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• Vinte e cinco •

– Sério, Catarina? Let, você pode por favor comunicar a princesa da justiça que essa é uma péssima ideia?

– Querida, definitivamente, esse não é um dos seus melhores planos – com um tom gentil, Let tenta me dissuadir pelo Skype.

– Como eu disse – Isabel cruza os braços, satisfeita.

– Não adianta, meninas. Eu vou conversar com a Elise hoje. Está decidido.

– Precisa mesmo lutar com a serpente no dia do seu aniversário? Marque para a próxima semana, e...

– Não, Bel. Já se passaram sete dias desde o incidente com o Paul – Se é que podemos chamar assim. – Estou cansada de adiar o inevitável.

Em nosso último encontro, Deus sinalizou que o perdão era a chave para a cicatrização dessa ferida em meu coração. Estava na hora de eu exceder o limite das palavras para revelar Cristo com as minhas atitudes. Afinal, em Tiago 2:17 está escrito que a fé sem obras é morta, certo?

– Tudo bem – Bel revira os olhos, aborrecida. – Mas esteja ciente de que irei acompanhá-la – ela me encara resoluta e percebo que não há margem para discussão em sua declaração. – Não permitirei que ela a insulte novamente. Fingida, arrogante. Nem parece que há nove anos, nesta data exata, estávamos todos juntos e felizes na Itália.

– De fato. Mesmo havendo explorado toda a Europa, não existe uma excursão que eu guarde com maior carinho – a voz da Let é nostálgica.

Letícia Green se mudou para a Itália três anos após a nossa emocionante viagem, com a intenção de cursar história da arte. Ela permaneceu em Verona durante seis meses com a minha tia, mas logo se mudou para Florença, onde reside atualmente. Sua partida foi uma mescla de orgulho, tristeza e saudade. Infelizmente, já se passaram dois anos desde a sua última visita à Águas Douradas.

– O mais incrível é que cada um de nós descobriu um sonho entesourado na Itália. Eu, o amor pela arte, a Cat, a ambição de conhecer a arquitetura local, a Lis, a curiosidade pelo direito romano, o Art, a paixão pela fotografia, e a Bel...

– O desejo de casar com um italiano. – Olhamos para ela, descrentes. – O quê? Achei que estávamos sendo honestas. – Diante da sua expressão atrevida, não conseguimos conter as risadas.

– Exatamente, Let. Foi algo tão real, que influenciou os nosso passos. Com exceção da Bel, que permanece nitidamente solteira.

– Calma – ela me encara, com os olhos semicerrados. – É só uma questão de tempo. Já estou trabalhando nisso.

– Claro, claro. Enfim, não posso e não vou aceitar que a Lis tenha forjado um laço de amizade durante todo esse tempo.

A verdade desabrocha em meu interior. Nós sempre estivemos juntas e mesmo que jamais retornemos ao ponto de partida, eu preciso descobrir em que curva ela soltou a minha mão e se perdeu... Ou no mínimo, tentar.

– Cat está certa. – Okay, admito que essa me surpreendeu, Let. – Mesmo que as palavras da Lis não sejam apenas fruto de rejeição e frustração amorosa e ela não passe de uma dissimulada duas caras, o que é bem provável, vale destacar... – Bel assente, veementemente. – Precisamos dar uma chance a ela. Não é nossa responsabilidade curar o seu coração, mas é o nosso trabalho mostrar que Deus pode fazer isso por todas nós. Sinceramente, por maior que tenha sido a ofensa, não temos o direito de privá-la dessa preciosa informação. Se a graça de Deus não faz acepção de pessoas, quem somos nós para fazer?

Ao fim do pequeno discurso, dirigimos o olhar para Bel e aguardamos ansiosamente a sua resposta.

– Está bem. Aparentemente, sou voto vencido – ela ergue os braços, em sinal de rendição. – Faremos conforme a vontade da aniversariante. Agora pegue as botas, o apanhador de répteis, o soro antiofídico, e vamos visitar a cascavel traidora. – Ah, Bel, você é mesmo um ser humano único.

Caminhamos por dez minutos e chegamos à residência da Elise: uma alegre casa amarela com lindas macieiras plantadas no jardim. Sorrio frente a cena. Aos sete anos, colhemos algumas maçãs e vendemos aos vizinhos, secretamente, com o intuito de comprar doces. Mantivemos a empresa oculta por três dias, até que o nosso enorme sucesso culminou na descoberta por parte da indignada fornecedora, no exato momento em que o produto entrou em declínio. Em outras palavras, a mãe da Lis surtou quando esgotamos todas as árvores. Ganhamos duas semanas de castigo, fortes dores abdominais, motivadas pelo excesso de chocolate e açúcar, e uma excelente história para contar.

Sinto um aperto no peito. Não, eu conheço a Elise, ela é minha amiga... Tem que ser. Bel pressiona a campainha e começo a soar. Um novo confronto seria como uma grave facada em minha alma. Ouço passos e meu coração dispara. Kevin atende a porta e com uma expiração profunda, sou informada de que aparentemente estava contendo todo o ar do universo.

– Vejam só se não é a aniversariante mais linda do bairro. – Ele me abraça gentilmente e depois passa para a Bel. Quase onze anos mais velho, Kevin participou ativamente do nosso crescimento. – Meus parabéns, Cat!

– Obrigada – solto nervosamente e ele me encara preocupado. O motivo da visita me angustia, então opto por abandonar as prerrogativas e ir direto ao ponto. – Kevin, gostaríamos de ver a Lis, por favor. – Ele sorri.

A alegria e a gratidão por atendermos ao seu pedido é uma mensagem lida facilmente em seus olhos. Acredite em mim, Kevin, eu compartilho do mesmo sentimento e...

– Infelizmente, ela viajou.

Como? Não consigo esconder a frustração diante da quebra de expectativas. Há dez segundos, eu tentava correr do encontro, agora estou magoada com a possibilidade de não vê-la? O ser humano é mesmo estranho, não? Somente Deus, em toda a sua plenitude e amor, para apresentar tamanha paciência conosco.

– Viajou? – Bel, ergue uma sobrancelha, cética.

– Sim, senhorita Isabel. Este não é um pretexto traçado pela minha irmã exclusivamente para evitá-las. Embora, de fato, seja a suposição mais óbvia. – Ele nos conhece bem. – Ela está com a vovó.

Beatriz Campbell, senhora de personalidade amável e distinta, possui uma bela fazenda nos arredores de Monte Velho. Uma charmosa cidade, vizinha à nossa, há três horas de distância.

– Kevin, ela está bem?

Penso nas condições do nosso último encontro. A noite em que o Paul quase... Enfim, não posso julgá-la por decidir afastar-se. Passei os dias seguintes ao ocorrido dormindo no quarto da Mari, porque ao fechar os olhos, o toque do Paul e o odor fétido do seu hálito me envolviam em um pesadelo macabro.

– Sim e não. – Eu e Bel o encaramos, confusas. – Ela está melhor em relação ao episódio da semana anterior. Na verdade, afirma não recordar com grande nitidez dos fatos. Ela relatou que a sua mente parece ter sido envolvida por uma pesada névoa, que mascara as suas lembranças. – Agradeço silenciosamente ao Pai. Não há nada de positivo nessa memória. Eu garanto. – No entanto, a dissolução da amizade de vocês ainda a magoa. – Antes que a Bel contra-argumente, ele continua. – Ainda que tenha sido a responsável pelo rompimento. – Como ele sabe? Não acredito que a Lis tenha explanado os detalhes da nossa doce conversa. Já estou pronta para interrogá-lo, quando sua última sentença aprisiona a minha atenção. – E após a discussão com o Arthur, a situação se agravou grandemente. – O quê?

– Discussão? – Minha voz salta um tanto estridente.

– Sim, foi há algumas semanas. Eu não recordo a data precisa – ele leva a mão ao queixo, pensativo. Um lampejo de luz parece clarear os seus pensamentos. – Na verdade, foi no dia do campeonato de Gamão. – Oh, céus. Repentinamente, sinto um desejo súbito de vomitar. – Eles conversavam no jardim, quando cheguei do trabalho. O tom não era ameno e o desfecho foi um tapa no rosto do Arthur. – Não pode ser. – Sim, eu posso lhes assegurar que ele ficou tão surpreso quanto vocês estão nesse momento. Ela o expulsou aos gritos e embora ele tenha tentado uma reconciliação diária, Lis não quis recebê-lo. Depois de duas semanas, minha mãe sugeriu que ele interrompesse a empreitada e oferecesse um tempo para ela refletir.

Palavras cruéis, consumo excessivo de álcool e uso de violência. Meu Deus, essa não é a Lis que eu conheço. Ela é advogada, sempre manteve o apreço por diálogos argumentativos e bem estruturados.

– Kevin...

– Não, Cat – ele responde à questão formulada em minha mente. – Infelizmente, não detenho os detalhes sobre a razão do incidente. Terá que perguntar, pessoalmente, aos envolvidos.

Ou seja, adeus. O Arthur é o túmulo onde os segredos falecem e a Elise não é exatamente a minha maior fã. Especialmente agora, que possuo uma firme suspeita de estar envolvida no rompimento com o seu amado. A probabilidade de eu obter uma resposta, nesse caso, é ali, bem próxima do impossível.

– Agora, preciso ir – a voz do Kevin realinha os meus pensamentos. Ele nos abraça e se dirige ao carro, estacionado diante da cerca branca. – Meninas, por favor, não desistam da minha irmã. – E com um sorriso gentil, segue o seu caminho.

Okay, mais segredos. Literatura feminina, ficção adolescente e agora mistério. Saudades de quando o gênero da minha vida era exclusivamente espiritual.

– Bom, e qual seria a graça da vida sem um inesperado toque de drama e suspense, não é mesmo? – Bel questiona com o seu tom mais filosófico. – Agora – ela une as mãos, com uma expressão animada –, esqueçamos os problemas. Hoje é um dia especial e iremos celebrá-lo com classe. – Ela empina o nariz e ostenta um semblante altivo.

– Bel, o que você está aprontando...

– Está na hora do meu presente. – Deus, guarda a minha vida, amém. – Que rufem os tambores! – Meu Senhor da Glória. – Nós vamos para o... salão de beleza! – Por essa eu não esperava. – Você experimentou muitas emoções diferentes nos últimos meses, merece ser tratada com todo o carinho. – Já estou suspirando pela linda demonstração de afeto, quando ela completa. – E sinceramente seria uma lástima você aparecer na festa com esse cabelo. Queremos que você conquiste o Henry, não que o assombre. – Reviro os olhos. O momento fofo não durou.

– Primeiro, você foi propositadamente cruel. E segundo, eu não desejo um homem que enxergue apenas a superficialidade da aparência.

– Sorte a sua – ela me lança um olhar travesso. – Agora, vamos. Vai ser divertido.

A despeito da humilhação gratuita, em um ponto ela está certa: a minha mente precisa de uma pausa. Infelizmente, quando entro no carro, sou dominada pela estranha sensação de que a agitação deste dia está apenas começando. Céus, por que eu?

Okay, após algumas horas sendo submetida à mimos dignos da realeza britânica, eu admito que rotinas de beleza podem ser bastante revigorantes. Posso me habituar a essa vida com certa facilidade. Ao entardecer, cruzo a porta da minha casa e não consigo conter a expressão de espanto. O local no qual ficava a minha residência, cedeu lugar a mais incrível e linda biblioteca nos moldes da Alexandria grega. Abismada, levo as mãos a boca, e como uma estátua paro na entrada em completa admiração.

Os móveis foram retirados e a sala ganhou um revestimento dourado. Um luxuoso tapete bordado recobre todo o chão. Artigos que se assemelham a mármore e ouro estão dissipados por todo o ambiente. Estantes enormes, apresentam-se abarrotadas com papéis envelhecidos e rolos que mimetizam papiros antigos e muitos, muitos exemplares de obras de variados gêneros e escritores ao redor do mundo. A decoração mais perfeita que minha imaginação fértil nunca foi capaz de criar. Após cinco minutos de contemplação, apenas duas palavras saltam da minha alma maravilhada.

– Eu amei.

Com um largo sorriso, Mari, que até então me observava em silêncio, corre e me abraça afetuosamente.

– Fico tão feliz, irmãzinha! Sabe, queríamos fazer uma grande surpresa. – E conseguiram. Estou boquiaberta. – Todos ajudaram. O Sr. Oliveira forneceu os livros. – Faz sentido. – Inclusive, pelo amor do Pai Eterno, me lembre de alertar a todos para terem cuidado, porque precisamos devolvê-los. Não tenho condições financeiras para comprar todos esses exemplares. Se eles estragarem, amanhã você me visitará na cadeia. – Eu rio. Mas é um fato.

– Obrigada, Mari. Eu não teria pensado em um tema mais incrível.

– Nem eu. – Olho para ela, confusa. – A ideia foi do Henrique. – Oi? – Ele disse que uma leitora ávida, destemida e encantadora como você, merece toda a glória da Grécia antiga. – Meu coração acelera. E infelizmente, sou informada da pior maneira possível, que os meus vasos dilataram em locais inapropriados. – Ah, você corou! Que lindo.

Reviro os olhos, envergonhada. Por que, Senhor?

– Quem corou? – Minha mãe questiona, ao surgir repentinamente em sua onipresença costumeira.

– Ninguém – solto e corro para as escadas. – Preciso me vestir, com licença – subo apressadamente, deixando as duas perdidas entre risinhos e sussurros animados. Oh, céus.

O Henrique escolheu o tema da minha festa, que foi simplesmente a minha favorita da vida inteira? E será que ele realmente me acha encantadora? E porque eu estou tão preocupada e... feliz com isso? Claro, a história do apaixonada. Céus, minhas bochechas ficaram vermelhas eternamente? Espera, a Lis deu mesmo um tapa no Art? E em que ponto da história, eu perdi o segredo entre ele e o meu pai? Minha cabeça gira. Massageio as têmporas, em uma tentativa simbólica de afastar os pensamentos conturbados e negativos.

Não, os meus familiares, os meus amigos e o Henrique se esforçaram para preparar uma noite magnífica e não retribuirei com nada menos do que excessiva atenção e gratidão. Okay, ignorarei o fato de ter colocado o ser humano em questão fora da categoria amigos. Isso auxiliará na manutenção da minha sanidade mental.

Decido vestir o presente da Let. Há semanas, ela me enviou um elegante vestido italiano para usar especificamente nesta data. Para o dois de dezembro, Cat, não esqueça! Acredite, não é uma boa ideia desobedecer a Let. Não que seja um inconveniente, claro. O vestido é lindo.

Na altura do joelho, o modelo é confeccionado em tule com um forro preto. Possui decote redondo, mangas curtas, cintura marcada e modelagem evase. O destaque fica a cargo dos detalhes dourados, bordados a mão. Os saltos finos 15cm, são pretos e possuem tiras até o tornozelo. A maquiagem em tom bronze, é leve, mas bem elaborada, cortesia da Bel. Assim, como o arrojado penteado, uma trança com coque. Os brincos possuem o formato de flores douradas e ornam com a linda pulseira também floral. Me posiciono de frente para as escadas e o pressentimento de que a noite me reserva fortes emoções retorna. Respiro profundamente e movimento a cabeça em negação. Não, impossível. Certo, Deus?

Vagorosamente, desço um degrau e sou surpreendida com a voz do Henry. Ainda está cedo para a chegada dos convidados. O que ele faz aqui? Mais dois degraus e a voz do meu pai torna-se audível. Eles conversam. Não, sussurram. Mais segredos? Eu estou dentro de 007, por acaso? Mais um degrau e escuto trechos do diálogo. Secretamente, tento projetar o pescoço e ficar na ponta dos pés. Malditos sapatos que não me permitem amplitude de movimento. Já estou a ponto de retirá-los, quando os ruídos advindo dos homens atraem a minha atenção.

– ... e eu preciso que você entenda que não será fácil – a voz do meu pai é inusitadamente firme. – Como mencionei anteriormente, há obstáculos no caminho. – Que caminho, Senhor? – Tem certeza de que deseja trilhá-lo?

– Sim, Sr. Benedetto – Henry responde, resoluto. – Estou tão convicto quanto acredito no amor do Pai por nós.

– Está bem, meu rapaz. Confio nos planos de Deus. – Eu também. Mas só para constar, alguém pode me informar quais planos seriam esses? – No entanto, lembre-se o que falei sobre o diamante. É uma joia preciosa, brilhante e inigualável, porém, é dura e por vezes, impenetrável. – Trilhas e diamantes... Henry resolveu garimpar e não me contou? – A despeito de parecer uma perda... – O quê? – Prefiro encarar como um ganho. Henrique, meu jovem, seja bem... – E é isso.

Eu gostaria de não ser desastrada. Mas eu já sou salva pela graça do Senhor, e é como dizem: não se pode ter tudo.

Em uma tentativa de escutar a conversa alheia com maior precisão, ignorei a pequena área sobre o qual o meu lindo corpinho estava apoiado e sobrecarreguei os malditos saltos. Como em uma traição cruel, eles escorregaram no limiar entre dois degraus e me lançaram direto no poço da vergonha. Caio sentada, diante de dois homens chocados. Meu pai e Henry parecem incrédulos. Sem um único pensamento descendente, digo a primeira frase que me vem à mente.

– Boa noite, pessoal. – Certo, Jesus, pode vir me buscar agora.

Aiai, que conversa foi essa, Deus Amado? Quero só ver o que aguarda a nossa Cat no próximo capítulo...

Se está gostando dessa estória, que tal deixar uma estrelinha tão brilhante quanto você?!?

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