• Quinze •
A conversa com a minha família revela-se um excelente método terapêutico. Decido contar a eles sobre a minha recente separação do Arthur e da Elise. Salvaguardando alguns detalhes, que não tenho a menor pretensão de reavivar na minha mente, ou no meu coração, discorro sobre os encontros com ambos, e finalizo gloriosamente... aos prantos.
Minha mãe me abraça e, gradualmente, sinto a minha alma ser lavada de todo o sofrimento e tristeza reprimidos. Se fosse possível dispor, em um gráfico, os índices de cura gerados pelo amor e afeto, os números seriam altíssimos. Meu pai me dá um beijo carinhoso no alto da cabeça, enquanto a Mari acaricia os meus cabelos e, no silêncio do afago familiar, eu me sinto segura.
Trinta minutos depois, já estamos comentando os preparativos para o almejado culto de jovens á noite. Essa semana, somos as responsáveis por organizar toda a programação. Durante duas horas, precisamos desenvolver o tema proposto com uma dose generosa de diversão.
Com a enorme lista de afazeres, o dia transcorre rapidamente, e em um piscar de olhos, já estou pronta para sair. São 18:45h, quando ultrapassamos as enormes portas de madeira da Fruto do Espírito. A reunião de jovens ocorre quinzenalmente, às 19:00h, no andar superior da igreja. Hoje o tema escolhido foi: a feira das profissões. Basicamente, a ideia é trabalhar com os participantes a consciência de envolver Deus nas escolhas de suas carreiras, uma experiência que, particularmente, gostaria de ter vivenciado bem cedo.
Os membros que chegam ocupam os assentos dispostos em formato de círculo. A conversa será conduzida pelo amável Tobias, assistente social do Orfanato Terra de Amor. Enquanto discuto os detalhes da noite, ouço alguém me cumprimentar de uma maneira incomum, porém, característica.
– Boa noite, sweet Cat – Henrique está parado na entrada com um meio sorriso irônico. Minha irmã parece surpresa com a escolha de palavras. Sem dúvida, isso renderá um longo interrogatório mais tarde.
– Boa noite, Henrique. Fico imensamente feliz em vê-lo... seco – completo, devolvendo o sorriso sarcástico.
– Obrigada! Alguém já mencionou como a sua amabilidade rotineira é cativante? – Ele parece especialmente empenhado em me provocar.
– Obviamente. Sou uma pessoa extremamente afetuosa.
– De fato, eu não tenho como contestar tal afirmação. Afinal, como pode observar, foi capaz de operar uma grande modificação em mim desde o nosso último encontro.
O que? Procuro atentamente por alterações, no entanto, tudo aparenta estar exatamente igual.
– Tsc, tsc, tsc, que decepção. Honestamente, Cat, eu esperava mais de você.
Seu ar de repreensão fingida me faz revirar os olhos. Exatamente conforme o pretendido por ele.
– Vou dar uma dica: minhas mãos. – Olho para baixo e ele ostenta, orgulhosamente, um guarda-chuva azul celeste. – Também já possuo o aplicativo Clima 24H no meu celular. Eu aposto que agora sou indistinguível de qualquer cidadão douradiano – seu bom humor é mesmo contagiante. Como, em nome do Pai, ele consegue estar sempre tão animado?
– Com licença – Mari interrompe, nos encarando com nítida curiosidade –, iremos dar início ao culto. – Infelizmente, não sou rápida o bastante. Ainda estou a meio caminho de uma das cadeiras, quando escuto a voz da Mari – Henrique, porque não senta ao lado da Cat? Ela pode detalhar melhor o funcionamento das nossas reuniões. – Ele assente alegremente e me segue.
Me volto para a minha irmã e ela sustenta uma expressão travessa. Posso pressentir o seu prazer em me expor a essa situação. Olho em sua direção e soletro um claro vai ter volta. Ela retribui uma gargalhada genuína.
Tobias abre a programação com um animado boa noite. Posteriormente, explica a dinâmica do culto e estimula a participação de todos. Voluntariamente, cada integrante deve levantar e compartilhar com os demais: nome, idade, profissão que segue ou almeja, motivação da escolha, e se acredita que Deus pode ser honrado nessa área. Mari é a primeira e os demais dão continuidade ao exemplo.
– Então, Fluffy, por que escolheu arquitetura? – Henrique pergunta em um tom sussurrado.
– Como sabe que curso arquitetura?
– Do mesmo modo que sei que iniciou ciências contábeis, porém, não concluiu – Oi? – Admita, está impressionada. – Totalmente, porém não vou declarar jamais. Me limito a arquear uma sobrancelha. – Sou quase um espião! – Afirma convencido.
– Está mais para stalker – solto com desdém, e ele sorri. O nosso embate parece ter um enorme poder de diverti-lo.
– A propósito, soube que é apaixonada por arte e possui uma grande habilidade para desenhos, mesmo com apenas vinte e três anos. – Okay, ele sabe bastante sobre mim. Como? Busco na minha mente uma explicação razoável, entretanto, não obtenho nenhuma que o desvie de uma personalidade psicopata. Ele parece ter o poder de ler os meus pensamentos. – Sabe, acho que você deveria ter mais cuidado com essas informações. Sinceramente, tem muita sorte de eu ser um desconhecido incrivelmente decente – fala em um tom carregado de ironia.
Ótimo, ele está tentando me desafiar. E não sou o tipo de garota que gosta de perder. Se ele quer brincar, tudo bem, eu também sei competir nesse jogo. No momento em que ele finaliza o seu célebre discurso, o Tobias questiona se temos mais um voluntário. Time perfeito.
– Está bem, eu admito que você tem um certo conhecimento ao meu respeito – ele sorri de satisfação. – No entanto, acredito que está na hora de igualarmos esse nível de informação. – Assisto o seu semblante exibir confusão, e a sua mente processar a minha sentença. Pobre rapaz.
– O que exatamente você está tentando... – Sem esperar que ele conclua a pergunta, ergo o braço.
– Tobias – todos se voltam para nós –, ele deseja falar – digo apontando para o Henrique.
Por um minuto, contemplo o seu semblante surpreso, enquanto os jovens o estimulam a compartilhar. Ele aparenta desejar me fulminar com o olhar, porém, apenas exibo a minha expressão mais inocente. Tobias pede que ele fique de pé e responda no formato do roteiro pré-determinado.
– Boa noite! Meu nome é Henrique Prinz, tenho vinte e sete anos e sou publicitário. Eu escolhi essa área, porque sou apaixonado por cores, criatividade e comunicação. Sou grato à Deus pela oportunidade de trabalhar, todos os dias, com algo que me diverte. Acredito verdadeiramente que a minha profissão é capaz de honrar ao Senhor, porque quando decidimos cumprir o Seu propósito e seguir a Sua Palavra, então o Seu nome é louvado em cada esfera da nossa vida, independente do lugar em que estejamos. Muito obrigado – o seu breve comentário é recebido com aplausos emocionadas da plateia. Tobias o parabeniza e dá continuidade às entrevistas.
– Alguém já mencionou que a sua habilidade com as palavras é extremamente cativante?
– Muito engraçado, Fluffy – declara com os braços cruzados. – Só para constar, isso foi parte de algum ritual de iniciação macabro?
– É possível.
– Posso, pelo menos, saber se fui aprovado?
– Ao que tudo indica, sim, e com louvor.
– Obrigada, Deus – ele mimetiza uma expressão aliviada e não consigo mais conter as risadas.
Tobias informa que, em instantes, daremos início a segunda parte do culto, no qual eu e Mari traremos uma palavra rápida acerca dos direcionamentos provenientes de Deus. Me preparo para levantar e, de relance, a minha visão periférica capta o Henrique. Ele pisca para mim e percebo o quanto a sua companhia me faz bem. Estar com ele é leve e, infinitamente, simples. Dois pontos que preciso atrair urgentemente para a minha vida.
– Henrique, após o culto vamos nos reunir em um restaurante próximo à igreja. Caso você queira ir, a comida é incrível – ele permanece pensativo por alguns segundos.
– Excelente ideia. Depois da humilhação pública ao qual fui, gratuitamente, submetido, o mínimo que mereço é que você me pague um jantar – reviro os olhos e ele sorri.
Experimento uma dose considerável de arrependimento. Essa noite promete.
Acho que uma amizade promissora está nascendo. Não sei, isso são cenas para os próximos capítulos...
Se está gostando dessa estória que tal deixar uma estrelinha tão brilhante quanto você?
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