Capítulo 6
Cora já havia organizado tudo. Ela deixou um homem pomposo e extravagante com a responsabilidade de anunciar os nomes dos convidados e avisou aos músicos para pararem de tocar no momento em que ouvissem nossos nomes.
Zack estava dizendo quem éramos ao anunciador de roupas coloridas e estávamos prestes a ficar diante de todo mundo nas escadas principais, quando o impedi segurando seu braço. Embora pudesse ouvir as vozes das pessoas conversando e as gargalhadas de algum bêbado perdido entre a multidão, o som que retumbava em mim era o da minha respiração entrecortada. Quanto mais próximos do salão principal, mais trêmula eu ficava.
– O senhor pode esperar só um instante? – Supliquei ao homem de roupas espalhafatosas. – Zack, eu não vou conseguir! – Falei apressada. – Vai ter muitas pessoas lá embaixo, eu sinto que vou desmaiar ou vomitar... Ou os dois ao mesmo tempo...! – As palavras se acotovelaram em minha boca e um calor estremecente fervilhou no pé do meu estômago.
– Ora, Ellie, fique calma!
– Algo de ruim vai acontecer! – Exclamei. – Eu sinto que vai! – Era como se algo me avisasse para testar os limites da velocidade que minhas pernas podiam alcançar. – Leve– me de volta ao meu quarto e diga que estou passando mal, ou que estou doente e morrendo... Pronto! Diga que morri! Mortos não vão a bailes, certo?! Eu não estou certa?!
– Ellie, pelo amor de Deus...
– Zack, eu não quero descer. Eu vou fazer alguma idiotice e todos vão me odiar!
– Todos vão te adorar, Ellie!
– Também não quero ser adorada! Se gostarem de mim, arranjarei um marido, me casarei e nunca mais voltarei! Nunca mais verei meus pais e todas as outras pessoas que amo! Eu só tenho 14 anos, Zack! Pessoas com 14 anos não deveriam ter que passar por esse tipo de coisa! Não quero fazer nada disso! – Minha voz começou a ficar embargada e minha visão turva. O coração estava ficando apertado, minha garganta se fechou, comecei a tentar suprimir meus soluços enquanto minha cabeça parecia que iria explodir. Eu percebi pela expressão no rosto de Zachary de que ele estava entrando em desespero. O rapaz nunca soube como reagir a uma garota chorando, assim como qualquer outro garoto de 17 anos.
Para ser sincera, eu sempre tive a impressão de que nenhum homem sabe realmente como consolar uma mulher em crise, independente de idade.
– Elizabeth, você vai ficar com o rosto todo vermelho! Você fica horrível chorosa e vai acabar afastando todos os seus pretendentes! – Empurrei o peito de Zachary com força.
– Ora que se dane! – Queria sair de dentro daquele maldito espartilho, colocar um dos meus vestidos soltos e gritar em um travesseiro fofo até toda aquela história de baile acabar. – Para o inferno tudo isso! – Exclamei largando todas as minhas boas maneiras. – Não quero arranjar noivo nenhum nessa porcaria de baile!
– Ei, ei, ei! – Zachary colocou as mãos em meus ombros. – Tudo bem, tudo bem. Vamos esquecer essa história de pretendentes por um tempo. – Algumas lágrimas teimosas já haviam escorrido pelo meu rosto. – Agora, respire fundo.
– Zack... – Comecei a reclamar me soltando dele.
– Respire fundo! Vamos, puxe o ar.
– Isso é inútil!
– Vamos Ellie, inspirando e expirando. – Cruzei os braços, puxei o ar pelo nariz e soltei pela boca, repetindo o que ele fazia. Reproduzimos esse processo por mais 3 vezes até estarmos em sintonia. Concentrei– me nos olhos dele e em como seus ombros largos subiam e desciam debaixo das roupas elegantes. Ele havia penteado o cabelo castanho para trás e parecia alguém da nobreza. Um conde, um marquês... Quem sabe até um príncipe. – Ótimo, agora me ouça. – Ele deslizou os polegares por minhas bochechas úmidas de um jeito rápido e prático. – Ellie, bailes não são bichos de sete cabeças.
– Então por que seu pai quase nunca participa dos bailes da sociedade rica?
– Bem... Ele não gosta de se socializar por mais de 5 minutos com pessoas que ele não tem intimidade. Mas, hoje ele conhece a maioria dos convidados, tenho certeza de que ele já deve estar rindo de alguma coisa e conversando com seus amigos de longa data. – O rapaz voltou a colocar a mão em meus ombros me acalmando. – Eu sei que todo mundo tem colocado diversas expectativas nesse evento e sei que você está apavorada. Entretanto vou te dizer algo que ninguém lhe disse ainda... Bailes são divertidos. – Ele sorriu brevemente. – Eles foram feitos para as pessoas dançarem, comerem, brincarem... Se conhecerem. – Suspirei. – Não veja como uma obrigação. Esqueça o que seus pais disseram sobre um futuro casamento, apenas se divirta e aproveite os benefícios que um espartilho e um vestido bonito podem trazer. – Para começo de conversa eu nem queria estar nesse espartilho. Ele levantou meu rosto com o dedo indicador. – Pode fazer isso, Ellie? – Assenti com a cabeça. – Agora se recomponha. Vamos arrancar alguns suspiros. – Ele disse risonho.
Passei a mão sobre o rosto secando o resto de umidade das faces e refazendo a técnica de respiração que Zachary havia acabado de me ensinar. Sequei as mãos suadas sobre o vestido e mordi os lábios, ansiosa.
– Pronta? – Zack perguntou. O rapaz me fitou com confiança e com um sorriso, foi o suficiente para me dar forças.
– Sim.
Zack acenou com a cabeça para o bobo da corte – vulgo o anunciador de nomes – e segurou minha mão me guiando para o centro do topo da escada. Os músicos pararam de tocar. Todos os pares de olhos se voltaram para nós. Pares de olhos azuis, cinzentos, castanhos, verdes. Pares de olhos curiosos, deslumbrados, invejosos, alegres, desinteressados e surpresos. Enxerguei todas as cores em vestidos, joias, cabelos e habitats.
Enxerguei todos os tipos de rostos, penteados e corpos, e percebi a pequena variação de tons de peles claras. Observei como o salão estava mais aceso do que em qualquer outro dia ensolarado na mansão e como o pôr do sol ainda estava se esvaindo, iluminando a festa com tons dourados e laranjas que combinavam com o tom do fogo das tochas e velas, assim como com os tons das mobílias e dos candelabros elegantes.
Percebi os cheiros mesclados de comida afrodisíaca e de frutos do mar com o de rum e vinho. Percebi a quantidade de buquês de lírios brancos espalhados pelo salão em contraste com os cubres amarelos do jardim da mansão Lackwood e apreciei o aroma delicado de todas as flores presentes no ambiente.
Aquelas sensações aconteceram em milésimos de segundo, uma questão de choque foi o suficiente para me fazer perceber tudo aquilo. Os pelos do meu corpo se arrepiaram e o queimor em meu abdômen cresceu subitamente com o silêncio gritante que se prosseguiu antes da anunciação.
– É com grande honra que anuncio a entrada do aniversariante Sr. Zachary Franklin Lackwood e sua acompanhante Elizabeth Salazar.
Engoli em seco e suspirei. Zachary levantou o braço, um sinal de que eu deveria me unir a ele. Levantei meus olhos para sua expressão e ele olhava fixamente para frente, fitando os convidados. O garoto abaixou o rosto e me olhou com profundidade, me fazendo perceber que ele estava tão nervoso quanto eu. Notei que ele tentava manter o controle de suas emoções, talvez para que eu pudesse controlar as minhas também. Zack fez um aceno de cabeça em minha direção e eu soube que apenas precisávamos ter coragem.
– Se lembre de sorrir. – Ele aconselhou.
– Se lembre de não pisar nos meus pés. – Disse roubando um sorriso breve do garoto. Encaixei meu braço no seu e gerei confiança para nós dois.
A música que havíamos ensaiado algumas semanas, tocada pelo antigo violino de Melissa, agora era complexa e ornamentada com muitos outros instrumentos e estava abafada pelas paredes da mansão. Foi só então que eu percebi a quantidade de pessoas naquela comemoração.
O salão estava cheio, mas o jardim possuía de ainda mais pessoas. Teríamos de atravessar toda aquela multidão de convidados, descer outra escada até chegar ao centro da festa no gramado onde o grupo instrumental tocava. Com o calor do braço de Zachary entrelaçado com o meu, nós começamos a descer as escadas altas, com o peso das observações minuciosas de todas as pessoas presentes.
Um passo de cada vez. Inspire e expire. Obriguei– me a pensar. Agora sorria. Tentei fazer uma expressão mais animada, mas não devo ter conseguido nada além de uma possível careta. Recusei– me a olhar meu reflexo nos espelhos quando passei por eles.
Zack me conduziu para o exterior da casa e fomos inundados pela temperatura fresca do começo de uma das noites de outono, o som ritmado e lento dos instrumentos e a sensação de sermos o centro das atenções.
Paramos um de frente ao outro, envolvidos com a situação. Nossos corpos começaram a se movimentar de acordo com a música e estranhamente não foi algo automático como eu imaginei que seria depois de tantas horas de ensaio. Era um dançar reconhecível, em que cada passo era intenso. Eu sabia quais eram os acordes e sons que os instrumentos iriam tocar, mas foi como se eu ouvisse e dançasse aquela música pela primeira vez.
Foram sentimentos tão contraditórios e confusos que eu nem entendia de onde haviam vindo. Por que não estou mais com medo com o que as pessoas vão pensar de mim? A terra abaixo a meus pés estava seca, minhas pernas ficaram firmes e subitamente minha respiração abrandou. De onde veio essa paz? E toda essa segurança?
Não desviei minha visão de Zachary, eu sabia que se mantivesse o foco em algo, eu não cairia e ele era a companhia que eu podia chamar de porto seguro. Ele não me deixaria desabar entre os altos e baixos, as passadas de perna, os rodopios e os passos complicados da coreografia. Mesmo sendo Zack quem tivera dificuldade nos ensinamentos, foi ele quem direcionou tudo.
Meu vestido apesar de pesado não era mais um empecilho para os movimentos. Porque de repente, nenhum dos meus problemas era o foco. A forma como suas mãos me conduziram, o jeito como ele também fixou os olhos em mim e o queimor, aquela sensação que estava me acompanhando desde as últimas horas, bruscamente teve um motivo diferente. Eu não estava mais nervosa, todavia aturdida com a percepção de uma nova emoção dentro de mim.
Era ele.
Toda aquela dissonância de sentimentos que aflorava em meu peito tinha Zachary como causa, motivo e circunstância. Naquele cenário sem lógica, tendo no céu a lua nascendo e o sol se pondo, naquele momento de transição, eu admiti a minha ligação com o garoto que cresceu comigo.
Percebi que aquela confusão tinha até muito sentido e aquela cacofonia que brotou em minha cabeça, naquela dança, explicou diversas coisas que eu nunca havia me deixado pensar. Coisas que aconteciam no dia– a– dia. O porquê de eu sempre sorrir quando o via, a preocupação demasiada, a vontade de sempre estar perto. Eu entendi que a ideia do Sr. Lackwood e do meu pai de nos manter juntos, não parecia tão ruim assim. Na verdade, me parecia a melhor solução para aqueles problemas.
A música parou e só então notei que muitos outros casais haviam se juntado a nós dois. Eu e Zachary fizemos uma reverência um ao outro e antes mesmo de eu se quer levantar minha cabeça, o garoto beijou minha mão como um cavalheiro. Todos começaram a aplaudir.
– Zack... – Sussurrei com o rosto corado. – Eu... – Comecei.
– Bravo! Que apresentação estupenda! – Cora se aproximou engolindo minhas palavras. Franzi a testa com uma frustração no peito sem explicação. – Você foi perfeita, minha criança. – Ela sussurrou em meu ouvido. Assenti com a cabeça soltando um sorriso sem dentes e sem emoção. Fiz aquilo mais pelas consequências que a falta dele poderiam me trazer. Um rapaz estava ao lado dela, jovem, mas talvez um pouco mais velho que Zachary. Não era muito alto e tinha o cabelo loiro, tão claro quanto o trigo. Ele tinha uma postura ereta e polida.
– Magnifique! Que apresentação esplêndida! – Melissa exclamou com um sorriso de orelha a orelha. Estava acompanhada também, de uma moça loira e com olhos castanhos. A garota vestia um vestido verde que realçava o tom dos cabelos dela. Não me parecia nem um pouco pobre e o jeito que ela olhava para Zachary me fez ter certeza que era ambiciosa. – Eu e mademoiselle Serafina observamos todo o cortejo, foi um dos mais belos que eu já vi!
– Foi de todo satisfatório. – Serafina disse. Não gostei do tom da sua voz. Era sagaz e persuasivo, com uma entonação aguda e irritante. Ela olhava para o garoto como uma águia olha para uma presa. – Sr. Lackwood, acredito que ainda não nos conheçamos. Meus parabéns pelo belíssimo baile, não participo de um desses há anos. – Ela também tinha um sotaque inglês estranho, parecido com o do Sr. Lackwood, mas um pouco menos acentuado. Minha mãe quase teve um ataque pelo elogio, pude ver pelo sorriso contido e as mãos que voaram ao peito.
– Oh! Perdoe– nos pela falta de educação, queridos. Estes são Serafina e Oliver Beaumont. – Cora disse nos apresentando. O garoto que estava ao lado de minha mãe e Serafina fizeram uma reverência da mesma forma que eu e Zachary.
– É um prazer. – Zachary disse.
– Foi de todo uma enorme coincidência nos encontrarmos aqui! Estávamos eu e Cora falando de como os arranjos ficaram bonitos, quando me deparei com a jovem Beaumont. Éramos vizinhas em Paris, vivíamos lado a lado. Eu sempre fazia alguns vestidos para ela e para a mãe. Há anos que não nos vemos e eu não consigo redigir em palavras como é maravilhoso poder rever minha querida amiga.
– Ah, então você é francesa? – Zachary perguntou muito interessado por sinal.
– Não, sou uma tradicional inglesa como você. – Quanta bajulação!
– Ela e o irmão Oliver, viveram por cinco anos na França, devido à alguns negócios do pai. O Sr. Lackwood e ele aparentam ser bons amigos. – Melissa contou.
– Não é um mundo pequeno? – Exclamou Serafina.
– Minúsculo. – Comentei ácida. Fitei de soslaio o outro Beaumont. Era diferente da irmã, ele ainda não havia proferido uma palavra desde que se aproximara com minha mãe lhe segurando o braço.
Os instrumentos voltaram a tocar e as pessoas voltaram a dançar trocando de pares. O céu havia se tornado cheio de estrelas e havia ganhado uma tonalidade escura. Zachary esticava o pescoço procurando pelo seu pai. Discretamente, Serafina bateu seus ombros nos de Melissa e fitou Zachary brevemente. Ninguém mais percebeu e eu não precisei escutar murmúrio nenhum para entender o que aquilo significava.
– Ah! Os instrumentos voltaram a tocar! É uma pena que Serafina só tenha o irmão como parceiro. – A modista comentou. – Zachary, meu querido, eu e Cora iremos conferir como anda o jantar e eu odiaria deixar minha querida amiga solitária, você dançaria com ela?
O rapaz parou sua busca e sorriu para Serafina. O conforto de seu toque em minha pele se foi e ele estendeu a mão à garota fina, rica e loira fazendo uma leve reverência. A segurança não estava mais comigo e meu peito perdeu uma, duas... Mais de cinco batidas.
– Seria uma honra. – A garota tomou a mão dele, possessiva. enquanto eu observava aquele casal iniciar juntos uma dança toda cheia de ritmo. Senti– me completamente só, mordendo os lábios, ansiosa por algo que já tinha acontecido.
– Elizabeth! A dança já começou. Convide o Sr. Beaumont para dançar com você! – Minha mãe exclamou. Mal prestei atenção ao que ela dizia.
– Mamãe, creio que seja o Sr. Beaumont quem deva me convidar para lhe fazer companhia, não depende de mim. – Falei sem emoção. Eu não devia abrir a boca em direção a um homem se ele não me pedisse, ela mesma havia me ensinado.
– Ora! Você própria não acredita nas palavras que diz! – Ela reclamou juntando minhas mãos às do rapaz calado. – Vamos, quero ver vocês dois dançando. Lá no meio, sim? – Ela disse nos empurrando.
Antes que meu corpo pudesse ficar com raiva da minha mãe eu já estava nos braços educados de Oliver. Ele foi bem calmo, mas talvez a minha feição não tenha ajudado muito. Fiquei observando Zachary e a garota loira dançarem como se estivessem conectados e deixei que uma sensação maior do que a raiva que eu sentia da minha mãe se aflorasse. Inicialmente não entendi o que era até Oliver cortar meus devaneios.
– Ei, você bem? – O irmão Beaumont questionou. Não ouvi direito por causa da música alta, mas assenti.
– Desculpe– me pela minha mãe. Ela tem esperado por essa noite desde sempre. Acabou esquecendo até das regras de etiqueta que ela vive me ensinando.
– Normal. – Ele disse com um forte sotaque inglês, como o da irmã. – Meu português. – Ele apontou para si mesmo. – Muito ruim. – Parei de ser melancólica com ele e fitei seu rosto com a testa franzida.
– Como conseguiu conversar com minha mãe, então?
– Não conversar. Ela falar, falar e eu nada dizer. Quando perceber, já estava a dançar. – Seu português primitivo e a ideia da minha mãe fazendo aquilo com o coitado me fez rir. – Eu mal entender o que ela dizer quando nós dois sair de perto.
– Podemos falar em inglês se você preferir. – Sugeri.
– Você sabe falar?
– Sim. – Respondi em sua língua. – O Sr. Lackwood me ensinou.
– Ah! Que ótimo! Será muito mais confortável. – Oliver admitiu. – Eu aprendi muitas outras línguas como francês, italiano, espanhol, alemão, grego, mandarim, latim e até aramaico, mas português... Tenho tido certa dificuldade de aprender. Tem pouco tempo que venho praticando, talvez um mês ou mais. – O tom de voz dele me evidenciou que ele não fora pretensioso ao falar sobre suas qualidades, um mês lhe parecia um tempo relativamente longo. Céus, o que ele pensaria se soubesse que levei uma vida para aprender sua língua?
– Menos de um mês?! Pois então, por tão pouco tempo que tem treinado você sabe falar minha língua natal melhor do que eu! Queria eu saber falar tantos idiomas. Provavelmente eu já teria embaralhado todos eles. Diria as frases misturando italiano com latim e francês com alemão. – Falei sincera. O rapaz ficou corado e mesmo sob a luz das tochas alaranjadas não pude deixar de perceber o tom de suas bochechas.
– Obrigado. – Ele respondeu.
– Olhe só! O senhor ficou avermelhado! – Falei rindo espontânea e o deixando ainda mais acanhado. Percebi, portanto, que sua personalidade era mais recheada de timidez do que de polidez.
– Perdoe– me, senhorita.
– Sr. Beaumont...
– Oliver, por favor.
– Oliver. – Corrigi. – Não há do que se desculpar ou do que se envergonhar. Preciso dizer que percebo uma erudição fora de comum em sua pessoa e não é preciso ser modesto quanto a sua inteligência. Pelo contrário.
– Srta. Elizabeth desculpe– me pela minha falta de modos. Eu apenas não sei receber esse tipo de elogio. – Oliver comentou. Desviei meus olhos para sua irmã a poucos metros de distância de nós. Seu cabelo dourado guardado em uma touca e diferente do que minha mãe pensava, as curvas dela estavam muito bem em um Sack Dress verde escuro cheio de detalhes de folhas delicadas. Ela parecia uma ninfa recém– nascida da floresta e exalava perfeição, não era a toa que Zachary parecia rir de qualquer bobagem que ela aparentava falar. Suspirei e deixei meus ombros cair.
– Parece que alguém rouba toda a atenção, não estou certa?
– A maior parte do tempo. Contudo, não esta noite. – Ele disse e deu um sorriso de lado.
– Por que não? – Perguntei.
– Porque a senhorita roubou os olhos de todos os rapazes desse baile quando desceu pelas escadas. – Com exceção de um. Tudo bem, talvez Oliver não fosse tão tímido assim. – É uma pena que esteja prometida ao jovem Lackwood. – Ele comentou.
– Prometida? Não, não, não. Você entendeu as coisas de forma errada. Não estou noiva de ninguém.
– Não está? – Ele questionou confuso.
– Estes são os planos de minha mãe...
– Não são os seus? – Ele perguntou. – Você não estima o jovem Lackwood a ponto de querê– lo como noivo?
– Não... Sim... É complicado. – Comentei. Oliver arqueou as sobrancelhas com um sorriso.
– Explique– me, Srta. Salazar.
– Hm... Noivar é o último dos meus objetivos, apesar de ser o primeiro da lista de prioridades da minha mãe.
– E por que existia um sim na sua última resposta?
– Porque... Bem... – Desviei os olhos para Zachary.
– Ah, entendi! – Oliver exclamou.
– Zachary talvez seja uma das minhas poucas exceções. – O garoto pareceu ponderar por alguns instantes as minhas respostas.
– Isso explica o ciúme.
– Ciúme?
– Sim, o motivo para você desviar os olhos para o Lackwood a cada cinco segundos. – Ele disse.
– Eu não olho para ele a cada cinco segun... – E naturalmente eu o fitei de novo.
– Opa, dessa vez foi antes. – Fechei os olhos com força. Então aquele era o sentimento sem sentido. – Não faz mal querer uma pessoa que não está lhe dando total atenção. O jeito que você o olhou durante toda a apresentação fez com que metade dos rapazes dessa festa perdessem as esperanças na senhorita. – Tive que rir.
– Até parece, Oliver.
– A senhorita quer apostar? – Ele brincou.
– Você está me conduzindo para o vício das apostas? – Questionei.
– Certo... Podemos apostar qualquer coisa que não envolva dinheiro. Você escolhe.
– Posso apostar alguma comida que tenha aqui no baile?
– O que quiser. Você escolhe. – Ele repetiu.
– Tudo bem. Deixe– me pensar. – Parei alguns instantes refletindo. – Apostaremos nossa sobremesa.
– Ok. – Ele riu. – Não sou muito adepto dos doces, mas quando ganhar desfrutarei muito feliz.
– Espere! O que estamos apostando mesmo?
– Que metade dos rapazes estão interessados na senhorita.
– Ah sim! – Eu ri espontânea de novo. – Vou ganhar isso fácil, fácil.
– É o que veremos. – Continuamos a dançar, mas apesar de Oliver ser uma companhia muito mais do que satisfatória, eu não conseguia parar de olhar para Zack e eu percebia lentamente que aquele sentimento que brotara naquela mesma noite nunca poderia ser desenvolvido. – Sua tristeza me comove, senhorita. – Oliver disse. Suspirei e tentei sorrir para ele.
– A frustração é quem cria minha tristeza e esta noite, mais do que nunca, está muito difícil ignorá– la.
– Irei repetir Srta. Elizabeth. Não faz mal querer uma pessoa que não está lhe dando total atenção, estou passando por isso exatamente agora. – Eu havia desviado os olhos para o casal de novo, no entanto fixei os olhos em Oliver e mais uma vez na noite eu corei. A música parou e aplausos se seguiram. – Você pode escolher a companhia que quiser, todavia seria uma honra se você me escolhesse para entretê– la.
Antes que eu percebesse outro rapaz se aproximou de mim e de Beaumont. Tinha roupas mais simples e eu percebi que o conhecia. Ele era da vila, seu nome era Lima e, como a maioria dos jovens na aldeia dos Sonhos, sua pele era clara e os cabelos de um típico tom de castanho.
– Saudação, jovem Salazar, a senhorita me daria à honra desta dança? – Percebi suas mãos tremerem e seu corpo se dobrar em uma breve reverência. Ele tinha tido coragem, mas antes dele terminar o pedido, percebi ele olhar para trás, como se esperasse que os outros garotos da vila viessem em seu encalço. Eu notei que ele havia tomado impulso antes que seus adversários amontoados em um grupo – os mesmos garotos com quem eu tomava banho de rio – se aproximassem de mim. Troquei olhares com Oliver que guardava um sorriso de canto e eu não pude deixar de sorrir também.
– Eu disse. – Oliver comentou com uma expressão levemente presunçosa.
Então eu observei como ele aparentava conter todas as características que minha mãe gostaria de ter em um genro. Era inteligente, recatado como meu pai e provavelmente rico. Eu não me interessava muito pela última característica, nem considerava aquilo como uma qualidade, no entanto Cora se interessava e eu não podia ignorar a voz dela no último mês praticamente gritando em minha cabeça naqueles milésimos de segundo. Também não deixei de perceber que Oliver Beaumont era bastante atraente e era de conversa fácil. E o principal fator...
Zachary estava fazendo exatamente o que o pai dele queria. E parecia feliz. Por que eu não deveria fazer o que minha mãe queria? Eu podia tentar. O que eu perderia com aquilo? Além do mais eu não tinha muitas escolhas. Se fosse para fazer a vontade dos meus pais que fosse com alguém que me agradasse.
– Perdoe– me, bom senhor, mas eu já tenho companhia para noite.
4044 palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro