Capítulo 15
Semanas haviam se passado quando começamos a nos aproximar do nosso destino. Os piratas sabiam que estávamos perto e ficaram afoitos com a ideia de finalmente pisar em terra firme. Quem não ficaria? Depois de meses no mar?
Já não era sem tempo, os suprimentos estavam acabando. Particularmente eu não aguentava mais entrar na cozinha de Nassor e sentir o cheiro nauseante de arroz e ensopado de peixe. As poções racionadas da comida que restara do saque de Canção do Mar se esgotaram mais rápido do que imaginado, mesmo com a administração perfeccionista de Kassandra.
O serviço com Zenon havia terminado, não por que o navio já estava concertado, mas por conta dos recursos que haviam acabado. Eu e Zack tivemos nossas tarefas remanejadas. Deixamos de carregar peso nos porões, para limpar o convés, auxiliar Nassor na cozinha, dar jeitos nas latrinas e vez ou outra cumprir vigilância na gávea.
Os piratas aprenderam a se acostumar com a nossa presença, não que eu houvesse deixado de ser assunto entre eles, visto que Break Bones ainda estava abatido da batalha, fazendo o mínimo possível, enquanto eu perambulava pelo navio como uma formiga trabalhadora. Não. Eles não confiavam em mim como companheira, apenas me tratavam com o mínimo de respeito por temer os castigos de Kassandra.
Zack por outro lado, havia conseguido se enturmar com os homens. Ele havia ganhado 2 ou 3 partidas contra os gêmeos franceses, o que gerou ao mesmo tempo que antipatia um sentimento de fraternidade nos irmãos. Contraditório eu sei, era uma coisa que só funcionava na cabeça deles. O burburinho se espalhou e Zack era agora o novo bichinho de estimação da tripulação, incluindo de Kassandra que havia lhe presenteado até com uma pistola.
Eu não gostei da situação, mas, se eu abrisse a boca, ele logo diria que era ciúmes e eu não teria nenhum argumento para contradizer. De qualquer forma, era bom que Zachary não fosse mais alvo das encaradas maldosas, passei vários dias desejando que o fardo caísse só sobre mim e as minhas preces foram ouvidas. Agora realizadas, eu já não sabia se havia sido um desejo inteligente. Enfrentar a tripulação sozinha não era fácil.
Os sonhos haviam voltado com força, mais vivos do que nunca, me deixando sem ar no meio da noite e me acordando em meio gritos. Fui ameaçada mais de uma vez, mas o novo carisma de Zack e a proteção de Kassandra, me mantiveram longe dos punhos dos piratas.
A capitã previa nossa chegada para poucos dias e eu não me sentia tão ansiosa assim. Primeiro, porque eu e Zachary não tínhamos dinheiro e segundo porque eu não esperava de Tortuga nada além de prostituição e bebedeira. Nenhuma das duas palavras me instigava a explorar as terras novas. Meu desejo era de permanecer no navio, descansando e só sair dele quando requisitada.
A única coisa que eu ansiava com afinco e me permitia seguir em frente, era a ideia de sair daquele barco e voltar para casa. Era quase uma utopia me imaginar ultrapassando o arco de entrada da fazenda Lackwood, cheirar os livros do sr. Richard mais uma vez, aspirar o cheiro do campo, ver o mar do meu quarto...
Minhas fantasias também incluíam uma Cora sorridente me esperando na porta de entrada de braços abertos e Pedro com um sorriso tímido de braços cruzados ao lado dela, mas essa parte eu bem sabia que era só ilusão. Apenas me permitia criar a aquela imagem porque era fácil imaginá-los vivos e alegres, longe de todo o caos que eu havia me metido.
Os sintomas da minha anomalia não me atacaram mais depois da disputa com Break Bones. Com exceção dos sonhos envolvendo o mar, meu corpo não havia desenvolvido nenhuma daquelas características estranhas. Nada de resistência física, nada de pressentimentos, nada de leitura de mentes. Haviam sido semanas relativamente calmas, até àquela manhã.
Eu acordei tonta a ponto de mal conseguir colocar os pés para fora da rede e finalmente quando tive coragem para tanto, passei 10 minutos procurando por minhas botas. Uma dor estranha e desconhecida empurrava meu ventre, me deixando irritada até com o barulho da minha respiração.
– Cadê? Cadê? – Eu murmurava revirando minhas coisas. – MERDA!
– Aqui, Elliot. – Zack jogou as botas em minha direção e elas bateram nas minhas pernas com força.
– Qual é o seu problema?! – Exclamei chateada.
Zachary franziu a testa sem entender e abriu a boca sem dizer uma palavra.
– Você estava procurando as botas e... – Ele tentou se explicar.
– Ah, esquece!
– Eu só quis ajudar!
– Cala a boca! – Reclamei sem aguentar o som da sua voz. Amarrei os cadarços com firmeza e me levantei.
– Que bicho te mordeu? – Zack perguntou também se levantando. – É a sua vez de limpar as latrinas, eu vou seguir para o convés. – Eu rosnei em resposta, chateada. – Bom isso explica o mau humor.
Passei o resto da manhã aguentando o cheiro podre das fezes dos marinheiros e a dor insistia em me incomodar, como raízes fincadas que se estendiam do meu ventre até o meio das minhas coxas. As minhas partes íntimas latejavam e tudo o que eu pensava era que não aguentava mais passar 2 segundos em pé.
Quando terminei meu trabalho, o sol estava a pino, e eu pingava de suor mesmo estando no interior do navio. Terminei de me organizar e fugi, afoita por me livrar do cheiro terrível e limpar ao menos parte do meu corpo.
Era meu intervalo, por isso decidi voltar para o alojamento para descansar por alguns minutos antes da tarefa seguinte. Me deitei na minha rede e suspirei de alívio por poder descansar a cabeça, mesmo a dor sendo teimosa e insistindo em me afligir.
Não sei por quanto tempo adormeci, mas só notei que havia cochilado por conta da mão que se fechava no meu pescoço e me tirava o ar. Eu abri os olhos desesperada, lutando para respirar, mas não conseguia.
Era Gibbons com seus olhos assassinos e uma raiva transbordante que me impedia de puxar oxigênio. Ele me jogou contra a parede do alojamento e com as duas mãos continuou me sufocando. Eu não sentia meus pés no chão e não conseguia entender o que estava acontecendo.
– Eu sabia que não estava louco! Eu sabia! – Ele exclamava com as íris dilatadas em ódio e algo a mais que eu não reconhecia.
Do que ele está falando?!
– Os cabelos ruivos! Eu havia notado, havia sim! – Caleb dizia sem sentido algum.
Eu procurava por qualquer coisa que minha mão pudesse alcançar para lançar contra o pirata, mas eu não encontrava nada. Estava quase desmaiando, por isso guardei minhas forças para manter a minha consciência.
– Não sei que magia lançou para conseguir se esconder por tanto tempo, mas eu sabia que a reconhecia de algum lugar!
Eu me questionava como ele havia descoberto, enquanto sentia um líquido gosmento descendo entre as minhas pernas e sujando minhas roupas. Olhei de relance para a minha rede e o tecido claro não escondia as manchas de sangue.
Ótimo! Se eu não morrer pelas mãos dele, vou morrer de alguma doença do mar!
– Aqueles cabelos ruivos voando pelo convés...
Ele tirou uma de suas mãos do meu pescoço e agarrou meus cabelos curtos. Eu arquejei com o puxão e finalmente distingui qual era o sentimento que transpassava nos olhos escuros de Gibbons. Era desejo.
– Você quase me enganou, sua mentirosa desgraçada! Pensei que estava ficando louco por desejar um moleque magricela, mas agora tudo faz sentido! – Ele aproximou a boca do meu ouvido. – Você vai pagar por ter me feito de idiota.
Foi a chance que encontrei, usei toda força que eu tinha para chutar Gibbons. O golpe foi suficiente para ele me soltar e dar alguns passos apressados para longe dele, mas o iminente era maior e mais rápido, ele tomou meu braço e me jogou para longe da escada que me levava de volta para o convés. Para a luz.
Eu gritei quando tropecei nos meus pés e caí no chão, certa de que não tinha para onde fugir. Puxei meu punhal, escondido entre as minhas roupas, me ergui e corri entre as muitas redes dos piratas. Gibbons veio atrás de mim com selvageria, derrubando tudo que via pela frente e me encurralando no fundo do alojamento.
Eu o driblei uma última vez e corri de novo em direção as escadas, mas de alguma maneira ele conseguiu me puxar e me derrubar. Nós dois fomos ao chão, Gibbons me esmagando com seu corpo enorme e o meu punhal a muitos centímetros de distância de mim. Meus instintos me obrigaram a lutar. Eu me debati e dei empurrões, mas as mãos de Gibbons eram ágeis e deixavam um rastro de vergonha e raiva na minha pele.
Quando a boca do iminente alcançou meu pescoço, o peso de seu corpo sumiu de cima de mim. Era Zachary. Ele havia agarrado o homem e o jogado para longe de mim. O garoto não era tão forte assim, notei que a aura de ódio que emanava dele, era o que o impulsionava a se lançar contra Caleb.
– Zack! – Gritei desesperada.
Eles se embolaram em uma luta sem ritmo, trocando socos e pontapés. Diferente da noite no Canção do Mar, Zachary acompanhava Gibbons em habilidade e ferocidade. Certamente porque o garoto não estava tão chateado na noite do saque como estava naquele momento. Ele engatou uma sequência de socos, rápidos e certeiros, contra o pirata que o deixaram mole e mais lento.
Caleb recuperou sua posição logo em seguida, segurou a mão de Zack e a bateu de volta no rosto do garoto, usando sua própria força contra ele. Aquilo doeu em mim, eu peguei meu punhal e me joguei sobre o iminente em busca de fazer algo para salvar meu amigo, mas eu fui lançada para trás com toda força, embora tenha conseguido fazer um ferimento no braço direito de Gibbons.
Caí no chão, notando pela primeira vez, minhas roupas rasgadas e os trapos que elas haviam se tornado. Aquela luta não tinha mais só a ver com a minha proteção, o iminente investia tudo que tinha contra Zack, ele estava louco de raiva e eu não sabia se tinha mais a ver com o fato do garoto ter frustrado seus planos ou por Zachary ser meu cúmplice.
Alguns piratas surgiram, atraídos pelos sons da disputa. Não era incomum ter brigas dentro do navio, mas logo que os homens perceberam quem estava envolvido na luta, seus olhares se tornaram curiosos, pousando sobre mim e sobre a situação. Alguns tentaram apartar a briga, mas logo desistiram quando receberam os primeiros golpes aleatórios dos dois combatentes.
– Me larguem! – Gibbons disse se soltando e voltando para a batalha. – Você achou que eu não descobriria?! O segredinho de vocês dois? – Ele puxou as lapelas de Zack e aproximou a boca de seu rosto. – Quer dizer que ela é a sua vadia particular, Zack? Eu devia saber!
Os questionamentos dos outros piratas se espalharam em voz alta pelo alojamento. É o fim. Pensei.
– CALA A BOCA! – Zack gritou empurrando o pirata e acertando outro soco nele. – Você não tem o direito de xingá-la!
A frase de Zack foi o estopim para as minhas primeiras lágrimas caírem. Estávamos arruinados, não havia escapatória dessa vez. Era à beira do precipício e só tínhamos a opção de pular no abismo. Se ao menos eu não tivesse cochilado e perdido a noção do tempo, talvez Gibbons não tivesse me atacado.
Caleb se ergueu e jogou o corpo contra o garoto que bateu a cabeça contra o primeiro degrau da escada. Zack então subiu ao convés afoito, com o iminente em seu encalço. Eu pretendia fazer o mesmo, mas fui surpresa com um aperto ao redor da minha boca.
– Aonde pensa que vai? – Fui erguida por mãos forte que me carregaram para o nível de cima.
Embainhei meu punhal e cortei a mão daquele que me segurava. Ele gritou de dor e me soltou, me deixando seguir meu caminho. Eu fui rápida, mas não o suficiente para alcançar o convés quando um disparo foi feito. Eu ainda estava na metade da escada, mas meu coração batia descompassado.
Quando cheguei no pavimento, Zack ainda estava de pé. Eu senti um alívio que transbordou na alma, mas logo passou, quando vi o corpo de Caleb Gibbons no chão, deitado sobre sua própria poça de sangue, os olhos vidrados e sem vida. O garoto tremia, junto com a arma de fogo que havia sido presente da capitã. Seu peito subia e descia por conta da respiração acelerada.
Todos os piratas estavam ao redor de nós, a cena havia sido palco para toda a tripulação. Kassandra estava na porta de sua cabine desferindo um olhar frio e odioso – mas ao mesmo tempo cheio de decepção – para Zack.
Eu passei os olhos sobre todos, sabendo que não tínhamos nem como inventar uma história ou disfarçar o fato de que Zachary havia matado o iminente de Barca de Caronte. Zenon fitava a cena com os lábios comprimidos em desgosto e balançando a cabeça em negativa, pois havíamos ignorado seus conselhos.
Olá, piratas! O que acharam? E essa sexualidade enrustida Gibbons? 😂 não se esqueçam de comentar e deixar seus votos ♥️ espero que seus corações tenham ficado batendo forte com esse capítulo, assim como o meu ficou quando fui escrever! Beijos! Fiquem ligados que as tretas só começaram 💁🏾♀️
2183 palavras
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