Capítulo 2
O vento gelado vindo das montanhas acorda Ayla, que havia esquecido a janela aberta, antes de fechá-la olha para o lado de fora. O gelo estava derretendo indicando o fim do inverno.
Todos estavam animados, pois era o grande dia. A seleção para o treinamento oficial, todos poderiam entrar já que eram separados em três turmas, iniciantes, intermediários e avançados. Porém, se o jovem não tivesse progresso, era expulso.
Ayla prendia seu cabelo enquanto olhava seu reflexo pelo espelho da penteadeira. Ela ainda não sabia o que achar, não tinha medo, só queria acabar com aquilo logo e ficar pelo menos no nível intermediário.
Ela suspirou e sentiu uma mão em seu ombro.
— Ansiosa? — Pergunta Electra.
— Sim. — Ela responde soltando um suspiro. — Temo não acompanhar o ritmo dos outros.
— Você é esperta, Ayla... Pelo menos tente. Quando voltar preciso lhe contar uma coisa. — Electra se afasta um pouco.
— O que?
— Tem a ver com seu pai e muitas coisas… Já está na hora de saber.
Antes que Ayla respondesse, Electra some, Ayla odiava aquilo.
Todos os alunos estavam em fileiras, divididos em grupos de forma aleatória, Ayla agora estava preocupada, suando frio, estava prestes a desmaiar de tanto nervosismo.
— Nova geração. — Um guarda vai a frente. — Se curvem para receber rainha Ângela Lykayos.
A rainha entra no salão fazendo com que todos se curvem. Ela andava de forma elegante, balançando seus cabelos enrolados e seu vestido vermelho destacava ainda mais sua pele preta.
— Saudações, nova geração! — Sua voz grave e intimidadora ecoa por todo o salão — Vejo que estão nervosos, podem relaxar — ela afirma simpática. — A primeira lição de vocês será fácil. Iremos trabalhar por habilidades. Está primeira prova será fundamental para montar a turma de vocês, acompanhem a Louise — a rainha aponta para uma elfo verde que estava encostada na porta. — Ela os guirá até a primeira tarefa.
Então todos são levados para fora do castelo. Havia um grande campo de treinamento, com espadas, arco e flechas e até algumas armas que os humanos usavam.
Os humanos ou mortais como eram chamados. Moravam em pequenas vilas espalhadas pelo reino, já que há anos atrás muitas pessoas adoravam a rainha Ângela e outros iam contra seus pensamentos pelo simples fato de ela ser uma fêmea. Isso desencadeou uma guerra entre eles. A rainha que queria um reino harmônico parou a guerra e decidiu que os humanos não teriam mais contato com os imortais, os proporcionando a liberdade de expressão.
Entretanto, alguns humanos da aldeia de Sertain trabalhavam na cozinha do castelo, já que eram conhecidos por fazerem uma comida incrivelmente deliciosa. Porém, era dever deles provar sua própria comida antes de ser servida, os guardas garantiam que não colocassem veneno.
— Bom, nova geração, esta será a primeira prova de vocês! — Louise exclama — Na floresta há obstáculos feitos pelas bruxas da luz, vocês terão de passar por estes obstáculos e pegar um envelope com o nome de cada um de vocês, neste envelope estará a localização de onde cada um deve estar. Isto servirá para sabermos qual é a habilidade de cada um de vocês e assim formar as turmas de treinamento.
Os alunos se olhavam inseguros e com medo.
— O que estão esperando?! Escolham suas armas e fiquem em posição!
Enquanto Ayla olhava atentamente todos pegar suas armas, ela resolve pegar um pequeno machado que os humanos usavam.
— Eu não escolheria isto. — Diz Luzía. — Esta arma dos mortais é fraca perto do desafio que está por vir, aconselho a pegar uma espada e um arco e flecha! — Ela sorri antes de voar até a grande torre onde estavam os alunos veteranos observando os novatos.
Por fim, Ayla decidiu seguir sua intuição. Levou o machado.
Ela caminhou para perto de Arthur, Bernardo e Miguel. Eles também estavam nervosos.
— Boa sorte. — Miguel sussurrou para eles.
Ayla segurou na mão de Bernardo, que segurou a de Miguel, que segurou a de Arthur. Os quatro tremiam, haviam estudado a infância inteira para aquele momento.
Após todos estarem em posição, Louise libera a ida, demorou alguns segundos para todos começarem a correr.
Ayla não sabia ao certo para onde ir, mas ela abre suas asas roxas transparentes e começa a voar rapidamente. Ela não era a única que havia adotado essa ideia, mas avista um garoto sendo atingido por algum tipo de magia.
— Eliminado! — Alguém grita.
— Eu já disse que não! — Grita Ângela.
— Eles estarão perto da fronteira quando terminarem a prova! Eu preciso averiguar! Você sabe que Orfel sempre ultrapassa o limite dos lados! Quer que algum jovem morra na primeira prova?! — Exclama Louise.
A rainha solta um suspiro, ela não dormia a dias, estava cansada e preocupada. Não podia colocar em risco as vidas da nova geração, mas também não queria que sua melhor amiga se colocasse em risco daquele jeito.
— Tudo bem. Mas por favor! Tome cuidado! Você sabe do que aquele verme é capaz.[1]
Ayla quase bateu em cheio em uma árvore enquanto desviava das magias das bruxas, voando aquilo era muito mais fácil, tanto que avistou os envelopes presos com flechas em algumas árvores.
Os envelopes estavam em ordem alfabética então Ayla não demorou para encontrar o seu. No envelope havia uma charada. "Quadrado velho, água sonolenta, tempo." Não fazia ideia de onde deveria ir, apenas caminhava com cuidado.
Alguns minutos se passaram e Ayla ainda estava confusa quanto ao local que deveria ir ficar daquele jeito, exposta era muito perigoso, a floresta estava movimentada e ela poderia ser eliminada a qualquer momento. Ayla entra em uma parte da floresta totalmente coberta pelas árvores, ninguém conseguiria vê-la, o que a preocupou.
Se aproximou de algumas árvores e avistou uma mulher coberta por um manto, Ayla recua dando alguns passos para trás, tarde demais, ela já havia a visto. A escolhida solta um grito ao sentir um fogo adentrando sua mente.
Ela abria os olhos lentamente por conta da dor que sentia e também pela claridade do sol, assim que consegue se acostumar à nota que enxergava tudo vermelho, um novo sentido havia aparecido.
— Isto só pode ser um sonho. — Sussurrou.
— Irei lhe ajudar criança. — Uma voz feminina ecoa por sua mente.
Ayla sente uma escuridão entrar em seu corpo, a falta de ar tomou conta de seus pulmões, sentiu aquela mesma sensação na floresta, há treze anos atrás. Aquele novo sentido havia aguçado os que já estavam presentes. Ouvia muito melhor, observava ainda mais atentamente, sentia o cheiro das plantas tão bem que poderia diferenciar cada uma delas.
Ao dar mais alguns passos avista um lago congelado, próximo a ele havia uma pequena casa caindo aos pedaços.
— Quadrado velho. — Ela diz observando a casa. — Água sonolenta. – A fada desvia seu olhar brevemente para o lago. — E tempo. — Ao olhar para trás nota o quão longe estava de tudo, o tempo que levou para chegar ao seu destino. — É a casa! — Ayla solta um grito agudo ao sentir um choque em suas costas, havia sido atingida.
Aquilo queimava e ardia. Ayla sente um ódio crescer dentro de si, o fogo havia se tornado ainda mais quente, seus olhos começam a doer também, aos poucos a escuridão tomou conta deles.
— Garota, está eliminada! — A bruxa exclama.
Ela se levanta e se vira para a mulher baixa e de rosto redondo.
— Seus olhos estão pretos, você está bem? — Ela se aproxima.
Não era a Ayla, ela não sabia o que estava fazendo, só queria machucar o ser que ousou atingi-la. Então, agarrou o pescoço da pobre bruxa.
— Me solte. — Ela diz tentando pegar sua varinha.
Aquela força estava longe de ser do bem. Garras surgem em seus dedos perfurando a garganta da bruxa que revidou dando um golpe no rosto de Ayla. Aquela magia fluindo em seu corpo era forte, e aquele golpe apenas aguçou mais o seu instinto de matar. Ayla pega seu machado e o enterra no peito da bruxa, fazendo-a se contorcer e soltar gritos abafados pela sua mão, ela tentava se soltar ou lançar algum feitiço mesmo com seu peito aberto de fora a fora.
— Você não irá conseguir. — A doce voz de Ayla havia se tornado grossa e grave.
— Um demônio... — Essas foram as últimas palavras da bruxa antes de ter seu coração arrancado pelas garras da escolhida.
Em poucos segundos Ayla se dá conta do que fez.
A escuridão que entrou em seu corpo se retirou e se transformou em uma mulher ruiva.
— Até logo, criança. — Ela diz antes de abrir um portal e sumir na escuridão.
— O que eu fiz?
O pânico invadiu sua alma, seu corpo inteiro tremia e ela não conseguia respirar direito. Aquela bruxa estava morta, ela havia a matado, a fada fez aquilo, acabou com uma vida e seria castigada. Ayla só pensava no castigo que teria.
Passos se aproximam e Ayla sabia que tinha que esconder o corpo, ela se apressa arrastando o corpo morto da bruxa até o lago.
Estava em choque, mas sabia que não podia deixar ninguém descobrir o que fez, ou o que a levou a fazer aquela barbaridade.
Antes de jogar o cadáver na água enxerga seu reflexo. Seus olhos estavam profundos e totalmente escuros. A garota fica em choque se olhando e se perguntando. "o que é isto?". Após se lembrar que alguém poderia ver, ela joga o corpo na água e limpa o sangue que estava em seu corpo.
Ela volta para o castelo tremendo, sem conseguir pensar em nada que seja a morte daquela bruxa.
— Filha, todos já chegaram! — Electra se aproxima. — Estão no salão com a rainha!
Ayla apenas faz "sim" com a cabeça e vai até o local.
Todos estavam sentados no chão em volta da rainha. Ayla se senta em um lugar afastado de todos, ainda processando o que aconteceu.
Sem querer ouve a conversa de duas bruxas que estavam logo a sua frente.
— Onde está a Niel? — Pergunta uma delas.
— Ela estava perto do lago da última vez que a vi. — Diz a outra.
Ayla repetia aquele nome várias vezes em sua mente "Niel".
— Já tenho a lista de turmas em minhas mãos! — Diz a rainha, logo fazendo todos se levantarem ao ouvir sua voz.
Ela diz o nome de todas as pessoas que estavam na turma avançada e intermediário. Como esperado, Ayla ficou na turma iniciante já que não havia conseguido chegar na casa velha.
— Majestade. — Diz uma fada mensageira entrando no salão. — Uma caixa para a senhora! — Ela entrega uma grande caixa branca. — O remetente pediu para que a vossa majestade abrisse a caixa em público.
— Mas, quem entregou isso? — Pergunta Ângela confusa.
— Eu não sei majestade, estava próximo ao castelo, talvez seja algum presente de um rei para o reino de Declan! – Exclama a pequena fada.
Aquilo não era novidade, Ângela era cortejada por diversos reis solteiros ou viúvos, às vezes até casados.
Mesmo confusa, a rainha abre a caixa lentamente. Logo após abrir, Ângela solta um grito agudo invadindo o recinto. Ela empurra a caixa assustada mostrando o que era, e todos vêem rolar a cabeça de Louise ensanguentada.
Todos no local ficam incrédulos, alguns gritavam e outros choravam.
— Majestade, me desculpe! — Diz a fada mensageira.
— Tire isso daqui! — Ângela ordena aos prantos.
Olhava a cabeça de sua amiga incrédula e ao mesmo tempo se preocupava por todos os jovens terem visto também.
Após se recompor, a rainha apanhou o bilhete que estava junto.
"Para minha querida Ângela. Olá meu amor! Espero que meu presentinho a tenha agradado! Isto é apenas uma amostra do que acontece com curiosos que tentam ultrapassar minha fronteira. Proteja-se, ou sua cabeça será a próxima a estar em uma caixa.
Ass: Seu amado Orfel".
Deitada em sua cama, Ayla olhava para o teto. Após o ocorrido todos foram instruídos a irem para suas casas e lá ficar pelo resto do dia. Além da culpa, se sentia atordoada, como se algo não solicitado tivesse entrado em seu corpo. Ela se perguntava se talvez tivesse sido possuída.
Uma batida na porta a tira de seus pensamentos.
— Como está? — Pergunta Electra entrando.
Ayla queria chorar, não suportava guardar aquilo, precisava contar isso a alguém. Mesmo não tendo confiança em sua mãe, decidiu contar, ela morreria se não tirasse toda aquela angústia de sua alma.
Contou cada mínimo detalhe, o que sentiu, a escuridão que viu. Como matou a bruxa, não pôde deixar de notar a expressão de horror de sua mãe.
— Eu sabia que isso iria acontecer uma hora ou outra. Deveria ter contado antes…— Electra respirava ofegante.
— Contado o que? — Pergunta Ayla confusa.
— Você nunca entendeu o motivo de eu não falar do seu pai... — Electra suspira. — Seu pai... Ele é... Um demônio.
Ayla havia paralisado. Um demônio, seu pai era um demônio. Ela era metade demônio.
— Então, porque não estamos no lado das trevas? — Ela pergunta tentando conter sua raiva.
Electra estava se esquivando para não contar de Orfel, ela sabia que não tinha opção, infelizmente teria de contar tudo, seu pai e a profecia.
— Sou, na verdade, uma fada da noite. Me envolvi com o Orfel, e ele ao saber que estava grávida, pediu para que abortasse, eu iria fazer isto, mas deusa Hera desceu do Olimpo apenas para me impedir e foi ela quem me trouxe para Declan.
— EU SOU FILHA DO ORFEL?! Você falou com deusa Hera?
— Fale baixo! — Electra sussurra. — E sim, infelizmente é.
— E deusa Hera me protegeu? Por que?
— Você possui um grande poder, o motivo, desconheço. Terá uma guerra e Hera me disse que existe uma profecia em que você tem grande importância nesta tal guerra.
Electra dizia tudo muito rapidamente, como se fosse algo banal, Ayla sente seu sangue ferver. Aquilo era algo grande, uma grande mentira, toda sua vida era uma mentira.
Leu livros sobre a tal escolhida, ouviu a bibliotecária falar sobre ela, mas a forma como falava era como se fosse uma lenda, todos acreditavam que aquilo fosse uma lenda, Ayla também achava. Era estranho como ela se sentia confortável em saber que fazia parte de algo grande, na verdade, a escolhida sempre sentiu isto. Que estava no lugar errado, e isso a impedia de fazer algo grande.
— Você não tinha o direito de me esconder isso! Olha só o que eu fiz, grande parte da culpa é sua! — Sem perceber, novamente seus olhos ficam profundos e pretos. — SAIA DAQUI!
Electra levanta lentamente e sai do quarto sem tirar os olhos da filha.
Ayla foi protegida da verdade, seu pai é Orfel, ela é metade demônio, uma deusa a protegeu e ela participa de uma profecia. Esta mentira resultou em uma morte, não era culpa de Electra, de ninguém na verdade, era uma situação complicada e delicada.
O medo corroía Ayla por dentro, em breve iriam sentir falta daquela bruxa e por consequência, descobririam o que aconteceu. Ela não aguentava mais ficar dentro daquele quarto com seus pensamentos sombrios, então decide sair um pouco apesar de terem proibido.
Voava sem rumo, sentiu até algumas lágrimas escorrerem, a culpa de ter tirado uma vida fazia seu coração se apertar. Não sabia para onde ir, precisava gritar e tirar aquela dor de dentro de si. Após ter se afastado o bastante do castelo, grita. Grita o mais alto que podia até sentir sua voz falhar ao dar o quinto grito.
— Sabia que aqui é uma vila e tem pessoas dormindo? — Diz Peter.
Peter é um humano, amigo de Ayla desde a infância, apesar de não se encontrarem com frequência, tinham uma conexão inexplicável. Seus cabelos pretos cumpridos se moviam conforme o vento, por conta do sono seus olhos ficaram ainda menores.
Ayla estava próxima a aldeia de Sertain, a maioria da população desta aldeia é asiática. De vez em quando Ayla encontrava Peter ajudando seus pais na cozinha do castelo.
— Peter. — Ela diz com dificuldade por conta do choro.
— O que faz aqui tão tarde? — Ele pergunta.
Ambos se sentam na grama macia. Ayla não diz nada, apenas chora e Peter faz carinho em seus cabelos mesmo confuso.
— É por causa da prova que ocorreu hoje?
Ayla faz "não" com a cabeça e se deita na grama, logo Peter faz o mesmo.
Mas a escolhida estranha Peter saber sobre a prova, os mortais nunca ficaram sabendo das datas das provas.
— Eu fiz uma coisa horrível. — Ela diz olhando as estrelas.
— Sabe que independente do que seja pode me contar. — Ele falava com dificuldade por conta do frio.
Ayla abre suas asas e cobre o amigo.
— Obrigado.
Por fim ela não conta nada, apenas ficam ali olhando as estrelas.
— Eu preciso ir. — Ele diz — Quando quiser, me conte sobre essa coisa horrível, e escove os dentes você está com um bafo terrível.
— Ei! — Exclama Ayla.
— Até em breve. — Diz Peter rindo enquanto se levantava.
Ver o nascer do sol era uma das coisas que ela mais amava, por um momento esqueceu toda aquela situação. Desejava que Vágmat aparecesse e pudesse desabafar, mas infelizmente seu amigo não apareceu.
Ela precisava pensar no que fazer. Se entregar? Fugir? Não sabia, tudo aquilo era confuso.
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