Capítulo 7
Eu descobri que Oliver tinha 18 anos e que era bastante engraçado quando se tinha intimidade. E, bem... A amizade flui. Dançamos todas as músicas que pudemos e não trocamos de par em nenhum momento. Foi assim, até os sininhos tocarem e nos encaminharmos todos para a sala de jantar para nossa refeição noturna.
Cora esperava à grande porta, pronta para encaminhar qualquer convidado que estivesse perdido e precisasse se sentar. O único que parecia desnorteado era Percival e minha mãe fez questão de providenciar que o colocassem em algum quarto afastado para não importunar os outros convidados com suas palavras emboladas, seu bafo insuportável e seus passos trôpegos.
Quando vi tanta gente não pensei que houvesse comida suficiente para todos até ver a fartura das duas mesas compridas. Havia todos os tipos de carne que se podia imaginar, desde galinha a crustáceos e pratos que variavam entre o típico ensopado com batatas a elaboradas refeições com ingredientes que eu não conhecia. Tudo, desde o banquete diversificado à decoração com candelabros dourados, parecia ser uma explosão de cores e sabores que apenas surpreendia os convidados.
Eu e Oliver sentamos lado a lado e para o meu infortúnio de frente para Zachary e Serafina. Devido aos esforços do meu acompanhante, o discurso do Sr. Lackwood e da minha preocupação em manter a etiqueta enquanto comia; não fiquei distraída olhando para o casal na outra mesa. Pelo menos, não todo o tempo.
Decidi abrandar meus sentimentos e deixar que o inglês me fizesse rir, o que não foi difícil para o meu espanto. O rapaz me deixou ficar com minha sobremesa, um gesto bastante gentil. Ele me contava piadas com elogios escondidos nas entrelinhas e não precisou falar alto ou para um público muito vasto como Sr. Richard fazia naquele momento com seus amigos. A ideia de ser o centro das atenções de Oliver me trouxe uma sensação vergonhosamente boa.
Todos demoraram para comer o jantar, conversávamos bastante deixando o salão com um eco da cacofonia de vozes. O baile corria animado e a noite avançava. Oliver parou por um instante olhando para o outro lado da mesa. Não entendi por que havia pausado a conversa e segui seu olhar enquanto ele tentava voltar ao diálogo casual que havíamos adentrado.
– O que houve? – Questionei fixando os olhos no mesmo ponto em que ele havia fitado. Foi só então que me atentei que Zachary olhava para nós de tempos em tempos e que ele havia virado o rosto quando percebeu que nós havíamos notado seu ato. Oliver suspirou.
– Parece que alguém finalmente lhe deu atenção. – Ele resmungou e eu suspirei também. Enquanto, uma serviçal de cabelos loiros e pele muitíssimo branca começou a servir vinho a Zachary, a música voltou a ressoar.
– Não estou mais com fome.
– Nem eu. – Admitiu o garoto. – O que a senhorita sugere?
– Eu gostaria de voltar ao jardim.
– Adorei a ideia! Vamos, antes que alguém a roube para dançar.
Oliver me ajudou a levantar e nós dois voltamos a bailar em meio às poucas pessoas que já haviam terminado de comer. Não pude deixar de ficar confusa com os intencionais olhares que Zack havia lançado. Tinha a séria impressão de que ele estava brincando com minha dignidade.
Eu não conseguia me concentrar e hora ou outra tropeçava em meus sapatos. As pessoas estavam mais dispersas, conversando ao invés de dançando e o jardim ficou mais vazio em comparação ao primeiro momento do baile. Foi quando Zachary e o Sr. Lackwood apareceram, juntos como duas esculturas de deuses gregos. Zack tentava focar a visão, procurando algo. Procurando alguém.
Prendi a respiração enquanto a música que dançávamos acabava. Zachary nos achou e se aproximou com Richard em seu encalço. Fiz uma reverência a Oliver e ele devolveu o gesto.
– Pequena Elizabeth! – Cumprimentou o Sr. Lackwood alegre, quase urgente.
– Sr. Lackwood. – Cumprimentei, polida e sorridente, sem deixar de me questionar onde estava Serafina.
– Veja só se não é o jovem Beaumont! – Oliver elevou as sobrancelhas.
– O senhor me conhece?
– Ora! Você se parece muitíssimo com o seu pai, a última vez que te vi, sua ama estava lhe dando banho! – Não pude deixar de rir com o comportamento inconveniente do Sr. Lackwood. Foi difícil manter a seriedade quando Oliver ficou vermelho e soltou um sorriso envergonhado. – Todavia, para todos os efeitos, estou me apresentando agora.
– É uma honra Sr. Lackwood. – Oliver disse. – Tem sido um baile adorável.
– Espero que esteja se divertindo.
– Estou. – Oliver comentou entreolhando– se comigo. Foi então que Zachary se pronunciou com uma expressão rabugenta.
– Seu pai estava buscando o senhor e a sua irmã. Acredito que deva procura– lo. – Zack disse, enviando um olhar frio e calculista para Oliver.
– Eu prometi a próxima dança a Srta. Salazar.
– Não se preocupe, dançarei com ela em sua ausência. – Cerrei os olhos surpresa com a acidez de Zack e com uma vontade inexplicável de bater na sua cabeça com um tronco. Oliver fitou– me e sussurrou em meu ouvido.
– Volto antes da música terminar. – Ele prometeu e eu assenti com um gesto de cabeça, enquanto ele se afastava.
– Vão, aproveitem a festa. Procurarei uma taça de vinho e já retornarei. – Disse o Sr. Lackwood.
Zachary tomou minha mão e me puxou para dançar a música lenta que se estendia preguiçosa pelo jardim. Mal nos movíamos e não falamos nada até o meio da canção.
– Estava se divertindo com o Beaumont?
– Muitíssimo. É um rapaz bastante educado.
– Percebi que não dançou com mais ninguém além dele.
– Dancei com você. Não se lembra?
– Achei que tivesse dito que não queria pretendentes. – Zachary resmungou.
– Minha mãe quer que eu tenha pretendentes ou você se esqueceu?
– Não me esqueci. – Ele respondeu frio.
– O que há com você?! – Questionei franzindo a testa. – Sabe muito bem qual o motivo de eu estar aqui e sabe que eu não tenho escolha...
– Me parece que você está gostando bastante da escolha dos seus pais.
– E qual o problema nisso? Você passou a noite inteira subindo e descendo a mansão com a irmã de Oliver, tenho certeza que ela satisfaria todos os aspectos que você precisa em uma noiva.
– Ela não largou do meu pé a noite toda!
– E o que isso tem a ver com o fato de eu só ter dançado com Oliver? Desculpe-me se você não teve tanta sorte, mas pela primeira vez estou fazendo o que me mandaram e estou gostando. Deveria estar feliz, foi você quem disse para eu me divertir. Não pode me fazer sentir culpada por isso.
– Elizabeth...! – Ele disse o meu nome todo! Ele nunca diz meu nome todo! Por que está tão revoltado? Zack estagnou. No meio da frase e no meio da dança. Não foi tão perceptível porque a coreografia era lenta, mas eu percebi muito bem, porque meu corpo estava enfurecido e eu não queria ficar parada.
– Que droga, Zachary!
– Shh!
– Como é?! – Arqueei as sobrancelhas, irritada. – Zachary Franklin Lackwood, seu garoto prepotente e idiota... !
– Ellie, quieta... – Sua voz saiu do tom de resmungo e migrou para um tom urgente. Ele olhava para todos os cantos examinando cada janela e porta de entrada para o jardim. – Está ouvindo isso?
– Estou ouvindo você reclamar e somente!
– Estou falando sério! – O rapaz disse.
Foi só então que eu parei e escutei.
Alguma confusão estava acontecendo dentro da casa. Alguns gritos ressoaram de dentro da sede, em específico da ala sul, se estendendo em uma onda sonora até o jardim.
Na medida em que os urros se tornaram mais pavorosos e mais próximos, os convidados também pararam de dançar e de conversar, tentando entender o que estava acontecendo. O grupo musical parou de tocar e os sons se propagaram como eco.
Assustada, notei que não se tratavam de apenas berros desesperados e sim de risadas maquiavélicas que começaram a embrulhar meu estômago. Como um tsunami, uma onda de pessoas correndo surgiu e em seu encalço havia um bando de homens sujos que escancaravam os dentes se deliciando com o pânico dos convidados.
Minha respiração tornou-se entrecortada e eu apertei com força o braço de Zachary. Eles começaram a esfaquear as pessoas diante de nós, derrubavam as tochas de fogo e as mesas. Os gritos se tornaram a sinfonia da noite e eu não conseguia me mover. Meus olhos estavam arregalados e meu corpo paralisado como uma das estátuas do jardim.
– Ellie... Corre! – Gritou. Eu não consegui sair do lugar.
Foi quando Zachary segurou minha mão e saiu em disparada. Meus pés descongelaram e eu o segui com dificuldade. Eu nunca soube direito o que aconteceu logo depois, porque as coisas aconteceram de forma rápida e eu não conseguia me concentrar em nada além dos meus pés e das minhas tentativas de não tropeçar nos sapatos elegantes e doloridos que minha mãe me obrigara a usar.
Eu seguia Zachary, porque sinceramente não sabia para onde correr e rezava para que ele soubesse para onde ia. Meu corpo ficou febril e a adrenalina dilatou minhas narinas me fazendo puxar o ar com força.
O jardim começou a pegar fogo e as labaredas se alastraram rapidamente. Havia sangue para todo lado, como se o pavor tivesse se tornado a principal decoração do jardim.
– Precisamos achar meu pai! – Zachary gritou.
Ao dizer isso não foi à imagem do Sr. Lackwood que se formou em minha cabeça e sim a dos meus pais. O baile havia se transformado em um show de horrores e eu não tinha a menor ideia de onde eles estavam no meio daquela bagunça.
Os marmanjos escolhiam vítimas aleatórias. Eles arrancavam as joias das mulheres à força e as arrastava fazenda a fora para fazer Deus sabe o que. Atracavam-se aos homens deixando-os inconscientes com 4, 3 golpes ou talvez menos. Com pistolas e espadas eles estripavam os convidados, matando-os sem dó ou piedade. Membros despedaçados, órgãos voando de seus corpos. Era um banho de sangue. Enquanto tentávamos nos afastar daquele massacre um deles avançou à direita de Zachary.
– Cuidado! – Gritei desesperada, mas foi em cima da hora, fomos todos ao chão.
Arrastei-me com dificuldade tentando sair de perto do embate entre meu amigo e o criminoso. Foi só então que parei para prestar atenção nas características de um dos marginais que haviam invadido a mansão. O homem era no mínimo 5 palmos mais alto que o garoto. Era forte, cheirava mal e por incrível que pareça se vestia bem, talvez tenha sido uma forma de se camuflar e entrar no baile. Tinha uma faca comprida na mão e tentava acertá-la no meu amigo.
Eu não tinha forças para me levantar e tinha a impressão que não tínhamos mais chances agora que estávamos no chão. Foi quando me lembrei do punhal e comecei a imaginar as diversas coisas que eu podia fazer para ajudar Zachary. Puxei o objeto que estava entre as saias do vestido e apertei o cabo com força. O garoto viu quando fiquei de joelhos e viu o que eu carregava nas mãos. Provavelmente também viu como eu tremia.
– Ellie, não! Saia daqui! – Ele gritou com os olhos esbugalhados. – Saia daqui agora!
Acho que a minha teimosia falou mais alto, porque mesmo com todo o medo e pavor que eu sentia ainda tive coragem de levantar o punhal no alto da minha cabeça com as duas mãos. Eu havia me esquecido de tudo aquilo que havia aprendido e apenas agi impetuosamente.
– Ellie!
Com isso eu não percebi quando outro homem se aproximou por trás de mim. Ele tirou o punhal das minhas mãos me fazendo soltar um grito e agarrou um dos meus braços me levantando. Ele fez aquilo com tanta força que pensei que fosse quebrar meu membro.
– Ora, ora, que perigoso! Uma mocinha tão delicada como você não deveria estar carregando uma coisa tão pontiaguda, não é mesmo? – Ele puxou meu cabelo com uma mão e pousou o punhal no meu pescoço, aproximando a boca mal cheirosa do meu rosto.
O outro homem havia conseguido render meu amigo no chão enquanto ele grunhia ferozmente e se debatia para se livrar da imobilização. Eu não sabia o que fazer, além de me manter parada.
– Deixa-a em paz! – Zack gritou. – Solte-a!
– E o que vai fazer se eu não soltar? – O rosto de Zachary passou por um processo de expressões gradativas de desespero e à medida que ele se preocupava comigo, mais incentivado o homem se sentia. – O que faz você se preocupar tanto com ela? É sua prima, irmã?
– Eles não se parecem nem um pouco. Talvez seja uma das criadinhas dele, Danley.
– Não. – O outro balbuciou cheirando meu pescoço e arquejando. – Ela cheira bem demais para ser somente uma serva. – O cheiro asqueroso dele se intensificou e meu corpo que já estava bastante afetado com a situação, aumentou a quantidade de tremulações. Minha garganta fechou e meus olhos se encheram de lágrimas ao perceber que realmente poderíamos morrer.
– Zack... – Gemi cheia de medo. Foi quando o meu carcereiro olhou para o meu rosto e sorriu maldoso, intercalando a visão entre os meus olhares angustiados e os do meu parceiro.
– Ah! – Murmurou deliciado diante do apelido sussurrado. – Estamos diante de um casal de pombinhos. – Ambos os criminosos sorriram de forma maquiavélica.
– Não somos um casal! Deixe-a em paz! – O homem ignorou as palavras de Zachary e continuou.
– Ela é tão bonita para você rapazinho.
– Que pena será mata-los. – Disse o outro.
– Eu penso em algo diferente.
– Ei! O capitão deu ordens de matar a todos! – Danley olhou com um plano embutido no sorriso.
– Podemos fazer coisas mais divertidas do que só mata-los, caro Terency. – O capanga compreendeu o que quer que o outro havia intencionado e deformou a face em uma expressão de animação.
– Não... Não! – Zack gritou.
Comecei a gritar enquanto eles gargalhavam pensando em seus planos malignos, levantando Zachary e arrastando nós dois pelos jardins da fazenda. Metade do meu vestido, o motivo de tantas discussões e cuidado, estava rasgado e eu já havia perdido um dos sapatos.
Foi quando uma faca atingiu o rosto do meu agressor, rasgando um naco de carne sangrento e fazendo-o gritar e me soltar. O autor, ou melhor, a autora daquele ato foi a mesma que com dois golpes de perna deixou Terency no chão inconsciente. Ela me puxou com facilidade, tinha mãos frias e brancas como papel.
– Elizabeth Drummond. – A mulher disse calmamente no meio de todo o caos que o baile havia se transformado. – Você precisa vir comigo. – Ela disse.
Estava vestida com roupas de serviçal e era a mesma moça loira que eu havia percebido mais cedo no jantar. Era bonita e eu só percebi seus cabelos tom de trigo pelas sobrancelhas e pelos poucos fios que saiam da touca. Quando eu virei meu olhar para Zachary, ele ainda estava no chão e extremamente pálido com os olhos fixados na jovem.
– Olá, jovem rapaz tristonho. – Ela disse com um sorriso, soltando o punhal.
Estranhamente, eu sabia que ele não estava petrificado por causa da nossa quase morte e sim por causa da voz de sinos da moça. De repente, ela segurou minha mão e foi como se um vento ultrapassasse meu corpo. Não como quando eu estava no campo e sentia a brisa leve marítima pela minha pele.
Não.
Foi como se um vento frio realmente tivesse ultrapassado meu corpo bruscamente. Minha pele, meus órgãos e tecidos, meu sangue e meus ossos.
Em um momento eu estava ali e no outro eu não estava mais. Em um momento eu estava no jardim da mansão que passei a grande maioria dos meus dias e no outro eu não estava mais. Em um momento eu estava rodeada de homens maltrapilhos, convidados aturdidos e Zachary. No outro só havia uma desconhecida do meu lado.
Repito.
Um vento passou.
E eu saí da fazenda com um sopro.
Em segundos.
Sem entender exatamente nada, puxei minha mão com força e fitei a moça a minha frente. Ela olhou ao redor e entortou a boca frustrada, quase não notando que eu estava ali.
– Porcaria! Deveríamos estar mais longe! – Ela reclamou – Maldito Mackbeth! Não me ensinou a me teletransportar direito! – Praguejou.
– Tele o que? – Ela virou-se para mim. – O que está acontecendo? Onde estamos? Quem é você?
Ela olhou ao redor mais uma vez e apressada disse.
– Não há tempo para apresentações, precisamos fugir.
– Fugir para onde?
– Para o mar.
Eu nem sabia, mas a partir daquele momento eu nunca voltaria a ser a mesma. É a partir daqui que minha aventura começa e que as coisas ficam realmente interessantes.
2747 palavras
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