pode ser insuportável, e esquecer pode parecer uma dádiva. Mas o esquecimento não é um perdão, e as verdades enterradas sempre encontram um jeito de emergir.
O passado de Aaron não foi apagado. Apenas espera.
E, quando finalmente voltar… será um presente?
Ou uma maldição?
Com gratidão,
S.Y Ravena.
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