Capítulo 14 - A Convicção de Ethan
“O jovem príncipe ainda não sabia o que o tornava forte, mas começava a entender que a força era construída, não herdada.”
A carruagem diminuiu o ritmo e, com um leve solavanco, imobilizou-se. Os cavalos bufaram, sua respiração erguendo nuvens de vapor na fria e cortante brisa do inverno. Ethan, até então perdido em pensamentos insondáveis, foi despertado pelo ranger das rodas sobre o pavimento de pedras, agora envolto em uma fina camada de gelo que refletia a pálida luz do dia. Ele ergueu os olhos e se inclinou para espiar pela janela semicongelada, e ao fazê-lo, uma onda de assombro o tomou.
Diante de si erguia-se uma edificação como nenhuma outra que já tivesse vislumbrado. Suas paredes, de um branco puro como a neve não maculada, cintilavam à luz frágil que escapava do céu coberto por nuvens cinzentas. Telhados curvados se erguiam em camadas, com cada beirada adornada por figuras de criaturas míticas, como se estivessem ali para vigiar o local. Entre as torres, imensas vidraças capturavam o reflexo do céu cinzento e das montanhas distantes, criando uma miragem que oscilava entre o real e o etéreo.
No topo, uma estrutura circular coroava o edifício como uma tiara de cristal. Pequenos sinos, presos em arcos delicados, balançavam suavemente ao vento, produzindo uma melodia melancólica que se espalhava pelo ar gelado.
Tomado por um misto de curiosidade e temor, Ethan abriu a porta da carruagem e desceu, envolto no manto cinzento que trazia consigo. O vento, cortante como o fio de uma lâmina forjada em tempos remotos, mordeu sua pele. Mas ele se deteve, seus olhos vagando, incapazes de desviar-se da visão diante dele.
Homens e mulheres passavam pela entrada do estabelecimento, a maioria deles jovens. Usavam uniformes impecáveis, feitos de tecidos densos e brilhantes, adornados com bordados azuis que refletiam a luz. Discípulos, supôs Ethan. Alguns carregavam espadas embainhadas nas costas, enquanto outros seguravam arcos que brilhavam com um leve fulgor, como brasas à espreita. Seus passos eram firmes, confiantes, como se cada um soubesse exatamente o que deveria fazer e onde deveria estar. Essa determinação silenciosa fez Ethan se sentir desconfortavelmente deslocado.
— Esperava mais pessoas por aqui — murmurou ele, sua voz vacilando diante do silêncio estranho que parecia abraçar o lugar, quebrado apenas pelo distante tilintar dos sinos.
A rua, com suas calçadas cobertas por gelo fino, estava desprovida da agitação usual de um centro comercial. Aqui, o fluxo era discreto, quase silencioso. Alguns poucos indivíduos passavam carregando pequenas caixas ou bolsas, enquanto outros caminhavam com a postura firme e os olhares focados, como se estivessem em uma missão.
Helena desceu em seguida, com a mesma elegância calculada de sempre. Seu manto escuro esvoaçava ao vento, enquanto seus olhos, de um violeta profundo, percorriam o ambiente com a astúcia de alguém habituado a buscar perigos onde outros não viam.
— Esta é uma área comercial exclusiva para cultivadores espirituais — respondeu ela, com o tom firme de quem explica algo óbvio. — Não é o tipo de lugar onde pessoas comuns possam passear livremente. O que há por aqui não lhes diz respeito.
— Não lhes diz respeito? — Ele cruzou os braços, tentando igualar o tom casual dela. — Mas não são todos cultivadores espirituais?
— Príncipe Ethan, sua mãe o manteve protegido demais, se me permite dizer. — Sua reverência ao título era clara, mas suas palavras carregavam um toque de escárnio que ele não pôde ignorar. — Olhe ao seu redor.
Ela ergueu uma mão e indicou discretamente um homem que deixava uma loja próxima, seus passos leves como se o chão o acolhesse de bom grado. O homem carregava um pequeno embrulho, envolto em tecido fino que parecia reluzir sob a luz fria do inverno.
— Não há tantos cultivadores quanto deveria haver. Não pela falta de ouro, embora este seja um recurso escasso para muitos, mas pela ausência de algo mais essencial: a aptidão. Sem ela, todos os artefatos e elixires do mundo não farão diferença.
— Aptidão? — Ethan franziu o cenho.
Helena inclinou levemente a cabeça, o gesto sutil e ponderado, como se calculasse até onde podia conduzi-lo nesse novo entendimento.
— Alguns nascem sob as estrelas certas, tocados por forças elementais que moldam o que são. Outros, mesmo com esforço e riquezas sem fim, jamais alcançarão os picos que só os verdadeiros cultivadores espirituais podem atingir.
Os olhos de Ethan se voltaram para o movimento ao redor, para as figuras dispersas que passavam pela rua coberta por um brilho gélido. O peso das palavras de Helena o fez perceber nuances que antes lhe escapavam.
— Então... a maioria nunca terá acesso a isso. — Sua voz era baixa, quase um murmúrio, mas Helena a ouviu e respondeu com firmeza:
— Exatamente. E é por isso que este distrito é tão exclusivo. Não é para aqueles que sonham. É para aqueles que podem.
Ethan voltou seu olhar para Helena e, em seguida, para Aaron, que parecia distraído pela imponência do lugar. Mesmo os guardas que os acompanhavam, sempre tão impassíveis e estoicos, pareciam insignificantes perante a magnitude da estrutura.
A porta principal, de madeira escura polida até parecer líquida, erguia-se diante deles. Dois guardas estavam postados ali, imóveis como sentinelas esculpidas em pedra. Suas capas longas escondiam qualquer arma que pudessem portar, e suas mãos cruzadas à frente do corpo eram os únicos sinais de vida em sua postura austera. Quando Helena passou à frente, seus olhos se ergueram ligeiramente, um movimento quase imperceptível, mas carregado de intenção. Eles a observaram, avaliando-a com o olhar de quem já viu muitos entrarem e menos ainda saírem. Não disseram nada, mas algo em sua postura mudou.
Ethan hesitou, seus pés repousando na soleira como se aquela transição carregasse um peso que ele ainda não compreendia. Quando finalmente cruzou o limiar, o ar ao seu redor pareceu mudar. Uma onda invisível, quase tangível, percorreu seu corpo, trazendo consigo um formigamento que fez os pelos de seus braços se eriçarem. Ele puxou as mangas do casaco, tentando, sem sucesso, dissipar a sensação. Não era uma sensação desagradável, mas havia nela algo inquietante, como o sussurro de um segredo que ele não estava preparado para ouvir.
Aaron entrou logo atrás, esfregando as mãos para afastar o frio que parecia maior ali dentro. Ele parou ao lado de Ethan, seus olhos estreitando-se enquanto analisava o ambiente.
— O que é isso? — perguntou ele, sua voz baixa, mas carregada de inquietação. Ele baixou as mãos, mas seus dedos ainda se moviam nervosamente. — Essa sensação... é como se algo tentasse me repelir.
— Esse lugar não é como os outros que vocês conhecem. — respondeu Helena, sem se virar completamente, mas lançando um olhar rápido e penetrante por sobre o ombro. Sua voz tinha o peso de quem transmite uma verdade inevitável. — Cada pedra, cada artefato aqui foi moldado por poder espiritual. É por isso que o ar aqui parece vivo: ele recorda e guarda as fronteiras entre os mundos, entre aqueles que pertencem e aqueles que apenas olham de fora.
Ethan sentiu-se ainda mais pequeno sob aquelas palavras, como se a própria grandiosidade do salão o pressionasse. Ele respirou fundo antes de falar:
— E isso... é perigoso?
Helena deteve-se. A luz dourada do salão parecia moldar-se em torno de sua figura, destacando cada detalhe de sua presença. Os garotos se aproximaram quase por reflexo, atraídos pela aura de comando que ela exalava. Seus cabelos, trançados e claros como o fio de prata ao luar, caíam suavemente sobre suas costas. Cada bordado no colarinho de sua armadura, trabalhado com runas alquímicas, parecia conter um brilho próprio.
— Pode ser — respondeu ela, com uma calma que era mais perturbadora do que qualquer ameaça. — Para quem não sabe o que está fazendo.
— E o que sugere que façamos? — perguntou Aaron, sua voz carregada de um tom desafiador que não conseguiu esconder completamente sua apreensão.
Helena virou-se para ele lentamente, cada movimento seu carregado de intenção
— Sugiro que não toquem em nada. — A resposta de Helena foi direta, quase cortante. — A energia aqui pode parecer inofensiva, mas vocês não têm treinamento. Qualquer descuido pode ativar algo que não estão prontos para enfrentar.
Aaron abriu a boca, mas fechou-a logo em seguida. O sorriso habitual que ele usava para mascarar sua ansiedade desaparecera. Ethan, por outro lado, sentiu o peso de cada palavra.
Helena retomou seu passo sem mais explicações, seu manto ondulando atrás dela como um espectro. Ethan seguiu-a com os olhos antes de se mover, e Aaron, embora relutante, acompanhou.
O salão era vasto, maior do que Ethan imaginara. A luz dourada banhava cada canto, mas não parecia vir de lugar algum em particular. Era como se o próprio ar emitisse aquele brilho suave. Colunas de mármore branco erguiam-se como os troncos de árvores de um bosque primordial, cada uma adornada com detalhes dourados que imitavam galhos entrelaçados, estendendo-se até o teto, tão distante que parecia tocar os céus.
Entre as colunas, vitrines de cristal repousavam como pequenos relicários, guardando tesouros de tempos imemoriais. Em uma delas, uma árvore em miniatura, esculpida em prata viva, agitava suas folhas ao menor movimento do ar, embora ninguém sentisse vento algum. Outra exibia espadas, suas lâminas reluzindo com uma pulsação branda, como se o metal carregasse o fôlego de quem as havia forjado. Havia também roupas penduradas, bordadas com runas que pareciam cantar, suas linhas brilhando fracamente, prometendo proteção ou castigo.
O ar carregava um aroma peculiar, uma mistura de ervas queimadas e algo metálico, tão estranho quanto o próprio lugar. Ethan não conseguia decidir se era reconfortante ou opressivo, mas o peso invisível daquele aroma parecia grudar em sua pele, misturando-se ao formigamento que o acompanhava desde que haviam cruzado o limiar do salão.
Os guardas que os seguiam se espalharam, como sombras cuidadosas, posicionando-se estrategicamente pelo salão. Helena caminhava à frente, ignorando os olhares que se voltavam para ela. Havia algo em sua postura que parecia fazer com que as pessoas hesitassem, como se ela pertencesse àquele lugar de uma forma que Ethan e Aaron jamais poderiam compreender.
Ethan lançou um olhar ao irmão, que estava absorto diante de uma das vitrines. Aaron observava um artefato que pulsava com uma luz suave, os olhos arregalados com a curiosidade que raramente permitia transparecer.
— Não toque em nada — murmurou Ethan, inclinando-se para perto dele. Sua voz era baixa, mas carregava uma firmeza incomum, como se ele mesmo precisasse acreditar no aviso. — Ou Helena vai nos matar.
Aaron soltou uma risada breve, mas nervosa, desviando os olhos da vitrine apenas por um instante.
— Não vou tocar em nada... por enquanto.
Ethan não conseguiu deixar de lançar outro olhar ao artefato. Por um momento, ele se perguntou se as coisas ali expostas observavam tanto quanto eram observadas, e um calafrio percorreu sua espinha.
Helena parou novamente, desta vez diante de uma escada em espiral no centro do salão. A estrutura parecia flutuar no ar, feita de degraus de cristal transparente que brilhavam levemente à luz dourada. Ela estendeu a mão, tocando o corrimão com uma hesitação tão breve que Ethan mal a notou. Quando começou a subir, seus movimentos eram firmes, mas algo em sua postura parecia diferente agora, mais tensa.
— Ela está com medo? — murmurou Aaron ao seu lado.
Ethan lançou-lhe um olhar rápido, mas não respondeu. Ele também sentira a hesitação de Helena, e isso o perturbava mais do que as palavras dela. Se Helena, que parecia tão à vontade em lugares como aquele, hesitava, o que isso significava para eles?
— Vamos — disse Aaron, mas sua voz estava mais baixa agora, quase um sussurro. — Não fique parado aí. Temos um objetivo a cumprir.
Ethan deu um passo à frente, e ao tocar o corrimão, sentiu a mesma onda de energia que o tomara antes, mas desta vez era mais intensa. Ela correu por seus braços, como fogo líquido, e ele teve que lutar contra o impulso de puxar a mão.
Ele ergueu os olhos e encontrou Helena, que subia com sua costumeira determinação fria. Mas agora Ethan via algo além de sua postura imponente – uma rigidez nos ombros, uma atenção contida nos movimentos. Como se ela estivesse preparada para algo que ele não conseguia perceber.
O formigamento que ele sentia em seus braços persistia, um toque persistente que ia além do físico. Era uma força que parecia emanar do próprio lugar, envolvendo-o com a pressão de um cerco invisível. Ele esfregou os braços, tentando aliviar o desconforto, mas era inútil. Não era algo que pudesse ser dissipado. Não era apenas o toque de uma energia qualquer; era como se a própria essência do lugar estivesse se agarrando a ele, desafiando-o a resistir ou a sucumbir.
Feroz, pensou ele, incapaz de encontrar outra palavra. Não havia nada de sereno ou reconfortante na energia daquele lugar. Ela parecia comprimida, como um rio de correnteza violenta preso em um canal estreito.
Um toque firme no ombro arrancou Ethan de seus pensamentos. Ele piscou, confuso, e virou-se para encontrar Aaron. O irmão o olhava com aquele sorriso característico, cheio de confiança e uma pitada de provocação.
— Você está franzindo o cenho de novo — disse Aaron, sacudindo-o levemente. — Relaxa, Ethan. Não é todo dia que a gente entra num lugar assim. Tenta aproveitar um pouco.
Ethan abriu a boca, a resposta pronta na ponta da língua, mas o olhar de Aaron já se afastava. Ele estava subindo os degraus com uma leveza que parecia quase irreconhecível naquele lugar. Como se o peso daquele salão — o peso de tudo o que representava — não existisse para ele.
Mas não era apenas a leveza de Aaron que o incomodava. Era a forma como ele parecia alheio ao que Ethan via, ao que ele sentia. A pressão deste lugar não era algo que podia ser ignorado, pelo menos não para ele. Como Aaron conseguia ignorar aquilo?
Balançou a cabeça, afastando esses pensamentos. Ele não tinha tempo para isso. Precisava focar no que estava à frente. No que estava por vir. Aaron tinha razão, ele estava deixando sua mente divagar para perigosos confins. Ele precisava agir, não refletir. Respirou fundo, sentindo o ar gelado cortar sua garganta e preencher seus pulmões. Não havia mais tempo para hesitação.
Com um último olhar para os degraus restantes, Ethan voltou a subir, obrigando seus pés a se moverem, mesmo que a energia do ambiente pressionasse contra sua pele como uma corrente forte tentando puxá-lo para trás.
O segundo andar se abriu diante dele, vasto e opulento, mas com uma quietude que fazia o cabelo de sua nuca se arrepiar. As paredes, pintadas em tons dourados e areia, cintilavam sob uma luz que parecia vir de todos os lugares e nenhum ao mesmo tempo.
O salão era silencioso, mas não vazio. Homens de postura altiva caminhavam lentamente, seus passos ressoavam levemente no piso de mármore polido. Vestiam-se com trajes de linho fino, bordados com padrões tão sutis que apenas um olhar atento poderia perceber sua sofisticação. Alguns usavam joias mágicas que brilhavam suavemente, como se fossem parte de sua própria essência. Outros carregavam orbes que flutuavam ao lado deles, movendo-se com a graça de seres vivos, mas exalando a força de algo muito mais antigo.
O príncipe olhava com desinteresse para as vitrines pelas quais passava. Pequenas placas descreviam propriedades mágicas que ele mal compreendia, mas que pareciam fascinantes e perigosas ao mesmo tempo. Alguns artefatos emitiam um brilho sutil, quase etéreo, enquanto outros estavam envoltos em uma névoa que dançava lentamente, como se guardassem segredos que ninguém deveria desvendar.
Ele apertou os lábios, sentindo a conhecida sensação de inadequação se instalar em seu peito. Aquele mundo, repleto de poder e significado, parecia distante demais. Ele sabia que deveria compreendê-lo, que seu papel exigia isso. Mas era como tentar ler um livro em uma língua esquecida – ele podia ver as palavras, mas não entendê-las.
— Jovens senhores, precisam de ajuda? — A voz interrompeu seus pensamentos.
Ethan virou-se, e seus olhos encontraram o dono da voz. O homem, vestido com um traje de vestes perfeitamente alinhadas, portava um sorriso gentil, mas que, como um rio escondido sob uma superfície calma, escondia algo mais. Seus olhos, estreitos e fulgurantes como os de um felino, refletiam uma astúcia que parecia além da compreensão humana.
O ar ao redor parecia mudar, tornando-se mais denso, quase tangível. Ethan deu um passo para trás, sentindo um calafrio percorrer sua espinha, mas não conseguiu desviar o olhar. Havia uma ferocidade contida naquele homem – ou criatura –, como uma fera enjaulada.
— Ele... ele é uma criatura mágica... — murmurou, quase sem querer, mal se dando conta de que suas palavras haviam saído em voz alta, flutuando no ar como uma confissão.
Aaron, notando a surpresa do irmão gêmeo, endireitou a postura e deu um passo à frente, desviando a atenção do homem e a puxando de volta para o negócio em questão.
— Buscamos um caldeirão de refino, ervas mágicas apropriadas para treinamento e selos encantados. Vocês também possuem livros, certo? — Sua voz era firme, como de alguém que sabia o que desejava, mas com uma ligeira inflexão de curiosidade.
O funcionário inclinou a cabeça, seu sorriso não vacilando, mas algo em seus olhos mudou. Curiosidade? Desdém? Ethan não sabia dizer, mas o desconforto rastejou por sua pele como uma aranha.
— Certamente, senhor. Será uma honra guiá-los ao setor apropriado.
Com um gesto fluido, quase como uma reverência, ele indicou um corredor iluminado por lanternas penduradas em arcos altos. Ethan percebeu algo que o fez prender a respiração. À medida que o homem caminhava, algo se balançava atrás dele, entre as dobras de suas vestes: um rabo. Não era algo que pudesse ser facilmente ignorado, pois ele o movia com uma graça quase hipnótica, os pelos espessos balançavam suavemente, como se tivessem vida própria. Ethan sentiu a boca seca e os olhos se fixaram, hipnotizados.
— Pare de encarar — murmurou Aaron, com um toque rápido no ombro do irmão. Sua voz era baixa, mas carregada de impaciência.
Ethan piscou, os olhos ainda fixos no rabo.
— É só que... — Ele hesitou, buscando palavras, como se o que tinha a dizer fosse absurdo demais. — Nunca imaginei que feras mágicas trabalhavam.
Os lábios de Aaron se curvaram em um meio sorriso que não carregava humor algum.
— Trabalhar? — Ele sussurrou, inclinando-se para mais perto do irmão. — O que acha que Helena faz todos os dias para nossa mãe?
— Isso é diferente! — rebateu Ethan, um pouco alto demais. Ele lançou um olhar rápido para o funcionário, mas o homem parecia alheio ao que se passava. Ethan abaixou a voz, quase um sussurro agora. — Helena protege a mamãe. Isso tem propósito. Não vejo propósito nisso aqui.
Aaron suspirou, como se estivesse lidando com uma criança especialmente difícil.
— Propósito? Não seja ingênuo. Ele não está aqui por vontade própria. — Seus olhos se estreitaram, e ele inclinou a cabeça levemente em direção ao funcionário, que seguia adiante. — Olhe como ele age. Movimentos precisos, palavras medidas... Ele foi treinado, Ethan. Comprado, como os filhotes dos ovos que vimos no mercado. Isso não é trabalho. É servidão.
Ethan arregalou os olhos, a incredulidade tomando conta de sua expressão.
— Não pode ser... — Ele levou a mão aos lábios, como se quisesse conter as palavras, lançando um olhar nervoso para o rabo do homem. Ele abaixou a voz, mas as palavras saíram em um sussurro furioso. — Não há escravidão no império!
Aaron riu, um som baixo e cortante.
— Não há escravos? O que acha que ele é, então? Olhe ao redor, irmão. Ele não é o único. — Ele apontou sutilmente com o queixo, e Ethan seguiu seu olhar.
Pela primeira vez, Ethan percebeu os outros. Uma mulher de cabelos azulados com orelhas pontudas carregava uma pilha de pergaminhos, movendo-se com passos graciosos. Mais adiante, um homem com olhos como brasas ajustava uma vitrine, suas mãos cobertas de escamas que brilhavam sob a luz das lanternas. Eles se moviam entre os humanos como sombras, sempre ocupados, sempre à margem.
Ethan sentiu o estômago revirar. Como não havia percebido antes? Ele olhou novamente para o funcionário, para o rabo que se movia preguiçosamente, como se zombasse dele.
“Quantas outras coisas estou deixando passar?” Pensou, sentindo o peso da dúvida afundar-lhe o estômago. Algo não estava certo, e ele sabia que, por mais que tentasse, seria difícil ignorar o que seus olhos haviam finalmente aprendido a enxergar.
Quando finalmente chegaram à biblioteca, o ambiente ao redor parecia mudar novamente. Havia uma paz silenciosa ali, algo mais atemporal, que contrastava com o bulício do restante da loja. As estantes, altas e imponentes, subiam até o teto, carregadas com livros que variavam desde os mais antigos e gastados, com capas de couro desbotado, até volumes novos, com lombadas adornadas por inscrições douradas que cintilavam suavemente à luz suave do lugar.
Havia uma calma estranha ali, quase sobrenatural, como se a biblioteca tivesse vida própria. Pequenos núcleos de luz flutuantes estavam posicionados ao longo das prateleiras, iluminando o espaço de forma uniforme, mas sem ofuscar. Ethan notou que algumas prateleiras pareciam mover-se levemente, ajustando-se conforme o grupo avançava, como se estivessem vivas.
— Qual sessão vocês querem visitar primeiro? — o funcionário perguntou, mantendo uma distância respeitosa, consciente da presença intimidante dos guardas que os seguiam.
Ethan sentiu um aperto no estômago ao ouvir a pergunta. Ele olhou para Aaron, esperando que o irmão assumisse a resposta.
— Por hora, guie-nos até a sessão de alquimia. — Aaron respondeu com firmeza, sua voz mais fria do que o habitual.
O funcionário assentiu, mas havia algo em seu olhar que sugeria curiosidade.
— Como desejarem. Por favor, me acompanhem.
As estantes altas se erguiam como muralhas, cheias de volumes antigos cujas capas eram marcadas por manchas de tempo e poeira. O semi-humano os guiava sem dizer palavra, seus passos leves ecoando fracamente. Ele parou diante de uma estante específica e começou a selecionar livros, examinando-os com um olhar meticuloso.
Ethan fingia procurar algo em uma prateleira próxima, mas seus olhos frequentemente se voltavam para Aaron.
Seu irmão movia-se com precisão, os dedos deslizando pelas lombadas dos livros com um toque cuidadoso. Ele não parecia apressado, mas havia algo nos movimentos que revelava urgência — como um homem percorrendo a lista de seus pecados antes de confessar.
— Aaron, você realmente quer aprender alquimia? — A voz de Ethan cortou o silêncio, carregada de uma mistura de curiosidade e frustração. — Por que faria isso se já tem o seu poder?
Aaron parou. Ele encontrou um livro e o segurou por um momento, mas não abriu. Apenas olhou para a capa, como se a resposta estivesse ali.
— Você sabe por quê.
— Aaron… — começou ele, a voz hesitante.
O irmão, no entanto, interrompeu-o antes que pudesse dizer mais.
— Não, Ethan. — A voz de Aaron era cortante, mas havia nela um cansaço profundo. — Não quero ouvir suas lições de moral, suas certezas sobre o que é certo ou errado. Já carrego o suficiente sem precisar do peso do seu julgamento.
— Não é isso que estou fazendo — retrucou Ethan, franzindo a testa.
Aaron riu, um som curto e desprovido de humor. Ele virou-se para encará-lo, e o brilho em seus olhos fez Ethan sentir como se uma lâmina tivesse sido apontada para ele.
— Não? Então o que é isso? Um sermão disfarçado de preocupação? — Ele deu um passo à frente, a voz baixa e carregada de uma força contida. — Já parou para pensar que estou carregando uma bomba-relógio comigo? Se ela explodir, irmão, você também será atingido.
Ethan apertou os lábios, mas não desviou o olhar.
— Não é como se eu pudesse esquecer isso. — Ele falou baixo, quase um sussurro, mas havia dor e frustração em cada palavra. — Mas é isso que você quer? Esconder o que você é? Fingir que nada aconteceu? Aaron, nós estamos falando do poder do Sol.
— O poder do Sol… — Aaron repetiu, com um sorriso amargo. Ele olhou para o teto, como se buscasse algum consolo invisível, antes de voltar os olhos para o irmão. — Você fala como se isso fosse algo a ser celebrado. Como se fosse um presente.
Ethan não respondeu imediatamente. Ele sabia que Aaron estava certo, mas isso não tornava a conversa mais fácil.
— É mais do que um presente — murmurou ele. — É uma responsabilidade.
Aaron balançou a cabeça, seus lábios curvando-se em um sorriso sem vida.
— Você está errado. Não é responsabilidade. É uma maldição. — Ele virou-se, os ombros tensos, mas não antes de lançar um olhar que carregava toda a amargura que sentia. — O que você viu naquela noite… as chamas, o calor... aquilo não foi poder. Foi destruição. E você sabe o que acontece com coisas que só destroem. Elas são temidas. E depois descartadas.
As palavras caíram sobre Ethan como uma pedra, pesadas demais para serem ignoradas. Ele apertou os dedos contra a prateleira, buscando algo sólido para ancorá-lo enquanto as memórias vinham à tona:
A floresta estava escura, mas as chamas transformaram a noite em um inferno dourado. Ele se lembrava do som das folhas secas estalando, do cheiro de carne queimada. Os assassinos que os perseguiam — homens endurecidos pelo ódio e pela fome — haviam sido jogados no chão como se um gigante invisível os tivesse esmagado. Mas não foi isso que o atormentava. Era o som que eles fizeram, os gritos. Gritos que começaram com dor e terminaram com algo mais aterrorizante: súplica.
E então o silêncio.
E no centro de tudo estava Aaron, os braços estendidos, o corpo iluminado por um brilho que não deveria ser natural. Os olhos dele estavam vidrados, como se estivesse perdido em outro lugar, preso entre fúria e terror.
Ethan engoliu em seco, afastando a lembrança.
— Eles iriam nos matar, Aaron. — Sua voz era firme, mas algo tremia em suas palavras. Ele olhou para o irmão, tentando encontrar algo nos olhos dele, uma fagulha de compreensão. — Você nos salvou.
Aaron virou-se completamente agora, a expressão endurecida, como se as palavras de Ethan o tivessem ferido de alguma forma.
— Salvei? — repetiu ele, sua voz soou como um trovão abafado. — Foi isso o que fiz? Porque o que eu lembro é de vê-los queimarem vivos. De ouvir os ossos deles se partindo. Foi isso que te salvou, Ethan?
Ethan não respondeu. Ele sentiu as palavras como um golpe, e o silêncio que se seguiu foi mais pesado do que qualquer coisa que pudesse dizer. Aaron deu um passo à frente, apontando para o irmão com um dedo acusador.
— Não me chame de herói. Não tente transformar o que aconteceu naquela noite em algo nobre. Eu não curei ninguém. Não salvei ninguém. O que eu fiz foi... desumano.
Ethan ergueu a cabeça, a dor e a raiva crescendo em igual medida.
— Você quer chamar isso de desumano? E o que eles fizeram? Eles vieram para nos matar, Aaron! Não se esqueça disso. Eles não teriam hesitado. Não teriam pensado duas vezes antes de cortar nossas gargantas enquanto dormíamos. Estávamos convivendo com essas pessoas em nosso palácio, saudando-as todas as manhãs, e… e o tempo todo eles desejavam nossa morte.
Aaron o encarou por um longo momento, sua expressão ilegível. Quando falou, sua voz era baixa, quase um sussurro.
— E o que me torna diferente deles?
As palavras ecoaram entre as prateleiras, cada sílaba parecendo cravar-se em Ethan como uma lança. Ele abriu a boca para responder, mas nada saiu.
— Você acha que eles mereciam morrer daquela maneira? — continuou Aaron, seus olhos agora fixos nos de Ethan. — Você acha que usar um poder que deveria curar e proteger¹, para fazer aquilo… faz de mim uma pessoa melhor do que eles?
Ethan manteve os olhos fixos em Aaron, mas sua respiração ficou pesada, como se o ar ao redor tivesse se tornado mais denso. Ele sabia que as palavras seguintes carregariam um peso que talvez os separasse ainda mais. Mesmo assim, falou, porque precisava.
— Não, Aaron — Ele respirou fundo, tentando acalmar o tremor em sua voz. — Eu não acho que eles mereciam morrer daquela maneira. No entanto, você fez o que precisava ser feito. Naquela hora, aquilo foi necessário.
— Necessário? — repetiu Aaron, a palavra saindo como uma maldição. — Foi isso o que você viu? Necessidade? Porque o que eu vi foi morte. Foi poder escapando do meu controle, como uma besta enlouquecida.
Ethan deu um passo à frente, sua voz agora mais intensa.
— Sim, foi necessário. — Ele parou, as palavras parecendo pesar em sua língua. — Não foi certo, mas era isso ou morrer. Você salvou nossas vidas. E, por mais difícil que seja aceitar, o mundo não é um lugar onde escolhas perfeitas existem. Às vezes, tudo o que temos é o mal menor.
— O mal menor… — murmurou Aaron, como se provasse as palavras. — E quanto tempo você acha que vou durar, tomando essas decisões? Quantas vezes posso escolher o mal menor antes de me tornar apenas… mal?
Ethan hesitou, suas mãos se apertando em punhos ao lado do corpo. Ele queria oferecer alguma resposta, algo que aliviasse o peso que via nos olhos do irmão, mas sabia que palavras não bastariam.
— Isso depende de você — disse ele, finalmente, sua voz agora mais suave. — Depende de como você lida com o que fez. Você não é como eles, Aaron. Não importa o que tenha acontecido naquela noite. Mas, se você deixar isso consumir quem você é… então sim, você se tornará o que teme.
Aaron ficou em silêncio por um longo momento, os olhos fixos em Ethan como se procurasse algo. Quando finalmente falou, sua voz era mais suave, mas ainda carregada de dor.
— E como eu lido com isso? Como eu encaro o fato de que, para salvar você, eu precisei reviver tudo que precisava deixar para trás?
Ethan não tinha uma resposta. Ele olhou para Aaron, vendo a dor e a dúvida nos olhos do irmão, e percebeu que talvez não houvesse uma resposta certa.
— Não sei — admitiu ele, com honestidade que parecia pesar tanto quanto as palavras de Aaron. — Mas sei que você não precisa fazer isso sozinho. Não importa o que aconteceu naquela noite ou o que venha a acontecer no futuro, você ainda é minha família. E eu vou estar aqui para ajudá-lo, mesmo quando você achar que não merece.
Aaron desviou o olhar, os ombros caindo levemente, como se as palavras de Ethan tivessem aliviado, ainda que apenas um pouco, o peso que ele carregava.
— Às vezes, me pergunto se você realmente entende o que está dizendo — murmurou ele, quase para si mesmo. — Não é tão simples assim. Não é só sobre o que eu fiz... é sobre o que sou capaz de fazer. Sobre o que posso me tornar.
Ethan deu outro passo à frente, encurtando a distância entre eles.
— Não é simples, irmão. Nunca será. Mas o fato de você se preocupar com isso, de lutar contra isso, já mostra quem você é. Você não é uma arma. Você é uma pessoa. Uma pessoa com um dom, e sim, um fardo. Mas isso não precisa definir você.
Por um momento, o silêncio reinou entre eles, pesado, mas não opressivo. Aaron abaixou a cabeça, segurando o livro em suas mãos como se fosse um escudo contra as verdades que Ethan havia jogado sobre ele.
— Talvez você esteja certo — disse ele, finalmente. — Mas isso não muda o que aconteceu. E não muda o que posso fazer, Ethan. E é isso que me assusta mais.
Ethan assentiu, respeitando o espaço que o irmão precisava para lidar com seus próprios dilemas.
— Tudo bem, Aaron. Você não precisa ter todas as respostas agora. Mas lembre-se: você não está sozinho.
Aaron não respondeu, mas o olhar que lançou a Ethan era menos severo, menos carregado de dor. Ele deu um suspiro profundo e voltou sua atenção para os livros, como se o peso da conversa precisasse ser depositado em algo tangível.
E, enquanto o silêncio retomava o controle da biblioteca, Ethan permaneceu ao lado do irmão, determinado a não deixá-lo enfrentar aquele peso sozinho. Ele apertava as mãos contra os bolsos, forçando-se a parecer tranquilo. Não queria que Aaron percebesse o quanto estava lutando para manter o controle.
Ethan sabia que não deveria pensar em si mesmo agora. Não quando Aaron estava ali, carregando o mundo inteiro nos ombros sem jamais reclamar. Mas era impossível ignorar a pressão que crescia em sua própria mente, sufocando-o como uma névoa espessa.
Poder. A palavra ecoava em sua cabeça, amarga e quase zombeteira. O que significava tê-lo? E o que faria com isso, se um dia fosse dele? Ele fechou os olhos por um instante, tentando afastar as perguntas, mas elas sempre voltavam, deslizando em sua mente como um veneno. Ethan sabia que queria mais do que tinha. Que precisava ser mais. Mas o medo — o medo de falhar, de fazer algo que não pudesse ser desfeito — era como um grilhão, prendendo-o no mesmo lugar.
Mas havia algo que ele sabia com certeza: Aaron precisava dele.
Ethan olhou para o irmão, que agora folheava um volume grosso com uma expressão pensativa.
Ele é a melhor pessoa para suceder nosso pai, pensou Ethan, com uma convicção que surpreendeu até a si mesmo. Aaron era justo, inteligente, e mesmo que não admitisse, tinha um coração capaz de entender as dores do povo. Mas, para que Aaron tivesse a chance de mudar o império, Ethan precisava superar suas próprias fraquezas.
O medo era um inimigo que ele enfrentava todos os dias. O desconhecido o fazia hesitar, e o peso das responsabilidades futuras o paralisava. Mas ele não podia deixar isso continuar. Não se fosse para apoiar Aaron, não se fosse para criar um império onde as leis fossem justas, onde as pessoas não fossem esmagadas por um sistema que favorecia os fortes e ignorava os fracos.
Ethan permaneceu em silêncio, observando o irmão enquanto ele mantinha sua atenção no livro. Aaron sempre parecia estar um passo à frente. Mesmo quando duvidava, escondia isso atrás de uma fachada de segurança que confundia até os mais próximos. Ethan, por outro lado, sentia-se sempre à deriva. Suas decisões vinham carregadas de dúvidas, como se cada escolha fosse um campo minado prestes a explodir.
O ar da biblioteca estava carregado com o cheiro de pergaminhos antigos e poeira, mas era reconfortante de alguma forma, como se o tempo tivesse parado ali. Ele sabia que precisava mudar, que não podia continuar vivendo à sombra do irmão ou sendo governado por seus próprios medos.
Preciso ser forte, pensou ele. Por Aaron. Pelo império. Por todos que merecem uma vida melhor.
A ideia surgiu em sua mente como um raio, clara e definitiva. Não era apenas uma necessidade; era uma promessa. Ethan sabia que o caminho à frente seria cheio de incertezas, mas ele não podia mais permitir que a hesitação o controlasse. Ele não podia deixar que Aaron enfrentasse tudo sozinho.
Eu não vou ser engolido pelo medo.
Ethan olhou para suas próprias mãos, percebendo como estavam fechadas em punhos, e as relaxou deliberadamente. Não seria fácil. Ele sabia disso. Mas ele também sabia que tinha um propósito.
Eu irei protegê-lo. Vou ser o apoio que ele precisa para enfrentar o que está por vir. E, juntos, vamos mudar este império.
Ele ergueu o olhar novamente para as prateleiras ao redor, desta vez com uma determinação nova. Cada livro ali parecia guardar um fragmento de poder, um conhecimento que ele poderia usar. Ele não sabia como ou quando, mas sabia que faria isso funcionar.
Meus caros leitores,
O poder tem muitas formas, e nenhuma delas é simples. Ele pode curar ou destruir, proteger ou subjugar. Mas, invariavelmente, traz consigo um preço, e nem sempre é pago por quem o detém. Neste capítulo, vimos dois irmãos confrontando o peso de um dom que deveria ser uma bênção, mas que se revela uma faca de dois gumes. Ethan busca razões, Aaron carrega culpa — e nós, como observadores, somos deixados para refletir: quem decide como o poder deve ser usado? E qual é o custo moral de escolher entre a sobrevivência e a pureza?
Da mesma forma, o mundo ao redor deles nos desafia a encarar outra questão: o que define o valor de uma vida? As criaturas mágicas que cruzam o caminho de Aaron e Ethan existem entre dois mundos, humanas o bastante para carregar fardos e obedecer, mas não o suficiente para serem vistas como iguais. Em um universo onde até os dons mais raros podem ser usados e descartados, qual é o verdadeiro preço da servidão?
Talvez o mais perturbador nesta história não seja o poder descontrolado de Aaron, mas a aceitação silenciosa de um sistema que reduz seres extraordinários a ferramentas. Não é a primeira vez que encontramos um mundo disposto a explorar o diferente, a dobrar o maravilhoso até que ele sirva aos propósitos mais mundanos. E a pergunta que fica é: o quanto estamos dispostos a enxergar quando o desconforto bate à nossa porta?
Ethan começa a notar as sombras que pairam sobre seu mundo. Aaron, por sua vez, luta contra uma verdade ainda mais cruel: que até mesmo um dom como o seu pode ser transformado em arma por mãos ambiciosas. Ambos carregam dúvidas e dores que não são simples de resolver, mas que refletem os dilemas que enfrentamos fora da ficção. Até onde o poder corrompe? E o que fazemos quando os inocentes pagam por escolhas que não são suas?
Espero que, assim como os personagens, vocês também se questionem. Afinal, o que seria de uma história sem as perguntas que ela planta em nós?
Com gratidão pela companhia e reflexão,
S.Y Ravena
GLOSSÁRIO:
¹Sol Piedoso: O Sol Piedoso é uma manifestação de poder profundamente ambígua, carregada de dualidade. Em sua forma mais pura, é uma luz dourada que cura feridas, purifica doenças e oferece esperança aos desesperados. Sob controle, é a personificação da compaixão, um farol de regeneração e redenção. No entanto, sua natureza não é inteiramente benevolente. Quando alimentado por desespero, raiva ou medo, o Sol Piedoso se transforma em uma força incandescente de destruição. Essa luz, que deveria salvar, torna-se imparável, consumindo tudo ao seu redor sem distinção entre amigo ou inimigo.
Essa dualidade não é apenas uma característica do poder, mas um reflexo do coração de quem o carrega. Ele exige equilíbrio emocional e controle absoluto, pois sua força responde não apenas às intenções do portador, mas às profundezas de suas emoções. Assim, o Sol Piedoso é tanto uma dádiva quanto uma maldição, um paradoxo que desafia aqueles que o possuem a confrontarem seus próprios limites morais e emocionais.
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