24. Cinema - Theo
Troquei o peso do corpo ao suspirar impaciente diante da imensa fila. Por que me deixei ser carregado para isso? Diante alguns metros Klaus sorria ao falar com Bruno, presos em outra fila maior ainda a espera que mais uma máquina de pipoca doce estivesse pronta.
Pensei se Laís estava acordada ainda e se estaria disposta a conversar comigo. Eu mantinha meu plano de afastar-me dela até meus sentimentos voltarem ao normal, por isso nem fui até o último andar do hospital hoje que eu sabia que ela estaria lendo para as crianças. Contudo, ao ser deixado sozinho nessa fila entediante e começar a mexer no celular para fingir ter uma vida social, não pude evitar de ligar.
— Oi, Theo. — a voz dela soou animada do outro lado. Só depois de ouvir sua voz, que me dei conta que não devia ter feito isso. Eu havia prometido a mim mesmo dar um tempo. Além de que ela poderia estar ocupada conversando com seu namorado, e isso seria tão constrangedor. — Está no hospital?
— Não, estou guardando lugar na fila do cinema. — respondi. Como pude ter quebrar minha própria promessa e ligar? Acusei-me.
— No cinema? — ela suspirou surpresa. Eu entendia, pois esse também era o meu sentimento por estar ali. — Que filme vai assistir?
— Sei lá — disse aborrecido. — Klaus me arrastou para um daqueles passeios de pais e filhos. Agora estou aqui esperando em uma fila imensa enquanto ele e Bruno compram pipoca.
— Não pode ser tão ruim — ela riu. — Mas como ele conseguiu te convencer?
— Me esperou no estacionamento do hospital com o filho e disse que só ia levar Bruno no cinema se eu fosse junto. Eu não ia ser o "tio" chato que frustra o passeio da criança. — Não sei como Klaus não teve essa ideia antes, ele era bom nesse tipo de joguinho emocional.
— Com certeza — riu, me causando também um sorriso. Não podia evitar em ser contagiado por ela, mesmo pelo celular.
— Se for uma animação interessante nós podemos ver outro dia — disse espontâneo, desejava passar um tempo com ela. Então me dei conta da gafe. — Podemos esperar sair em DVD.
— Claro. — ela respondeu desanimada. Senti-me idiota. Tê-la convidado para ir ao cinema fora totalmente estúpido. Eu conhecia seu receio de lugares fechados, e no mais eu precisava me afastar e não convidá-la para estar comigo.
— O filme vai começar, preciso desligar — menti.
— Certo. — Quando ia desligar a ouvi me chamar. — Marcamos uma sessão de filme no sábado?
— Vou ter plantão. — disse no susto, ao mentir novamente.
— Pena. — ela soltou em um suspiro. — Bem, tenha um bom filme, até mais Theo.
Desliguei o celular, rechaçar seu convite me cortou o coração, a última coisa que eu queria era magoá-la. No entanto, como eu conseguiria fingir estar tudo bem? Era mais provável que eu perdesse o controle e fizesse algo que iria me arrepender para sempre.
Puxei o ar irritado com a gritaria das crianças na fila. Fechei os olhos e tentei ser otimista, talvez em duas semanas tudo fosse mais simples do que eu imaginava. Por que sofrer por antecipação? Ser otimista não fazia exatamente parte de mim há longos três anos, mas eu devia reaprender a ser.
— Quer pipoca? — o filho de Klaus sorria ao me estender o pacote.
Peguei uma porção e acenei em agradecimento. Era hora de ser menos rabugento e tentar encontrar alguma coisa boa nessa sessão de cinema. Focar nas pequenas coisas, como Laís me ensinou. Preciso parar de pensar nela.
Klaus passou o braço sobre os ombros do filho e sorriu para mim. Ele parecia contente por ter me convencido a vir. Lembrei-me de uma das vezes que vim ao cinema com meu amigo e ri.
— Já contou para seu filho da vez em que você e a mãe dele quase foram expulsos do cinema? — implicante, dei um tapinha nas costas de meu amigo.
— Por que queriam expulsar vocês, pai? — Bruno o encarava curioso. Klaus me repreendeu com o olhar. Seu embaraço causou-me divertimento.
— Sua mãe ria muito alto — ri diante da mentira descarada dele. Klaus olhou-me preocupado que eu fosse dizer como seus amassos estavam tão escandalosos que uma senhora em uma poltrona próxima quis chamar o lanterninha. — Por isso digo para sempre fazer silêncio no cinema.
— Mamãe ri alto mesmo — Bruno achou graça ao comer sua pipoca.
— Obrigado, Theo! — Klaus disse com ironia ao entregar os ingressos para entrarmos na sala de projeção.
Acenei divertido e o acompanhei. Ao final, estar ali não estava sendo tão tedioso quanto eu pensava.
***
Eu acompanhava os ponteiros do relógio na parede, ansioso para que mais uma sessão psiquiátrica acabasse. Eu já havia ocupado um grande tempo ao realtar meu passeio com Klaus e Bruno, que depois do cinema foi finalizado com jogos eletrônicos naquelas máquinas de pinball.
— Não lembro a última vez que havia jogado essas coisas. Talvez ainda antes da faculdade. Mas até que fui bem, consegui fazer mais pontos que Klaus. O filho dele achou isso muito engraçado e passou todo o trajeto de volta implicando com o pai. — Olhei mais uma vez os ponteiros, ansioso para me ver livre daquela sala e daquele olhar de expressão enigmática. — No fim foi um passeio divertido.
— Não viu mais sua paciente, a que você fez amizade?
— A gente se fala com frequência. — respondi aborrecido omitindo todo o resto, não tinha vontade de falar com ele sobre Laís e muito menos tentar explicar sobre os sentimentos a me atormentarem.
— Humm. — odiava quando ele fazia essas interjeições como se dissesse "há algo escondido em sua fala". Era verdade que eu escondia, mas não pedi para estar ali. Muito menos escolhi aquele senhor para dividir os segredos de meu coração. Voltei minha atenção ao relógio, ainda faltavam alguns minutos. — Theo, você não é um paciente muito disposto à terapia — cruzei meus braços sobre o corpo e cerrei os dentes, não lhe daria explicações. — Fala apenas sobre coisas que estão na superfície, não quer me deixar te ajudar. Está aqui apenas seguindo um protocolo para poder continuar a ser médico.
— Eu... — pedia desculpa? Dizia que ele estava enganado? Inventava algo sobre meu passado para tentar enganá-lo? Bufei temeroso que esse fosse o começo de seu discurso para dizer que meu cargo de cirurgião não voltaria para minhas mãos. — não sei o que dizer.
— Não importa. O que tento dizer é que apesar de não ter podido te ajudar como eu desejava, você teve um avanço considerável. Esta será nossa última sessão.
— O quê!? Terei meu cargo de volta?
— Como você me disse na primeira vez em que nos encontrarmos, você sempre esteve pronto para ser cirurgião. Não duvidei disso, Theo. Nossas sessões não eram um teste de sua habilidade e sim uma tentativa de salvar o homem por trás do cirurgião.
— Eu preciso de meu cargo de volta para isso — respondi aborrecido. Aquele homem me enrolara quase três meses por nada.
— Não, você precisava de seu cargo de cirurgião para se esconder — abri a boca para discordar e lutar por meu cargo, não o deixaria continuar a me enrolar. Mas ele não me deu tempo de falar. — Sem seu cargo você foi obrigado a encontrar outras formas de lidar com seus problemas. E você conseguiu.
— Consegui? — era uma pegadinha? Uma estratégia nova de terapia?
— Sim, fez novas amizades e se esforçou para ser um amigo melhor, encontrou novas coisas que lhe dessem prazer e aprendeu a lidar com seu luto.
— Está dizendo que estou curado? — eu não me sentia nada curado. Havia tantas confusões em meu coração, medos, tristezas; alguns bons sentimentos também, mas isso não era cura.
— Estou dizendo que está pronto para caminhar com as próprias pernas. A vida é uma constante de tropeços, o que importa é se você aprendeu o que precisa ser feito para se levantar e continuar em frente.
— Mas se estiver enganado e eu não souber? — abandonei minha armadura, provavelmente pela primeira vez diante daquele homem.
— Não estou enganado, Theo — ele olhou para o relógio e sorriu ao me indicar a porta. — Nosso tempo acabou, adeus.
Saí pela porta com passos lentos. Tantas vezes entrei naquela sala possuído pela raiva de ser obrigado a falar as coisas que mais me feriam, e desejei apenas não estar lá. Agora eu ganhara finalmente minha liberdade e, provavelmente meu cargo de cirurgião de volta, mas eu sentia medo.
Medo de não saber me erguer sozinho se algo ruim acontecesse. Medo de que as dores do passado voltassem a ter sua força e se tornassem insuportáveis.
Por outro lado, eu me sentia aliviado por aquele psiquiatra acreditar que eu era capaz. Talvez eu conseguisse de verdade e esse fosse um novo começo. Uma nova chance para acreditar na vida. E talvez em um novo amor, quando eu conseguisse tirar Laís finalmente da cabeça, quem sabe se eu não conhecesse outro alguém tão especial quanto ela?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro