• Vinte e nove: parte dois •
Certo, eu admito que não foi apenas um grito. Digamos que está mais para um mini escândalo. O fato é que ele foi o culpado por atrair toda uma tribo de Benedettos curiosos e dar início a temporada de cumprimentos calorosos e abraços quentinhos.
Após uma hora entre agradecimentos e diálogos alegres, Art solicita que conversemos... sozinhos. Me volto para o Henry e com uma piscadela ele me incentiva a prosseguir. Assinto. A despeito da minha liberdade de escolha, nós estamos namorando. Ele possui o direito a opinar, principalmente nesse contexto. Acompanho o Arthur até a varanda e nos sentamos juntos. Um silêncio constrangedor se estabelece e fixo os olhos nas flores do jardim. Respiro profundamente e digo a primeira frase que me vêm à mente. Vamos neurônios. Vocês conseguem, guerreiros.
– Dr. Camilo afirmou que só poderíamos vê-lo em janeiro e... – inicio, cautelosa.
– Estamos em janeiro – ele me interrompe, com os braços cruzados.
– Não me diga. E você descobriu isso sozinho? Que grande gênio – carrego a minha voz com sarcasmo e reviro os olhos. Ele solta uma gargalhada. – Como eu dizia, ele alegou que, com sorte, você estaria apto a visitas depois do dia quinze.
– O que são duas semanas? – Ergo uma sobrancelha cética. – O seu professor de física não a ensinou que o tempo é relativo?
E mais uma vez o Arthur ultrapassando os limites da sanidade. Que novidade! Ele continua exatamente o mesmo, o que de certa forma é reconfortante. O silêncio retorna e me volto as mesmas flores. Estou pronta para comentar sobre o clima, quando ele sussurra.
– Principessa – o encaro, surpresa. A um observador menos atento seria impossível identificar o nosso desenlace. A bem da verdade, se passaram apenas quatro meses, no entanto, a meu ver, parece uma vida inteira. – Você estava certa – Oi? Um triste verde profundo me encara com seriedade. – Sempre esteve.
Okay, eu não esperava por isso. Ainda formulo hipóteses acerca das suas palavras, quando ele continua.
– A minha mãe comentou sobre o encontro de vocês. – Penso na estranha conversa que travamos no hospital. – Declarou que foi uma mensagem divina. – E pela primeira vez, quando o assunto é Deus, não noto qualquer indício de ceticismo em sua voz. – Então, movida por essa crença, ela e meu pai decidiram compartilhar a razão do seu rompimento. Na verdade, a história completa – ele puxa o ar, e morde o lábio inferior.
Sinto uma ansiedade crescente me dominar.
– Quando os meus pais se conheceram, ele estabelecia um novo empreendimento próximo ao sítio no qual ela residia com os meus avós. Detentora de uma beleza notável e espírito alegre, ela o encantou dentro de semanas. No entanto, se por um lado ele estava perdidamente apaixonado, por outro ela não correspondia aos seus sentimentos. Para ser justo, seria tolice afirmar que ela não o amava, porém, algo superior a impedia de aceitar os seus galanteios – ele pausa a narrativa e inspira novamente. Está nervoso. Por quê? – Ela era cristã – O quê? – Mas ele não. – Pai da Glória.
– Entretanto, as suas repetidas negativas não foram o suficiente para fazê-lo desistir. Obstinado, ele a visitava diariamente e, com atitudes gentis e palavras doces, conquistava o seu coração e minava a sua confiança. Até que em uma bela noite estrelada, ele adquiriu a garantia de prendê-la a si. – Como? O que exatamente... – Ela engravidou. – Jesus Cristo.
Levo as mãos a boca, abismada. Então, eles... Certo, explicação desnecessária.
– Simultaneamente culpada por sua atitude e apaixonada pelo homem que a amava com tamanha intensidade e que a prometia o mundo, ela aceitou casar-se com o meu pai. Os dois se mudaram para Águas Douradas e iniciaram uma vida juntos. Com o passar dos anos, entretanto, ficou claro que a união foi infeliz e equivocada. O meu pai a requisitava constantemente em eventos noturnos. No entanto, o ambiente não a agradava, as conversas a irritavam, e a presença que antes lhe era querida, tornou-se um fardo insuportável. Já a sua visita quase diária à igreja, classificada em épocas passadas como qualidade, resumiu-se a um empecilho e um desperdício de tempo.
– Com pensamentos opostos e crenças distintas, o abismo entre eles crescia a uma velocidade imensurável. A linda fé que iluminava os olhos da minha mãe, foi convertida somente em uma lembrança tênue e distante, e a promessa de um amor infinito foi tingida com mágoa, ressentimento e frustração. Feridos e solitários, ambos buscaram consolo em fontes externas. Meu pai, no excesso de trabalho, e a minha mãe... – ele se interrompe e limpa a garganta. Aparenta deglutir lágrimas dolorosas. – Nos braços de outro homem. – Abro a boca, em completo choque.
– Arrependida, ela confessou ao meu pai a traição à procura de redenção. No entanto, encontrou apenas raiva, dor e vingança. Ele ameaçou divulgar a sua ofensa e a obrigou a deixar a cidade... e se afastar de mim. Humilhada e temerosa pela seu ato falho, ela acatou prontamente a decisão. E de um modo cruel e desacertado, a minha família se despedaçou frente aos meus olhos, sem que nenhum dos lados incluísse um filho machucado em sua equação.
Ele me encara e a solidão transparece em sua alma abatida. Com o semblante mais sereno que consigo sustentar, considerando as revelações bombásticas, repouso a minha mão sobre o seu ombro em uma tentativa de confortá-lo. Não muito bem sucedida, diga-se de passagem.
– Há anos, a minha mãe alimentava o desejo de retornar e retomar a nossa relação, porém, somente há alguns meses o meu pai concordou com a reaproximação. – Com delicadeza, ele retira a minha mão do seu ombro e a segura entre as suas. – Consegue imaginar o que o fez mudar de ideia? – A sua expressão é intensa. Aceno negativamente. – Você. – Como? – Mais precisamente, os meus sentimentos românticos por você.
Paro e exalo o ar. Vamos neurônios, não me abandonem agora. Por que ele...? Um pensamento repentino me ocorre. É óbvio, Catarina. E antes que o Art continue, eu completo a sentença.
– Ele temia que a história se repetisse.
– Não, Cat. Ele tinha convicção de que se repetiria. – Sem aviso prévio, lágrimas brotam e inundam a sua face. – Porque você era o meu mundo, principessa. No dia em que a conheci, a luz que há em você preencheu cada recanto escuro da minha alma. A sua presença se tornou o único sol capaz de afastar a tempestade das minhas cicatrizes emocionais. Tê-la comigo não era apenas um anseio, mas uma questão de necessidade... de sobrevivência. Assim como as árvores precisam do oxigênio para respirar, eu precisava de você. E então, você me disse não... e meu universo ruiu. Você me afastou... e tudo ao meu redor ficou confuso e sombrio. Naquela quinta-feira chuvosa, eu adentrei as portas da minha casa em completo caos, e meu pai soube que mergulhado no desespero, eu faria o que fosse necessário para tê-la comigo. Sem pesar consequências. Sem respeitar limites.
– Você não seria capaz de fazer nada muito absurdo e...
– Honestamente, eu não sei. No dia em que me deparei com a cena do enlace entre você e o Henrique foi como se algo quebrasse em meu interior. Eu fiquei devastado. Não me orgulho de admitir que me afoguei em álcool e... eu... eu... – ele fecha os olhos. – Eu gritei com Deus. – O quê? – Eu afirmei que Ele era cruel e injusto e que se realmente existia não deveria gostar de mim.
– Art... – inicio, porém, não encontro uma forma de dispor os meus sentimentos em palavras.
– Eu perguntei a Ele se... Eu perguntei se Ele seria capaz de me amar, mesmo eu sendo falho e imperfeito. Porque eu não aguentava mais ser tão solitário, miserável e incompleto. Dizem que o Seu amor é incondicional e infinito. Eu só queria, ainda que por um único instante, ser lavado dos meus medos, mágoas e decepções e ser amado de modo verdadeiro e profundo. Então, com todo o meu coração eu apenas desejei que Ele fosse real... que me enxergasse... que ficasse comigo, e... Bom, foi quando eu vi a luz. – Diante da minha expressão chocada, ele completa. – Não a que você está pensando e sim os dois enormes faróis do caminhão contra o qual eu colidi. – Pai Eterno.
– Eu apaguei imediatamente e acordei quase dois dias depois, em meio a uma equipe cética e abismada. Entre os inúmeros testes e exames, o consenso médico era uníssono: não era para eu estar bem, não era para eu estar vivo. E então, claro como o amanhecer de um dia de verão, uma voz sussurrou em meu interior: Eu estou aqui e não vou deixá-lo jamais – ele me encara e um brilho suave resplandece em seu semblante. – E nesse momento, duas verdade aqueceram o meu coração... Deus realmente existe, e talvez, afinal, Ele possa me amar.
– Ele o ama, Art. Tenha certeza disso – declaro entre as lágrimas de alegria que cobrem o meu rosto.
Com um sorriso sereno, ele as seca com a ponta dos dedos. Meu Deus, como eu ansiei por esse dia. O meu melhor amigo reconhecia finalmente a existência do meu único Redentor. Obrigada Pai. Esse momento não poderia ser mais perfeito.
– Agora, eu sei. Nas últimas semanas, a minha mãe tem falado sobre Ele, diariamente. Distante da cidade e das distrações, ela se voltou à Deus e Ele a recebeu de braços abertos. – Sim, o Seu amor é lindo. – Ela me ensinou inclusive a orar. E todas as vezes que converso com Ele, é como se uma paz inexplicável e uma plenitude incomparável preenchessem o vazio que existe em mim. E eu sei que não estou mais sozinho. Cat, eu não quero voltar ao passado. Eu decidi me dedicar a conhecê-Lo mais profundamente. – Assinto, feliz. Em contrapartida, sua expressão torna-se séria e triste. – No entanto... – Ah, não. Os poréns que existem na vida são sempre dolorosos. E geralmente, necessários. – Eu não posso fazer isso aqui. Caso contrário, há um risco de que a minha motivação seja...
– Eu sei – aperto a sua mão, deglutindo um sofrimento crescente. O seu propósito já foi cumprido, Catarina. Deixe o Pai trabalhar. – O que vai fazer? – questiono, mesmo sabendo a resposta.
Com todo o pesar envolvido, eu ainda necessitava ouvi-lo pronunciar cada palavra.
– Deixarei Águas Douradas. – Não. Infelizmente, a sua voz chorosa não tornou a verdade mais fácil ou menos melancólica. – Eu preciso partir da cidade, abandonar o passado e... me afastar de você. – Como um espelho estilhaçado, o meu coração está despedaçado. Respirar jamais foi tão difícil. Me ajuda, Senhor – É necessário que eu aprenda a viver sem você, para que eu consiga viver por Ele.
Tento a todo custo recobrar o ânimo. Me apoio, unicamente, no Espírito Santo.
– Você está certo – E fim. Não consigo mais emitir uma única palavra.
Todo o meu corpo está fraco, como se o meu cérebro não possuísse força suficiente para processar a dor e comandar os meus membros, simultaneamente. Com um gesto gentil, Art eleva o meu queixo e aprisiona os meus olhos aos seus.
– Eu a amo, principessa. E acho que sempre irei amá-la. Mas está na hora de eu colocar a pessoa certa no trono do meu coração. Eu finalmente descobri a luz que me fez desejar o som da sua voz e que desesperadamente me motivou a buscar a sua presença. E agora eu a quero... dentro de mim.
– Você vai voltar?
– Eu não sei. Provavelmente, não. Irei me mudar para a cidade da minha mãe, recomeçar com ela e iniciar com Deus. Mas, antes... – ele me encara com um sorriso travesso. O que você está aprontando Sr. Gardien? – Espere aqui.
Rapidamente, ele se encaminha ao carro e retorna portando uma caixa de madeira rosa bebê.
– Seu presente de aniversário – ele coloca o embrulho em minhas mãos. – Perdão o atraso. Eu tive um pequeno entrave com... a morte.
Reviro os olhos diante do seu comentário sarcástico. Há mesmo fatos que nunca mudam.
Abro a caixa e me deparo com um... livro? Olho para ele, descrente. Já imagino um presente irônico, como a Obra completa de Romeu e Julieta, quando percebo que na realidade trata-se de um álbum fotográfico. Lentamente, começo a virar as páginas e as lágrimas mais uma vez ameaçam invadir o ambiente. Alguém pode, por favor, apontar quando o drama entrou para a lista de gêneros da minha vida? Com uma habilidade digna de aplausos, Arthur fotografou todos nós. Especialmente, o quinteto fantástico. Eu, Lis, Bel, Let e o próprio, estamos representados ao longo dos últimos dez anos. Sinto saudades do tempo em que tudo era mais simples. Amadurecer é uma dura batalha: árdua, porém, necessária.
– Art, eu am... – estaciono no meio da frase.
O Arthur simplesmente desapareceu. Procuro ao redor, mas não o encontro. Ele partiu sem se despedir? Sou tomada novamente por uma desalento progressivo, quando o vejo retornar do interior da minha casa acompanhando por ninguém menos do que... sim, ele mesmo... o Henrique. O encaro surpresa, porém, ele me retorna um olhar claramente confuso. O que está havendo?
– Bom, Henrique, ainda não tinha surgido a oportunidade de agradecê-lo. Portanto, muito obrigado por salvar a minha vida. – Henry sorri, solicito. Imagino o meu namorado devolvendo sentenças como: o prazer foi meu e é tudo para a glória de Deus, entretanto, o Arthur é mais rápido. – E se pretende declarar que acredita realmente que eu faria o mesmo por você... Repense. Eu não teria tamanha presença de espírito – solta de forma irônica.
– Nesse caso, acho que devo exclui-lo da minha lista de heróis em potencial – ele ergue uma sobrancelha, divertido. Ambos riem e trocam cumprimentos. – Estou muito alegre em vê-lo reestabelecido, Arthur, sinceramente. – Art assente, grato.
Chocada estava e abismada permaneço. Alguém mais perdeu a amizade iminente entre esses dois?
– A bem da verdade, eu jamais poderia supor que alguém, além de mim, seria capaz de amar a Cat tão profundamente. No entanto, vejo que me enganei. Desejo felicidades ao novo casal e faço votos de uma aliança longa e próspera. – Eu consigo ver esforço em cada uma das suas palavras. Está na hora de seguirmos em frente. – Ah, e tenho mais uma boa notícia. Há alguma dias, cessei de desejar que você tenha uma morte lenta e excruciante, caro Henry. – Abro a boca, impactada.
– Que sorte a minha. E eu achando que o meu dia já estava perfeito. – Henrique entra na brincadeira, facilmente, e sou dominada pelo pensamento de que sou eu a deslocada nesse contexto.
– Por favor, cuide bem dela. – Com uma expressão firme, Henry assente. – Agora, eu preciso ir. Tenho que fazer as malas e pegar um diploma, se não me engano – ele caminha em minha direção e segura a minha mão. – Obrigado, principessa... por tudo.
E do mesmo modo que já a pronunciei, tenho plena convicção de que essa frase carrega um significado muito maior do que o aparente. Com um sorriso encantador, ele se vira e... fim. Eu ainda portava infinitas dúvidas em minha mente: a razão do tapa deferido pela Lis, as discussões com o Paul e o Nobu, as palavras que ele sussurrou para si mesmo naquela quinta-feira chuvosa, porém, nada disso possuía valor algum. A minha amizade com o Arthur se desvanecia como a névoa do inverno, que cedia espaço ao verão.
A tarde do primeiro de janeiro foi a última vez que o vi antes que ele partisse. Junto aos meus pais, fui à sua casa agradecer a construção do Orfanato e me despedir oficialmente. Ficou acordado que não manteríamos contato, eu sequer conhecia o paradeiro que o aguardava. Estávamos definitivamente separados. E quando o abracei, sob um lindo crepúsculo, soube que aquele não era o fim, mas o início de um novo ciclo... para nós dois.
A bem da verdade, o nosso caminhar nunca finda, ele apenas se renova. Em Filipenses 03:13 e 14, está escrito: Esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus. Porque sim, hoje vivemos aqui nesta terra, mas um dia estaremos eternamente ao lado do mais amável e bondoso Pai. O Seu amor jamais acaba e a vida com Ele é de degrau em degrau, de glória em glória, até que venha o dia perfeito.
Ao cair da noite, nos reunimos ao redor da mesa para o jantar. Henry faz a oração, permanece sendo o membro mais novo, afinal. E enquanto comemos e rimos, agradeço à Deus. Eu sinceramente não sei o que este ano me reserva, mas seja como for e independe do que ocorra, Ele continua sendo bom. E, sim, eu ainda irei louvá-Lo.
The End
E esse é o fim, estrelinhas!!
Me despeço do Volume 1 com uma saudade imensurável... Vamos ao volume 2 antes que eu desfaleça de vez?! Até já já!!
Se você gostou desse volume, deixe estrelinhas douradas brilharem, okay?!
Com amor e carinho,
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