• Quarenta e dois: parte dois •
Observo a luz do sol tremeluzir colorida nas cortinas brancas, enquanto os meus pensamentos desordenados dançam e rodopiam sem destino aparente. Cristo! Sinto que no culto de hoje não serei capaz de absorver nada que vá além da lição do departamento infantil. E da sala de três a cinco anos, no máximo.
A voz do Henry ressoa as meus ouvidos e me preparo para explicações incompletas de uma questão não revelada. É tratar do que não existe, como se já existisse. Mais fé do que isso, impossível.
– Quando estive em Vale Negro, permaneci com o meu pai por não mais do que vinte minutos. Durante o nosso encontro ele mal abriu a boca, exceto para dar vazão a uma única pergunta: "você pretende ficar?" Neguei e um alívio imediato estampou o seu rosto. Okay, admito que não sou o filho do ano, mas celebrar a minha ausência é excessivo até para o nosso padrão familiar. Entretanto, a verdade por trás daquela aparente negligência paterna, se revelou nua e crua no discurso de sua amada.
"Meus caros amigos, a todos os que me questionaram acerca dessa união, fui transparente ao admitir que jamais imaginei ser tal enlace possível. No entanto, quando se trata de amor, o sonhado plano A se limita apenas a um conjunto de letras inúteis em nosso alfabeto".
– E naquele instante, tudo fez sentido. Enquanto os convidados aplaudiam, a face apreensiva do meu pai transparecia uma verdade oculta por trás da autoconfiança ilusória. Ele jamais me desejou no casamento.
Oi?
– E para garantir que uma crise de consciência não me tornasse um bom filho da noite para o dia, ele decidiu me recordar de toda a raiva e ressentimento que me impediam de amá-lo.
Pesado? Jamais.
– Honestamente, eu não compreendo. – E para surpresa de ninguém: estou perdida.
– Você lembra da visita da Emma?
Seria aquela noite em que nutri o desejo nada secreto de assassiná-lo? Não, porque segundo o seu primo sofro de amnésia seletiva.
Por que sempre eu, Deus?
Desvio o olhar e ele se apressa em concluir a sentença.
– A razão por trás dela, no caso.
E como esquecer? Meses atrás, Henry foi informado de que se não comparecesse ao adorável matrimônio, perderia o direito legal ao HGMP. Entre todos, o seu pai escolheu privá-lo do Hospital que leva o nome da sua mãe, que era o seu projeto favorito, além de ser a maior lembrança palpável que ele possui dela. Mas qual a relação disso com...
Me interrompo, absolutamente perplexa. Não pode ser!
– Então, a ameaça de deserdá-lo...
– Não passava de uma fachada.
Levo as mãos à boca, chocada.
– Ele jogou a isca perfeita. Sabia que eu não iria. Sabia que jamais o permitiria saborear o gosto da vitória. E estava certo. Excerto por um pequeno contratempo. Uma peça sã e inesperada nesse quebra-cabeça de malucos.
– Que peça? – Questiono confusa e ele devolve um sorriso envolvente.
– Você. – Com a ponta dos dedos, acaricia a minha bochecha. – Com dedicação e paciência, me mostrou que o perdão não é um sentimento, mas um escolha que compõe a identidade cristã já depositada em mim. – Ele se aproxima e enlaça os dedos aos meus. – A verdade Catarina é que você não transformou apenas a minha visão... mudou a minha vida.
Henry chega mais perto e meu corpo paralisa. Seus olhos varrem o meu rosto com uma atenção constrangedora. Não consigo me mexer... ou pensar. Ele ergue a minha mão lentamente e beija a minha palma direita com suavidade.
O efeito é imediato: sinto a minha face corar em reposta. Seu meio sorriso me alerta de que estou certa e de que, sem dúvidas, um tomate com insolação seria menos vermelho. Deus da Glória!
Solto a minha mão e a coloco sobre a nuca. Um nervosismo inexplicável agita o meu coração. Vamos, Benedetto, respira. Foco! Decido voltar à temática... e rápido.
– Mas por qual razão o seu pai se daria ao trabalho de ser – pense em uma forma gentil de expressar a ideia –, odiado – sútil, Catarina, parabéns –, apenas para mantê-lo distante?
E a resposta à minha pergunta é... um silêncio sepulcral. Henrique troca o peso de um pé para o outro, e se volta para frente, desconfortável. Assisto o seu cérebro maquinar uma forma eficiente – e mais amena do que a minha, possivelmente –, de transmitir a informação.
Enquanto isso, na sala da justiça, os meus melhores neurônios se reúnem em uma assembleia de emergência e discutem o caso. Penso no discurso da Emma, nas palavras do Henry, na descrição da aflição do Sr. Vitório, e...
– A Emma nunca planejou se casar com o seu pai! – grito repentinamente, assustando o pobre homem ao meu lado. – Ele não era o plano A dela... – as palavras fluem da minha boca, enquanto se encaixam em minha mente como um enorme lego de tamanho real –, você era! E ele teve medo de que caso comparecesse ao casamento, a fizesse mudar de ideia. Estou certa?
Henry assente lentamente, ainda procurando se reestabelecer da minha nada discreta epifania. Porém, quanto mais penso no assunto, todo o quadro parece tão... óbvio. Especialmente, ao ponderar a conversa com o Art.
"O verdadeiro ápice da festa ocorreu logo após a chegada do Henrique. Ele e o pai deixaram o ambiente juntos para espanto dos convidados e desespero da noiva. Se ele demorasse mais, as unhas não seriam suficientes, e ela passaria aos dedos. Honestamente, se estou disposto a perder um braço, a coitada sacrificaria tranquilamente uma perna ou duas, dado o seu nível de ansiedade."
"Os pais ficaram extremamente desapontados com a escolha da filha. Especialmente, porque segundo a minha mãe, desde a adolescência, eles imaginaram que ela se casaria com o..."
"Minha teoria é de que a pobre moça supôs que o arroubo do Henrique se devia a uma tentativa tardia de convencer o pai a desistir do casamento."
E mais uma vez, o nosso Sherlock douradiano estava absolutamente... errado. Coitado! Se dependesse do serviço de detetive para comer, passaria fome facilmente.
Está bem, está bem. Para ser justa, ele realmente acertou a linha de raciocínio, apenas se enganou quanto a motivação. É como se houvesse unido todas as peças, mas observado a imagem final ao avesso.
De certo modo, a Emma realmente supôs que a chegada do Henry poderia pôr um fim ao seu matrimônio. No entanto, isso não implicaria em algo necessariamente negativo. E se ele houvesse se arrependido de deixá-la? E se estivesse pronto para continuar de onde pararam? De fato, não podemos dizer que ela falhou em chamar a sua atenção. Namorou o irmão e noivou com o pai. Perseverante ela é, no mínimo.
Enquanto através da ameaça de deserdá-lo, o Sr. Vitório pretendia afastar o Henry, Emma nutria planos absolutamente opostos. Viajou até esse fim de mundo, sob a desculpa – convenhamos mais do que esfarrapada –, de convencê-lo a manter o HGMP na família Prinz. Que alma caridosa. O que ela ganharia com isso, afinal? Quem ela pretende enganar com esse teatro de boa moça? Não sei vocês, mas sinceramente, já não suporto mais essa garota!
Pois bem, estou em meio ao meu clássico revirar de olhos mental, quando um pensamento curioso se instala em meu cérebro vitaminado.
– Henry – ele me encara, pensativo – qual a relação dessa história com o retorno do Arthur?
E qualquer resquício de paz desaparece. Em segundos, assisto o seu rosto assumir um tom frio e inquieto. É notório que está em conflito consigo mesmo. Espero com a paciência de Cristo, já que sozinha tenho – em média – zero, ou menos um.
Após alguns minutos de reflexão, Henry ergue a cabeça decidido, embora não transpareça um fio de felicidade.
– Não quero terminar como o meu pai, Cat. – Ele pausa e puxa o ar de modo profundo, como se procurasse coragem... ou convicção. – Não quero ser o seu plano B.
Minha boca abre sem comando algum. Do que ele está falando? Retribuo o seu olhar receoso com silêncio. Em parte porque estou descrente, em parte porque estou desfalecida mesmo. Como assim plano B? Diante do nada que recebe de mim, ele decide prosseguir.
– Desde que você passou por essa porta, tenho travado uma batalha interna. A minha mente já arquitetou inúmeras estratégias para simular um AVC, fingir demência e esquecer esse assunto, mas é impossível ignorar que as minhas vantagens diante do Arthur desapareceram. Ele está de volta, e já tivemos provas mais do que suficientes de que realmente mudou. Você queria namorar um cristão. Pois bem, agora somos os dois.
A cada frase o meu coração bate mais lento e... pesado. Estranhamente, sinto um gosto amargo na boca. Tento me afastar, mas Henry segura os meus ombros e me posiciona de frente para ele, me obrigando a encará-lo. Céus! Enquanto desejo apenas dar um basta neste dia, ele está determinado a escrever um roteiro diferente.
– Minha pérola, eu a amo profundamente. Desde que me apaixonei por você, não possuo mais qualquer dúvida de que a sua presença é tudo o que eu desejo, todos os dias, por toda a eternidade.
Okay, admito que ele atraiu a minha atenção agora.
– No entanto – sabia que estava bom demais –, essa certeza unilateral já não é o bastante. Não posso passar o resto da vida, temendo que você desista, ou – ele morde o lábio inferior –, me troque por outro.
Deus pode me levar agora, obrigada!
E nesse instante eu não respiro mais. O ar que atravessa os meus pulmões almeja unicamente me manter viva, porque funcionante de fato já não é mais possível.
– Eu, eu... – E é isso. Ao que tudo indica a paciente do AVC sou eu mesma. Tudo bom?
– Catarina, olhe para mim – obedeço de imediato, e o rosto do Henry se mostra tão firme e intenso quanto o seu tom de voz.
Ah, então é desse modo que ele se comporta quando está sério? Sendo assim, compreendo perfeitamente a razão de o respeitam como líder. Se me pedisse para correr uma maratona nesse instante, eu iria. E eu nem consigo realizar essa insanidade. A de correr loucamente sem um ladrão ou um cachorro atrás de mim, no caso.
– Para ser franco, deixá-la partir sem qualquer resistência não faz parte da minha natureza, muito menos dos meus planos. Portanto, considere que esta será uma chance única, e não a darei duas vezes. – Assinto simplesmente porque não sei o que mais se pode fazer em uma situação como essa, na qual o ser humano tem uma alta probabilidade de vomitar o fígado. – Catarina, seja honesta comigo... Eu sou o seu plano B?
E é nesse instante que o mundo para.
Não, eu não estou falando de a Terra cessar o seu movimento rotatório ao redor do sol ou de si mesma. Isso é de fato, tolice. Trato de algo mais profundo. Quando um questionamento árduo e obscuro gera dentro de nós uma sensação de freada brusca. Como se o tempo não passasse de um mero acessório sem valor, e tudo ao nosso redor estivesse suspenso pela corda invisível e frágil que é a desvairada pergunta.
"Eu sou o seu plano B?" Céus, de onde ele tirou essa insanidade? A resposta brota rápido: de mim, é claro. Como assim? Pois bem, coloquemos os pingos nos Is.
O Arthur jamais foi o problema. Muito menos, a entojada – que Deus me perdoe – da Emma. A real questão se trata dos meus sentimentos. Ou, no caso, da ausência deles. Não, eles estão aqui. Quer dizer, estão presentes, apenas não estão claros.
Okay, preciso de um pouco ar. Inspiro e expiro... umas cinquenta vezes, no mínimo. Cérebro oxigenado, vamos de novo.
A questão central não é o que eu sinto, mas o que eu falo. Ou, no caso, o que eu não falo. É isso... óbvio! A dúvida não é se estou convicta, mas se estou pronta.
Encaro o Henry com atenção. Dos seus olhos dourados ao seu queixo firme, analiso cada centímetro do seu rosto sem deixar que nada me passe despercebido. Nada! Especialmente a sua tentativa frustrada de esconder uma ansiedade crescente. Senhor, há quanto tempo ele vem lidando com isso?
Não, não estou falando dos últimos minutos que o observo em absoluto silêncio, mas dos meses de incerteza em que ele sentiu e expressou... sozinho. Pai, o que eu faço?
Degluto uma angústia silenciosa, e Henry tomba a cabeça de leve, me retribuindo um franzir de cenho. Ele está confuso. Algo raro, diga-se de passagem. Ele costuma interpretar os meus pensamentos com perfeição. Talvez hoje não consiga. Ou dada a temática em questão, simplesmente não queira.
Decido que já passou da hora de libertá-lo dessa tortura. Afinal, ele merece uma resposta... seja ela qual for.
– Você está errado – declaro, abruptamente, e assisto a maquinaria do seu cérebro trabalhar enlouquecidamente.
– Pode ser mais específica, senhorita Benedetto?
Seu tom é cauteloso. Ele definitivamente não está disposto a correr riscos hoje, tal um estrategista de guerra em meio ao campo minado inimigo.
– Você declarou que não tinha vantagens, mas está errado.
– Estou?
Devolvendo minhas sentenças com perguntas, Henry? Alguém já assistiu essa cena? Parece que o jogo virou, não é mesmo?
– Com certeza – respondo, segura. – Talvez não tenha sido informado, mas há um enorme e poderoso obstáculo que me impede de deixá-lo.
– Qual?
Ele remexe no sofá, repentinamente interessado. Uma bomba atômica não seria capaz de desviar sua atenção nesse instante. A sua face transparece uma ansiedade tão genuína, que finalmente compreendo o quanto todo esse impasse tem atormentado o seu coração.
Me aproximo e jogo os meus braços ao redor do seu pescoço.
– Simples: eu amo você.
E é isso. Escuto a respiração do Henry falhar, enquanto a sua expressão flutua entre choque e ceticismo.
– Como?
Ele não acredita em seus próprios ouvidos. Não posso julgá-lo. Está bem, sejamos mais convincentes dessa vez. Faço questão de carregar cada palavra com uma entonação doce e melodiosa, porém firme.
– Henrique Prinz, eu amo você.
Vejo o seu cérebro processar a informação lentamente, e ao passo que as minhas palavras assentam em seu interior, o seu sorriso abre como um céu limpo e azulado, após um dia caótico de tempestade.
– Pode dizer novamente? – Pede, animado.
– Eu já disse duas vezes.
Ele assente cabisbaixo, como se toda a sua alegria se esvaísse. Sorrio.
Vamos, Catarina, ser um pouquinho romântica não vai manchar a sua reputação tanto assim.
– Mas quem está contando, certo? – Ele ergue os olhos, esperançoso. Deixo uma das minhas mãos sobre a sua nuca e posiciono a outra de encontro ao seu peito. – Eu te amo... – declaro suave e beijo a sua bochecha esquerda. – Eu te amo... – Beijo a direita. – Eu te amo... – Mais um beijo. – Eu...
Perco o foco... e o fôlego. Sem qualquer aviso prévio, Henry envolve a minha cintura e me puxa para si. Sinto a sua testa contra a minha, e as batidas do seu coração espancam a minha mão.
– Catarina – sussurra e sinto a minha alma desfalecer. Meu nome sempre foi perfeito assim? – Eu prometo que jamais desistirei de você.
Queria ter palavras. Tenho? Adivinha.
– Eu a amo. A amo com todo o meu coração, minha pérola.
Ele afunda o rosto nos meus cabelos e... fim. Ficamos nessa posição por algo que gira em torno de segundos ou anos. Permito que a minha alma seja acalentada com esse amor. Tudo é tão maravilhoso, tão incrível, tão...
– Henrique – ergo o meu corpo de um sobressalto, e ele me solta a contragosto –, você precisa terminar o seu projeto. O prazo é hoje, lembra?
Ele sorri, claramente despreocupado. Como assim, Deus?
– Está tudo bem – ele segura a minha mão e me puxa novamente para o sofá. – Será muito fácil.
Ergo uma sobrancelha incrédula. Quem choramingava dois minutos atrás?
– Não era o senhor que estava no ápice de um bloqueio criativo? – questiono, com os braços cruzados.
– Eu? – Com um meio sorriso, posiciona uma mecha fujona atrás da minha orelha direita. – Jamais.
Reviro os olhos e ele se diverte. Eu poderia dizer que tudo voltou ao normal, mas acredito que a sua versão 2.0 é absolutamente mais tranquila e infinitamente mais bem-humorada.
– Nesse caso, vou deixá-lo finalizar o seu trabalho "muito fácil". – Mimetizo aspas flutuantes e carrego a última expressão com ironia, simplesmente porque eu quero... ponto.
Enquanto ele ri, aproveito para levantar e me dirigir à porta de entrada. A alegria desaparece.
– Aonde você vai? – Questiona com um tom que passeia entre surpresa e insatisfação.
– Para casa... eu acho – respondo, embora pareça mais uma pergunta do que uma afirmação propriamente dita. Algo como: Para casa?
Ele se põe de pé imediatamente.
– Mas, já? Por que não fica um pouco mais?
– Henrique...
– Por favor, Katzen. Você é a minha fonte de inspiração.
Okay, não vou admitir ainda que sob tortura, mas seu sorriso sedutor faz o meu coração bater dois tons mais fraco. Céus!
– Está bem – solto, transparecendo uma indiferença absolutamente inexistente.
Ele sorri, satisfeito, e se ajoelha sobre a mesa de centro. Seus dois computadores estão soterrados sobre uma pilha infinita de papeis coloridos. Ele inicia a análise e, muito embora a meu ver sejam todos exatamente iguais, passa a organizá-los em pilhas distintas com uma velocidade digna do velocista olímpico Usain Bolt.
Ao me notar ainda parada na porta, deposita dois tapas sobre o sofá, me convidando a sentar novamente. Deus me guarde desse fim, corro o risco de jamais conseguir sair. Me limito a sorrir e mudar de assunto.
– Henry, você já comeu?
Ele pondera por um segundo.
– Eu acho que não.
– Acha?
– A minha cabeça estava um pouco... agitada essa manhã – admite, constrangido.
Bela escolha de palavras.
– Nesse caso, enquanto você trabalha, vou preparar algo.
Uma surpresa genuína estampa o seu rosto.
– Você vai cozinhar?
Não sei o que é mais ofensivo: se seu nariz levemente franzido ou o seu tom que mescla descrença e medo.
– Algum problema? – questiono, já na defensiva.
– De forma alguma. Apenas lembrei que estou de jejum.
Como ele ousa? Jogo a almofada de encontro ao seu rosto, e Henry solta uma gargalhada aberta. Ingrato.
– Honestamente, Sr. Prinz, deveria deixá-lo padecer de fome – e a vontade é grande. – Mas para mostrar a incrível namorada que você tem e o ser humano sobrelevado que sou, vou permitir que desfrute da sobremesa deliciosa que trouxe da Sweets & Books.
– Sou um homem de sorte, não?
– E nunca mais se esqueça disso – empino o nariz, vitoriosa. – Agora, se meus dotes culinários tão assombrosos me permitirem – é drama que você quer? Prazer, a própria –, vou fazer uma café para o seu paladar apurado. Será que sou capaz de cumprir tal desafio?
Henry maneia a cabeça de um lado para o outro, pensativo.
– Isso não importa – declara com um dar de ombros. – Decide amar você de qualquer forma – e lá está o sorriso irônico.
Alô polícia, liguei apenas para informar que cometi um homicídio. Pois é, estrangulei o meu namorado. Sim, podem vir me prender, porque não sinto a mínima culpa.
Com um bufar exasperado, caminho em direção à cozinha, varrendo o ambiente a procura de um pouco de paz... ou de uma faca bem afiada. Às minhas costas, escuto suas risadas irritantes. Senhor, ele não sabe o perigo que está correndo.
Por fim, Henry decide trocar o sarcasmo por algo mais produtivo e menos incômodo, e volta a se dedicar ao trabalho. Raiva aplacada, desisto do veneno e passo a procurar verdadeiramente o pó de café. Encontro a cafeteira facilmente sobre a bancada, mas a matéria-prima essencial torna-se um desafio. Remexo todos os armários e nenhum sinal do próprio.
Coloco a água para aquecer e já me preparo para iniciar um caçada guiada por drones do governo e cães farejadores, quando abro uma última portinhola, escondida sob três gavetas no ponto mais inóspito da cozinha. Dentro dele, um pó preto repousa placidamente em um pote de vidro.
Cristo, o que ele guarda aí dentro? Ouro? Drogas? Informações secretas da Nasa?
– Céus Henrique, está tentando esconder o café para um possível apocalipse zumbi? Quase não consigo encontrá-lo. – Ele se limita a sorrir, com os olhos presos à tela do computador. – Honestamente – continuo para mim mesma em um tom quase sussurrado –, me causa até compaixão não trocar esse café de lugar...
– É mesmo? – A voz do Henry ressoa repentinamente interessada. Agora como ele me escutou há metros de distância, nunca saberemos. Assinto, ainda um tanto assombrada. – Então vá em frente. Coloque onde preferir.
– Eu posso?
– Claro. Na verdade – ele levanta e caminha despretensiosamente até parar diante de mim –, pode mudar o que quiser.
Até parece.
Henry é ligeiramente pragmático e claramente detalhista. Digamos apenas que dentro do espectro azul, ele enxerga facilmente umas mil cores.
– E você não se importa?
– Não.
Estranho.
– Está realmente alegando que posso alterar toda a ordem da sua cozinha?
Decido ir mais longe, com a única intenção de testá-lo. Para a minha surpresa, Henry assente, tranquilo.
E é isso. Meu namorado foi substituído por um clone idêntico, que deve dominar o mundo dentro de algumas semanas. Se preparem, humanos.
Céus, ele está sendo bonzinho demais. Nenhum piada, ironia, zombaria... Nada?
– No entanto, Katzen – e finalmente, a verdade se revela, amigos –, terá que me informar o novo local desse item – até que é um pedido justo –, no instante exato em que eu precisar dele.
Como? E eu tenho cara de vidente, por acaso?
– Isso é impossível, Henrique – cruzo os braços e maneio a cabeça, descrente. – Eu teria que ser médium, prever o futuro, ou...
– Morar aqui – completa com um sorriso sugestivo.
Deus... da... Glória! Ele está tentando falar sobre...
Um apito ressoa e dou um pulo. Meu coração estaciona à milímetros da boca. A cafeteira alerta que coloquei a água para esquentar, mas esqueci o pó de café. Obrigada, Senhor!
– Henry, você deveria continuar o trabalho – o empurro em direção à sala, desprovida de qualquer delicadeza –, o Sr. Caio pode solicitar o projeto final a qualquer hora. E você não quer ser conhecido como um funcionário relapso, certo? Não se preocupe com o café, quando estiver pronto deixo sobre a sua mesa. Vai ficar perfeito com a sua sobremesa favorita. Tenho certeza de que vai gostar.
Preencho todo o espaço com palavras aleatórias, e o pobre rapaz mal consegue abrir a boca. Que triste, não?
Henry senta sobre os joelhos, e me encara com estranhamento.
– Ao trabalho. Vamos, vamos, vamos! – O estimulo com as mãos, e ele se volta para frente, ainda confuso.
Sorrio até o momento em que ele se concentra no esboço e posso respirar em paz. Inspiro e expiro, com a mão sobre o peito, tentando aliviar a tensão. Recosto sobre a bancada, enquanto processo este dia especialmente enlouquecedor...
Art voltou, mas pode ir embora.
Henry o trouxe, mas planejou assassiná-lo.
Emma casou-se com o pai, mas queria estar com o filho.
Eu amo o Henrique, e agora ele sabe disso.
Meu coração acelera. Céus, eu realmente disse ao Henry que o amo. Pela primeira vez, compartilhei meus verdadeiros sentimentos com alguém e não f... Me interrompo.
Repentinamente, um pensamento passa a dominar a minha mente e o meu corpo, expandido com a força de um tsunami, arrastando tudo pelo caminho. Solto o ar devagar.
Sim, eu sei, Pai. Preciso fazer isso.
Me volto para o Henry, e ele está inocentemente debruçado sobre a mesa, absorto em cores e designes. De fato, necessito conversar com ele, porém, considerando a temática em questão, é possível que a sua criatividade viaje para um lugar mais longínquo do que o primeiro. Decido permanecer em silêncio, e aguardá-lo finalizar o projeto.
Porque em meio à todas as incertezas de hoje, duas convicções inabaláveis se estabelecem em meu interior: eu preciso seguir o meu coração, e algo me diz que o Henry não ficará nenhum pouco satisfeito com isso.
Então, Deus, sou eu de novo.
Bom, depois dessa eu vou até me sentar e... tomar um chazinho para acalmar os nervos Rsrsrs
Acho que já deu para notar que vem fofoca por aí, né? #AGUARDEM!
Se está gostando dessa estória, que tal deixar uma estrelinha tão brilhante quanto você?!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro