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Capítulo 11

Havia tanta claridade. O céu era tão azul que me cegava os olhos e as nuvens eram tão fofas que pareciam novelo de lã. Era uma clareira cheia de flores, com a grama aparada e o cheiro de rosas emanando por todo o lugar. Um perfume doce que mesmo Açores, a ilha em que eu cresci e que era repleta de cubres amarelados, jamais havia expelido. Uma paz irreconhecível jorrou em mim, junto com a brisa leve que aquele lugar espalhava.

Eu caminhava sem rumo, mas a impressão que eu tinha era que naquele lugar ninguém ficava perdido. Borboletas zanzavam de um lado ao outro e um som indistinguível de um instrumento que eu nunca havia ouvido ressoava por todo o campo aberto.

Escutei sons de passos amassando a grama às minhas costas e uma mão pequena e calejada tocar meu ombro direito. O aperto era gentil e me fez virar para reconhecer a pessoa que se aproximara. Fitei um rosto rechonchudo com bochechas marcadas e proeminentes, naturalmente brilhantes devido à pele oleosa. O cabelo preso como sempre em um coque alto, sem deixar escapar um fio se quer. O nariz era largo –proporcional ao rosto – e as sobrancelhas ralas seguiam o contorno da testa curta.

Abaixo da penugem, encontrei o castanho de seus olhos. Eram tão confortáveis por conta da familiaridade que estranhei ao encontrar uma preocupação diferente daquelas que eu causava a ela. Não era como quando eu fugia dos meus expedientes, ou era pega fazendo alguma travessura. Era uma aflição genuína, beirando a angústia.

Cora tocou minha face e disse:

– Todos esses anos tentando reprimir essa sua rebeldia para agora temer que ela não seja suficiente. Ellie! Tenho intercedido por você, mas não posso fazer o trabalho todo, sozinha. Você precisa ser forte! – Ela disse urgente e tocando meu rosto com as duas mãos. – Precisa lutar!

Acordei sobressaltada, a respiração cortante e os pelos do corpo arrepiados. Estava frio, mas eu não sabia se os arrepios advinham da temperatura baixa. Respirei fundo mais de uma vez para tentar me acalmar. Zack dormia pesadamente a ponto de sua respiração ressoar como a de um bebê.

Um presságio horrível inundava minha cabeça. Algo de ruim vai acontecer! Era algo nítido como respirar e eu não sabia de onde vinha tanta certeza. Comecei a me questionar quanto tempo havia se passado desde que tínhamos adormecido, parecia que só alguns minutos haviam se demorado, mas pela forma como meu parceiro estava precisei admitir que algumas horas já haviam se prolongado.

Matar! Matar!

Roubar! Saquear!

Invadir! Invadir!

Vozes grossas e decididas começaram a ressoar na minha mente. Não eram propriamente frases estruturadas que fizessem sentido. Era mais como se um sentimento tivesse vindo de encontro a mim e eu pudesse ler e interpretar aquela carga emocional misteriosa.

O que é isso? De onde vem?

Meu primeiro instinto foi de fugir, mas para onde? Estávamos no meio do oceano. Fiquei de pé sem saber que decisão tomar.

O tesouro! O tesouro!

Está próximo!

Empurrei minhas mãos contra meus ouvidos na medida em que as mensagens pareciam se intensificar. Não era volume, era proximidade.

– Zack! Zack! – Empurrei o ombro do garoto repetidamente. – Estamos em perigo, acorde!

– O que houve? – Ele abriu os olhos assustado.

– Eu não sei ao certo! É um pressentimento! – Zack me devolveu um olhar revoltado e de desdém.

– Você me acordou só por isso?

– Como assim só? – Questionei chateada. Para mim eram óbvias as coisas que eu sentia e me enfureci rapidamente com a falta de confiança do garoto.

– Você deve ter tido um pesadelo, volte a dormir. – Ele resmungou e voltou a se aconchegar no piso de madeira.

– Zack! – Voltei a empurrá-lo desesperada. – Não foi um sonho, é real! Algo vai acontecer, algo de muito ruim vai acontecer!

– Inferno, Ellie! Estou cansado! Preciso dormir e você também! – Ele explodiu se levantando. Espalmei seu peito e o empurrei com força.

– Seu brutamonte imbecil! Me escute!

– Ei! – Ele reclamou, enquanto eu repetia o gesto.

– Pare de me tratar como se eu estivesse maluca!

– Não é nada disso! – Rebateu me segurando. 

 – Você se lembra o que aconteceu na última vez que eu tive um pressentimento ruim?! ­– Berrei tremendo. 

– Não acho que você esteja louca! Mas... – Sua voz amansou. – Você passou por muita coisa e eu também. Tudo o que sei é que precisamos descansar, então... Descanse, Ellie. Vá dormir. – Nos encaramos por alguns segundos até meu olhar vacilar e o garoto voltar a se acomodar no chão.

No entanto, o sentimento de aviso, a presença hostil... Nada havia passado. Zack bocejou e disse:

– Além do mais, se algo estivesse tão próximo, não acha que o vigia da gávea daria o sinal?

Instintivamente, virei meu olhar para o mastro mais alto, alguns metros atrás de nós e fixei os olhos na cesta. Lá estava o vigia fazendo aquilo que eu não conseguia fazer. Ele era alto, por isso pude ver claramente seu tronco encostado no mastro enquanto dormia em pé.

Eu ia abrir minha boca para comentar com Zack quando um som amedrontador rasgou a noite. Milésimos de segundos depois, algo nos atingiu com estrondo, fazendo o navio chacoalhar e o meu corpo ir para frente e para trás. O vigia quase caiu da cesta, mas o acontecido foi suficiente para que ele acordasse.

– Estamos sendo atacados! Acordem! Acordem! Piratas à vista! – Ele começou a gritar e tocar um sino. Meu corpo gelou e Zack esbugalhou os olhos.

– Eu avisei! – Gritei e outro tiro nos atingiu.

O primeiro a se movimentar foi o próprio capitão, abrindo a porta de sua cabine furioso, sem nenhuma evidência em sua expressão de que estava dormindo.

– O navio inteiro já percebeu, Mustard! – Ele esbravejou em direção ao vigia. – Seu verme preguiçoso! Vamos morrer por conta dos seus cochilos! – O navio virou uma bagunça de marujos desajustados e sonolentos saindo dos seus aposentos. – Para os canhões, homens! Protejam nossos porões, não deixem que os piratas malditos os alcancem! Canção do Mar pode até afundar, mas eles não levarão nossa mercadoria!

Outro canhão nos acertava e eu comecei a ouvir um som peculiar. Eram os piratas gritando vitória. Notei então que poucas balas haviam acertado o mar, todas haviam conseguido nos atingir. Foi quando corri para a beira do casco do nosso navio e pude enxergar nossos perseguidores atrás de nós, mesmo com a névoa.

Seu navio estava perigosamente próximo e estava quase lado a lado com a nossa embarcação. Tinha apenas dois mastros de vela e era bem menor que Canção do Mar, consequentemente mais rápido. Deviam ter aproveitado não só a sonolência do nosso vigia, como o fator climático. Estávamos encurralados.

– Esses malditos não tiveram a decência nem de barganhar! – A maioria dos marujos havia descido para se posicionar nos canhões, esse em questão se organizava para manejar o canhão de eixo giratório, uma arma com poder de fogo mais baixo, mas com a vantagem da flexibilidade. – Vieram com a intenção de nos matar!

Nossa tripulação começou a revidar bravamente. Tínhamos muitas armas, mas não homens o suficiente, ainda assim nossas balas eram certeiras e deixaram rombos gigantes no inimigo. Eu estava congelada observando a batalha, aterrorizada, sem condições nem de me esconder.

O marujo ao meu lado era certeiro e objetivo, não atirava no navio e sim diretamente nos homens. Não demorou para que os nossos inimigos começassem a fazer o mesmo.

– Ellie, se abaixe! – Escutei Zack gritando.

Meu corpo respondeu ao chamado no automático e uma bala de canhão sabe-se lá de qual tipo passou por cima de minha cabeça. Tive forças para levantar mais uma vez e assim que fiquei de pé, ganchos começaram a se prender no Canção do Mar. Eles haviam lançado cordas para atravessar a distância de um navio ao outro.

Iam invadir nossa embarcação.

As batalhas corpo a corpo iriam começar e a adrenalina queimou no pé do meu estômago.

– Ellie! – Zack havia atravessado o convés e me alcançado.

– Ei, garoto! – O marujo do canhão gritou. – É melhor você tirar ela daqui! Se eles a capturarem vão fazer mais do que só matá-la! – Zachary ainda tinha um olhar assustado no rosto, mas ele assentiu com firmeza.

– O que?! Nós vamos ficar e lutar!

– Ah! Pelo amor de Deus, garota! – O marujo desdenhou e apontou para a cabine do capitão. – Vão para lá e se escondam até a batalha acabar! John está manejando o navio, não vai se importar com dois moleques maltrapilhos na sua cabine! Principalmente se ele estiver morto. Rezem para que nós consigamos vencer.

Zack não esperou por mais duas palavras do rapaz, tomou minha mão e começou a correr em direção à cabine. Suas pernas eram rápidas, diferente das minhas que tinham que dar 2 passos a cada passada do garoto. Me soltei de seu aperto e passei a correr por conta própria. Não demorou para que os piratas pulassem para dentro do nosso convés.

– Invadiram nosso navio! Homens, ataquem! – Alguém gritou.

O convés estava quase vazio quando o primeiro pirata pisou na nossa embarcação. Com exceção de nós dois e o marujo do canhão de eixo giratório, podia-se contar mais 5 homens que não haviam descido. Calculei rapidamente e acho que todos concluíram o mesmo resultado. Não vamos dar conta!

Eles subiram o navio como formigas, escalando com cordas e ganchos. A cabine ainda estava a meio caminho de distância quando um deles pulou na nossa frente. O susto me fez cair, mas Zack manteve-se de pé e sacou o meu punhal de dentro da bota. Ele manejou com facilidade e antes que os golpes fossem trocados entre eles, o garoto enfiou a arma contra as costelas do homem. O pirata arquejou de dor e distraído com o ferimento, Zack conseguiu empurrá-lo contra a borda. Enquanto o marujo caía no mar, eu me levantei e nós continuamos o percurso. Admito que eu nem lembrava que o punhal havia ficado com Zachary.

Seguimos desesperados, pois o número de invasores só aumentava e por uma estranha razão eles corriam na nossa direção. Aparentemente, nós éramos alvos fáceis e não posso discordar. Se eu fosse um pirata também correria em direção do sinal mais vivo dentro do navio: meu cabelo ruivo.

Mais dois homens tentaram nos atacar no caminho, mas os nossos marujos os alcançaram a tempo e nós pudemos continuar a corrida. Subimos as escadas às pressas e nos trancamos dentro do aposento do capitão, sem coragem nenhuma de olhar pela janela redonda da porta e acompanhar o massacre.

– Nós vamos morrer. Vamos morrer! – Fiquei repetindo como uma idiota. A adrenalina ainda corria pelo meu sangue, mesmo abrigada dentro do cubículo que era o cômodo do capitão. Zack não me respondeu, provavelmente porque estava tão desesperado quanto eu. – O que vamos fazer, Zack? – O garoto parou por alguns segundos, como se estivesse refletindo sobre a situação e então começou a dar voltas pelo quarto, vasculhando os poucos móveis entulhados no espaço.

Ele enlouqueceu de vez!

– O que diabos você está fazendo, afinal? – Eu não conseguia seguir seu raciocínio. Enquanto isso lá fora os sons se tornavam cada vez mais brutais. O navio não parava de ser atacado pelas balas de canhões e o barulho da nossa derrota era aterrorizador.

– Duas coisas podem acontecer conosco, Ellie. Os piratas podem não se importar muito com a nossa presença e podem apenas decidir nos matar de imediato. Ou...

– Ou o que? Qual a outra opção? – Ele parou a andança para me olhar.

– Ou eles podem nos capturar com vida.

– Essa me parece uma boa opção, você não acha?

– Seria, se você não fosse mulher. – Meu estômago queimou de raiva, enquanto ele voltava a revirar a cabine.

– Nossa, quanta consideração!

– Ora, Ellie, não é hora de levar para o lado pessoal!

– Ah não, é? Você sabe que sei usar esse punhal tão bem quanto você! Foi você mesmo quem me treinou, sabe como sou boa! – O garoto parou e segurou minha mão com força. Seus olhos verdes escuros e amedrontados.

– Seremos eu e você contra um navio de piratas experientes. Nós lutamos um contra o outro longe do perigo, não estamos prontos para agir sozinhos. Se eles a pegarem, Ellie... – Zack engoliu em seco. – Vão fazer coisas horríveis com você e eu não poderei fazer nada. – Puxei meu braço sem deixar de encará-lo revoltada. Ele voltou a dar voltas pelo quarto como um furacão.

– Qual é o seu plano, então, gênio?

– Vamos fingir que você é um garoto. – Zack disse aquilo com extrema naturalidade como se estivesse pensando naquilo há muito tempo. Tive que rir com a afirmação.

– É o que? – Questionei ainda risonha. – Você acha mesmo que não vão perceber que sou uma menina?

– Não sei se percebeu, Elizabeth Salazar, mas você não é lá uma garota muito comum.

– Não posso fazer isso! Não vou saber o que fazer ou como agir!

– Têm agido como um garoto a vida inteira, não vai ser tão difícil assim. – Joguei nele o primeiro objeto que encontrei pela frente (era um livro de capa dura) e tive como resposta um arquejo de dor. – Dá pra parar de resmungar e atirar coisas em mim? Você seria muito mais útil se me ajudasse!

– Você não teve nem a educação de me explicar o que está fazendo!

– Estou procurando roupas, sua sádica! – Ele berrou em resposta passando a mão pela cabeça. – Não que o imbecil do John tenha alguma muda de roupa que caiba em você, mas qualquer coisa que não seja um vestido deve servir. – Mais uma vez demorei para raciocinar o que estava acontecendo e fiquei parada encarando Zachary. – Vamos! Não temos a noite toda!

Foi como se uma chave fosse virada na minha cabeça. Passei a ajudar Zack em sua busca incessante e comecei a me perguntar no meio daquela bagunça se de fato o capitão do Canção do Mar havia levado algum vestuário além daquele que ele havia trazido no corpo. O barulho do lado de fora não parava, os gritos e os sons de combates pareciam que não iriam acabar nunca.

Foi quando notei.

As vozes dentro da minha cabeça ainda não haviam ido embora. Elas gritavam sem cessar procurando por um tesouro.

Que tesouro?! Me questionei. Em meio a gavetas e portas de armários sendo abertas, escutei Zack gritar.

– Ellie! – Ele puxou um baú que havia encontrado embaixo da cama adaptada do capitão. Parecia pesado, por isso logo me prontifiquei a ajudar. Arrastamos o objeto com dificuldade. Era de madeira e não era lá muito grande. Eu sabia que não iria estar leve, mas não imaginei que fosse estar tão acima do peso que havia calculado. – Veja, o cadeado está aberto. – Minhas mãos foram mais rápidas que as dele e logo abri o baú.

Levamos um susto ao perceber que só tinha mudas de roupa lá dentro. Um cheiro de roupa suja e mofada subiu assim que conseguimos levantar a tampa.

– Não é possível que os trajes desse homem pesem tanto! – Zack exclamou revoltado.

– Não... – Comentei reflexiva. – É óbvio demais.

Comecei a tirar o vestuário do capitão e quanto mais eu puxava, mais quentes minhas mãos ficavam. Eu já havia sentido aquilo antes...

– Olhe! – Zack exclamou e começou a me ajudar.

Era ouro. Centenas, talvez até milhares de moedas douradas.

– Agora entendo porque ele queria dispensar nossas safiras... – Comentei perplexa. – Quem quer duas pedras insignificantes e dois garotos problemáticos quando se tem tudo isso guardado debaixo da cama?

– Ele não teve nem o cuidado de esconder direito. – Zack reclamou encarando o tesouro com os olhos brilhando.

– Ele devia saber que seus homens jamais entrariam nos seus aposentos. Mas, foi burrice não contar com os piratas.

– De fato.

Minha mão não parava de queimar e eu ainda não entendia porque eu estava sentindo meu corpo febril. Foi quando consegui visualizar. Uma joia relativamente pequena. Parecia uma pequena bolinha de vidro verde, mas brilhava sem cessar de forma que conseguia até cegar meus olhos. Eu a alcancei e minha mão esquentou com um calor estranho. Era quente, mas não me queimava.

– Veja, Zack! Parece uma bola de gude! – Zachary já havia perdido o interesse pelo tesouro. O encantamento durou apenas alguns segundos. Ele revirava as roupas em busca de algo que coubesse em mim.

– Não temos tempo pra isso! Tome! – Ele jogou uma camisa que em algum momento deve ter sido branca, mas agora tinha um tom desgostoso de bege. O cheiro de mofo era sufocante e eu tive vontade de vomitar. Verifiquei se Zachary estava olhando em minha direção, mas ele estava distraído procurando outra peça de roupa. Arranquei o vestido do meu corpo e comecei a vestir a camisa escolhida por ele.

– Encontrei uma calça! – Ele disse se virando.

– Eu não terminei de me vestir! Feche os olhos! – O garoto deu um pulo com meu grito estridente e virou-se em direção à porta. De costas ele jogou a calça em minha direção.

– Tente vestir isso!

A camisa parecia um vestido de tão grande, meu biotipo magricelo não estava me ajudando a ficar viva. Arregacei as mangas até os cotovelos e me concentrei em vestir a outra peça de roupa. Minhas mãos tremiam de nervosismo. Primeiro tentei colocá-la ainda usando as botas, depois entendi que eu não conseguiria colocar a calça se não tirasse os sapatos.

– Inferno! – Praguejei.

– Quer ajuda? – Ele perguntou se virando mais vez.

– NÃO! FIQUE ONDE ESTÁ!

Não sei ao certo o que foi que aconteceu logo depois, pois Zachary ficou mais desesperado e apressado do que já estava. Quando paro para pensar naqueles instantes, penso que ele deve ter visto algo pela janela da porta que o encheu de angústia.

– Eles estão vindo! Vamos, vamos! Se apresse! – Ele correu até mim, sem se preocupar muito com o fato da calça ainda estar na metade da minha coxa.

– Seu pervertido! – Reclamei batendo em seus braços, enquanto ele apertava um cinto na minha cintura. Eu parei alguns segundos e me encarei de cima a baixo. As roupas haviam ficado enormes, mas não tínhamos outra opção. Guardei a joia no bolso traseiro da calça e retirei a pulseira que Zack havia me dado no dia anterior. – O que eu faço com ela? – Perguntei mostrando o acessório.

– Dê-me. – Ele agarrou o bracelete e o fechou no meu tornozelo. Ficou escondido debaixo do excesso de tecido que a calça havia deixado nas minhas pernas. Zack logo pegou minha bota e a enfiou em meu pé. Eu fiz o mesmo com o outro par. Com isso, eu estava pronta. Me levantei e fiquei em frente à Zachary esperando uma resposta dele.

– E então? Eu pareço um menino? – O garoto me encarou e algo no seu olhar me fez começar a duvidar de seu plano.

– Vai dar certo! – Ele disse não tão convicto.

– Você tem certeza do que está dizendo? – Zack suspirou.

– Falta alguma coisa! – Ele exclamou irritado, como quando a gente procura uma palavra e ela some da nossa mente. De repente seu rosto se contorceu, ele havia entendido o que estava errado. – Eu já sei o que é, mas você não vai gostar. Feche os olhos!

– O que? Por quê?

– Por que se você não fechar não vai me deixar fazer!

– Como assim?! – Respondi furiosa. Zack puxou o punhal sujo de sangue e o limpou na primeira muda de roupa que encontrou no chão. – Zack! – Berrei amedrontada.

– Shhh! Fica quieta! – Ele me virou rapidamente e puxou meus cabelos. – A lâmina está afiada, vai ser rápido.

De fato, não tive tempo nem de reagir. Antes que pudesse falar ou até mesmo gritar uma rinha de xingamentos contra o garoto, ele já havia passado o punhal por entre meus cabelos. O puxão foi breve. Não doeu como um ferimento profundo e nem foi indolor a ponto de passar despercebido.

Abaixei meus olhos e pude enxergar meus longos fios ruivos no chão amadeirado. Não deveria ter significado muita coisa, pois nunca fui de dar atenção a eles, mas quando os vi estendidos pelo chão, foi como perder outra parte de mim. Já havia perdido muito até então: minha família, meu lar e a normalidade que se espera da vida de uma garota que vivia em Ilha das Flores. Meu cabelo ruivo cortado e estampado como decoração do quarto do capitão John foi como um divisor de águas. Minha nova vida era cheia de turbulências e eu teria que me acostumar a elas.

Em seguida algo passou a colidir contra a porta da cabine. Na primeira vez levamos um susto, na segunda eu passei a recolher os cabelos espalhados pelo quarto junto com as roupas, tentando escondê-los em algum lugar. Na terceira vez, Zack empurrou o baú para o mesmo lugar o qual o encontramos. Seu desespero era tanto que conseguiu fazer isso sem a minha ajuda. Na sexta vez, a porta se escancarou e descobrimos que ela havia sido arrombada com os chutes de um dos piratas.

Zack não esperou ele chegar até nós, deu um chute em seu peito o empurrando para trás, utilizando do elemento surpresa. Seus corpos colidiram e ambos foram ao chão. O garoto desferiu três socos no rosto do marujo antes que o outro lhe jogasse para trás com o joelho. Com uma cambalhota forçada, meu amigo caiu de costas no chão arquejando.

Outros dois piratas adentraram a cena. O mais corpulento se encarregou de erguer e imobilizar Zachary, enquanto o outro entrou na cabine obviamente com a intenção de fazer o mesmo comigo. Admito que pensei em correr, mas não tinha saída, os piratas haviam nos cercado. O marujo que Zack derrubou se levantou e socou a boca do estômago do garoto.

Quis avançar nele e despedaça-lo com o punhal, mas a arma estava com Zachary e quando levantei os olhos, a porta estava amontoada de piratas. Não tínhamos vantagem nenhuma.

– O garoto tem fibra. – Disse o pirata que fora ao chão. – Não tire os olhos dele, Woody!

Ele analisou o cubículo, passeando os olhos perspicazes pelo lugar e estacionando as vistas sobre a cama bagunçada e o pedaço do baú que não havíamos conseguido esconder direito. Com uma facilidade invejável, ele tirou a arca de debaixo da cama e a abriu. As moedas de ouro cintilaram e ele não pareceu nem um pouco tão maravilhado como nós quando vimos o tesouro pela primeira vez.

– Acharam mesmo que conseguiriam nos esconder a droga do seu ouro! – Ele soltou uma risada seca e fria. – Levem o baú para o navio. – Claramente era algum tipo de chefe entre os marujos.

– Iminente! – Um pirata baixo e de corpo atarracado chamou. – O que faremos com os moleques?

O plural na frase fez o homem descer os olhos sobre mim pela primeira vez. Ou ele não havia percebido minha presença ou só havia fingido que eu não estava ali. Sua barba era cheia, as roupas escuras não conseguiam tirar a evidência de seus cabelos loiros. Diferente de John, ele carregava todas as características que a minha mente havia categorizado para se definir um pirata. Incluindo a liderança e maldade que exalava em cada sopro que seu nariz respirava.

Ele me encarou por longos segundos e eu consegui ouvir o som da sua espada me acertando dentro da minha imaginação. Ele vai descobrir! Vai perceber com esses olhos miseráveis! Parecia que meu coração havia sido transportado para dentro dos meus ouvidos.

– Levem os dois. Balthazar vai gostar de ter dois escravos para trocar no mercado negro.

Por algum motivo, o fato de não ser descoberta aliviou meus pensamentos, mas o alívio durou até eu ser jogada nos ombros de algum marmanjo. Durou até eu ver Zack ser arrastado em meio a passos trôpegos. Durou até atravessarmos o Canção do Mar e vermos toda a tripulação morta em poças de sangue.

Durou até sermos arrastados para o navio pirata, enquanto dávamos uma última olhada no navio que tinha sido nossa única esperança. A embarcação comercial seguiu sem canções e sem vida, silenciosa como um túmulo, guardando as almas daqueles que subestimaram o mar e suas trapaças. Sempre tive a impressão que o que restou de ordinário na minha vida partiu com aquele novo navio fantasma que o oceano havia criado. 

3984 palavras

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