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6. Plantão - Theo

As chamas faziam-se potentes próximas a mim. Gritando de dor atirei-me para fora do carro ao sentir a pele sendo queimada. A dor não era nada comparada à angústia em meu peito.

Onde estava Clara?

Um corpo jogado a metros do carro; não parecia em nada com Clara, seu rosto coberto por sangue. Eu desejava pegá-la em meus braços, mas a dor me atingiu e minha única reação foi deixar-me cair ao lado dela a fitar seu rosto desacordado.

- Clara! - Gritei. - Clara! - Em desespero, gritei mais uma vez, na escuridão sem resposta.

***

Ensopado de suor sentei na cama, desnorteado pelo pesadelo; talvez fosse mais verídico classificá-lo como uma lembrança maldita.

Passei as mãos no rosto, elas tremiam. Demorei alguns minutos até me dar conta de que estava no quarto reservado aos plantonistas no hospital, por sorte as outras três camas estavam vazias, não havia ninguém para me ver naquele estado.

Sentindo palpitações atravessei a pequena sala até o banheiro adjacente. Lavei o rosto e deixei a água da pia correr sobre minhas mãos por um longo tempo na tentativa de afastar as lembranças do sangue quente de Clara entre meus dedos.

Aos poucos minha respiração voltou ao normal. Puxei com profundidade o ar e sacudi o rosto para desfazer as imagens de Clara a minha frente. Reaja! Lute contra essa escuridão! Ordenei em pensamento. Não me deixaria cair nas profundezas novamente; se isso acontecesse temia não ter forças para retornar.

- Vou viver! - disse ao encarar o espelho como se pronunciar em voz alta essas palavras pudessem transmitir mais veracidade.

A resposta veio refletida em forma da minha expressão desacreditada, involuntária. Nem eu acredito em mim mesmo! Corroído pela frustração iniciei a caminhada pelo corredor do segundo andar com destino ao elevador para a emergência.

Ao passar pela farmácia do hospital, tranquei os passos. Seria bom encher meu corpo com algum calmante qualquer, destes que esvaziam a mente e deixam os pacientes flutuarem. Quis me dirigir ao balcão, mas recuei. Não poderia trabalhar sobre efeito de remédios, e meu trabalho era a única coisa digna restante.

Remédios estavam fora de cogitação, talvez comer algo me ajudasse a recuperar as energias necessárias para voltar a me focar apenas em meu trabalho e esquecer todo o resto. Sem muita opção, ao entrar no elevador, apertei o botão com destino ao último andar onde ficava uma das lanchonetes do hospital. Ao menos poucos me conheceriam ali e me olhariam como se eu tivesse um cartaz na testa de: "Fracassado Suicida".

Ao entrar pela porta de vidro fosco da lanchonete a garçonete me sorriu divertida, acenei sem graça ao pegar um suco de laranja e um pastel de forno. Depois da vez do sanduíche de graça, voltei no dia seguinte para pagá-lo e informar que era médico e não paciente do hospital.

Cabisbaixo, sentei próximo ao caixa em uma das mesas quadradas cobertas por toalhas emborrachadas imitando renda cor café. Algumas palpitações ainda me acompanhavam, era difícil afastar de minha mente as lembranças do acidente, vindas em forma de pesadelo há pouco.

- Oi, Laís! - A voz animada da garçonete em seu cumprimento me fez girar a cabeça em direção ao balcão.

Que azar! Não queria encontrar nenhum conhecido. Incomodado, encurvei-me na cadeira com esperança de Laís não me ver, sem sucesso. Ela agitou a mão em cumprimento enquanto segurava um copo de suco de laranja com a outra. Isso é mesmo muito azar! Lamentei silencioso quando ela se sentou ao meu lado sem constrangimento. Eu a fitei sem vontade de ter sua companhia. Eu precisava de solidão, os sentimentos de introspecção e autopiedade me possuíam e eu não os pretendia dividi-los com ninguém.

- Ora! Mudou de andar? - ela sorriu simpática ao sugar um pouco do suco pelo canudinho. Mordi meu pastel com intenção de não precisar responder-lhe nada. Talvez ela fosse embora logo. Quanto tempo alguém pode levar para tomar um copo de suco? - Fiquei sabendo que passou um trote por um sanduíche.

- Eu paguei depois - respondi entre dentes, ela confirmou com um aceno de que isso já era de seu conhecimento.

Só o que eu queria era lanchar em silêncio com meus pensamentos perturbadores, sem ter que responder a ninguém e agora teria de manter algum tipo de conversa educada. Hoje realmente não era um dia de sorte. Emburrado, mordisquei o pastel.

- Tenho cuidado bem dos pontos - Laís sorriu ao mostrar a sua mão com um curativo novo.

- Achei que tínhamos marcado para retirar os pontos amanhã - resmunguei, talvez ela quisesse apenas preencher o silêncio, mas também poderia ser uma indireta para mim. Por que ela simplesmente não ia embora? Mas eu poderia sair, comecei a comer o pastel com pressa.

- Sim, marcamos para amanhã. Estou aqui para seções de leitura.

- Leitura? - a dúvida saiu sincera. Quis tapar minha boca, eu devia me despedir e não incentivar sua fala animada.

- Venho uma vez por semana para ler alguns livros para as crianças em seus quartos ou na sala de recreação. - ela contou sorridente. Seria difícil eu encontrar um modo nessa conversar para sair sem parecer totalmente grosseiro.

- Tem uma sala de recreação? - Tomei o resto do meu suco, pensativo, quase derrotado em tentar fugir dela neste momento. Era estranho eu saber tanto sobre a emergência e todas as salas de cirurgias desse hospital, mas nunca ter visto a sala de recreação ou ter tido o conhecimento de como chegar à clínica psiquiátrica aos fundos, antes do mês passado. Era mesmo estranho como coisas que sempre estiveram lá, só se tornaram conhecidas mais tarde. Que outras coisas estavam a minha frente e eu nunca enxerguei?

- Sim, e outra no terceiro andar também, mas só fui lá uma vez. É a ala das infecções. É pena eu não poder ir, aquelas crianças também iriam gostar de ouvir histórias, mas...

Dei a última mordida no meu pastel sem prestar atenção em sua fala. Passei o olhar impaciente pelas outras mesas vazias lamentando eu ser o azarado de ter companhia. Como ela gosta de falar! E tem sempre um sorriso no rosto. De onde ela tira essa empolgação toda? Eu não aguentava mais o esforço para ser sociável, quando eu só queria gritar e me esconder no escuro.

- Bem, então boa leitura - ergui-me ligeiro antes dela espichar a conversa.

- A gente se vê amanhã? - Ela gritou antes de eu conseguir desaparecer pela porta de vidro fosco. Fitei-a confuso. - Para tirar os pontos.

Ela ergueu a mão com o curativo branco relembrando-me. Mais conversas intermináveis amanhã? Podia pedir para outra pessoa atendê-la. Talvez Klaus? Não, seria estranho. Irritado passei a mão nos cabelos.

- Melhor resolver isso agora. - soltei sem pensar. Ela me observava um pouco confusa. Suspirei me repreendendo por minha grosseria. - Já deve estar mais do que cicatrizado. - tentei soar melhor pessoa.

Se era para fazer um trabalho tão simples, que fosse agora. Amanhã era provável que eu estivesse ainda mais mal-humorado do que no momento. Ela parecia indecisa, mas ergue-se e me seguiu pelo corredor.

Alcancei o balcão central com passos apressados em busca de qual sala de atendimento estava livre. Uma enfermeira de plantão me indicou a sala 12, a mesma da semana anterior. Laís sentou-se na cadeira sem nada dizer e apoiou o braço sobre a braçadeira, finalmente me permitindo algum tempo de silêncio.

Com uma rápida olhada me certifiquei que havia o material necessário para retirar os pontos: tesoura e pinça. E sentei-me calado a sua frente, concentrado nos fios a serem cortados. Em dez minutos eu pretendia estar de volta à minha melancolia habitual sem sorrisos ou perguntas. Eu iria desfrutar do silêncio e...

- O que te fez escolher trabalhar na emergência?

Ela tinha uma expressão curiosa com olhos brilhosos e um começo de sorriso. Suspirei cansado, pelo jeito ela não conseguia ficar calada. E eu desistia também.

- Gosto de tomar decisões rápidas... e da adrenalina. - respondi com sinceridade ao posicionar a tesoura para livrar a pele da contenção dos fios. Senti-me mal por agir como um daqueles médicos que tratam os pacientes como coisas. Olhei-a na tentativa de pedir desculpa por meu comportamento. - Só darei um puxão, não tem com que se preocupar.

- Retirar os pontos é a parte mais fácil - Disse como se tivesse passado por isso muitas vezes, e me observou com simpatia sem dizer mais nada.

Baixei os olhos para a mão ferida me mantendo calado durante o procedimento. Nada vinha em minha mente para ser cordial. Sobre o que falar com uma paciente, quando só desejo o silêncio?

- Pronto! Praticamente não ficou cicatriz. - Fiz um esforço para ser menos mal-educado. Ela tentava ser amigável e eu só sabia ser grosseiro.

- Realmente ficou bom - ela analisou a mão. - Que sorte a minha pelo senhor fazer pontos de cirurgião plástico.

- Theo - corrigi automático. Odiava ser chamado de senhor, principalmente por alguém poucos anos mais nova. - Cirurgia plástica não é minha especialidade, mas fiz alguns cursos sobre o assunto. É importante diminuir ao máximo o dano sofrido por um paciente, e isso conta também a estética. - comentei com certa animação, não podia evitar. Não importava o quanto meu peito estivesse apertado, falar sobre procedimentos médicos me era fascinante.

- O Dr. Emilio, meu médico, falou o mesmo - ela pousou a mão distraída sobre a cicatriz de seu peito e sorriu pra mim. - E ele fez um belo trabalho.

- Realmente bom - analisei a ponta da cicatriz projetada para fora do decote da blusa. A marca nunca desapareceria, eu sabia disso, contudo seria um risco mais claro com o passar dos anos. Os seios são de bom tamanho, os olhos me alertaram e a mente me repreendeu em seguida. - Desculpe, eu...

- Não tenho problemas com cicatrizes - ela ignorou o atrevimento de meu olhar, isso era um alívio. - Fazem parte da vida, e essa me lembra constantemente a vida.

- O problema é quando lembram a morte. - Escapuliu algo presente com constância em minha mente. Ela me mirou curiosa, iria me encher de pergunta às quais eu não queria responder. Afoito levantei para me livrar das perguntas, quase derrubando a tesoura no chão. - Preciso ir. Quem sabe nos cruzamos pelos corredores algum dia?

- Espero que não seja na emergência - ela brincou ao acenar num gesto de despedida.

Forcei um sorriso educado ao entrar ligeiro no elevador com destino à emergência, eu precisava urgentemente me distrair de meus monstros internos. A alegria de Laís, que me havia contagiado na semana passada, agora me deixara deprimido. Era como se ela demonstrasse como é possível ser feliz, mas apenas eu não lembrava mais como. Principalmente hoje, cada minuto que passava me envolvia mais e mais de escuridão.

***

No restante da tarde a agitação da emergência me manteve focado nos procedimentos, dando-me folga da autopiedade sufocante das últimas semanas desde quando voltei ao trabalho.

Começou a anoitecer quando Klaus surgiu à sala de emergência e me encontrou escorado no balcão de atendimento separando os prontuários finalizados.

- Já passou da hora de ir para casa, cara - analisou a emergência e colocou o braço sobre mim. - O lugar está calmo e você precisa descansar.

- Pretendo fazer mais um plantão hoje.

- Nada disso. Precisa de folga, antes que acabe dormindo sobre um acidentado.

- Dormi na sala dos médicos, não estou cansado.

- Vamos!

Klaus não estava disposto a me deixar. Descontente, porém sem forças para discutir, acompanhei meu amigo ao estacionamento. Ele falava sobre como seu filho Claudio, de cinco anos, aprendera a escrever o próprio nome, e como Bruno, com nove, estava decidido a mudar o time, pois queria torcer por um time vencedor. Eu ouvia sem interesse os percalços da vida familiar de Klaus.

Um quase alívio percorreu meu corpo ao poder entrar no carro sozinho, não teria aguentado ser levado para casa por Klaus outra vez. Mesmo meu amigo demonstrando preocupação, bati o pé em vir ao trabalho com meu próprio carro desde o segundo dia.

Precisei esperar alguns minutos para sair do estacionamento, por ser horário de troca de turnos; com tantos funcionários entrando e saindo, os carros geravam duas entediantes filas até o portão.

No carro ao lado, havia um casal de enfermeiros conversando empolgados. Isso me fez lembrar do quanto sentia falta de sair com Clara do hospital depois de um longo dia de trabalho e, ainda assim, ouvi-la falar animada sobre os planos de experimentar um novo restaurante ou sobre uma estreia no teatro. Sua energia era meu alimento e agora eu passava fome há três anos.

Como continuar a sobreviver? Nem sei por que me dou ao trabalho de dirigir até meu apartamento, podia simplesmente ficar aqui dentro do carro e dormir no estacionamento. Não fazia diferença, nada fazia qualquer diferença. A tristeza estava dentro de meu peito e não fora. Uma buzina impaciente me fez continuar em direção a saída.

Por fim, consegui ganhar a liberdade da rua. Ao dobrar na primeira quadra, avistei com certa surpresa Laís andando despreocupada pela calçada, ela parecia cantarolar algo. Como ela conseguia ser assim? Parado no semáforo eu a observava, havia sido grosseiro com ela nas duas vezes e apesar disso ela se mantivera sorridente. Isso era tão curioso!

Num impulso sem sentido, buzinei. Laís trancou o passo e olhou para o carro com desconfiança, só ao me reconhecer que ela se aproximou e abaixou a cabeça até a janela de meu carro.

- Dr. Theo, então você não mora no hospital? - ela sorriu e eu só conseguia me sentir um idiota por ter buzinado quando minha única vontade fora afastar-me dela mais cedo nesse mesmo dia. - É uma surpresa te encontrar pela rua.

- Até os médicos precisam descansar - falei sem graça. Sem ter nada o que dizer, uma frase feita parecia mais adequada. Por que buzinei? - Está passeando à noite?

- Estou indo para casa, eu moro aqui!

Laís mostrou um pouco à frente um prédio simples de seis andares com a pintura verde desbotada e sorriu educada, embora me observasse como se tentasse compreender por que eu a chamara. Eu também não tinha ideia, senti-me um tolo.

- Até mais, Laís. Tenha uma boa noite - disse, envergonhado ao acenar em despedida. Ela fez o mesmo.

O semáforo abriu, dirigi vagarosamente acompanhando os passos dela pelo retrovisor. O pensamento de retornar para meu apartamento vazio ecoou em mim mais deprimente do que antes, as lembranças que me acordaram durante a manhã estavam distantes de desaparecerem. Talvez eu devesse protelar meu encontro com a solidão, não sei se conseguiria me manter respirando ao chegar em casa. Olhei Laís colocar a chave no portão. Suspirei ao dar ré e parar a frente de seu prédio.

- Laís! - Minha voz saiu quase em um sussurro. Ela me fitou perplexa, eu teria feito o mesmo se fosse o contrário. Pigarreei. - Conhece algum lugar onde eu possa jantar por aqui? Não tenho nada pronto em casa.

Ao fechar a boca o arrependimento me dominou, mordi o lábio. Eu só queria ganhar tempo antes de ir para casa, como se isso pudesse aumentar minhas forças. Porém perguntar sobre um restaurante como se eu fosse um turista era a coisa mais estúpida que eu poderia dizer.

Ela deu passos vacilantes até o carro, pensava em uma resposta ou apenas tentava compreender minha esquisitice? Senti-me pior do que antes. Isso era possível?

- Duas esquinas à frente, tem um bom restaurante.

- Obrigado, vou lá. - atirei as palavras com pressa.

Eu quis acelerar e sumir dali, no entanto ela permaneceu escorada à janela do carro, com as sobrancelhas encolhidas concentrada em meu rosto. Puxa! O que ela queria?

- Também não jantei. Quer companhia? - Pego de surpresa com o convite, pigarreei e tossi. Qual a razão de seu convite? Eu quero sua companhia? Eu quero jantar? Provavelmente nenhum, nem outro. No entanto era só isso que me restava. Por fim, confirmei com um aceno tímido e esperei que ela entrasse no carro, o que Laís não fez. - São só duas quadras, vamos caminhar.

- Tem certeza? - inquiri aborrecido.

- Preciso fortalecer o coração.

Que outra saída eu tenho? Ao menos vou prorrogar o encontro com a solidão a minha espera em meu apartamento. Indeciso, saí do carro. Ela sorria sem demonstrar constrangimento ao andar do meu lado. Por que ela se convidou para jantar comigo?

Em outra época eu teria me preocupado em buscar uma resposta. Contudo dei de ombros, no fundo não me importava, meu único desejo era passar o tempo até eu estar cansado demais para pensar e só me restar adormecer.

Sentamos numa das mesas do pátio do restaurante protegida por cerca viva. Engoli em seco, sem saber como continuar uma conversa. Observei as mesas de madeiras, nas quais havia um pequeno aquário com uma vela larga acessa para iluminar o lugar. O típico restaurante para encontros românticos. Esperava com sinceridade que essa não fosse a intenção dela, eu não estava no clima para nada semelhante. Remexi-me desconfortável na cadeira.

- Janta muito fora, Dr. Theo? Aposto que não gosta de cozinhar só para o senhor - ela comentou distraída.

- Como sabe que moro sozinho?

O fato de Laís parecer saber bastante a meu respeito me intrigava. O que mais ela sabia? Tive receio de ela me perguntar: "Por que tentou se matar?" Em fuga de seu olhar mirei a ampla janela que mostrava o movimento das pessoas jantando dentro do rústico restaurante com mesas próximas umas das outras.

- Bem, a enfermeira Claudete me disse que passa muito tempo no hospital, então eu deduzi. - ela completou parecendo pouco a vontade.

- O que mais ela disse sobre mim? - O medo dentro de mim já se fizera presente. Olhei para o cardápio, encurralado. Por que aceitei vir aqui com ela?

- Nada! Eu não quis ser rude, só tentei puxar conversa com o senhor.

- Theo - corrigi carrancudo. Os lábios dela formaram um sorriso discreto de quem tenta ser educada, senti-me mal por estar sendo tão bruto. Suspirei observando o cardápio, decidido a controlar meu mau-humor, afinal nada fora culpa dela. - Parece que nós dois passamos muito tempo no hospital e compartilhamos esse gosto.

- Com certeza - ela sorriu aliviada, como se tivessem lhe dado a permissão de ser ela mesma. E me mostrou com a ponta do dedo um prato que considerava bom.

- Vou seguir seu conselho - desviei o olhar indicando o prato no cardápio. Iria me esforçar para ser uma melhor companhia. Nada era culpa dela! Reforcei o pensamento como um mantra para alcançar certa calma. - Esse frango grelhado parece saboroso.

- Eu adoro!

Laís se pronunciou espontânea. Ergui a mão para ser atendido, decidido a dar uma chance a esse jantar inusitado. Não me importava os motivos dela desejar minha companhia, eu apenas tentaria ter uma noite agradável. Sem que meus pensamentos se intrometessem e me torturassem com questionamentos e lembranças complexas. Era pedir muito? Talvez, para mim, fosse.

- A emergência é tão alucinada como as pessoas dizem? - Os olhos dela me encararam com curiosidade.

- Nunca esteve na emergência? - o assunto hospital me tranquilizava, aproveitei a deixa para continuar nesse caminho conhecido. - Nem mesmo antes do transplante?

- Não, a primeira vez que estive no hospital já havia sido encaminhada por meu pediatra para um cardiologista quando ele percebeu que tinha algo muito errado com meu coração.

- Sinto muito, não quis ser indiscreto. - Não era minha intenção entrar em assuntos particulares. Olhei para o movimento dos carros mais adiante, acanhado para encará-la.

- Falar de minha saúde ou doença não me incomoda. - Ela forçou um sorriso como se tentasse nos fazer retornar ao modo mais relaxado de antes. Seria possível? - Estou acostumada a isso, talvez seja o assunto que mais domino. Aposto que poucas pessoas, menos o médicos e enfermeiras, claro, saibam nomear tantos exames e procedimentos médicos como eu.

- Não duvido. - Imitei seu sorriso para manter o tom de brincadeira. Sim, com ela era possível saltar de assuntos constrangedores para assuntos seguros. E eu me sentia grato por isso. Começava saber para onde levar nossa conversa. - Mas não queira me desafiar, eu era o campeão de minha turma de medicina nisso.

- Sério? Estudantes de medicina fazem isso? - ela ria. Com ironia ou divertimento? Não importava.

- É uma tradição. E quem perde deve tomar uma cerveja. - Sorri ao falar muito mais para mim mesmo ao relembrar bons momentos da faculdade do que para minha parceira de janta.

- Sério? Que coisa, meu cardiologista nunca me contou isso, mesmo depois de tantos anos de conversas. E olha que até já organizei uma festa surpresa para ele no ano passado. - Ela riu e, contagiado por ela eu sorri sincero.

Pelo visto conversar com ela sobre o hospital seria fácil. Esse seria um jantar agradável de conversas leves entre dois quase desconhecidos, eu começava a me sentir confiante a respeito disso.

Laís, não tinha como ser mais comum, a não ser pelo fato das sardas em seu rosto que lhe davam uma expressão de garota marota. Mesmo assim, havia algo nela que me fazia sentir melhor, talvez por isso eu começava a me agradar de sua companhia nesse jantar inusitado.


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