Logo depois de colocar o uniforme da faculdade, bateram na porta da minha casa, quando abri fui surpreendida por Ivi, Ryan, Josh e Ethan, Ivi abriu um sorriso e me abraçou.

— Bom dia Samy – Ethan fala sorrindo

— O que aconteceu? – Pergunto andando até a cozinha

—Josh nos contou que você vai voltar a treinar, e estamos felizes – Ryan fala bagunçando meu cabelo

— Eu não falei que ia voltar, falei que ia pensar na proposta dele, o que é bem diferente – Falo e Ethan começa a rir

— Você sabe que quer voltar – Ethan fala sentando no sofá

Ethan tinha razão, eu queria voltar, queria aquilo de volta, mas como eu sempre espero que algo fique estranho, era inevitável pensar que ao voltar, os mesmos fantasmas que me fizeram desistir voltassem a me assombrar assim que eu pisasse no dojô novamente.

— Acho que o silencio dela respondeu – Josh fala e Ivi comemora dando pulinhos
—é tão bom ter minha melhor amiga de volta! – Ivi fala me abraçando, retribui o abraço da mesma forma.

— Vamos para a faculdade! – Ryan fala jogando minha mochila nos meus pés

— Quer morrer Ryan? – Pergunto e ele ri

— Qual é Samy, você está enferrujada de mais pra me bater – Ryan fala e eu bufo Saímos da minha casa e fomos o caminho todo conversando, eu sabia que haviam se passado três anos e que certas coisas mudaram porem aqueles ainda eram meus amigos, eram as pessoas que estiveram comigo nos meus piores momentos, eram as pessoas que deixei pra trás e mesmo assim ainda estavam ali, me fazendo querer voltar, e sendo meus amigos novamente, de certa forma eu sabia que a velha Samy talvez nunca voltasse, mas estar perto dos meus amigos me fazia sorrir de verdade e a muito tempo isso não acontecia .

As aulas passaram voando, Ryan jogou uma bolinha de papel em cima da minha cadeira na aula de matemática, era um velho abito de Ryan quando queria falar alguma coisa mas sabia que a professora não iria deixar, então ele escrevia em um papel amassava e jogava, desenrolei o papel e li as palavras "vamos passar na sua casa as 14:30 para irmos treinar, recusar não é mais uma opção ".

Eles estavam decididos a me fazer voltar, talvez por Josh sentir minha falta e precisar de todo apoio depois que seus pais morreram, ou por eles querem me ver bem, ou talvez por também sentirem minha falta.

Quando cheguei em casa minha mãe me ligou para falar que estava de plantão e por isso não viria dormir em casa hoje, contei que meus amigos tinham me convencido a ir treinar, ela ficou muito animada mas logo nossa conversa foi encerrada pois um menino com o braço quebrado chegou na emergência, e ela teve que ir atender pois Não lembrava mais com que roupa eu treinava antes de receber meu quimono, por isso fiquei parada na frente do guarda roupas por um bom tempo, até meu celular apitar e eu ver que Ivi me mandou mensagem com as seguintes palavras "legging Preta com uma camiseta larga...te vejo daqui a pouco ".

Ivi sempre se preocupou com todos, as vezes até mais do que com ela mesma, lembro bem de um campeonato onde acabei deslocando meu ombro Ivi ficou tão preocupada que esqueceu de pegar a medalha que ela tinha ganhado, naquele dia Ivi ficou do meu lado até o médico garantir que eu estaria bem apesar de ter que ficar quinze dias com gesso que e poderia voltar para a casa no mesmo dia. Naquele dia fez brigadeiro e passamos a noite falando sobre qualquer assunto que viesse a cabeça, Ivi sempre foi a melhor amiga que alguém poderia ter.

Quando deu 14:15 eu já estava pronta, assim que terminei de tomar minha vitamina bateram na porta, gritei um "já vou" e conectei meu celular no carregador, pois não levaria ele junto, abri a porta e lá estavam eles, todos com mochilas, provavelmente seus quimonos estavam dentro delas.

— Pronta? – Ivi pergunta sorrindo

— Acho que sim – Falo e apenas sorri

Caminhamos até o dojô e então a insegurança voltou, olhei para Josh ele parecia feliz em ver todos reunidos novamente, foi o primeiro a entrar, logo depois os meninos também foram, eu, no entanto, fiquei parada olhando para o dojô senti alguém tocar meu ombro, olhei e era a Ivi.

— Vamos Samy, você não está mais sozinha – Ivi fala e eu a abraço

— Obrigada Ivi – Falo e ela sorri, mas não responde

Entramos no dojô e o Sensei Klaus estava subindo no tatame, mas assim que me viu desceu novamente e veio em minha direção.

—Samy, que bom que resolveu seguir meu conselho, e voltar a treinar – o Sensei Klaus fala e sorrio

—Digamos que fui quase obrigada – Falo olhando para Josh que saiu do vestiário já com o quimono

—Imagino que tenha mesmo, vamos suba no tatame – Sensei Klaus fala e Ivi sai para ir se trocar.

Tinham algumas pessoas novas treinando, entre elas uma garota ruiva e um garoto de cabelos cacheados que iam até o ombro, e algumas crianças também, subi no tatame e cumprimentei todos falando "Oss'' –saudação usada pelos caratecas – e então fiquei sentada ao lado de Josh até Ivi chegar, não demorou muito para o Sensei subir no tatame para começar o treino

— Queria agradecer a Samy por se juntar a gente novamente, seja bem-vinda de volta, cada um no seu ritmo, vamos começar! – Sensei Klaus fala e começamos a treinar Sensei Klaus ainda estava fazendo a contagem dos chutes quando ele parou e olhou em direção a porta.

— Atrasado de novo Nico – ele fala repreendendo o garoto que acabou de entrar Olho para a direção do garoto, ele aparentava ter 1.80 de altura, seus cabelos eram escuros e tinham um corte mais social, seus olhos se cruzaram com os meus antes que ele entrasse no vestiário, desviei o olhar na mesma hora. O Sensei Klaus esperou o garoto novo sair do vestiário já pronto para treinar, vestindo o quimono e a faixa marrom, o garoto novo ficou ao lado de Ryan, e assim o treino seguiu, infelizmente cansei mais rápido que o normal e errei algumas vezes os kata's mais avançados o que me deixou com raiva, quando o treino acabou fiquei esperando sentada em um bando, enquanto Ivi e os meninos foram se trocar.

—Samy, venha até aqui um pouco – Sensei Klaus fala de dentro do escritório, andei até a porta e vi o Sensei colocar uma sacola em cima da mesa, esperei até ele falar algo
— Quando sua mãe veio trazer seu quimono, talvez ela não tenha contado, mas eu falei que seu quimono ficaria guardado até o dia que você resolvesse voltar, ou até quando eu perdesse as esperanças nisso, por sorte você voltou – Sensei Klaus fala e abre a sacola.

Meu quimono ainda está dobrado do mesmo jeito que minha mãe dobrou no dia que veio trazer e definitivamente é estranho olhar para ele novamente, meus primeiros campeonatos foram usando esse quimono, as primeiras medalhas, as primeiras risadas, e aquela maldita noite, ele me trazia tudo a cabeça, era como se eu estivesse frente a frente com o meu passado novamente, porem eu ressuscitei esse fantasma dois dias atrás, quando entrei pelas portas da loja do Starbucks.

—Sei que ele te traz más lembranças, mas talvez seja necessário lidar com alguns fantasmas do passado para poder seguir em frente – Sensei Klaus fala e eu abaixo a cabeça, mais uma fez suas palavras me acertaram em cheio

— O senhor está certo, obrigada por guarda-lo por tanto tempo – Falo e ele apenas concorda com a cabeça

— Como dei sua faixa para outro atleta, pega essa – ele fala me entregando uma faixa verde enrolada

—mais uma vez, muito obrigada – Falo e coloco a faixa dentro da sacola, olho para fora da sala e meus amigos estão parados sorrindo em enquanto me olham

— Parece que eu não fui o único que não desistiu de você não é mesmo – o Sensei fala e eu sorriu sem mostrar os dentes — Até mais Sensei – Falo e saio da sala

—Finalmente – Josh fala vindo em minha direção para irmos embora

Ryan estava em cima do tatame brincando de tentar derrubar o garoto novo.

—Ryan anda logo – Ivi fala e Ryan para e começa a rir.

— Vamos cara – Ryan fala para o garoto novo que acompanha ele para fora do tatame, esperamos eles do lado de fora do dojô

—Samy, esse é o Nico Santini, Nico essa é a Samy Salt Berg – Ryan fala e Nico estende a mão, faço o mesmo apertando sua mão

— Então Samy, começou a treinar hoje? – Nico pergunta e antes que eu pudesse responder a garota ruiva aparece

— Você não está reconhecendo eu Nico, essa é a garota que abandonou a equipe depois que o namoradinho morreu! – A garota ruiva fala e Ethan a encara, por um momento quis pular no pescoço dela, mas apenas olhei para cima com os olhos cheios de lagrimas.

— Você ficou louca garota! – escutei Ivi gritar com a menina antes de sair correndo dali Corri o máximo que podia, parei em frente ao parquinho onde eu e Ivi tiramos a foto que está no meu álbum, sentei no balanço com os braços dobrados em cima do joelho e então comecei a chorar, eu não sentia essa dor a muito tempo, o aperto no peito que senti naquela maldita noite quando olhei pro corpo de Louis no necrotério voltou com toda a força, eu não podia mudar o passado a pesar de querer, mas não iria conseguir viver o presente sem encarar esses fantasmas, ninguém nunca mais tinha falado sobre o Louis, pelos menos não quando eu estava por perto, ou de uma forma tão dura e doeu, doeu mais do que eu esperava, doeu mais do que eu poderia imaginar que fosse doer.

—Samy! – Josh me chama enquanto corre até o balanço onde estou, sinto ele me abraçar, mas não falo nada, apenas choro um pouco em seu ombro
—Samy, a Mary não sabe o que fala – Josh fala sentando no outro balanço
— O fato dela saber ou não o que fala, não vão mudar a dor que que as palavras dela causam – Falo secando as lagrimas

—Samy, essa dor não é só sua – Josh fala e faz uma breve pausa antes de voltar a falar — Quando Louis se foi, todos nós ganhamos um buraco vazio dentro de nós, e quando você decidiu que era melhor se afastar de nós esse buraco ficou maior, principalmente pra Ivi, ela nunca achou outra amiga com quem realmente pudesse contar, já eu e os outros garotos encontramos o Nico, e então acho que a dor que esse buraco causava foi se camuflando e só voltou a doer agora, quando perdi meus pais, Samy nós também sabemos o que é perder alguém, então pode ter certeza que não dói só em você, mas também pode ter certeza que você não vai mais precisar enfrentar isso sozinha – Josh fala deixando algumas lagrimas descerem pelo seu rosto, lagrimas que ele não fez questão de secar, foram lagrimas que precisavam sair, precisavam ser derramadas.

Ficamos um tempo sem dizer nada, apenas deixando o balanço nos levar para frente e para trás, até Josh decidir ir para casa, fui com ele até a casa dele e nos despedimos e então fui para a minha.

Por todo esse tempo que estive longe meus amigos tiveram que enfrentar coisas que eu jamais fiz ideia, conheceram pessoas novas mas mesmo assim ainda sentiam a saudade que não ter Louis per perto trazia, eu deixei Ivi sozinha por muito tempo e mesmo assim ela nunca me julgou, nenhum deles fez isso, talvez por que de certa forma dividíssemos a mesma dor sentida de modos diferentes, e estar perto deles camuflava o buraco que ainda estava dentro do meu peito, aberto como uma ferida que nunca cicatriza, de certa forma eu sabia que quando meus fantasmas voltassem eles estariam ali, comigo, pra manda-los embora.