Capítulo 2
- Atlântida, o continente perdido citado em um dos muitos diálogos do filósofo Platão, para ser mais específico, o diálogo entre Timeus e Crítias. A obra narra a história de uma possível guerra acontecida milhares de anos antes de Cristo, entre Atenas e a outra civilização até então desconhecida. Pelos relatos de Crítias, a lenda contada dizia que as terras de Atlântida eram propriedade de um deus grego, Poseidon. Não se sabe ao certo se era um continente ou uma cidade, entretanto era dividida em anéis intercalados de água e terra. As fontes pluviais eram abundantes e tinham como nascente o centro. Com exceção da montanha central (onde vivia Evanor, sua esposa Leucipa e sua filha Cleito) toda a Atlântida era plana e de solo fértil, além de possuir fauna, flora e minerais diversos, como ouro, prata, cobre, ferro, estanho e oricalco, um material raro que brilha como fogo. O deus dos mares se apaixonou pela filha mortal dos habitantes e ambos criaram uma prole de 5 pares de gêmeos. As terras foram divididas entre os herdeiros, no entanto, o primogênito, Atlas, apropriou-se das prósperas propriedades dos avós e tornou-se o rei, enquanto seus irmãos receberam de Poseidon os títulos de príncipes. A civilização se tornou inteligentíssima, com construções, pontes e invenções que vão além da nossa compreensão. Dizem que eram tão avançados que se comunicavam mentalmente. Os atlantes chegaram a um ponto em que se achavam donos do mundo e maiores até que os seus próprios deuses. O estado, governado por Atlas, se tornou corrupto e tentou dominar a conhecida cidade de Atenas. Após falharem, receberam a fúria das divindades que se recusaram a adorar e terremotos afundaram a civilização nas águas do oceano. Não se sabe onde ela se localizava. Platão dizia que o território estava entre os antigos pilares de Hércules, enquanto alguns aventureiros discordam e falam que o reino perdido estaria em algum lugar entre a Europa e as terras selvagens depois do oceano Atlântico. Ainda existe a teoria de que Platão inventou a lenda e que ele apenas criticava sua sociedade, através da história. A verdade é que enquanto não houver provas concretas, não existe nenhum vestígio do povo Atlante. – O Sr. Lackwood levantou os olhos castanhos do livro e o fechou, enquanto eu terminava de escrever minhas anotações no caderno. Ele tirou os óculos de grau pequenos e os colocou sobre a escrivaninha. – Por hoje é só crianças.
Richard Lackwood era uma versão mais velha do filho. Ele também era alto, mas era forte, talvez fossem consequências dos anos trabalhando no mar, assim como o tom de pele mais dourado. Os cabelos castanhos também eram finos, no entanto, estavam um pouco ralos e possuíam alguns fios prateados entre os mais escuros. A única coisa que Zack aparentemente havia herdado da mãe era o tom dos olhos e aquela era a única grande diferença entre o pai e o filho.
- Sr. Lackwood?
- Sim, Ellie.
- Você acha que Atlântida realmente existiu?
- Não sei ao certo. Alguns filósofos naturais dizem que eles foram a primeira civilização na terra.
- Isso não faz sentido. – Zack falou, fechando o caderno também. – A história do livro diz que Atlas foi o primeiro rei do continente e que ele próprio destruiu Atenas. Existem duas opções: ou Atlântida se desenvolveu e se destruiu muito rápido ou Atlas esteve vivo por séculos e ninguém vive tanto tempo.
- Bom. – O professor sorriu. – Eles eram descendentes de deuses. Talvez isso influencie, não sei.
- Eu acho que Platão inventou tudo isso. Se algo tivesse afundado no Atlântico alguém já teria descoberto.
- Teria descoberto uma cidade debaixo d'água? – O Sr. Lackwood questionou. – Não somos assim tão inteligentes, filho. Ainda não. Talvez os deuses deles tenham realmente ficado furiosos.
- A mamãe disse que só existe um Deus. – Falei.
- Sim, pequena Ellie. Mas, essa é a verdade da sua mãe. Existem outras no mundo, tantas quanto existe estrelas no céu. – Assenti. Ele sempre dizia aquilo. Sempre falava da diversidade que existia além da nossa ilha e eu adorava escutar sobre o mundo lá fora.
- Sr. Lackwood? – Cora apareceu à porta da espaçosa biblioteca. Trazia uma bandeja sobre os braços. Quando eu e Zachary chegamos já passava das 12 da manhã e já era quase o horário da nossa primeira aula com o dono da casa. Zack não queria ir, disse que não estava pronto para conversar com o pai, todavia eu o convenci, com o argumento de que ele não fugiria daquilo para sempre. Passamos a tarde aprendendo sobre astronomia e filosofia. As cinco costumava ser o horário que minha mãe trazia o chá, um hábito que o inglês não havia largado de sua terra. Aquela normalmente era a minha deixa para seguir Cora e deixar Zachary e o pai sozinhos, e seria, se meu pai não estivesse bem atrás.
- Papai! – Exclamei correndo em sua direção e o abraçando. Não havia visto ele naquele dia e de certo era um dia especial para mim. – Onde esteve o dia todo?
Meu pai nunca me desejava "Feliz aniversário", mas sempre me dava abraços apertados e acariciava minhas costas com carinho nesses dias importantes. Não era um homem de muitas palavras, não expressava seus sentimentos dizendo, no entanto eu sabia quando ele queria demonstrar afeto. Seus olhares, o jeito que transferia o peso de uma perna a outra ou quando soltava o fantasma de um sorriso tímido, eram sinais de que ele sabia que era um dia diferente.
- Estava resolvendo alguns assuntos para o patrão.
- Ah Cora! Bem na hora! Estou morrendo de fome. – Richard admitiu com um forte sotaque inglês. A portuguesa colocou a bandeja sobre a escrivaninha e se afastou. O Sr. Lackwood pegou um dos biscoitos que eram especialidade da minha mãe e suspirou. – Não existem biscoitos amanteigados iguais aos seus em nenhum lugar, Sra. Salazar. – Minha mãe deu uma risadinha e corou. Era típico, ele dizia a mesma coisa todas as vezes e ela sempre reagia da mesma forma.
- Com certeza o melhor! – Confirmou Zack se aproximando e provando de uma das iguarias.
- Ah meninos, vocês me deixam tão envergonhada. – Cora disse torcendo o avental nas mãos. Revirei os olhos e soltei uma risada baixa. Para o meu azar ela percebeu e jogou um pano de prato em mim furiosa. – Respeito com os mais velhos, Elizabeth. – Aquilo me fez gargalhar alto, ganhando um olhar mais severo dela.
- Paciência, Cora. – Meu pai disse me protegendo em seus braços longos.
- Essa menina se torna cada dia mais insolente! – Ela dizia apontando o dedo. – E a culpa é sua que a estraga com seus mimos!
As diferenças entre meus pais eram gritantes. Pedro era alto e magro e Cora era rechonchuda e baixinha. Pedro era calado e paciente, Cora era falante e explosiva. Com exceção dos olhos e cabelos castanhos, eles não tinham nada parecido. Para ser sincera, eu nunca soube como eles faziam as coisas darem certo. Sempre dava, mas através de causas misteriosas.
Os Lackwood observavam calados e risonhos, não ousavam fazer um barulho para não direcionarem a fúria da minha mãe para eles.
- Discutiremos sobre isso depois, minha senhora. Agora pretendo resolver algumas questões com o Sr. Richard.
Meu pai era o braço direito do patrão. Tudo que envolvia administração, mensagens, procura de preço de mercado e até situações pessoais iam parar nas mãos de Pedro Salazar. Richard confiava em meu pai, porque ele era honesto, humilde e nem um pouco preguiçoso. Ele nunca reclamava do salário e nem de seus aposentos, até porque o dono da fazenda sempre fora muito mais do que só generoso. O fato de ser recatado fazia dele o empregado perfeito, porque dessa forma os assuntos da fazenda Lackwood passavam quase que despercebidos dos olhos da sociedade rica da ilha e eu não sei bem o porquê, mas meu patrão sempre fora muito discreto.
Se não fosse só pelo relacionamento de empregado e patrão, eu quase podia dizer que depois de nove anos trabalhando juntos, eles eram melhores amigos. Entretanto, havia uma coisa que começava a envenenar aquela saudável relação. Em pouco mais de três meses, o contrato entre ambos iria terminar pela segunda vez e eu acredito que eles até iriam renovar o acordo, se não fosse pela iminente chegada do outro Lackwood, Percival, o irmão mais novo de Richard.
Percival estava com alguns problemas pessoais em Londres, algo sobre se envolver com a mulher do capitão da guarda da rainha. Ele havia deixado suas propriedades em Londres e estava de mudança definitiva para Ilha das Flores, onde pretendia trabalhar com o irmão. Meu pai odiava Percival, devido a algumas inconsequências que ele fizera na vila com algumas cortesãs na última visita que ele fizera ao irmão. Em principal, porque Percival usara todas elas no nome de meu pai, causando intrigas e fuxicos pela fazenda. A semelhança entre os dois naquela época era inegável e eu lembro bem da discussão entre ele e minha mãe até tarde da noite.
Eu não sabia quais eram os planos do meu pai depois de saber das notícias sobre Percival e eu pretendia descobrir.
- Agora? – Zachary perguntou interessado.
- Sim. – Richard confirmou.
- Significa que vamos adiar nossa conversa para amanhã? – O garoto perguntou animado.
- Não, significa que vamos conversar assim que eu terminar meus assuntos com Pedro.
- Talvez seja melhor fazer o que o garoto sugeriu Sr. Richard, a conversa pode se prolongar. – O Sr. Lackwood observou o empregado e assentiu.
- Que seja. – Zack soltou o ar que prendia e rapidamente já havia se levantado da cadeira, se direcionado à porta. – Mas não pense que irá fugir. Amanhã sem falta, Zachary. – O garoto assentiu.
- E não se esqueça do jantar. – Cora lembrou.
- Vou treinar com a espada e voltarei a tempo da refeição, eu prometo. – Eu sabia que Zack não cumpriria a promessa. Ele voltaria para o coreto e só retornaria na hora de dormir, provavelmente roubaria alguma coisa na cozinha antes de se deitar. Tinha sido assim na última quinzena.
- Mamãe, eu vou com... – Comecei a falar.
- Você vai para a cozinha comigo. Vai ajudar a mim e as meninas. Já passou tempo demais correndo por aí.
- Mas...
- Sem "mas". Se tivesse feito suas tarefas pela manhã eu já a teria liberado agora à noite.
- Ah mamãe...! – Reclamei ganhando risadas dos mais velhos.
- Silêncio! Eu não quero ouvir um pio. Venha, deixemos os homens fazerem negócio. – Ela tomou minha mão e eu, Zachary e Cora, saímos do aposento fechando as portas.
Depois de lavar a louça suja e organizar a mesa para os donos da casa na luxuosa sala de jantar, esperei minha mãe me dar mais ordens enquanto ela mandava uma das empregadas chamar os dois homens na biblioteca para que descessem e se preparassem para a janta. Zack não havia voltado como eu tinha previsto.
- O Sr. Lackwood pede desculpas a governanta e pede para que a senhora mande a refeição à biblioteca, pois eles ainda não terminaram de discutir e pretendem economizar tempo para terminar seus assuntos ainda hoje. – A moça falou, com as mãos juntas sobre o avental e os cabelos loiros escondidos sobre a touca branca. Minha mãe suspirou e reclamou algo que eu não ouvi.
- Certo. Obrigada, Alicia. – A garota anuiu e se afastou. – Ellie, desfaça a mesa, por favor. – Cora pediu e retornou para a cozinha.
Suspirei e voltei para a sala de jantar fechando as cortinas e pegando as louças para guarda-las. Deixei os candelabros acesos, eu nunca gostava de sair pela casa na escuridão. Dava-me medo.
- Ellie! – Mamãe gritou. Voltei rapidamente para a cozinha e a encontrei com uma bandeja nas mãos com cheiro de sopa e ensopado de carne com batatas. – Leve o jantar para a biblioteca, sim? E volte rápido, para me ajudar a terminar os afazeres na cozinha.
Tomei a refeição das mãos da governanta e segui o caminho para a biblioteca. A mansão, naquele horário, conseguia ser bastante silenciosa. Ainda estava clara, mas como algumas velas haviam sido apagadas, ficava com uma iluminação a meia luz.
A decoração da enorme casa da fazenda era cheia de quadros e vasos de artistas do mundo todo, o Sr. Lackwood costumava dizer que havia comprado cada objeto pessoalmente. Eu nunca conseguia parar de reparar, apenas quando Zack estava ao meu lado e me distraía.
Subi a escada alta de madeira e me dirigi ao lado leste da casa. Eu sabia o caminho de cor, porque a biblioteca de certo era o meu cômodo preferido na fazenda. Era onde normalmente eu fugia dos olhos fugazes da minha mãe e das obrigações que ela me impunha, era onde eu aprendia assuntos que realmente me interessavam e fazia do inalcançável, alcançável. Engraçado o que alguns livros fazem com nossa imaginação, a forma como ampliam nossos sonhos.
Para uma garota como eu, aquilo nunca foi muito bom. Costumava me frustrar.
A ala da biblioteca não possuía tantas velas como na sala de jantar, era mais escura e a escuridão era uma das únicas coisas que me fazia ter receio de ir até ela a noite. No fim do corredor, a luz abundante da porta entreaberta da biblioteca iluminava o corredor quase que por inteiro. À medida que eu me aproximava, mais claras se tornavam as vozes profundas dos administradores da fazenda Lackwood.
- O plantio das batatas foi um sucesso, Richard, eu tenho absoluta certeza que este ano teremos uma ótima safra e muito lucro.
- Ótimo, Pedro! Agora, por favor, mudemos para o assunto que realmente interessa. Sobre a sua estadia aqui. – Me detetive um pouco antes da porta, segurando a bandeja com força e fazendo silêncio para ouvir. Estadia?Do que eles estão falando? – Quais são os seus planos? – Ouvi meu pai suspirar.
- Eu recebi uma carta de um parente que vive na colônia. Estão encontrando ouro e metais preciosos de uma forma quase que incompreensível.
- A colônia sempre foi cheia de mistérios, não? No entanto, esse boato já circula há algum tempo.
- Sim, é verdade. Vieira, meu tio, diz que oferece abrigo, alimento e salário. Chamou-me porque está precisando de funcionários urgentemente. Existe uma quantidade de ouro que devo encontrar mensalmente, qualquer coisa que eu encontrar além das expectativas mensais, será meu. Ele também promete serviços para Cora nos aposentos principais. Já falei com minha esposa sobre a proposta e ela concorda em parte com isso. – Concorda? Quando foi que decidiram aquilo sem mim?! – Cora tem hesitado. Toda nossa vida está aqui. Nunca havíamos se quer cogitado sair da ilha.
- Então por que está planejando deixar a fazenda Pedro? É por causa de Percival? Sei que a presença dele não lhe agrada desde o que aconteceu em sua última visita.
- Sim.
- Mas, essa não me parece razão suficiente para ir embora. Há algo mais?
- Não vou mentir e admitirei isso como amigo, Lackwood. O salário que me propuseram excede o que eu ganho aqui e eu tenho me preocupado assiduamente com minha filha. Você sabe que tudo o que eu faço é por ela. Minha esposa quer que tenhamos algumas reservas para seu dote. Se nos mudarmos para a colônia, teremos dinheiro o suficiente para isso. – Sempre o dote, sempre o maldito casamento! Por favor, fique na fazenda, nada nunca é como eles prometem! – Além do mais, tenho a impressão que Elizabeth estima além da conta seu filho. E ele a ela. Não sei até que ponto isso é bom. – Pude ouvir o sorriso do Sr. Lackwood e deixei um revirar de olhos escapar. O que eu sentia por Zachary naquela época era algo que eu não sabia explicar direito. Era um companheirismo mútuo, de certo, mas não me parecia algo que podia evoluir para um envolvimento romântico.
- Eu adoraria ter Elizabeth como nora, admito. Ela é de todo... Muito peculiar e curiosa. As conversas com ela são sempre proveitosas e interessantes.
- Gosto de pensar que ela vai ficar mais bonita e aprenderá a fechar a boca na frente de um possível noivo. – Pedro falou.
Tenho de admitir que aquilo doeu. Eu realmente não era como as outras meninas. Na minha idade a maioria das garotas da vila tinham peles macias como plumas e os cabelos bem cuidados e leves como seda.
Em parte eu não tinha nada daquilo porque eu não deixava minha mãe me cuidar como ela queria e como as jovens faziam. Parecia-me perda de tempo passar horas na frente do espelho penteando o cabelo, fazendo penteados e passando em meu corpo loções e cremes para ficar... Perfeita. Eu não achava necessário nem usar vestidos muito complexos, porque eu sempre voltava dos meus treinos e das minhas longas cavalgadas com as vestes destruídas de tão sujas.
Em minha defesa, eu quase não tinha sardas na pele. Possuía somente algumas salpicadas pelo nariz. Eu tinha lábios cheios e rosados, todavia meus olhos eram grandes, o que as vezes me incomodava. Meus cabelos ruivos eram ondulados somente nas pontas, sempre que eu os penteava mais de duas vezes na semana ficavam cheios e piores do que o normal. E... Tudo bem, eu admito, meu corpo era pequeno e magro para minha idade.
Eu não amava meu físico e nunca havia me sentido bonita de verdade, mas aquilo não ficava dia e noite matutando na minha cabeça. Só quando alguém me dizia que eu era feia implícita ou explicitamente, como havia acontecido naquele momento.
- Ela com certeza ficará muito bonita. Eu não me preocupo com o que pode sair da boca de Elizabeth, mas do que pode ser trancado dentro dela. Ela tem muitas ideias a oferecer e a maioria dos homens não aceita isso vindo de uma mulher.
- É por isso que me preocupo com ela. – Pedro disse. – Ela vai precisar de alguém que a entenda e respeite. Será dificílimo encontrar um homem com essas qualidades. Muitas vezes penso que Zachary é o único rapaz que consegue domá-la. – Revirei os olhos novamente. Richard riu.
- Adoraria fazer uma união entre esses dois.
- Teria algumas implicações em relação às classes sociais deles. – Pedro lembrou.
- Sim, mas eu não me importaria com isso, e você?
- Nem um pouco. – Confidenciou meu pai.
- A única coisa que me impede, Pedro, é a vontade de que meu filho faça as próprias escolhas dele.
- Eu não posso me dar esse luxo, Richard.
Percebi que o jantar em minhas mãos começava a esfriar e decidi interromper aquele diálogo antes que me sentisse mais exposta na conversa daqueles dois. Segurei a bandeja com uma mão e bati na porta.
- Sr. Lackwood? Papai? – Falei abrindo a porta. – Eu trouxe o jantar.
- Ah! Pequena Ellie! – Lackwood exclamou com o sorriso que eu presumi. Coloquei a comida sobre a mesa onde eles estavam. Coloquei os pratos e as taças em frente a eles e os servi com sopa, pão e vinho.
- Obrigado, querida. – Pedro disse. O jeito deles de comer, estranhamente, não era diferente. Ambos possuíam um jeito relaxado de se sentar e se servir.
- Estávamos falando de você a pouco. – O Sr. Lackwood comentou.
- Estavam, é? – Desviei meu olhar para o meu pai, de um jeito quase inquisidor. – Sobre o que especificamente? – Questionei deixando Pedro levemente nervoso.
- Nada importante, Ellie.
- Hum. – Murmurei. – Se não era nada importante, por que falavam então? – O Sr. Lackwood riu e colocou a mão no meu ombro.
- Falávamos Elizabeth, exatamente da sua personalidade forte e de como às vezes você deixa sua mãe maluca. – Richard respondeu.
- E ela deve estar esperando por você lá embaixo, por que não desce para jantar e deixa que eu e o Sr. Richard terminemos a nossa conversa, hm? – Pedro recomendou. Eu percebi que ele tentava fugir das minhas perguntas. – Agora me dê um beijo de boa noite, quando eu terminar aqui, você já estará dormindo.
- Sua benção, papai. – Pedi beijando suas mãos.
- Deus lhe abençoe. – Ele beijou as minhas.
- Boa noite, pai. Boa noite, Sr. Lackwood. – Falei.
- Boa noite. – Ambos disseram. Girei nos calcanhares e deixei a porta da biblioteca entreaberta da forma que a havia encontrado, me recostando sobre a parede ao lado e escutando o resto da conversa.
- Não é só a mãe que ela deixa maluca, não é Pedro? – Richard comentou rindo.
- Ela é rebelde demais para uma moça. – Pedro concordou. – Mas, eu não seria nada sem Elizabeth. – Ele disse com uma alegria retida.
- De certo, Pedro. Toda vez que a vejo só consigo me lembrar da minha irmã... – Anne. Completei em pensamento. Ele sempre me dizia que eu tinha o gênio parecido com sua parenta e dizia com um carinho enorme. – Voltemos para o que discutíamos. Então, o principal motivo da sua partida se resume ao dote da nossa querida Ellie? – Houve um silêncio sobre a biblioteca, algo que perpetuou por alguns segundos.
- Isso e a chegada do seu irmão.
- Sim é claro, mas se resume as bodas de Elizabeth, estou correto? – Outro silêncio.
- Sim. – Meu pai respondeu hesitante.
- Pois bem, eu tenho uma proposta para você Pedro e é uma boa proposta, portanto escute com atenção. – Richard deu uma pausa e continuou. – O aniversário de Zachary de 17 anos será em um mês como você bem sabe e apesar de não ser explícito, está praticamente nas entrelinhas do convite que eu procuro uma noiva para ele. Zack deverá conhecer e escolher a garota com quem se casará nessa festa e mesmo ele sendo o alvo principal das jovens, outros rapazes também estarão no baile e suas famílias terão o mesmo objetivo que o meu.
- O que está querendo dizer, Lackwood?
- Vamos direto ao ponto. Essa fazenda não será a mesma se você se for. Não vou achar nenhum empregado que faça as mesmas coisas por mim como você faz, Pedro. Isso significa prejuízo. – Isso Sr. Lackwood! O convença a ficar!
- Sim, eu sei.
- Sobre o meu irmão, não a nada que eu possa fazer com sua chegada. Mas, sobre o dote de Elizabeth, isso eu posso resolver. – O que?! – Eu pagarei pelas despesas de seu enxoval, de sua preparação para a inserção na sociedade e no jogo da conquista de um noivo. Serei o patrocinador do dote de Elizabeth se o senhor continuar trabalhando aqui na fazenda. – Ah não! Suspirei atrás da porta sem saber como reagir a tudo aquilo. Aparentemente meu pai também não sabia reagir à proposta, pois um silêncio, muito maior do que os outros dois primeiros se perpetuou pela sala.
- Não pode estar falando sério. – Meu pai disse e eu podia imaginar suas feições.
- Pelo contrário, Pedro, eu nunca falei tão sério. – Outro silêncio onde eu só ouvia as batidas do meu coração. – Providenciarei que os preparativos comecem antes do baile, para que ela possa ser apresentada aos possíveis pretendentes na festa. – Richard tagarelou tentando tirar meu pai do choque. – O que você acha? – Não pai, não aceite. Por favor, por favor. Apenas fique trabalhando na fazenda e esqueça essa história de dote.
- E-eu... Não sei o que dizer. – Pedro gaguejou.
- Apenas aceite. – Richard disse risonho.
- Você sabe o quão caro tudo isso custará? Está certo do que está propondo? – Ele perguntou hesitante. – Será um abuso à sua generosidade.
- Estou totalmente ciente dos gastos e estou mais ciente ainda de como seria muito mais abusivo contratar um dos fanfarrões desonestos de Lisboa. Ou, Deus me livre, prejudicar meus lucros deixando a fazenda nas mãos de Percival. – Disse Richard. – Não é um abuso pagar o dote de sua filha. Prefiro pensar que estou salvando as minhas propriedades de mãos gananciosas. O que me diz? – Não aceite! Não aceite!
- T-tudo bem. – Não! Deslizei as costas pela parede e sentei no chão. – Eu não sei nem como agradecer.
- Apenas trabalhe como você sempre fez e termine de me convencer que eu fiz a escolha certa.
- Irei lhe pagar cada centavo, Richard. Prometo lhe fazer isso antes de morrer.
- Faça o que achar certo, mas saiba que não é necessário. Se tudo acontecer no conformes, no baile de aniversário do meu filho, Zachary e Ellie sairão noivos. – Richard parou por um instante meditando. – Já imaginou se o que conversamos mais cedo acontecesse? Ellie e Zachary? Será que seria uma boa ideia?
- Só Deus sabe Richard.
Enxoval. Baile de aniversário. Dote. Noivado.
Oh Deus! Aquilo já estava consumindo meu cérebro. Tão cedo, tão cedo! Eu pensava.
4018 palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro