• Sete •
Certo, eu admito que o Arthur é bonito. Muito bonito, na verdade. Na escola, ele sempre atraía a atenção das alunas e mesmo durante a faculdade permaneceu sendo motivo de comoção coletiva, inclusive fora do seu curso. Ele é estudante do último ano de engenharia civil. Porém, a sua aparência, ainda que definitivamente favorável, não foi suficiente para me impressionar aos quatorze anos e continua não sendo o bastante agora. A Bel segue em choque absoluto, quando ele se põe diante de nós acompanhado da Elise.
– Boa noite – solta, exibindo o seu sorriso mais encantador.
– Boa noite – retribuo de maneira alegre e natural, como se esta cena se repetisse constantemente. – Fico imensamente feliz em recebê-los. Por favor, entrem e sintam-se à vontade. A Mari trará uma mensagem hoje, sei que vocês irão gostar – continuo firme, ignorando o olhar intenso que recebo do Arthur e a situação constrangedora que se estabeleceu. A Bel, no entanto, parece ter perdido a língua, porque muda como estava, permanece.
– Obrigada, Cat. Tenho plena convicção de que essa será uma noite inesquecível – Lis abre um sorriso irônico e um brilho travesso perpassa os seus olhos. Ela me abraça antes de cruzar as portas e se dirige a última fileira. Imediatamente, uma luz de alerta soa em minha mente. A situação evidentemente irá complicar... Que alegria!
– Cat – ouço a voz melódica do Art e me deparo com um semblante indecifrável –, gostaria de conversar com você após o culto. E por favor, eu sei que está trabalhando na recepção, então não se apresse. Esperarei o tempo que for necessário.
Excelente! O nervosismo me domina e a sensação de que as palavras contidas na sua última frase carregam um significado muito mais profundo do que o aparente, preenche cada compartimento dos meus pensamentos inquietos.
A ministração da Mari revela-se um balsamo em meio a incerteza. Ela discorre acerca do amor incondicional de Deus, o seu tema favorito, diga-se de passagem. Honestamente, não me canso de ouvir incessantemente sobre isso e finalizo sempre do mesmo modo: incrivelmente impactada. É maravilhoso como mesmo sendo falhos e distantes, o Senhor nos amou a ponto de entregar o Seu próprio filho à morte, porque desejava travar um relacionamento verdadeiro conosco. Somente para nos ofertar o direito de seguir uma vida com Ele, para nos preencher com presentes divinos, como a salvação, e para nos fazer livres e completos.
Eu não conheço outro amor tão grande assim, e sinceramente, não estou disposta a trocá-lo por nada, ou por ninguém! Minha irmã desce alegre do púlpito e abraça o meu pai. Ela acena para mim, e sorrio ao compreender que mesmo sem perceber, ela me agraciou com a coragem que eu precisava.
Me despeço dos membros um a um, na tentativa de atrasar o inevitável, e notifico os meus pais que não retornarei para casa com eles, no entanto, não irei demorar. Minha mãe aponta a cabeça para a Lis, que conversa com a Bel, e lança um olhar significativo em minha direção, a fim de deixar claro que a presença dos meus amigos não passou despercebida e que ela irá me cobrar os detalhes mais tarde. Enfim, a noite apenas melhora. Assinto em um sinal silencioso de entendimento, e cruzo as portas da entrada à procura do Arthur.
Encontro-o recostado em sua Mercedes-Benz, no estacionamento, me aguardando pacientemente, tal como prometeu. Quando me aproximo, seu semblante reflete um brilho caloroso, e sou dominada por um forte pressentimento de que a conversa não será fácil.
– Desculpe o atraso. Precisei cumprimentar algumas pessoas... aproximadamente oitocentas – declaro, bem-humorada, tentando aliviar um pouco a tensão que estranhamente se estabeleceu entre nós. Ele não sorri, somente me encara com uma expressão enigmática.
– Tudo bem, eu disse que esperaria o tempo que fosse necessário – sua voz é doce e aveludada, e tenho plena consciência de que o seu olhar intenso busca segredos ocultos em minha mente e coração.
– Obrigada – solto, simplesmente, porque não sei mais o que dizer. – Então, você queria conversar comigo? – Questiono do modo mais casual que me é possível.
Mesmo desejando, veementemente, evitar esse momento, não suporto mais a torturante atmosfera instaurada. Sempre me senti livre e tranquila em sua companhia... exatamente o oposto de agora.
– Cat – ele inicia em um tom baixo, porém firme –, eu não tentarei mascarar a profundidade dos meus sentimentos, ou fingir que você os desconhece, porque nesse caso, eu precisaria confiar que a Bel guardou um segredo, algo que ela nunca fez. Então, eu vou ser bastante direto, já que possuo a prerrogativa de entendê-la o suficiente para saber o quanto desgosta de rodeios evasivos – ele para e suspira profundamente.
Seus olhos verdes prendem-se aos meus e ele toma as minhas mãos. Por um minuto, ele apenas varre a minha face. No entanto, quando torna a quebrar o silêncio, o seu tom é delicado e macio como seda.
– Catarina Benedetto, eu estou completamente apaixonado por você. E antes que me contradiga, saiba que não estou confundindo os meus sentimentos de amigo, já refleti a respeito e tenho absoluta convicção da veracidade da minha afeição. Só o que preciso saber é: eu tenho alguma chance? – Ele hesita na última sentença como se tivesse medo da minha resposta.
Momentaneamente, fecho os olhos e anulo os sons do mundo ao meu redor. Decido pesar verdadeiramente o seu questionamento. Reflito sobre a conversa com a Bel, sobre as minhas lembranças na Caminhos de Ouro e, sobretudo, nas palavras ditas pela Mari. Pondero cada detalhe, e quando o encaro novamente, não há qualquer resquício de dúvida em meu ser. Exalo lentamente.
– Eu sinto muito Art, mas a resposta é não – declaro de maneira segura.
Infelizmente, a cena seguinte me abala profundamente. Okay, eu não esperava. O Arthur aparenta ter sofrido um golpe forte e preciso, considerando a expressão de dor que se forma em seu semblante. Seu rosto sempre tão alegre, apresenta-se transfigurado. Sua boca e nariz tornam-se caídos e seus olhos marejados, foscos e sem vida. Por um instante, ele parece irreconhecível.
– Por favor, pode me dizer por quê? – Pergunta com a voz repleta de sofrimento. Desejo intensamente me esconder ou fugir, mas isso é impossível, então, me limito a assentir. Entretanto, o tempo não é suficiente para que eu me recupere da sua reação e organize os pensamentos. Seu tom melancólico se faz presente mais uma vez. – Você não gosta de mim, Cat? Nem um pouco? – Meu coração fica pesado. E ainda que a minha decisão seja a correta, ver um amigo magoado é como ser ferida. Especialmente quando a pessoa em questão é o Arthur, e sou eu a fonte dessa infelicidade.
– Art, não se trata disso. É claro que eu gosto de você. Porém, não da forma que espera – declaro, relutante. Embora eu saiba, em meu íntimo, que o cerne do problema não é esse, torço para que ele aceite a resposta. Infelizmente, não tenho essa sorte. Que dia, amigos!
– Cat, então a sua motivação para me rejeitar tão abruptamente é insuficiente – afirma, retomando o ânimo. – Se você me der uma chance, apenas uma, eu posso provar que é possível você me enxergar de um modo diferente. Você não tem nada a perder e, sinceramente, eu prometo que não irá se arrepender.
O seu sorriso sedutor, certamente, faria um coração menos resoluto derreter. Que grande estrategista! Esse aparenta ser um discurso ensaiado. Ele me conhece o bastante e desvenda a minha mente com precisão o suficiente para imaginar que eu daria essa resposta. O Art é um dos seres humanos mais teimosos e insistentes que eu conheço. Eu jamais o vi aceitar um não facilmente. Especialmente, quando os seus argumentos são fruto de motivações sinceras. Okay, eu admito que devo razões honestas a ele, e por mais difícil que se torne essa conversa, ele merece conhecer a verdade.
– Você está certo, Art. A minha negativa não se resume somente a um afeto fraco – inicio lentamente, tentando expor os meus ideais de uma forma clara. – No entanto, apresenta relação com a minha fé, os meus princípios e os meus valores. – Ele ostenta um semblante confuso, então, prossigo. – Nós não cremos da mesma forma, entende? – Uma luz aparenta acender em sua mente, e nutro esperanças de que, finalmente, ele tenha compreendido.
– Ah, o problema é a diferença religiosa. – Respiro aliviada. Ao que tudo indica, retornarei tranquila para casa, e... – Não seja por isso, eu me converto – solta alegremente, como se estivesse em um Quiz, e essa fosse uma solução simples e óbvia. Eu não posso acreditar no que ouço. Ele interpreta erroneamente a minha expressão de choque e continua o discurso. – Posso fazer isso agora mesmo. Eu não conheço o processo, mas estou totalmente disposto. – E fim.
Não consigo emitir um único som. Os meus ouvidos são tomados por um zunido ensurdecedor e o meu coração acelera de modo desenfreado. A minha mente gira continuamente ao redor da sua frase: "não seja por isso, eu me converto". Confiando no Pai, paro e inspiro, tentando a todo custo me manter calma e escolher bem as próximas palavras.
– Arthur, você desconhece por completo o termo conversão, e ao dizer isso de maneira tão frívola, zomba expressamente da minha fé. Deus vai muito além de uma religião. – O seu semblante surpreso, indica que estou atingindo o propósito pretendido. – E quando declaro que cremos diferente, é justamente porque você não O conhece. Entenda, se o seu objetivo para estar na igreja for a minha companhia e não a de Cristo, não está buscando uma vida com Ele, e sim comigo. Na sua ótica, isso parece uma conversão sincera? – Ele permanece em silêncio. Posso ver as engrenagens do seu cérebro maquinando desesperadamente em busca de uma reposta.
– Não, Cat. Vendo por esse lado, de fato não parece. – Não me animo. Para o meu absoluto desalento, ele ostenta uma expressão determinada, e tenho total convicção de que a conversa não está minimamente perto de encerrar. – Porém, hoje a Mari falou sobre o amor do seu Deus, certo? Afirmou que as pessoas podem chegar a Ele de maneiras diferentes, e que o Senhor sempre as aceita, mesmo em meio à defeitos, falhas e pecados. Então, por que é errado que eu chegue ao conhecimento do amor dEle através do amor que nutro por você? – Questiona com um olhar desafiador. Suspiro, cansada.
– Fico feliz que tenha dedicado tamanha atenção a ministração – falo com a paciência quase declarando falência. – Mas as suas ideias ainda estão um pouco emaranhadas. Deixe-me explicar: Deus não precisa que eu haja como uma ponte entre vocês, porque esse lugar já está ocupado por Cristo. Ele morreu para que tivéssemos livre acesso ao Senhor. Eu seria, no máximo, um obstáculo no meio de ambos, correndo apenas o risco de macular as suas verdadeiras intenções. Entenda Art, desejo de coração que você possa conhecer ao meu Deus, e torná-lo seu um dia, mas não me colocarei nessa posição. Se um dia cansar de mim, vai terminar comigo e com Deus? – pergunto, tentando encerrar o assunto, já emocionalmente esgotada.
– Isso não vai acontecer. Jamais desistirei de você – declara com um sorriso sedutor. Eu reviro os olhos, irritada. Ele está propositadamente dificultando a resolução da discussão. – Está bem, eu reconheço que não chegaremos a nenhum entendimento hoje. Sendo assim, a levarei para casa e podemos continuar de onde paramos após o culto da quinta-feira. – Penso em protestar, mas conheço o Arthur o suficiente para assumir que será uma completa perda de tempo e energia.
Entro no carro em silêncio e três longos minutos depois, chego à minha casa. Indignada, mal percebo ele abrir a porta para mim. Saio com os braços cruzados, solto um bom noite entrecortado e agradeço a carona, a contragosto. Meu humor sombrio não o impacta um único milímetro, e ele me retribui um sorridente: "até quinta".
Paro em frente à entrada com as palavras da Elise flutuando em minha mente: de fato uma noite inesquecível. Suspiro aliviada ao perceber que tomei a decisão correta. Ainda que aparentemente perfeito, falta a ele o mais importante. O Arthur não é o homem certo para mim.
E então, será que a nossa Cat tomou a decisão certa?
Se está gostando dessa estória, que tal deixar uma estrelinha tão brilhante quanto você?
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