Capítulo 21 - Revelando um Tirano
“O título de Imperador da Luz era um fardo, um trono invisível que queimava tanto quanto iluminava”
— Relaxe os ombros. Por que está tenso? — A voz do mestre Claude soou cortante no ar frio da manhã, interrompida apenas pelo estalo seco do leque contra o ombro de Ethan.
O príncipe cerrou os dentes. O golpe não havia sido forte, mas a irritação queimava em sua pele mais do que o contato.
— Estou fazendo o melhor que posso — resmungou, ajustando a pegada na espada de madeira. Seus músculos estavam rígidos, o suor escorrendo pela testa apesar do frio cortante. Ele ergueu a lâmina, posicionando-a acima da cabeça, e golpeou o tronco à sua frente. O impacto ecoou na clareira como um trovão abafado.
Claude suspirou, impaciente.
— Não pode se esforçar mais? Endireite essa coluna! — Sua voz carregava um tom de desaprovação. — Se sua base não estiver sólida, todo o resto será inútil. Postura é tudo.
Ethan respirou fundo e tentou ajustar-se. A madeira do cabo parecia absorver o calor de suas mãos suadas. Quando finalmente encontrou o equilíbrio certo, sentiu o peso da espada distribuir-se melhor entre os dedos.
— Agora, concentre-se no seu centro de gravidade. Deixe a força fluir das pernas para os braços. — Claude o observava com olhos afiados, cada detalhe sob escrutínio. — E, pelo amor de Kallisto, mantenha a respiração constante. Inspire ao preparar o golpe, expire ao executá-lo.
Ao lado, Aaron se mantinha em silêncio. Suas mãos pequenas seguravam o arco com firmeza, a flecha posicionada entre os dedos. Ele fechou um olho, concentrando-se no alvo pendurado no tronco de uma das árvores. O vento frio beijava seu rosto, mas ele se forçava a ignorá-lo.
Claude virou-se para ele, a expressão fechada.
— Sua postura é boa, mas há algo que está deixando passar despercebido.
— O que seria, mestre? — Aaron perguntou, sem desviar os olhos do alvo. Suas flechas já haviam deixado várias marcas na madeira, mas nenhuma no centro.
Claude apontou o leque para o chão.
— Suas flechas não acertam porque você tem uma péssima coordenação motora.
Aaron seguiu o olhar do mestre e viu, com certo constrangimento, cinco flechas enterradas na neve. Ele franziu o cenho, sentindo a frustração subir à superfície.
— E quanto às que atingiram o alvo? — rebateu, tentando encontrar alguma defesa.
Claude ergueu uma sobrancelha, um traço quase divertido passando por seu rosto.
— Sorte. Apenas sorte. E mesmo assim, nenhuma acertou o centro. Você precisa trabalhar na firmeza do aperto e na suavidade do disparo.
Ele tomou o arco das mãos de Aaron e puxou a corda sem esforço, seus movimentos tão naturais que pareciam pertencer a outro mundo.
— Observe, Alteza. Não basta apenas puxar e soltar. É preciso sentir a tensão do arco, deixar que a flecha se torne uma extensão do seu próprio corpo. E, quando estiver pronto… — Ele soltou a flecha com um único movimento fluido. Ela voou, rasgando o ar frio antes de se cravar no centro do alvo.
Aaron apertou os lábios. Ele entendia as palavras do mestre, mas seu corpo não obedecia. Seus dedos pareciam desajeitados, sempre o traindo no último momento. Seus braços doíam, os músculos se exaurindo rápido demais. A cada treino, a frustração crescia como uma sombra, sugerindo que talvez fosse melhor esperar. Talvez, quando crescesse mais, se tornasse mais forte…
Mas então, ele se lembrava. Lembrava-se da própria fraqueza. Da incapacidade de se defender. De tudo o que perderia se escolhesse o caminho fácil.
E então, ele continuava.
No início, o arco parecera a escolha mais sábia. Era leve, elegante, sem o peso brutal da espada. Ele imaginara que bastaria mirar e soltar a corda, e o alvo cederia à sua vontade. Mas ali, sob o sol poente, viu a verdade crua e implacável. O arco exigia mais do que força — pedia paciência, precisão e um domínio que ia além do corpo, invadindo a mente. E Aaron odiava sentir-se fora de controle.
A clareira era vasta, cercada por imponentes pinheiros cujos galhos retorcidos projetavam longas sombras sobre a neve pisoteada. O silêncio ali não era absoluto — o farfalhar distante das agulhas secas, o canto esparso de um pássaro perdido, o estalar ocasional dos gravetos sob os pés dos que treinavam. Tudo se misturava ao frio cortante, que mordia a pele exposta e transformava o suor em uma película gélida.
Em breve ocorreria uma competição de caça, uma oportunidade para avaliar o avanço de cada um dos bastardos do imperador. Nobres de destaque e cultivadores poderosos estariam presentes, adicionando ainda mais pressão ao evento.
— Vá descansar, dentro de uma hora você retorna ao treino. — Claude disse, sua voz firme mas gentil.
Aaron ignorou o pedido. Sua mandíbula se retesou, os nós dos dedos brancos sobre o arco.
— Ainda não. Vou continuar até acertar o maldito alvo.
A seus pés, uma flecha jazia na neve. Suas plumas vermelhas estavam parcialmente cobertas por um véu fino de gelo, mas a madeira era lisa e bem polida, tão perfeita que quase parecia zombar dele. Aaron pegou-a com os dedos endurecidos pelo frio, encaixando-a na corda com a precisão mecânica de quem já repetira aquele gesto inúmeras vezes.
Claude, observando a teimosia do príncipe, tentou uma última vez.
— Alteza, esforço sem descanso é desperdício. Está nisso há horas. O corpo precisa de repouso, ou tudo que fará é repetir os mesmos erros.
Aaron puxou a corda até a tensão estremecer em seus dedos. Soltou a flecha.
O assobio curto do projétil cortando o vento durou um instante, antes de ser interrompido pelo som surdo da madeira encontrando a neve. O alvo permanecia intocado.
Um nó de frustração apertou-lhe a garganta. O desejo de gritar, de quebrar o arco contra o chão, de arrancar aquele alvo maldito da árvore e jogá-lo no fogo — tudo isso fervia dentro dele. Mas, ao invés disso, pegou outra flecha.
Dessa vez, foi rápido. Não mirou por muito tempo. Apenas respirou fundo e disparou.
O projétil rasgou o ar e se cravou profundamente no tronco de um pinheiro atrás do alvo.
Nada além do silêncio.
Aaron sentiu algo subir dentro de si, uma onda de raiva que ameaçava dominá-lo. Seu aperto no arco tornou-se tão forte que os músculos de seus braços começaram a tremer. O corpo inteiro estava tenso, cada fibra vibrando com a necessidade de despejar sua fúria na clareira, de descarregar sua frustração contra qualquer coisa à sua frente.
Por um instante, ele ergueu o arco, os olhos fixos na árvore, e imaginou-se quebrando a madeira contra o tronco, golpeando até seus braços falharem.
Mas então, lembrou-se.
Claude estava ali. Ethan também.
"Acalme-se, você não pode surtar", repetiu para si mesmo em um sussurro. Fechou os olhos por um momento, tentando afastar a onda de emoções turbulentas que o consumia. Inspirou profundamente, sentindo o ar frio encher seus pulmões, enquanto se esforçava para recuperar o controle emocional.
Ao abrir os olhos novamente, o príncipe encontrou os olhares atentos de Claude e o apoio silencioso de Ethan. Sabia que precisava demonstrar força e determinação, não apenas por sua própria honra, mas também para manter a confiança daqueles que o rodeavam.
— Acho que vou ouvir o seu conselho. — Sua voz saiu rouca, como se as palavras pesassem na garganta. — Pelo que parece, não vou atingir este alvo tão cedo.
Claude assentiu levemente, mas seus olhos não deixaram transparecer qualquer satisfação. Não houve elogios, nem palavras de incentivo. Apenas um aceno breve, como se a decisão de Aaron fosse óbvia desde o início.
— Alteza, preciso que me acompanhe por um instante — Claude o chamou, encarando-o perplexo.
— Claro, mestre, num instante — Aaron falou suavemente.
O príncipe caminhou até a mesa improvisada de troncos, sentindo os músculos dos braços pulsarem com a fadiga. Largou o arco sobre a superfície áspera e mergulhou as mãos na bacia de água fria. O choque do gelo contra a pele deveria tê-lo revigorado, mas apenas ressaltou o cansaço que já lhe pesava nos ossos.
Ethan, vendo o irmão lavar o rosto, se aproximou, preocupado.
— O que houve? — perguntou ele, observando Aaron secar o rosto com um pano áspero enquanto Claude os observava como uma águia, com aquele par de olhos gélidos.
— Não sei — Aaron murmurou, secando o rosto. — Ele ainda não falou, mas provavelmente irá me repreender.
— Quer que eu vá com você?
Aaron hesitou por um instante antes de negar com um breve movimento de cabeça. Deixou a toalha sobre a mesa, pegou uma maçã e cravou os dentes na fruta, o estalo da casca quebrando o silêncio por um momento. Mastigou devagar, sentindo o suco adstringente se espalhar pela boca. Não tinha fome. Só precisava de algo para ocupar as mãos, algo para evitar pensar.
— Você sabe que pode contar comigo, certo? — Ethan disse quando ele começou a se afastar.
Aaron parou, girou levemente a cabeça por sobre o ombro. Um meio sorriso se formou em seus lábios, mas não tocou seus olhos.
— Eu sei.
Então, seguiu Claude, deixando para trás o irmão e qualquer resquício de conforto que sua presença poderia oferecer.
A floresta os engoliu como um predador silencioso. O cheiro de terra úmida e neve pisoteada misturava-se ao aroma distante das árvores de casca adocicada. Claude caminhava à frente, sem olhar para trás, sem dizer uma palavra. O som de suas botas esmagando folhas secas e galhos quebrados tornava-se um ritmo constante, quase hipnótico.
— Mestre, por que estamos saindo da clareira? — Aaron perguntou, sua voz mais hesitante do que gostaria.
Nenhuma resposta.
Claude continuou a andar, e Aaron se viu forçado a segui-lo. Os gritos agudos dos firebirds ecoavam por entre as árvores, um som que mais parecia um aviso do que uma melodia natural. Criaturas moviam-se entre os arbustos, olhos brilhando no escuro. Mas nenhuma delas se aproximava.
Elas temiam Claude.
Aaron não sabia dizer se isso era reconfortante ou preocupante.
O caminho os levou a uma clareira onde a floresta recuava, como se hesitasse em seguir adiante. O chão, coberto por uma neve imaculada, brilhava sob a luz fraca, refletindo um silêncio quase sagrado. No centro, um punhado de flores selvagens se erguia em cores vívidas, um contraste inquietante contra o branco absoluto ao redor. Era como se a própria terra desafiasse o inverno, ou talvez não tivesse percebido que já estava condenada.
Claude parou. Virou-se devagar, o movimento preciso como o de um predador avaliando sua presa. Seus olhos azuis encontraram os de Aaron, e naquele instante, o ar entre eles pareceu pesar.
— Se quer que eu continue sendo seu professor, terá que ser sincero. — Sua voz não carregava nem paciência, nem ameaça. Era um fio de aço, frio e afiado, esperando apenas a resposta certa para decidir se cortaria ou não.
Aaron estreitou os olhos. Algo no tom do mestre lhe causou um arrepio incômodo na espinha.
— O que você quer saber? — retrucou, cauteloso. — Não entendo por que está falando assim.
— Você realmente não sabe… ou está fingindo?
Aaron soltou um suspiro curto, o frio condensando-se diante de seus lábios. Estava exausto. Exausto dos jogos, dos olhares que tentavam enxergar além do que ele permitia, das perguntas sem respostas diretas. Ele cruzou os braços, seu olhar desafiador, apesar da diferença gritante de idade e experiência entre os dois.
— Olha só, velhote, não sou um adivinho. Então, se tem algo a dizer, diga. Passei horas nessa maldita floresta, tentando acertar um alvo com esse arco inútil. Aguentei calado essa caminhada, e agora você me aparece com enigmas? Não tenho paciência pra isso.
Claude não piscou. Sua expressão permaneceu impassível, mas os olhos o fitaram com um desgosto palpável, como se analisasse algo podre debaixo do próprio nariz.
— E é exatamente isso que me incomoda. — Sua voz era tão afiada quanto a lâmina que ainda não empunhara, carregada de algo que fez Aaron sentir um frio diferente do que vinha com o vento. — Esse olhar. Essa postura. Essa presença. Nada disso pertence a uma criança.
Aaron sentiu um nó apertar-se em seu peito, mas sua expressão permaneceu firme. Mantinha-se imóvel, como se o simples ato de respirar pudesse denunciá-lo.
— Não sei do que está falando.
Claude soltou um riso breve e seco.
— Quem é que está jogando agora? Fale a verdade… ou devo assumir que um soldado inimigo se infiltrou no corpo do príncipe? Sua mudança depois do envenenamento foi drástica demais para ser ignorada. Se alguém quisesse se aproveitar da fraqueza de um corpo moribundo, esse seria o momento ideal.
Aaron piscou devagar, a mente trabalhando rápido.
— Você realmente acha que seria tão fácil para um inimigo ocupar meu corpo? — Sua voz saiu mais calma do que esperava, carregada de uma ironia sutil. — Comparar um príncipe do Império do Sol a um invasor qualquer… diria que isso é uma falta de respeito com minha linhagem.
Claude não sorriu.
— Dei-lhe uma chance de se explicar. Se não fizer bom uso dela… morrerá aqui e agora.
Aaron mal teve tempo de reagir antes que o aço cintilasse diante de seus olhos. A lâmina longa e impecável do mestre deslizou do nada, fria como a neve ao seu redor, e encontrou a pele delicada de seu pescoço. Um movimento, e tudo terminaria ali.
O coração de Aaron martelava dentro do peito, mas seu corpo permaneceu imóvel, rígido como se tivesse se tornado parte da neve sob seus pés. Seus olhos se prenderam à lâmina pressionada contra sua garganta, depois se ergueram lentamente para encontrar os de Claude. O medo estava ali, claro que estava—seria impossível não senti-lo com a promessa de morte tão próxima—mas ele o domou, sufocando-o como se fosse um animal traiçoeiro que não podia ser solto.
— Nesse caso… — Sua voz saiu baixa, mas firme. Cada palavra carregada de desprezo. — Me poupe da conversa fiada e acabe logo com isso. Se já decidiu que sou um mentiroso, nada do que eu disser mudará sua opinião.
O frio cortava sua pele como lâminas invisíveis, e, ainda assim, o aço encostado contra seu pescoço parecia morno em comparação.
E Aaron não desviou o olhar.
Claude estreitou os olhos, os nós dos dedos brancos ao apertar o cabo da espada.
— Sim, percebi que você é hábil em mentir — murmurou, observando-o com um olhar afiado, como se tentasse arrancar a verdade à força. — Mas o que me intriga não é apenas o fato de você mentir. É o motivo por trás disso.
Aaron nada disse, apenas sustentou o olhar do mestre, o rosto impassível como uma máscara bem colocada.
— Você responde com detalhes sobre seu passado, algo incomum para um inimigo transmigrado que, em tese, não deveria possuir as memórias do corpo hospedeiro. Isso já seria suspeito o bastante, mas há mais.
Claude inclinou levemente a cabeça, o olhar de quem já tinha chegado a uma conclusão muito antes daquela conversa.
— Durante as aulas, você tentou camuflar seu conhecimento com um falso olhar de curiosidade. Fez perguntas bobas, hesitou deliberadamente, como se estivesse aprendendo algo pela primeira vez. Mas eu vi através da sua máscara.
Aaron permaneceu imóvel, mas algo mudou em seu olhar.
Claude continuou, sua voz agora um pouco mais baixa, mas carregada de convicção.
— A maneira como você segurava o bolígrafo, como escrevia sem precisar parar para pensar. O modo como observava o príncipe Ethan lutar, como quem já conhece os movimentos e apenas os avalia, em vez de estudá-los. Seu corpo sabe o que fazer, Aaron, mesmo quando você finge que não sabe.
Aaron cerrou os punhos, a mandíbula tensa.
— Você diz que não é um inimigo, mas como posso acreditar em suas palavras quando age com tanta frieza diante da morte?
O príncipe soltou uma risada baixa, sem humor.
— Mesmo que eu diga a verdade, você não acreditará — disse ele, sua voz fria. — Então de que vale me defender?
Claude não reagiu de imediato. Apenas o estudou com olhos gélidos, como se procurasse enxergar além da pele e dos ossos, mais fundo do que Aaron permitia que qualquer um olhasse.
— Fale primeiro, e então decidirei se acredito ou não. — O tom do mestre era uma lâmina sem pressa de cortar. — Suas ações já chegaram aos ouvidos do imperador. Ele também está intrigado com sua mudança.
O silêncio entre eles se tornou denso, pesado como o céu antes de uma tempestade. O vento cortava a clareira, erguendo redemoinhos de neve ao redor dos dois. Aaron inspirou fundo, e ao expirar, viu a névoa de sua respiração dançar no ar frio.
Ele queria viver.
Não por um ideal ou um propósito nobre, mas porque ainda havia dívidas a cobrar, sangue a ser derramado. Darius e os ratos famintos do Conselho Real ainda respiravam, e isso era uma afronta. Mas, ao mesmo tempo, havia um cansaço profundo em seus ossos, como se tivesse carregado peso demais por tempo demais. Morrer ali, agora, debaixo da neve, parecia uma saída tentadora.
— Em que está pensando? — A voz de Claude era afiada, mas havia uma curiosidade ali, algo que Aaron não esperava. O homem o observava com atenção redobrada, o olhar penetrante.
Aaron riu.
Um som baixo, áspero, sem vestígios de humor. Um riso de escárnio, de alguém que já conheceu o pior e voltou para contar a história. A lâmina pressionada contra sua garganta poderia tê-lo silenciado, mas, em vez disso, apenas incendiava a faísca dentro dele.
— Em quantos erros alguém pode tropeçar antes que o destino decida estender a mão e arrastá-lo para o abismo. — Sua voz era serena, mas havia algo oculto ali, um peso que fazia cada palavra soar como uma profecia.
Claude não reagiu de imediato, apenas observava. Avaliava.
Aaron inclinou levemente a cabeça, como se o analisasse da mesma forma, e então sorriu. Não um sorriso amigável, mas algo frio, calculado.
— Você quer saber quem eu sou? — Sua voz baixou, o tom carregado de algo que fazia o ar entre eles pesar. — Eu sou Aaron de Agriche Albélia, em carne e osso. E sabe o que mais? — Ele deu um passo à frente, permitindo que a lâmina pressionasse sua pele. Seu olhar não vacilou. — Eu fui o imperador que trouxe guerra e luz a este mundo. Fui o homem que o povo amou e temeu.
Ele soltou um suspiro, um som breve e quase entediado.
— Me chamavam de "Tirano Louco", de "Imperador da Luz". Tantos nomes... tantos significados. Mas no fim, tudo se resume a uma coisa: Eu era aquele que decidia quem vivia e quem morria.
Os olhos de Claude brilharam, uma faísca de choque cintilando em meio à compreensão súbita. O peso daquelas palavras caiu sobre ele como uma pedra lançada num lago calmo, perturbando tudo ao redor. Suas sobrancelhas ergueram-se, e seus dedos vacilaram no cabo da espada.
Aaron inclinou ligeiramente a cabeça, um gesto que teria parecido casual se não fosse pelo brilho feroz em seus olhos. Seu pescoço ainda exposto, desafiador, e a linha fina de sangue já escorrendo pela pele pálida.
— Então, diga-me, Lombardi. — Sua voz reduziu-se a um sussurro, não um de súplica, mas de puro veneno. — O que está esperando? Se teme o que eu sou, termine logo com isso. Mas me diga... — ele inclinou-se um pouco mais, os olhos cravados nos do homem à sua frente. — Será que você teme ainda mais o que pode vir depois?
Claude cambaleou um passo para trás. O controle frio que mantinha desde o início da conversa começava a desmoronar.
— V-você… — Ele tentou falar, mas a palavra ficou presa na garganta.
— Sim — Aaron respondeu, impiedoso. — Eu sou o tirano louco que rejeitou o poder do Sol. O imperador que caiu. O homem que este império escolheu trair. — Seus lábios se curvaram em um sorriso, não de humor, mas de escárnio. — Se quer acabar com isso, faça logo.
Ele inclinou a cabeça, expondo ainda mais o pescoço, fechando os olhos, como se estivesse se preparando para um descanso há muito esperado. Mas sua respiração vacilou. O medo ainda estava ali, enterrado no fundo, um espectro persistente que ele se recusava a admitir.
Claude hesitou.
O tempo se arrastou em silêncio, apenas o vento soprando entre os pinheiros. O príncipe permaneceu imóvel, a única evidência de vida sendo o sangue que escorria lento e quente por sua clavícula, manchando a gola escura do casaco.
— Você... você é o Imperador da Luz? — A voz de Claude finalmente quebrou o silêncio, trêmula, incrédula.
Aaron abriu os olhos. Seu olhar era frio como o gelo acumulado na floresta ao redor.
— Não tenho orgulho disso, mas sim, já fui. Hoje, não sou mais.
— O mesmo Imperador da Luz que teve seu cultivo corrompido e foi castigado? — Claude perguntou, desnorteado.
— Como sabe disso? — Aaron franziu o cenho, confuso.
A atenção do mestre se desviou para a espada pressionada contra o pescoço do príncipe. O brilho carmesim do sangue havia capturado sua atenção, pois, quase como se fosse um truque de mágica, os bordos do machucado, inicialmente abertos e molhados, começaram a se aproximar vagarosamente, como se uma força invisível estivesse costurando sua pele de volta ao normal.
O mestre recuou de um sobressalto. Sua respiração acelerada e os dedos crispados ao redor da empunhadura da espada denunciavam sua confusão. Então, como se algo dentro dele estalasse, afastou a lâmina com um movimento brusco, como se queimasse em suas mãos.
O metal reluziu quando foi lançado para longe, girando no ar antes de se chocar violentamente contra o tronco de uma árvore. Pedaços de casca voaram com o impacto, e a lâmina caiu na neve com um baque surdo.
Claude olhava para Aaron como se, de repente, enxergasse algo que até então estivera oculto. Não havia mais dúvida em seus olhos, apenas uma compreensão devastadora que parecia corroê-lo por dentro. Seus joelhos cederam, e ele se apoiou no chão, ofegante, os ombros tremendo sob o peso do momento.
— Meu senhor… perdoe este súdito por sua insolência! — A voz de Claude saiu áspera, quase desesperada.
Por um instante, Aaron não soube o que pensar. A cena diante de si era surreal, uma distorção cruel da realidade. Seu mestre, o homem que há pouco o pressionava com uma lâmina na garganta, agora estava ajoelhado, prostrado como um servo devoto. Ele sentiu o estômago revirar.
— Velhote, você enlouqueceu? Levanta! — exclamou, os olhos arregalados, como se a visão do mestre ajoelhado fosse mais aterrorizante do que a lâmina que estivera contra sua garganta minutos antes.
Mas Claude não se moveu. Pelo contrário, inclinou ainda mais a cabeça, o rosto pálido, as mãos cerradas em punhos.
— Imperador… Você não imagina há quanto tempo lhe procuro! — disse ele, a voz impregnada de algo entre êxtase e súplica.
O sangue de Aaron gelou. Ele deu um passo para trás, a respiração se tornando superficial. O que quer que estivesse acontecendo, não gostava nem um pouco.
— O quê? — murmurou, como se a palavra pudesse negar a realidade se dita com suficiente incredulidade.
Claude avançou instintivamente, ainda ajoelhado, e Aaron recuou de imediato, os músculos retesados.
— Pare com isso. — A voz dele saiu mais fria do que pretendia, carregada de uma ameaça velada. — Fique onde está.
— Imperador…
— Pare de me chamar assim! — rosnou Aaron, a paciência finalmente se esgotando.
Claude apertou os olhos e abaixou a cabeça, tentando recuperar algum resquício de controle sobre si mesmo. O choque era esmagador, e ele precisava organizar os pensamentos antes que dissesse algo ainda mais insano.
Aaron soltou uma risada breve e tensa, o nervosismo mascarado por sarcasmo.
— Você pirou de vez, velhote. Só se passaram novecentos anos, e já está caducando?
Mas, no fundo, ele não sentia vontade de rir. Ele sentia uma inquietação rastejar sob sua pele como dedos frios. O que Claude sabia? O que ele tinha visto?
Claude ergueu os olhos, e neles havia algo perigoso — não hostilidade, mas uma devoção sombria, algo que Aaron conhecia bem demais.
— Alteza… não me chame assim… por favor. — Sua voz era um sussurro carregado de reverência. — Responda-me uma pergunta, apenas uma.
Aaron cruzou os braços, estudando o homem à sua frente. Cada fibra de seu instinto gritava que continuava em perigo, mas o perigo agora era de outra natureza.
— Fale logo — disse ele, impaciente.
Claude respirou fundo, como se precisasse se preparar para o que viria a seguir.
— O título de Imperador da Luz nunca foi mencionado nos registros do Império do Sol. Ele foi profetizado pelo oráculo, sim, mas nunca houve um governante com esse nome. — Seus olhos perfuraram os de Aaron. — De onde você vem?
Aaron sentiu um cansaço profundo se espalhar por seus ossos. A cada passo que dava para se afastar de seu passado, mais o destino parecia trazê-lo de volta. Era sufocante.
Ele passou a língua pelos lábios, como se saboreasse a pergunta antes de decidir se valia a pena respondê-la.
— Você está certo — admitiu, a voz baixa, mas carregada de um peso imutável. — Esse título ainda não existe nos livros de história. Mas, dentro de alguns anos… se eu não mudar meu destino, ele estará.
Claude o encarava, a confusão nítida em sua expressão, como se estivesse tentando costurar um quebra-cabeça cujas peças simplesmente não se encaixavam.
— Você está dizendo que será o sucessor do imperador? — Sua voz carregava um misto de incredulidade e precaução. — Mas e o príncipe Darius? Você está há anos de distância dele em termos de preparação e poder.
— Posso lhe garantir — disse Aaron, pausadamente — que meu irmão mais velho não é, e nunca estará, apto para se assentar naquele trono.
A princípio, Aaron havia achado estranho que um Reverendo Imortal tivesse sido escolhido como seu mestre. Esperava um cultivador talentoso, sim, mas não alguém desse nível. Agora, começava a suspeitar. Talvez seu pai tivesse persuadido Claude para arrancar respostas que nem ele mesmo sabia que possuía. Ou talvez... Xerxes tivesse algo a ver com isso.
Claude permaneceu em silêncio por um momento antes de inspirar fundo e, finalmente, levantar-se.
— O que dirá ao meu pai? — Aaron perguntou. Ele tentou esconder o leve tremor na voz, mas seu corpo o traiu. O coração pulsava contra as costelas, as mãos estavam frias.
E se Claude o denunciasse?
Ele sabia que não deveria se importar. Se Derick já tinha suspeitas, mais cedo ou mais tarde, mandaria chamá-lo. Mas uma coisa era ser chamado à presença do imperador para uma conversa velada; outra era ser arrastado para dentro do salão do trono como um inimigo disfarçado de príncipe.
Claude o estudou com olhos perspicazes, avaliando cada detalhe de sua postura. Quando respondeu, sua voz era calma, mas carregada de subtexto.
— O imperador não acreditaria se eu dissesse que você mudou por causa de uma visão à beira da morte — disse ele, começando a caminhar ao lado do discípulo. — Mas também não posso revelar suas origens; isso seria perigoso. Ainda estou ponderando sobre o que fazer. Afinal, é difícil explicar sua aura.
Aaron franziu o cenho, levando uma mão à testa em um gesto frustrado. Uma dor de cabeça insistente começava a se instalar.
Ele sabia que estava andando sobre uma corda bamba. Seus passos eram calculados, suas palavras medidas. Mas quanto mais tentava manter o equilíbrio, mais o destino parecia puxá-lo para a beirada.
— Onde exatamente você ouviu falar sobre o título de Imperador da Luz? — Sua voz saiu tensa, carregada de inquietação.
Claude hesitou, e Aaron percebeu que ele não gostava da pergunta. Seu olhar perdeu-se por um momento, como se estivesse revivendo lembranças enterradas no tempo. Então, falou, sua voz adquirindo um peso reverente:
— Anos atrás, meu mestre, Ezaleu, foi chamado pelo oráculo. Ele recebeu uma profecia sobre o Imperador da Luz. Desde então, temos buscado indícios dentro dos reinos do império.
Havia algo em seu tom que fez o ar entre eles se tornar mais denso, como se a própria floresta tivesse prendido a respiração
Aaron sentiu um arrepio subir por sua espinha. O título que carregava não deveria ser conhecido por ninguém. Nem mesmo nos registros mais antigos do Império do Sol, nem nos salões do palácio, nem entre os estudiosos. Era um peso que deveria ter sido apagado da história.
Mas não foi.
— E qual é o meu papel nessa profecia? — Aaron perguntou, sua mente fervilhando com perguntas. Havia algo maior em jogo, ele podia sentir isso.
Claude o observou por um longo tempo antes de responder. Quando finalmente falou, havia uma sinceridade crua em sua expressão, misturada a um traço de... pena?
— Não me lembro dos detalhes, Alteza — admitiu. — A profecia foi feita há muitos anos e, quanto mais ela afeta o futuro, mais escorregadias as lembranças se tornam. Meu poder não é suficiente para carregá-la; eu precisaria consultar meu mestre.
Aaron assentiu levemente, mas seus pensamentos estavam longe dali.
Ele começava a perceber que as respostas que procurava estavam sempre fora de alcance, como sombras dançando na beira de sua visão.
E o pior de tudo?
Tinha a sensação de que, quando finalmente as alcançasse, não gostaria do que encontraria.
[...]
A solidão do quarto pesava sobre Aaron como um manto sufocante. Ele se encolheu entre os lençóis, abraçando o travesseiro com força, tentando abafar os soluços que sacudiam seu peito. O medo ainda estava em sua pele, frio como o aço daquela lâmina que havia tocado sua garganta. Seus pensamentos giravam, caóticos, cheios de perguntas que não tinham resposta.
A clareira daquela mesma tarde voltava à sua mente em flashes desconexos—o brilho carmesim do sangue, o choque estampado no rosto de Claude, a reverência repentina, o medo incontrolável que se espalhou por suas veias.
Por que ele se ajoelhou? Ele não sabe o que fiz? A maneira como governei? Como… condenei inocentes?
Seu peito doía. Uma dor oca, sufocante, que não se curava com descanso nem com o passar das horas. Ele sabia que o futuro não lhe pertencia. Já estava escrito, desenhado em linhas rígidas que não podia apagar. Um caminho que, por mais que tentasse evitar, parecia inevitável.
Imperador da Luz.
Palavras que pertenciam a um passado distante. Palavras que não deveriam mais ter significado.
Mas tinham.
E, pior, Aaron sentia que, a cada passo incerto, se aproximava mais dessa sombra de si mesmo. O medo rastejava por seu coração, sussurrando que não importava o quanto tentasse, estava fadado a se tornar o que já fora um dia.
Ele se afundou ainda mais no travesseiro, desejando desaparecer, desejando que, por uma única noite, não fosse um príncipe, um imperador ou um erro prestes a acontecer.
Então, um feixe de luz atravessou a escuridão.
O som da porta se abrindo estalou no ar como um trovão abafado.
Aaron não pensou. Seu corpo reagiu antes que sua mente pudesse acompanhar. O ar se prendeu em seus pulmões, seus músculos retesaram, e por um instante, ele sentiu o gosto metálico do terror na boca.
Rebeldes. Vieram atrás de mim.
O pensamento cravou-se nele como uma lâmina invisível. O peito apertou, as sombras à sua volta pareciam se mover, a incerteza transformando cada canto escuro em uma ameaça.
Ele se sentou num sobressalto, os olhos ainda embaçados pelas lágrimas, mas arregalados de pânico.
— Quem está aí?! — A voz de Aaron saiu afiada, carregada de tensão. Seu coração martelava no peito, o sangue zunia em seus ouvidos. — Não se aproxime!
A porta se fechou devagar.
E então, a silhueta na escuridão avançou para dentro da luz prateada que entrava pela janela. A claridade suave revelou Ethan, vestido com um pijama amarelo, os cabelos levemente úmidos, desalinhados pela toalha. O cheiro suave de sabão e ervas preencheu o ar, uma lembrança distante de tempos mais simples.
— Sou eu. — A voz veio baixa, tranquila, mas carregada de cuidado.
Aaron piscou algumas vezes, confuso. A tensão em seus ombros cedeu por um instante, mas não foi o suficiente para conter a onda de emoção que o invadiu. Seus lábios tremeram, os olhos brilharam mais uma vez com novas lágrimas que ele não conseguiu conter.
— Ethan... — murmurou, quase num alívio sufocado. Mas, assim que percebeu o que estava fazendo, desviou o olhar, pressionando os lábios para conter a fraqueza que se instalava em sua voz. Com um movimento brusco, virou-se de costas, puxando os lençóis sobre si como uma barreira, enterrando o rosto no travesseiro.
— Eu quero ficar sozinho agora. — Sua voz saiu abafada, carregada de exaustão.
O silêncio se estendeu. Aaron não precisou erguer a cabeça para saber que Ethan continuava ali. Sentiu, mais do que ouviu, o colchão afundar levemente quando o irmão subiu na cama. O calor da presença dele se aproximou, uma sombra reconfortante no quarto escuro. Ethan não disse nada. Apenas ficou ali.
Aaron fechou os olhos com força, seu peito tremendo com os soluços. Ele não queria ser visto assim—fraco, vulnerável, desmoronando sob o peso de suas atitudes.
— Você estava estranho depois que voltou com o mestre. O que aconteceu? — Ethan perguntou baixinho.
Aaron não respondeu. Apenas enterrou o rosto no travesseiro, os ombros encolhidos. Ele não queria falar. O futuro o aterrorizava.
E, pior, ele não sabia se tinha forças para enfrentá-lo.
O colchão voltou a se mover, e Aaron sentiu o calor da mão de Ethan se aproximar. Os dedos dele tocaram levemente seu ombro, em um gesto hesitante, cuidadoso.
Mas para Aaron, foi como se um fio incandescente roçasse sua pele. Seu corpo enrijeceu, e a sensação ardente se espalhou por seus músculos. Não, não, não…
— Não me toque! — A voz dele saiu mais alta do que pretendia, embargada, cortante. Ele se encolheu ainda mais, puxando os lençóis sobre a cabeça, como se aquilo pudesse afastar o que quer que estivesse dentro dele. Seu peito subia e descia rápido demais.
Ethan recuou no mesmo instante. Aaron sentiu quando a pressão quente do toque desapareceu, mas seu corpo ainda queimava, como se o medo deixasse um rastro invisível.
O silêncio se alongou, denso como o peso em seu peito.
Então, um movimento.
Aaron percebeu quando Ethan ergueu o cobertor e deslizou para debaixo dele, juntando-se a ele naquele casulo de tecidos. Seu cheiro de sabão e ervas envolveu o espaço entre os dois. Não houve palavras, apenas a respiração controlada de Ethan, a presença calma que, de alguma forma, não invadia, apenas existia ao lado da sua.
Por um instante, Aaron pensou em mandá-lo embora. Mas não o fez.
Não porque quisesse companhia.
Mas porque, no fundo, o silêncio ao lado de Ethan era menos sufocante do que a solidão.
Então, com um suspiro silencioso, Ethan fechou os olhos e estendeu a mão, deixando que sua energia fluísse suavemente. Uma luz branca e suave brilhou entre seus dedos, espalhando um brilho etéreo no pequeno casulo de tecidos em que os dois estavam.
Aaron estremeceu quando algo quente e macio se aninhou contra seu pescoço. Um toque delicado roçou sua orelha—pequeno, leve, vivo. Ele prendeu a respiração e, hesitante, afastou o cobertor apenas o suficiente para espiar.
Um coelho.
Não um coelho comum—seu corpo era feito de pura luz branca, suas orelhas longas tremulavam suavemente, e suas minúsculas asas batiam devagar, espalhando um brilho suave. O bichinho esfregou o focinho contra sua pele de novo, buscando carinho, como se fosse real.
Aaron prendeu a respiração.
Isso… isso não é…?
A surpresa o fez se apoiar nos cotovelos, e o movimento abrupto fez o coelho cair da sua clavícula para a cama, quicando levemente nos lençóis antes de se acomodar ali.
Confuso, Aaron virou-se para Ethan.
Com os olhos ainda úmidos, Aaron virou-se lentamente, olhando para Ethan. O irmão continuava deitado, a mão estendida, os dedos ligeiramente curvados no ar, como se controlasse a pequena criatura.
O brilho do coelho iluminava o espaço dentro do casulo de tecidos onde estavam, tingindo tudo com um tom prateado suave. Aaron viu as feições de Ethan sob aquela luz—os olhos calmos, o sorriso leve, o jeito casual de quem parecia dizer: Está tudo bem.
— Qual o nome daquela brincadeira que você criou com o homenzinho de armadura? — Ethan perguntou, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
Aaron piscou, confuso.
Por um instante, ficou apenas olhando para o coelho, ainda sentindo a pele onde ele o havia tocado. Pegou-o com cuidado, levantando-o até a altura do rosto. Sua pelagem brilhante parecia absurdamente real—Ethan havia pensado em cada detalhe, desde os olhinhos curiosos até o movimento delicado das asas.
Era lindo.
Era reconfortante.
Aaron sentiu algo se apertar dentro de si.
— "O jogo que o Ethan odeia." — confessou, a voz baixa, quase infantil. — Coloquei esse nome porque você não quis brincar comigo.
Ethan piscou, surpreso. Depois soltou um suspiro, estendendo a mão para o coelho de luz. Seus dedos se misturaram ao brilho etéreo da criatura enquanto ele o acariciava delicadamente.
— Eu nunca odiei... — murmurou, hesitante. — Eu só... não soube o que dizer na hora.
Aaron virou o rosto na direção dele, seus olhos ainda brilhando com as lágrimas contidas, analisando cada hesitação no tom do irmão.
Ethan desviou o olhar por um instante, coçando a nuca, desconfortável.
— Quando vi você criando aquilo... fiquei feliz. Muito. Mas também fiquei preocupado. Você acabou de entrar no primeiro estágio do cultivo, e não sabia até onde isso poderia te levar. Tive medo de que se machucasse... ou pior. — Ele parou por um momento, respirando fundo. — Então eu pedi para você parar. Mas acho que fiz isso do jeito errado.
Aaron permaneceu calado, absorvendo as palavras.
Ethan engoliu em seco antes de continuar.
— Foi por isso que... tentei aprender sozinho.
Aaron piscou, sentindo algo quente e profundo se espalhar dentro de si. Seus olhos voltaram a se encher de lágrimas, mas dessa vez, havia algo além da dor ali.
Ele puxou o coelho contra o peito, buscando conforto, e sussurrou:
— Obrigado.
Ethan apenas sorriu de leve, o olhar tranquilo.
O pequeno coelho de luz se aconchegou entre os dois, sua luz pulsando suavemente, como o ritmo de um coração.
Caros leitores,
Chegamos ao final do capítulo 21, um momento de revelações intensas e um confronto carregado de tensão. Aqui, Aaron finalmente remove parte da máscara que vestia desde que retornou ao mundo dos vivos. Se até agora ele caminhava na linha tênue entre o que foi e o que deve ser, nesta cena vemos sua verdadeira natureza emergir: o espírito implacável de um tirano, a ferocidade de alguém que já esteve no topo e tombou, mas que se recusa a ser esmagado.
Claude, por sua vez, é um espelho do mundo ao redor de Aaron. Suas suspeitas refletem o que muitos já começam a perceber: há algo de errado com o príncipe. Ele pode tentar disfarçar sua frieza com sorrisos calculados, esconder sua inteligência sob um verniz de ingenuidade, mas há fissuras em sua máscara. Claude as vê. E como um bom caçador, não hesita em pressioná-lo até que a verdade se revele.
Mas Aaron não é alguém que recua. Diante da lâmina, ele não implora, não vacila—ele desafia. O que poderia ser medo se torna desprezo. O que deveria ser um fardo se transforma em um trono invisível.
E então, temos o passado. Os títulos que Aaron carrega—"Imperador da Luz", "Tirano Louco"—não são apenas palavras vazias, mas ecos de uma história que ainda precisa ser desenterrada. Sua rejeição ao poder do Sol, a corrupção de seu cultivo, sua queda... cada peça forma um quebra-cabeça que Claude, e vocês, leitores, começam a montar.
Mas há um detalhe que muda tudo. O corte que se fecha sozinho. O sangue que desaparece como se nunca tivesse sido derramado. Se antes Claude via Aaron como um enigma, agora o vê como algo além disso—algo que desafia as leis do próprio mundo.
Este capítulo não é apenas um embate entre mestre e aluno. É um duelo entre a verdade e a ilusão, entre a convicção de Claude e a impassividade de Aaron. Mas, acima de tudo, é um lembrete de que, por trás da aparente calmaria, há uma tempestade prestes a se erguer.
O que acontecerá a partir daqui? Agora que parte de sua identidade foi revelada, que caminho Aaron escolherá seguir?
Apenas os próximos capítulos dirão.
S.Y. Ravena.
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