Corações Afetuosos
Tessa encontrou Lídia, a melhor amiga, passeando pela praça com os três filhos. Pessoa fantástica: sincera; parceira; bom astral... Enérgica na hora certa.
As duas se conheciam desde o ensino médio. E mesmo tendo seguido caminhos diferentes, não perderam contato. Lídia se casou com o colega de ensino médio, Aníbal – carinhosamente chamado por ela de Niní (não na frente dos amigos dele, é claro; muitos homens são sensíveis quando se trata de questões de macheza).
Os três filhos foram concebidos em curtos intervalos – Lídia sempre foi desastrada com controle contraceptivo, mas no terceiro, ela aprendeu; e desde então, vive numa feliz bagunça que é uma família com crianças pequenas.
Duas crianças entre três e cinco anos de idade dão trabalho. Mesmo assim, Lídia e Aníbal formaram uma base segura para os felizes pimpolhos – uma base aconchegante e carinhosa, mas sem perder a disciplina.
– Tia Tessa! Tia Tessa! – Jorginho, o de cinco anos, veio saltitando com os braços abertos.
Tessa automaticamente abriu os braços e o levantou, girando–o como sabia que ele gostava. Jorginho deu gritinhos alegres.
Os outros dois, Muriel e Deivis, apenas observavam, como sempre. Muriel chupava o dedo, agarrada na calça da mãe. Deivis estava quietinho no colo, sem tirar os olhos preocupados do irmão doido.
Quando, finalmente, Tessa colocou-o no chão, Jorginho não sossegou e continuou correndo ao redor delas imitando um avião, com os braços abertos. Tessa sorriu e ergueu o olhar para a amiga, tomada pela mesma sensação toda vez que a encontrava...
Enquanto a maioria dos colegas de escola já tinha uma família e uma vida profissional resolvida, Tessa vivia mais do mesmo. Congelada no tempo, numa perpétua adolescência, com o terror constante ao lado de uma mãe espancadora, histérica e inconsequente.
Essa percepção aguda acompanhada de uma sensação de ter falhado na vida, era seguida da tentativa de reprimir os aspectos negativos de sua vida, contentando-se em torcer pela vida dos outros. E como sempre acontecia quando estava no meio das pessoas de quem gostava, simplesmente afastou a tristeza para o canto mais distante de sua mente.
Lídia adiantou–se para a amiga, num abraço desajeitado por causa de Deivis. As duas trocaram beijinhos rápidos ("beijinhos de nojentas", como chamavam desde os tempos de escola). Lídia se afastou para olhar ao redor, como uma mãe águia rastreando o filhote.
Não se pode perder de vista as crianças pequenas.
– Ai, que bom encontrar você, amiga! – Disse Lídia, segurando Muriel pela mão. – Recebeu o convite?
Tessa franziu o cenho.
– Que convite?
– Ai, 'miga! – Lídia suspirou, resignada. – Sempre no mundo da lua.
Mudando Deivis de posição, explicou: – O encontro da turma.
Tessa fez uma careta. Por essa, não esperava... Não recebeu convite algum e mesmo que tivesse recebido... Foi logo dizendo:
– Ah, eu não vou, não! Para todo mundo me jogar na cara a vida maravilhosa que cada um tem, enquanto eu continuo estacionada nos 17?
– Estacionada por que quer – objetou Lídia, não querendo lhe jogar na cara todas as oportunidades que teve de deixar a mãe doida e começar a própria vida. Inclusive, a viagem ao exterior, da qual voltou atrás, deixando Ernesto partir sozinho.
– Não quero falar disso – Tessa sabia aonde a amiga queria chegar.
– Tudo bem – respondeu Lídia, delicadamente. – Mas, você precisa saber de uma coisa...
– O que? – Tessa exalou um suspiro cansado.
– Ele está de volta à cidade.
Tessa ficou parada e muito quieta. Não fingiu que não entendeu sobre quem Lídia estava falando.
– Mais um bom motivo para eu não ir a tal festa – respondeu, por fim.
– Quem disse que ele vai?
– Pois, se estávamos falando da festa...
Lídia sacudiu a cabeça, como quem diz: "esquece a festa".
– Não é isso... Além do mais, Ernesto também não respondeu ao convite. O ponto, aqui, é que ele está de volta e a cidade é pequena. Fatalmente, vocês vão se esbarrar por aí.
E isso vai doer – ela completou mentalmente. Nunca parou de doer, aliás. De repente congelou, lembrando de que havia passado mais cedo na frente da oficina de Seu Roberto – como fazia todos os dias. Ernesto deve tê-la visto e não se deu ao trabalho de vir falar com ela. Mas o que ela poderia esperar, depois de dez anos sem contato? "O coração esperava"... – sussurrou-lhe uma vozinha interior.
E o coração afundou no peito.
–––
Tessa lembrava-se do ensino médio com nostalgia. Apesar da crueldade típica entre os adolescentes, foi a época mais feliz da sua vida. Talvez os sonhos de um futuro melhor tenham emprestado o colorido da esperança. Tessa acreditava que dias melhores viriam. De que um dia, sua mãe fosse amá-la.
Tantos sonhos...
Hoje, ela sabe que deveria ter seguido o impulso do coração. Deveria ter partido com Ernesto. Deveria ter cortado os tentáculos de sua mãe. Antes de tudo, deveria ter enfrentado a própria insegurança. Hoje, sente-se desamparada e vazia de realizações por causa de sua covardia... Estava na fase mais difícil da terapia, que era olhar para dentro de si mesma.
Só assim percebeu que a tranquilidade que encontrava em seus pequenos rituais, era ilusória. O fato de trancar e destrancar portas, lavar copos e talheres, mais de duas vezes, escovar e prender bem o cabelo, sem deixar nenhum fio solto... Do contrário começava a arrancá-los...
Sofria de crises de ansiedade e os rituais pretensamente a ajudavam antes e depois das atividades mais estressantes do seu dia. Por exemplo, antes de sair de casa, ela fechava a porta três vezes. Depois, ela procurava andar do lado direito da calçada. E quando estava no trabalho, costumava utilizar um pulverizador de álcool na mesa, no teclado, em si mesma, porque a pandemia quase a levou à loucura.
Correção: aturar sua mãe o tempo todo dentro de casa, durante a pandemia, quase a levou à completa loucura.
Tessa vivia a cada momento esperando que algo de ruim fosse lhe acontecer. Ficava só imaginando de onde viria a cacetada da vez. Uma paranoia com fundamento, mas que acabava desenvolvendo desdobramentos sem fundamento. Em outras palavras, depois de tantas cacetadas inesperadas e das afrontações da mãe, ela ficava esperando que sempre fosse acontecer outra coisa.
Nunca relaxava.
Com o agravamento de sua ansiedade, durante a pandemia, ela reconheceu que precisava de terapia. Procurou ajuda online e sentiu que foi a decisão acertada. Desde então, vinha passando por um processo de descoberta interior; que a levou à consciência de que a mudança dependia de escolher ajudar a si mesma.
Ela poderia estar chegando a um ponto sem retorno e se quisesse realmente livrar–se da ansiedade, e do mal-estar constante, precisava assumir completamente as rédeas da própria vida; fazer as mudanças necessárias. Dolorosas, mas necessárias.
Até então, costumava pensar no que a vida poderia ter sido. Não se dedicava ao aqui e agora. Era mais fácil lamentar pelo passado do que enfrentar o presente.
Mas o convite da festa da turma, mencionado por Lídia, finalmente chegou em sua casa – entregue pelas mãos do carteiro e ex–colega de turma.
– Você vai, não vai? – Perguntou.
Tessa ficou olhando para o envelope...
– Talvez...
De repente, ela estava entretida com o teor do convite, pensando que os nomes da lista da turma foram colocados dos mais populares para os menos... O seu era o último... Imaginou, por outro lado, que pensar assim seria como esperar o pior e agir de acordo, sem ter certeza dos fatos.
Ela pensou em comparecer à festa... Assim, num impulso... Não era ainda uma certeza de que o faria... A ideia ficou lá, no fundo da mente e bem na frente dos olhos (a cada vez que passava pelo convite, preso no canto do espelho da penteadeira).
Imaginou que poderia ir, sim, por que não? Ela era parte da turma de 2012. Querendo os outros, ou não, aquele momento lhe pertencia tanto quanto a eles. Fizera algumas poucas, mas significativas amizades. Lídia estaria lá. Ansiava que fosse (esse foi um fator importante em sua decisão). E como Ernesto não só não a procurou, como também não deu sinal de que pretendia ir à festa, ela relaxou e decidiu fazer uma coisa espontânea, pela primeira vez em muitos anos.
–––
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro