7. Lembranças - Laís
Por fazer companhia ao médico até o restaurante me demorei em regressar para casa e minha mãe já estava lá. Enquanto ela comia um sanduíche eu puxei uma cadeira ao seu lado.
— Como foi seu dia? — Questionei com intenção de evitar que ela perguntasse sobre minha ausência, não desejava ter de dar explicações sobre minha ação impulsiva, ainda sem resposta para mim mesma. Eu não conseguia acreditar como fui cara de pau em me convidar para jantar junto dele. Eu podia apenas ter dado a informação e seguido minha vida sem me deixar impressionar por sua expressão de tristeza, mas algo dentro de mim não achou isso correto.
— Uma loucura, final de mês é sempre assim... Ei, Tirou os pontos? — Ela apontou para minha mão intrigada. — Não era para ser amanhã?
— Sim, mas encontrei o Dr. Theo e ele achou melhor tirar hoje. — estiquei a mão para frente a fim de lhe mostrar e evitar que ela quisesse saber de outros assuntos. — Ele fez um ótimo trabalho.
— Quase nem ficou cicatriz. — Ela me fitou preocupada. — Por que foi ao hospital? Ah, foi ler de novo para as crianças? Laís, isso pode ser perigoso para você. Não devia ir!
— O Dr. Emílio me liberou, desde que eu me mantenha fora das alas potencialmente perigosas. — relembrei, tentando evitar um sermão dramático sobre a fragilidade da minha saúde.
— Eu sei, mas me sentiria mais tranquila se ficasse em casa. — ela me olhava com expressão de cãozinho pedinte. Odiava quando ela fazia isso.
— Mãe, do que me adianta um coração novo se não posso sair de casa? — tentei convencê-la outra vez. Quando ela ia perceber que o pior havia passado? Ela mantinha seu olhar sobre mim, suspirei. — Tomo todos os cuidados necessários, e depois o Dr. Emílio trocou meus medicamentos, vou ganhar ainda mais um pouco de imunidade. Lembra? Segundo ele, há um limite para me manter longe da rejeição e ao mesmo tempo com melhor imunidade. — tranquilizei-a.
Atualmente eu readquirira um pouco de minha imunidade, mas ainda estava fragilizada e saber que ganharia mais defesa em meu corpo era um tanto animador.
— Mesmo que o médico tenha liberado, você deveria tomar mais cuidado. Me cortaria o coração te ver internada outra vez. — Seus olhos se umedeceram ao me encarar. Como não me penalizar diante disso?
— Não se preocupe, mãe. — falei em um sussurro.
Ela desviou o olhar, sabia não haver mais o que argumentar. Eu esperava que com o tempo ela compreendesse como eu só tentava ser uma pessoa normal. Eu lutava pelas coisas que eu gostava, não fazia isso por implicância.
Enquanto eu olhava minha mãe comer, a dúvida se eu comentava sobre o jantar com o Dr. Theo vinha e ia em meu coração. Preferi não falar nada, a culpa por ter gasto dinheiro com uma futilidade de jantar me rondava acusadora. Ele tinha se oferecido para pagar, no entanto achei errado, pois eu tinha me convidado para acompanhá-lo enquanto ele apenas queria uma informação.
De novo, agi impulsivamente. Não devia ter me oferecido para jantar com ele, provavelmente ele só aceitou por educação. Mesmo assim, senti como se ele necessitasse de companhia. Talvez qualquer companhia, mas era eu que estava ali e meio que me senti responsável por tentar fazê-lo sentir-se melhor do que aparentava naquele momento encolhido dentro do carro.
O jantar foi agradável, apesar de sentir o médico escorregadio, como se estivesse com receio do que pudesse acontecer no minuto seguinte. Não sabia o motivo de tê-lo acompanhado, apenas o fizera. Toda vez que olhava para aqueles olhos verdes, que só transmitiam amargura, sentia-me impelida em animá-lo.
A enfermeira Claudete, com pesar na voz, me contou, naquela mesma tarde, que Theo parecia não ter casa, pois não saía do hospital. Sei que ela pretendia fofocar sobre algum escândalo o envolvendo, mas interrompi sua história e me afastei antes de ouvir o que ela tinha pra dizer. Afinal saber de uma pessoa por comentários dos outros nunca é produtivo, havia más interpretações e falta de conhecimento de motivos íntimos que apenas geravam preconceitos, e eu não concordava com isso.
Acho que, no momento, não me interessava saber os segredos daquele médico, quando eu me questionava se também eu tinha alguma vida além-hospital. Minha rotina se desenvolveu por tanto tempo em função das internações ou cuidados para não me reinternar que eu não colecionava amigos ou experiências interessantes fora daquelas paredes pálidas.
Meu trabalho, meus amigos e até meus hobbies estavam ligados de alguma maneira ao hospital; talvez eu compreendesse Theo e, por isso, tinha sentido vontade de acompanhá-lo ao restaurante. Quem sabe eu conquistasse mais uma amizade, como tinha acontecido com a enfermeira Claudete e o Dr. Emílio. Pois construir amizades com os pacientes já havia se mostrado um erro, principalmente quando Xande, um garoto por quem me apaixonei não resistiu a uma segunda internação.
Quem me tirou da tristeza foi Cauã, como praticamente tudo em minha vida. Eu não quis dizer a ele como meu coração estava partido por causa de um garoto específico, pois me doía demais até pronunciar o nome de Xande. Assim, mesmo que minha amizade com Cauã tivesse como base a sinceridade e fosse comum conversarmos sobre as pessoas que beijamos, eu omiti dele a verdadeira razão de meu desespero. Contudo, ele sabia que havia algo sombrio em meu coração, e sem exigir explicações se concentrou em me fazer sorrir. Foi a época onde ele mais me mandou fotos de lindos lugares tentando me mostrar como havia ainda beleza na vida e na qual nossas conversas via internet alongavam-se pela madrugada sendo recheadas de histórias divertidas sobre acampamentos ou qualquer filme que tivéssemos visto.
A presença virtual de Cauã foi essencial para me dar forças para lutar contra a escuridão e reencontrar meu antigo modo otimista de enfrentar as dificuldades. Em muitos momentos, eu não saberia como continuar respirando se não tivesse ele como meu melhor amigo.
Pensar em Cauã fez a vontade de falar com ele crescer dentro de meu peito. Infelizmente, meu amigo ainda não estava online.
Tirei uma foto de minha mão sem pontos e mandei para ele, meu amigo ficaria contente pela cicatriz ser discreta. Apesar de que, se o oposto acontecesse, ele teria dito que marcas físicas não importam, e que eu seria linda de qualquer maneira. Como ele dizia quando vinha me visitar uma vez por ano, e às vezes nosso relacionamento avançava do limite da amizade.
Apesar de eu aceitar nossa amizade colorida e perceber nossos tempos juntos como grandes momentos, eu sempre rechacei sua intenção em ser meu namorado. Não era justo fazer com que meu melhor amigo ficasse preso a mim, pois se ele mantivesse sua vida, suas saídas com garotas e talvez conhecesse alguém legal, eu não me sentiria tão culpada quando meu coração desistisse de bater.
E agora? O que nos impedia de nos tornarmos namorados? O pensamento me desafiou, fazendo-me sentar na cama e contemplar o notebook, séria.
Eu tinha um novo coração, minhas chances de rejeição estavam minimizadas e, ao que tudo indicava, eu podia começar a pensar em ter uma vida normal. E em arriscar novamente a abrir meu coração para o amor.
Talvez tenha chegado a hora de aceitar a proposta de Cauã, e sermos mais do que amigos coloridos. Éramos perfeitos como amigos, por que não seríamos também como namorados? Namorar alguém que me conhece tanto e que eu também conheço seria agradável.
Não teríamos problemas de outros casais, não teria ciúmes ou brigas bobas. Seria apenas nossa forte amizade de modo amplificado. De modo a unir também nossos corações a algo que já é perfeito. Ri sonhadora, essa sensação de projetar um futuro cor-de-rosa era uma feliz novidade.
Eu não conseguiria esperar até o outro dia para contar a Cauã os meus recém-nascidos sentimentos. O amor pipocava em meu peito, eu precisava compartilhá-lo com seu dono. Sem conseguir dormir, esperei Cauã online até ele voltar da faculdade.
— Oi! — disse sorrindo para a tela do computador quando Cauã surgiu com sua expressão enigmática.
— Aconteceu alguma coisa, Laís? Nunca está acordada nesse horário.
— Esta tudo bem. — Agora era a hora da verdade. Puxei o ar criando coragem para lhe contar tudo. — Cauã, eu só queria... — Calei-me por alguns segundos, ele me observava ainda com preocupação. Sorri tentando trazer leveza para nós dois. Não acredito que ia dizer isso. Ri. — Eu acho que... Bem, seríamos ótimos namorados. — ele me olhou incrédulo, como se ainda tentasse compreender minha fala. — Eu quero que venha me visitar no final do ano, como um namorado desta vez...
— Isso é sério!? — Acenei em positivo. Ele gargalhou animado. Meu coração saltitava empolgado com a situação. — Laís, isso é... bem... é perfeito! — ele riu mais ao passar as mãos nos cabelos. Puxou o ar como se tentasse controlar sua emoção. Isso era tão lindo de ver! Como não me sentir lisonjeada com tanta demonstração de afeto? — As aulas e o estágio acabam na terceira semana de dezembro. Posso chegar aí uns dois dias antes do Natal... — Respirou fundo e me encarou. — Tem certeza?
— Não tenho certeza de nada. — falei sincera. Eram tantos sentimentos novos que borbulhavam animados, mas como ter certeza sobre o que diz um coração? Só sabia que me sentia bem ao pensar em Cauã como meu namorado, e isso era o suficiente. Olhei-o com profundidade. — Mas sempre fomos ótimos juntos, como namorados provavelmente seremos melhores.
— Pode apostar! — Despejou entre sorrisos largos. — Eu vou levar meu equipamento para escalar, e vou te mostrar todas as coisas maravilhosas. Vai ser perfeito!
— Sua companhia é sempre perfeita. — completei ao sentir-me cada vez mais comprometida com o nós dois, mas tinha que ser sincera. — Cauã, não quero acampar, pelo menos não agora. Nem faz um ano ainda que fui transplantada.
— Oh! — O desapontamento em seu semblante me cortou o coração, então ele voltou a sorrir. — Faremos outras coisas, estaremos juntos e isso que importa. — Ele me observava em silêncio, algo o intrigava. Eu o esperei com paciência ele por em palavras. — O que te fez mudar de ideia? Antes, você se afastava quando eu falava sobre os sentimentos.
— Eu não tinha certeza se iria sobreviver. — encarei-o com cumplicidade. Não tinha mais medo de por esses temores em palavras, já que não poderiam mais se tornarem realidade. — Agora é diferente, eu sei que tenho um futuro e eu realmente quero planejar este com você.
— Um futuro comigo? — Havia indicações de lágrimas em seus olhos, como eu queria atravessar aquela tela e o encher de beijos e mostrar como estava confiante em nós dois.
— Sim, com você, Cauã.
Mandei-lhe um beijo assoprado e desconectei por estar um pouco acanhada com tanto sentimentalismo, meu coração saltava fora de ritmo com a nova situação e eu precisei de um tempinho de respiração profunda para acalmá-lo.
Ajeitei-me para dormir ainda com a respiração acelerada, eu dera um passo gigante em direção aos planejamentos para o futuro. Isso era assustador para mim que nunca ousara tal feito por medo de não ter nenhum futuro, ao mesmo tempo era completamente empolgante.
Era estranho como sentimentos pareciam ter vida própria, como não dava para escolher amar ou não alguém. Passei anos pensando em Cauã apenas como um grande amigo, então em uma visita há poucos anos meus olhos ficaram gulosos de desejo e eu permitir que avançássemos para uma amizade colorida. No entanto nessa época meu antigo coração não se deixou derreter por ele e voltar ao nosso estágio só de amizade pareceu o certo a fazer. Agora, meu novo coração discordava disso. Eu queria Cauã ao meu lado, não tinha total certeza por que eu o queria, só sabia que era mais do que um desejo passageiro, era uma sensação diferente a me aquecer e a me desafiar a imaginar como seria estarmos juntos como namorados. E essa nova sensação era boa demais.
Eu não iria conseguir dormir, eu sabia, havia muito a imaginar nessa minha vida de coração novo onde Cauã teria seu lugar de destaque.
E
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