Capítulo 9 - Maya
MAYA
[ AVISO IMPORTANTE ]
[ Caso encontrem algum erro, peço desculpas desde já. ]
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MAYA fechou a porta principal do salão após o último cliente, bêbado e falando coisas que ninguém entendia, ir embora enxotado por ela que já estava cansada e querendo dormir. Apagou todas as velas do salão e subiu as escadas não se importando com a bagunça que ficaria para ser limpa no dia seguinte.
Segurando uma vela passou em frente ao quarto de Alice, a claridade das chamas na vela adentrou o quarto e Maya pôde ver que ela estava dormindo descoberta. Pensando no frio que faria a noite ela se aproximou da cama e a cobriu.
Enquanto observava Alice dormindo profundamente viu o relicário dela sobre a mesinha ao lado da cama. Com um aperto no peito, imediatamente lembrou quando Gareth trouxe-a para morar com ela.
"Maya abandonou sua casa ainda jovem, deixando pais e irmãos para trás por decisão própria. Para ela, a família está morta e assim deveria ficar. Com as economias que tinha, comprou uma casa afastada da cidade de Kalia onde transformou em um salão e mais tarde devido as circunstâncias, um prostíbulo.
Foi ali que Maya conheceu Gareth, quando a quase sete anos, ele apareceu no momento em que o último cliente saia e ela fechava o local. Gareth usava um casaco com capuz cobrindo boa parte do seu rosto e com ele estava uma garotinha franzina de cabelos bagunçados e um olhar assustado totalmente perdida do mundo.
Não era o ambiente ideal para se levar uma garota tão nova, mas Maya ia ver do que se tratava.
— Já estamos fechados. — Maya disse ao notar que Gareth caminhava na sua direção.
— Não quero serviços. — Gareth respondeu.
— O que deseja então? — Maya replicou tentando ver quem era o homem, mas a escuridão da noite não deixava ter uma noção clara de como era.
Gareth olhou para a pequena Alice atrás dele, em seguida chegou mais perto de Maya fazendo ela dar um passo para trás com medo daquela aproximação estranha. Ele poderia ser um bandido usando uma garota para facilitar as coias para ele. Maya já estava arrependida por ter esperado ele chegar tão perto, poderia ser tarde para ela se defender.
— Preciso de um favor.
— Muito nova. — Pensando que Gareth estava oferecendo a menina para venda, Maya respondeu rápido já puxando a porta para fechar.
— Não é isso. — Gareth repreendeu para surpresa de Maya colocando o pé entre a porta e o vão evitando que ela a fechasse. Sua voz era nervosa. — Podemos entrar para conversar melhor?
— Já estamos fechados.
Gareth retirou um saco de moedas do casaco e puxou a mão de Maya soltando-o para que ela sentisse o peso. A pequena Alice atrás deles olhava aquilo sem entender nada e nem ouvia direito o que eles falavam.
— Acho que tenho uns minutos a mais. — Disse Maya após abrir o saco de moedas e confirmar que eram todas moedas de prata.
Assim os três adentraram o salão para poderem conversar num ambiente fechado.
Gareth pediu alguns petiscos e suco para Alice e a deixou sozinha numa mesa afastada se servindo. Acompanhou Maya até o balcão e lá começaram a conversar baixinho sem que a garota pudesse ouvir.
— Que tipo de favor você quer? — Maya perguntou.
— Quero que você cuide dela para mim. — Gareth respondeu indo direto ao ponto. Maya arregalou os olhos e começou a rir. — Eu estou falando sério. — Insistiu Gareth com a voz firme não gostando do deboche.
Esse cara é louco? Maya perguntou para si mesmo antes de tentar chamar a atenção de Gareth para a realidade.
— Sabe que tipo de coisas acontecem por aqui, não é? — Maya perguntou com a voz áspera.
— Claro que sei, mas isso não impede que ela possa morar aqui.
— Ela morar aqui? Ficou louco?
— Talvez, mas eu não tenho escolha. Estou fazendo da melhor forma para ela, acredite em mim.
— Como assim melhor forma? E os pais dela?... — Por um instante Maya pensou que a menina tivesse sido sequestrada. — Espera! Eu não quero problemas com ninguém não. Se você sequestrou essa garota está querendo me trazer confusão.
— Não! Eu não tenho com quem deixar ela. Não tenho casa, não tenho amigos, não tenho... — Gareth respirou fundo e olhou para Alice antes de falar. — ...família. Os pais dela foram mortos e ela não tem ninguém a não ser eu.
— E porquê eu? Por que aqui?
— É uma longa história. Eu prometo de contar com calma se você quiser.
Maya ficou confusa com aquilo. Quem era Gareth e porquê estava com aquela garota? Por que ele não poderia ficar com ela? Por que ele queria que ela ficasse ali? Eram muitas perguntas para tão tarde da noite.
— Vai embora daqui. Eu não tenho tempo para brincadeiras. — Maya pediu.
— Eu não estou brincando. — Gareth alterou a voz, mas logo se conteve. — Eu estou falando muito sério aqui.
— Escuta... Eu já tenho as minhas meninas e nenhuma delas mora aqui. Todas elas são pagas para dar prazer aos meus clientes e ajudarem a trazer lucros para este lugar. Então, eu não posso e não quero ficar com essa menina aqui.
— Quanto que você ganha em cima de cada serviço que suas meninas fazem?
— O que? — Maya perguntou ironicamente irritada com aquilo.
— Isso mesmo que você ouviu. Quanto você ganha em cima de cada serviço? — Maya balançava a cabeça descrente com aquilo. Já era intromissão demais na vida dela.
— Você está de sacanagem comigo, não é?
— Esquece! Não importa quanto você ganha, eu pago o dobro.
Maya abriu a boca para reclamar novamente com Gareth, mas a ideia de receber o dobro apenas para manter uma menina sob os cuidados dela era tentadora. Maya olhou para Alice que estava sentada na cadeira balançando os pés enquanto comia divertidamente.
— Tudo bem. Mas por quanto tempo eu vou ter que cuidar dela para você?
— Até eu resolver uns negócios, aí pego ela e sumimos daqui.
— Quanto tempo? — Maya perguntou irritada.
— O mais rápido possível. — Não era a resposta que ela queria ouvir, mas ainda era uma oferta tentadora.
— Certo. — Maya estendeu a mão para fechar negócio com Gareth. — Mas quero receber adiantado.
— Okay... Mas tem uma coisa. — Gareth segurou a mão de Maya bem forte olhando no fundo dos olhos dela de forma ameaçadora. — Ninguém! Absolutamente ninguém toca em um fio de cabelo dela aqui. Durante o dia eu sei que você não trabalha, pode deixar ela a vontade e te fazer companhia, pois ela é um amor de menina. — Gareth sorriu ao elogiar Alice, mas sem perder a expressão ameaçadora. — Mas a noite, quando estiver em trabalho, tranque-a em um quarto e que ninguém a veja. Eu vou voltar o mais rápido possível. Entendeu bem?
Enquanto Gareth falava olhando bem no fundo dos olhos de Maya, ela tentava olhar por dentro do capuz que cobria o rosto de Gareth. Ele sabia se posicionar contra as luzes para que as sombras ocultassem bem seu rosto, mas de relance ainda conseguia enxergar algo. Um rosto de um homem maduro, barba crescida e também parecia haver feridas, mas não tinha como ter certeza.
Maya meneou a cabeça positivamente. Cuidaria da menina pois ela valia bem, mesmo ocupando um quarto. Isso não seria problema algum.
— Como ela se chama? — Maya perguntou olhando para Alice que ainda estava sentada, mas dessa vez deitada sobre os braços da mesa.
— Alice. — Gareth entregou a Maya um relicário em formato de coração.
Maya abriu o objeto e viu o nome e a data de nascimento da garota e do lado um desenho em carvão de uma mulher branca muito bonita com cabelos negros, que Maya entendeu como se fosse a mãe da garotinha. Pelos cálculos, tinha apenas dez anos de idade.
Daquele dia em diante, Alice ganhou uma nova casa onde vivia com Maya. Gareth não teve dificuldades para convencer Alice de seu novo lar, pois a menina compreendeu facilmente que ela precisava de um lugar bom para dormir e Gareth prometeu visita-la com frequência, o que a deixou imensamente feliz.
O que era para ser poucos dias se estendeu por semanas, mas para isso, muitas coisas aconteceram. No começo, Maya teve dificuldades para aceitá-la, mas estava sendo recompensada por isso, então valeria o esforço para cuidar daquela garotinha.
Alice era uma garota muito curiosa e durante o dia vivia conversando com Maya a enchendo de perguntas. Queria ajuda-la fazer as coias e para calar a boca da menina, Maya dava a ela um pedaço de pano úmido para que ela passasse sobre as mesas, cadeiras e o balcão.
Maya era impaciente e Alice uma criança curiosa, uma combinação que por diversas vezes não deu certo e terminava com Maya tratando Alice super mal. Durante a noite a garota era trancada no quarto enquanto Maya cuidava do salão e suas meninas seduziam os clientes. Diversas vezes Gareth ia até o salão se passar como cliente e saber da menina.
As visitas de Gareth e as conversas com Maya renderam aos dois uma amizade. Maya aos poucos se apegou a Alice com todo o carinho que a menina dava a ela mesmo sendo tratada mal. Passou a enxergar ela mais do que apenas um fruto de lucro fácil e o serviço de prostíbulo que ela administrava deixou de existir ficando apenas um salão para apresentações ao vivo onde Alice ajudava ela.
Sabendo de toda a história de Gareth e de Alice, Maya se transformou em outra pessoa e ela não quis mais saber dos pagamentos para cuidar da garota. Maya, Alice e Gareth se transformaram em uma família, onde não era o sangue que ditava isso e sim a união e a cumplicidade dos três."
Agora, ali ao lado da cama de Alice, o coração de Maya ficou pequeno e apertado ao se dar conta de que mesmo depois de tanto tempo não dando atenção como uma criança deveria ter, a pequena Alice viu nela uma amiga. Não guardou remorso ou se quer raiva dela, pelo contrário, conseguiu ver nela uma mãe. Tanto que Maya aprendeu a gostar dela como se fosse sua própria filha.
Orgulho imenso daquela garota era o único sentimento que definia Maya observando enquanto Alice dormia.
Maya saiu do quarto deixando a porta parcialmente aberta, suficiente para um feixe de luz de velas no corredor clarear parcamente o quarto de Alice.
Já em seu quarto, Maya retirou as roupas que usava e se enrolou na toalha. Queria um banho urgentemente. Acendeu uma vela com as chamas da outra no corredor e foi se banhar. Enquanto jogava a água pelo corpo e ouvia os grilos cantarem fora da sua casa, Maya pensava nos últimos dias. Por quê não podia ser tudo normal como sempre foi? Por que isso agora? Maya se lamentava.
— Traga boas notícias, Gareth. — Maya pensou alto.
Após o banho, foi em direção ao seu quarto escuro e ao adentrar viu um vulto negro sentado sobre a cama. Levou um susto e deixou cair a vela no chão. Sabendo quem era, recuperou-se do susto pegando a vela ainda acesa e clareou novamente o quarto revelando seu visitante com roupas negras e a máscara sem expressão. Gareth.
Os olhos dele encaravam Maya. Olhos que brilhavam no mesmo ritmo que as chamas dançavam sobre a vela que Maya colocava sobre uma mesinha.
— Já te falei para não fazer isso, Gareth. Que droga! — Maya reclamou enfezada por causa do susto que levou.
— Desculpe. Meu mal costume de surpreender. — Sua voz levemente abafada pela máscara ao mesmo tempo fria e inexpressiva.
— Tudo bem. Eu alivio essa para você. — Maya disse sorrindo feliz ao revê-lo.
Gareth levantou e foi até a porta do quarto, olhou pelo corredor na direção do quarto de Alice, mas antes que pudesse perguntar algo Maya respondeu.
— Ela já está dormindo.
— E como ela está? — Gareth se virou para olhar Maya que deixou a toalha cair ficando nua na frente dele como se estivesse sozinha.
— Ela teve uma semana cheia, Gareth. — Maya respondeu enquanto pegava roupas limpas para dormir no guarda-roupas. — Mas não foi uma boa semana para ela, e eu sei que ela tenta esconder isso. Porque não importa o que esteja acontecendo com o mundo, ela vai estar sorrindo.
Gareth permaneceu olhando Maya, apreciando as curvas de seu corpo enquanto ela terminava de se arrumar na presença dele.
— O que quer dizer?
— Começou, Gareth... — Maya olhou para Gareth com os olhos brilhando avisando que estava pronta para chorar. — Nosso maior pesadelo começou à três dias.
Gareth ficou surpreso e seus olhos arregalaram por trás da máscara. Ele caminhou até a cama e desabou sentando-se nela. Cruzou os dedos das mãos e passou por trás da cabeça enquanto permanecia olhando fixamente para o chão.
— Que droga! Droga! — Gareth sussurrou nervoso.
— Me fala que você tem notícias boas... Por favor. — Maya se ajoelhou aos pés de Gareth puxando o rosto dele para olhar para ela.
— Infelizmente não...
A resposta de Gareth foi como atravessar uma faca no peito de Maya que desabou em lágrimas. O medo que ela e Gareth temiam havia começado à três dias. Os efeitos negativos do ritual que havia salvado Alice começaram a acontecer e dali para frente tudo era incerto. A única ideia do que poderia acontecer a ela era Gareth, que também sofria dos efeitos negativos do ritual.
O olhar frio de Gareth sob a máscara era quase impossível de saber o que se passava na cabeça dele. Ela já estava acostumada a isso e qualquer temperamento de Gareth, fosse de tristeza, felicidade, raiva, emoção, euforia, ódio era o mesmo olhar de sempre. Nem seu comportamento se alterava.
Ainda sentado na cama, Gareth retirou o casaco e em seguida cuidadosamente as luvas e as botas deixando-as ao lado da cama. Maya observava as ataduras envolvendo as feridas ou cicatrizes de sua mãos e pernas. Partes expostas revelavam uma pele doentia acabada e pequenas partes de músculos expostas.
A preocupação de Maya foi imediata. Será que vai acontecer a mesma coisa com Alice? Maya passou a imaginar a sua menina de beleza invejável toda ferida daquela forma e sentia seu coração apertar com aquela imagem.
— Como está essa sua maldição?
— O de sempre. Só piora. Essa semana apareceu uma aqui. — Gareth disse colocando a mão sobre a costela direita.
— Dói?
— Um pouco, mas os curativos a base de ervas ajudam aliviar.
— Quando isso acaba, Gareth? — Maya perguntou triste.
— Infelizmente eu não tenho certeza.
Falar da maldição de Gareth só fazia com que Maya imaginasse Alice sofrendo a mesma coisa. Uma dor a atingiu em cheio quando lembrou de Gareth contando a ela como Alice foi salva com o ritual e porque tinha que ser daquela forma. Ela também vai ter isso?
— Vai acontecer a mesma coisa com Alice?
Gareth não respondeu, apenas ficou olhando Maya com olhos tristes.
— Que droga, Gareth! Fala alguma coisa. Ela é uma menina tão especial, o que vai acontecer à ela?
— Eu não sei... — Gareth respondeu passando a mão nos cabelos demostrando a preocupação que a máscara escondia no rosto. — Eu não sei... Tem sete anos que dedico minha vida a encontrar aquele desgraçado com o grimório. Se eu o pegar e destruir o ritual se destruirá.
— Dá um jeito nisso, Gare. Por favor... — Maya implorou triste com rosto marcado por lágrimas teimosas.
— Eu vou fazer de tudo para encontrar Salazar e pegar o grimório. Nem que eu vire esse mundo de cabeça para baixo.
— Faça isso. — Maya abraçou Gareth.
Gareth retirou a camisa revelando um corpo forte, mas de aparência frágil repleto de cicatrizes assim como demais partes de seu corpo. Ataduras cobriam toda a altura das costelas onde Maya sabia que uma nova ferida se abriu. Olhando em silêncio para Gareth, os pensamentos de Maya iam até Alice que dormia ali no outro quarto.
Maya apagou a vela e fechou a porta. Com o local escuro, Gareth retirou a máscara e se deitou na cama. Maya deitou ao seu lado se aconchegando no calor de seu corpo. Já estava com saudades de tê-lo ali com ela, de ter toda a família junta sob o mesmo teto, apesar dos pesares.
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