Corações Nostálgicos
O varal de luzes à entrada da escola cintilava criando uma cascata colorida que Tessa avistou da esquina. A faixa pendurada sobre o pórtico dizia: "Bem-vindos, alunos da Turma de 2012".
Tessa se aproximou, contemplando a fachada. Era a mesma de sempre, com algumas pinturas e remendos. Evocava um passado não muito distante, de quando Tessa era uma adolescente cheia de sonhos; vivendo a bolha de uma vida em suspenso... Do tipo, existe uma realidade ruim, mas que pode ficar em segundo plano. O otimismo da juventude desculpava tudo, encobria tudo... De olho num futuro melhor. A sujeira familiar varrida perfeitamente para baixo do tapete.
Infelizmente, os sonhos de adolescência, um dia, esvanecem.
A decoração singela, no estilo das antigas festas da escola, fez Tessa se lembrar daqueles tempos como se tivessem sido ontem. Cenas de um filme... Ela e Ernesto seguindo para a aula juntos, de mãos dadas. Lanchando juntos... O dia em que nenhum dos dois foi à aula, por causa do funeral dos pais dele. O sofrimento, e a paz que ele só encontrou ao lado dela, e vice-versa... As explorações e passeios às margens do rio, os acampamentos e as trocas de ideias... As músicas que ele gravava para ela...
Tessa reprimiu as lágrimas e puxou o espelhinho para ver como estava a cara. Para seu pesar, constatou que estava como sempre. Lavada. Apenas o batom dava um toque de cor ao rosto. Um batom vencido (vale frisar) que deixava o gosto desagradável de remédio. Ela aprumou os ombros e seguiu em frente. "Pelo menos, a cor é bonita", racionalizou.
Vários carros estavam estacionados na parte da frente da escola, sugerindo que a festa já rolava solta. A música nostálgica flutuou até os seus ouvidos. Tessa sentiu o impacto... E se lembrou, de repente... Era a música que ela estava ouvindo enquanto Ernesto deixava a cidade:
(...) So far away, but still so near¹
The lights go on, the music dies
But you don't see me, standing here
I just came to say goodbye (...)
Parece que foi ontem. Mas ao mesmo tempo, parece que se passou uma eternidade. Ela fez um esforço para conter a emoção.
Com pesar, Tessa percebeu que teria de cobrir com a máscara para COVID-19, a única parte do rosto que dava cor a sua pele. Aproveitou para pegar um lenço de papel da bolsa e tirou a pintura dos lábios, porque aquele gosto de remédio a estava incomodando... Ajustou a máscara, aproximou-se e esticou o braço para medir a temperatura, junto à mulher postada à entrada. Não se lembrava dela; se trabalhava na escola ou não... Ela conferiu a temperatura no mostrador e lhe disse que podia seguir.
A música anterior foi substituída por outra. The Time (Dirty Bit), do Black Eyed Peas. Tessa respirou aliviada. Não fazia parte do seu repertório romântico juvenil, ou do seu repertório dor-de-cotovelo. Não traria lembranças indesejáveis.
Entrou pelo corredor coberto do ginásio, e avistou alguns grupos conversando animadamente. Um ou outro casal estava dançando na pista improvisada, no centro da quadra.
Ela reconheceu alguns ex-colegas acompanhados de maridos e esposas. Pelo visto nem todos respeitaram o espírito da reunião, que era reviver momentos de um passado adolescente. Um tempo em que o amanhã não existia.
No final das contas, até que foi bom alguns terem trazido a família; quebrava um pouco daquela nostalgia pungente, e lembrava que, apesar de tudo, o tempo passa e não tem jeito de voltar.
Tessa caminhou entre os grupos. Os All Star fazendo nhec-nhec no piso. Ao perceber, ficou mortificada. Tratou de andar bem devagar. Claro que as pessoas logo repararam na sua presença. Alguns a saudaram, outros a ignoraram.
Tessa parou diante de uma longa mesa feita com compensados, coberta por uma toalha de papel barato, usado em churrascos ou piqueniques. A mesa estava abarrotada com guloseimas, petiscos e bebidas. Principalmente, tigelas e mais tigelas de ponche de frutas. As sobrancelhas dela franziram. Ponche era um perigo em sua vida. Certa vez, bebeu um pouco além da conta e serviu de chacota para os outros. Ernesto a salvou de um vexame maior. Não cometeria o mesmo erro esta noite.
Uma nova música começou a tocar, e ela identificou Efêmera, de Tulipa Ruiz. Pegou um copinho plástico, encheu com coca-cola e olhou ao redor. Emocionou-se ao reconhecer alguns dos antigos mestres.
– Tessa! – O professor de português se aproximou. – Minha melhor aluna de redação!
Ele segurou com firmeza a sua mão livre, chamando a atenção para os dois parados junto à mesa. As Patricinhas que ela tanto detestava – atualmente, senhoras bem casadas e ainda ricas, ou mais ricas do que na adolescência – mediram-na de cima para baixo. Tessa as ignorou e sorriu para o professor.
– Que nada, Seu Heraldo! O senhor é que foi o meu melhor professor de Português!
Ele ficou todo bobo. Conversaram um pouco e o professor seguiu para outro grupo, onde também estava o professor de História. A música anterior foi substituída por "Meteoro", de Luan Santana. Até agora, Tessa só dedicava elogios ao D.J. ou a quem selecionou o repertório musical.
– Ora, ora – uma voz estridente interrompeu os seus devaneios.
Tessa se virou devagar, tendo reconhecido a voz antes mesmo de ver a pessoa.
– Olá, Lurdes! – ela respondeu baixinho.
Como descrever Lurdes DiPáglia? A rainha abelha daqueles tempos e, pelo visto, a rainha abelha do presente evento... Não só teve a ideia como organizou tudo. O encontro da galera era um sonho acalentado desde antes de terminarem o ensino médio. Ela meio que curtiu a ideia, mais do que o encontro propriamente dito.
– Se não é a nossa pequena Tessa – disse, abrindo os braços. Antigamente, Lurdes tinha a mania de abraçar até espremer a pessoa, como uma forma de retaliação sem que deixasse provas do seu ataque.
Assim, Tessa deu um passo para trás, o mais longe possível do seu alcance. Lurdes percebeu e soltou uma risadinha.
–Ora, olá! Se não é a grande Lurdes – devolveu Tessa, com um quê de zombaria.
A outra disfarçou o espanto. Lembrava–se de uma garota calada e intimidada. Para disfarçar, contra-atacou: – O Ernesto não veio. Sabia?
– Eu nem sabia que ele foi convidado.
Quer dizer, ela sabia que ele foi convidado. Mas fora informada de que ele não iria aparecer. Não entraria nesses detalhes. Com Lurdes, o melhor é editar.
–Não sabia que ele está na cidade? Já faz tempo! – A outra arregalou os olhos e lhe deu um sorriso conspiratório. – Ora, vocês eram tão grudados um no outro...
De fato, Lurdes e as Patricinhas morriam de inveja porque Ernesto preferia ficar com Tessa.
Para seu alívio, avistou Lídia no outro canto do salão; o que a salvou de fazer qualquer comentário.
– Com licença – disse, e atravessou a quadra na direção da amiga, como um náufrago nadando em direção à boia salva–vidas.
– Oi! – disse, englobando Aníbal, em seu cumprimento, quando o viu chegar com dois copos de poncho.
Galante, ele ofereceu um copo à esposa e cedeu o dele para Tessa.
– E aí, amiga! – disse Lídia. – Fico feliz que tenha mudado de ideia.
– Pois é, mas já estou me arrependendo. Aquela Lurdes sempre foi uma insuportável.
– Ah, esquece aquela lá! É mal-amada, tem um marido galinha... Digna de pena.
Aníbal lhe chamou a atenção. – Querida, olha como fala!
– Que foi? Só estou dizendo a verdade. – Lídia encolheu os ombros e pediu: – Niní, porque não vai colocar o papo em dia com seus colegas do time de futebol da escola?
Aníbal lhe lançou um olhar conhecedor, que Lídia fez questão de ignorar.
–Vem, – ela agarrou Tessa pela mão – vamos ver se a Cora já chegou.
As duas se afastaram de mãos dadas, como faziam na adolescência.
– Tem coisas que nunca mudam! – disse Aldair, o atleta da escola.
As duas riram para ele e seguiram caminho.
E lá estava Cora, conversando com a professora de matemática. Cora sempre foi sua puxa–saco oficial. Tessa riu baixinho, pensando no ditado que diz que antigos hábitos não mudam. De todos os alunos pendurados no final do ano, Cora foi a única que passou direto.
– Oieeee! – Cora se empolgou ao avistar as amigas. Os gritinhos das três se perderam quando começou a tocar a música "Dê um rolê" da Pitty.
– Como você está querida? – Lídia andou ao redor dela, analisando–a criticamente. – Amiga, você está em forma!
Cora era bem gordinha na época da escola, e agora estava quase irreconhecível. Exceto pela cara de zangada que ela ainda sabia imitar como ninguém.
– E vocês duas não mudaram nada!
O sorriso de Tessa ficou amarelo. Claro, a vida dela não mudou nada desde aquela época. Sentiu-se um ET congelado no tempo.
As três conversaram mais um pouco, então, Lídia virou a cabeça e comentou: – Não olhe agora, Tessa, meu bem, mas o Ernesto acabou de entrar no ginásio... E não está sozinho.
Tessa congelou.
–––
- Minha história de amor impossível / versão de Calum Scott (Dancing on my own)
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