Capítulo 14 - Gareth
GARETH
[ AVISO IMPORTANTE ]
[ Caso encontrem algum erro, peço desculpas desde já. ]
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AQUELA semana começaria da mesma forma, se não fosse a presente de Gareth na casa, mas ele não queria ser visto por ninguém, então permanecia no andar de cima no quarto. Ele não queria ficar ali, tinha assuntos pendentes a resolver, saiu do quarto e com uma olhada rápida sem ser notado por ninguém, Gareth reparou que o salão de Maya estava lotado e ela estava trabalhando dobrado. Por sorte, Alice sempre a ajudava.
Enquanto Maya trabalhava na companhia de sua querida Alice, ele saiu pela janela do quarto silenciosamente saltando do segundo andar para o quintal, um único baque seco do peso de seu corpo contra o chão e em questões de segundo sumiu entre as plantações de algodão ali perto.
O ambiente noturno e silencioso eram o seu favorito, era como estar em casa, gostava da liberdade que tinha para fazer o que bem queria. Enquanto corria numa velocidade razoável por entre as plantações de forma que não se cansasse, com destino a Kalia, pensava nos eventos envolvendo Alice.
Os efeitos já haviam começado a acontecer com ela e sua força não era mais a mesma, o simples aperto de mão que ele pediu respondeu isso, apenas Alice não sabia diferenciar. Ele sabia que o pesadelo era o marco inicial, mas antes e depois disso Alice passaria por um ápice onde os efeitos teriam o máximo de si e só então depois evoluiriam pouco a pouco.
Alice havia comentando com ele que desafiou Anne e Bettrys e para ela fazer isso tinha que ter algo a ver com o ritual, pois a Alice que ele cuidou tinha medo até da própria sombra. Seria esse evento o seu ápice? Antes isso do que ter o corpo ou a vida deformada. Se for realmente aquele comportamento, vai acontecer de novo em breve e ele estará lá para entender.
No seu ápice, Gareth teve o rosto e a maior parte do corpo completamente machucada por feridas que vieram do nada e levou dias para sararem. Depois disso o pesadelo, e dias mais tarde, as feridas o atacaram ao máximo novamente e só então ele ficou com elas crescendo pouco a pouco em seu corpo. Por sorte descobriu ervas subaquáticas que ajudavam a sarar e amenizar a dor.
No ápice de Salazar, ele quase morreu após fazer o ritual como se ele tivesse avançado anos de idade e ficasse à beira da morte. Era estranho ver como seu velho amigo tinha ficado com os efeitos, isso somente para poder ficar mais forte. Depois do ocorrido, Salazar descobriu uma forma de amenizar o processo, utilizando da magia negra escrita no grimório para se sentir saudável novamente, mas para isso teria que roubar a alma de outras pessoas.
Gareth não podia aceitar isso. Outras pessoas morrendo por causa de ganância dele? Não mesmo. Ele se arrependia imensamente pelo ocorrido com Salazar, já que por insistência do mesmo, Gareth quem fez o ritual com ele. Salazar não queria saber da opinião de Gareth, e sua maldade e ganância aos poucos foi se tornando irreversível a ponto dos dois se tornarem inimigos. Salazar buscava almas inocentes, Gareth tentava o impedir.
Mas não era isso que ele queria saber, pouco importava Salazar vivo ou morto, era sobre Alice sua preocupação naquele momento, passado era passado e ele só queria cuidar da sua menina que agora poderia sofrer também por fracasso dele em não conseguir encontrar Salazar em mais de seis anos de busca.
Teria que voltar a base para juntar mais informações a fim de o encontrar, mas com a crescente aparição de Lacaios, das vítimas de almas roubadas e das constantes perseguições que ele sofria dos soldados do reino de Dracoria, estava complicado focar no seu objetivo. Recuperar e destruir o grimório.
Gareth chegou no primeiro bairro de nominados em Kalia, ao lado de pequenas casas simples iluminadas por velas acesas. Ali os animais notaram a sua presença e começaram a fazer barulho. Cães latiam e galinhas cacarejavam, mas isso não impediu que ele se usasse algumas caixas empilhadas para subir no telhado da casa que era uma superfície plana, assim como todas as outras casas dali.
Com passadas silenciosas e precisas, Gareth percorreu o telhado da casa e ao chegar no beiral, pulou para a outra e caiu rolando. Mal terminou de rolar e já estava de pé correndo novamente. Durante um bom tempo, pulou de telhado em telhado mais altos e mais baixos até se aproximar de seu objetivo, o muro que dividia o bairro nominado dos nobres.
Como uma sombra ágil passando por cima das casas, saltando de uma para a outra, finalmente chegou até o grande muro. Antes de finalmente ir até ele parou observando o local em baixo na rua, onde alguns soldados vigiavam. Uns atentos, outros distraídos.
Não sei porque me preocupo com esses caras, nem sabem que estou aqui e mesmo que soubessem não conseguiriam me alcançar.
Deixando de lado a preocupação com os soldados embaixo na rua, correu pela borda do telhado com superfície plana de um prédio de três andares, o mais alto ali no lado dos nominados. Foi até o beiral, apoiou o pé direito e se jogou contra o muro perdendo um pouco de altitude, mas se agarrando ao mesmo com facilidade.
O muro era feito de enormes pedras de granito e não seguiam um padrão uniforme de construção, o que criou várias falhas no mesmo, permitindo que Gareth usasse elas para subir com tanta facilidade pelo muro que até parecia uma escada. Ao chegar no topo, correu para a esquerda.
Lá de cima, a visão do contraste entre os bairros era nítida. Do seu lado esquerdo, as casas dos nominados, simples e pouco iluminadas, deixando o bairro escuro. Do lado direito, várias casas grandes e bonitas e bem espaçadas entre elas, as ruas eram iluminadas com postes com archotes nas pontas. Pela altura que estava, não poderia ser visto nem tocado, a não ser pelo vento que insistia em balançar seu capuz.
Depois de percorrer um bom caminho sobre o muro, chegou a um local do bairro com casas mais simples que as mansões dos nobres do outro lado. Ali em baixo moravam os soldados que trabalhavam na cidade. Da mesma forma que ele subiu o muro, desceu do outro lado numa parte mais escura até uma casa pequena com um pequeno jardim.
Olhou para aquela casinha e ao redor, procurando alguém que estivesse vigiando, mas não encontrou ninguém. Era a casa de Mackenzie, ao qual ele havia seguido para descobrir onde ela morava após ter salvo ela do lacaio.
As janelas estavam fechadas, mas por trás das cortinas havia uma luz acesa. Aproximou da janela, retirou uma das adagas do casaco para arrombar a janela, mas para sua surpresa estava aberta.
Depois do que aconteceu, ela ainda deixa a janela aberta? Não, ela deve ter esquecido, não pode ser tão burra assim.
Levantou a janela, abriu a cortina e silenciosamente entrou na casa. A sala estava escura e a luz vinha do quarto onde ele viu os pés de Mackenzie que estava deitada sobre uma cama grande. Ele fechou a janela da casa e trancou, no mesmo instante ouviu o barulho de uma espada deslizando pela bainha.
Ela não é tão burra assim.
Mackenzie apareceu na porta do quarto empunhando a espada com a mão esquerda, usava uma camisola bem simples. A mão direita cortada estava apenas enfaixada. Quando ela notou quem era sua visita, tomou um susto e apontou a espada na direção de Gareth que a essa altura estava sentado em uma poltrona na sala com braços abertos e esticados para os lados e pernas cruzadas.
— Você! — Mackenzie disse no susto enquanto sua mão esquerda tremia pelo peso da espada e o seu mal costume com ela.
— Eu mesmo.
— O que você quer?
— Conversar um pouco.
— Não tenho nada para conversar com você. — Mackenzie estava assustada com a presença de Gareth dentro de sua casa. Um homem completamente mascarado. — Eu nem sei quem é você.
— Será que não tem mesmo? — Gareth apontou para a mão cortada dela. — E meu nome é Gareth, já falei com você.
Imediatamente ela abaixou a espada e olhou furiosa para a mão dela que estava amputada.
— Então pode começar a falar. Já que você me aleijou sem me dar explicações.
— Sente-se. — Gareth sugeriu apontando a outra poltrona, o que só a deixou mais irritada.
Ela hesitou por um momento, mas foi se sentar, mas não sem antes fazer uma ameaça à Gareth.
— Se tentar qualquer gracinha eu te...
Antes que ela terminasse de falar, Gareth já tinha tomado a espada da mão dela, arrastou ela por cima da poltrona e a colocou contra a parede fazendo com que ela desse uma engasgada com a pancada. Tudo em questão de milésimos de segundos. Segurando-a pelo pescoço, ele aproximou o rosto mascarado bem próximo dos olhos dela, de forma que ela pudesse ver de perto os menores detalhes da máscara.
— Então você vai o que? — A voz dele tinha ódio carregado. — Hein?
— Me larga. — Com a mão esquerda, Mackenzie tentava tirar as mãos dele do pescoço dela. Ele não a estava enforcando, apenas mantinha ela contra a parede, mas a força que ele empregava era fora do comum e ela nunca tinha visto alguém tão forte daquela maneira.
— Escuta aqui, soldado, eu não sou seu inimigo. — Gareth falou extremamente irritado com ela. — Se eu fosse, não teria salvo seu rabo dias atrás. — Ele largou ela e voltou a sentar na poltrona. — Vai se sentar? — Perguntou novamente, mas dessa vez com a voz tão calma como se nada tivesse acontecido.
Contrariada e passando a mão pelo pescoço, Mackenzie se sentou.
— Já que quer conversar, comece explicando isso. — Com a voz desafiadora, Mackenzie levantou o braço cortado para Gareth ver.
— Claro, mas não se esqueça que vai ter que me fazer um grande favor depois, se lembra disso, não é?
Logo que Gareth a salvou, a única coisa que disse além do nome era que ela iria ficar devendo um favor a ele, depois de ameaçada claro.
— Tudo bem. Eu te dei minha palavra.
— Posso confiar?
— Tenho escolha?
— Não. — Gareth respondeu e Mackenzie revirou os olhos. — O que matou seus amigos e depois tentou matar você é uma criatura que um dia já foi humano. Eu o chamo de Lacaio, mas pode chamar do que você quiser. Eles existem e estão por aí caçando suas vítimas para se alimentarem. O motivo que eu cortei o que sobrou da sua mão é para evitar que uma infecção se alastre por todo o seu braço. Se está achando ruim a falta de uma mão, imagine o braço inteiro e mais tarde até sua vida, afinal, não tem medicamento, erva ou bruxaria alguma que cure uma infecção causada por eles.
Mackenzie não disse nada enquanto estudava Gareth com os olhos.
— Satisfeita?
— Não. — Respondeu ríspida. — Quem é você e como sabe dessas coisas?
— Eu caço essas coisas já tem um tempo, mas não são meu foco, elas simplesmente apareceram. Eu quero outras coisas.
— Existem mais?
— Muitas. Ultimamente estão aparecendo com mais frequência, pois quem está fazendo isso está perdendo o controle sobre elas.
— O que quer dizer com isso?
— Os lacaios eram pessoas normais, mas um bruxo manipula temporariamente pessoas comuns por indução e estes bebem seu sangue para um pacto, elas ficam sob o controle dele. Mente e corpo obedecem a ele e não tem volta, são transformados em seus escravos, seus lacaios. — Mackenzie arregalou os olhos de surpresa. — Não para por aí. Esses lacaios têm sede de sangue constantemente e chega a um ponto que o bruxo perde controle sobre eles e essas criaturas ficam soltas por aí apenas com o desejo de matar e se alimentar.
— Meu Deus! Isso é terrível.
— É verdade. Quanto maior a dose do sangue, mais rápido a pessoa se transforma naquela criatura faminta, antes disso, apenas o obedecem. Quando saem do controle, o pacto é perdido e ficam vagando por aí. — Gareth fez uma pausa, mas como Mackenzie não disse nada ele continuou. — Seria mais fácil eu enfrentar esses lacaios se não houvesse interferência de vocês que insistem em me taxar como o maior foragido de Dracoria. Isso porque eu ainda ajudo as pessoas e o que recebo...?
— Quer dizer então que você é...
— O sombra. — Ele respondeu por ela. — Mas prefiro só Gareth.
Mackenzie se mexeu na poltrona parecendo desconfortável.
— Pode sossegar aí, pois não sou a ameaça que acreditam que eu sou. Posso ser se quiser, mas eu ainda ajudo as pessoas. Então deixemos de lado isso e façamos uma amizade. — Mackenzie parecia pensar no assunto. — Ninguém precisa saber de nada, seja apenas você mesmo.
— Não sei se isso pode dar certo. Posso ser considerada desertora e perder meu emprego como soldado do reino.
— Na verdade seu cargo já está comprometido, só você que não percebeu.
— O que quer dizer com isso?
— Você era destra, manipulava a espada com a mão direita que você não tem mais. É questão de dias para o governo de Rothan riscar você da lista de soldados dele. Você mal pode se defender, quanto mais defender os interesses dele.
— A culpa é sua. — Mackenzie reclamou rosnando de raiva.
— Já te expliquei. Eu fiz um bem para você, então não me venha com essa conversa fiada. — Gareth começava a perder a calma, mas se conteve. — Eu vou garantir que você continue no seu cargo... aliás, vou fazer melhor que isso.
— O que vai fazer? — Mackenzie estava mais calma, não tinha escolha, pois Gareth estava certo quanto ao cargo e emprego dela.
— Seu capitão está morto e precisam de um novo capitão para os soldados aqui em Kalia. Como capitães tem posição privilegiada, isso vai ser bom para você já que não vai precisar da mão direita para dar ordens.
— Antes de morrer ele disse que eu era a capitã.
— A palavra dele não resolve nada, precisam de um pedido oficial.
— E você, fugitivo de Dracoria, vai fazer isso?
— Eu não. Alguém vai fazer por mim. — Gareth sorriu por trás da máscara. — Em breve você será oficialmente a capitã por aqui.
— Você tem aliados dentro do reino? — Mackenzie perguntou surpresa.
— Temos um acordo ou não temos? Você se torna a capitã, garante o emprego e fica me devendo um favor.
A expressão de Mackenzie era de confusão. Estava num beco sem saída, mas Gareth tinha certeza que ela aceitaria.
— O que você quer? E onde vou te encontrar?
— Por enquanto não quero nada, assim que precisar de algo eu vou te procurar. — Gareth levantou e foi até a porta. — E nem adianta se mudar, eu te encontro do mesmo jeito. Então eu repito, temos um acordo?
— Temos. — Mackenzie assentiu e permaneceu sentada vendo Gareth sair de dentro da casa dela.
— Não vai se arrepender. — Foi a última coisa que ele disse antes de fechar a porta, mas logo ela se abriu de novo. — Vê se deixa a janela trancada. — Agora sim ele finalmente saiu e Mackenzie viu uma sombra negra passar rapidamente pela janela na direção dos fundos do quintal.
Mulher difícil, mas vai ser uma boa aliada, desde que não tente nenhuma gracinha. Também sei ser ruim se precisar, ela que não ouse.
Mais tarde naquela noite após passar pela casa de Mackenzie, Gareth não foi direto para casa, passaria em outro local antes. Um local que para ele carregava péssimas lembranças, mas também traziam sentimentos agradáveis que um dia o pertenceram.
Depois de sair da cidade de Kalia usando o caminho por cima do muro e dos telhados dos moradores, ele saiu num campo aberto, o qual se dirigiu para dentro da floresta e finalmente um amontado de pedras gigantes com uma caverna. Entrou pela passagem estreita e úmida com o odor forte de morcegos, não tinha nada ali além de gotas de água que vez ou outra pingavam do teto da caverna. Era apenas uma fachada para esconder uma entrada secreta atrás de uma rocha falsa que poderia ser retirada do lugar, mas somente com uma força bruta.
Dentro da passagem secreta, Gareth acendeu uma tocha usando pólvora e material inflamável tudo colocado ali esperando para ser usado, apenas rotina em sua vida. Começou a caminhar para dentro da passagem estreita iluminando as paredes frias da caverna com a luz da tocha.
No local haviam algumas armas, mesinhas com mapas e vários utensílios que poderiam ser usados para matar pendurados pelas paredes de pedra. A aproximação de Gareth com a tocha nas mãos fez com que barulho de correntes se arrastassem pelo chão. Ele chegou até um ponto marcado com uma linha branca no chão. Pendurou a tocha na parede e ficou aguardando o dono das correntes que pouco a pouco pareciam deslizar pelo chão.
Gareth pegou em uma saca que trazia com ele, um pedaço de carne em sangue vivo que fora retirado no mesmo dia, se aproximou da linha no chão e o colou atrás dela. Entre sons de corrente, ouviu-se gemidos nervosos e uma sombra caminhava rapidamente na direção dele.
De braços cruzados ele esperou, era um lacaio que corria em sua direção, mas esta caiu sentada berrando de dor e ódio com o impacto do puxão que as correntes, em seu limite máximo, deram nela.
Impossibilitado de passar da linha branca, a lacaia de corpo magro com mãos grandes e unhas que mais pareciam garras sujas de sangue seco, todo seu corpo estava sujo, com maior intensidade na boca onde exibia dentes pontiagudos. Tinha alguns fios de cabelo grisalho compridos, estava totalmente nua deixando à mostra partes do corpo que um dia pertenceram a uma mulher. Ela pegou a carne no chão e voltou para o canto escuro da sala de pedras.
Gareth respirou fundo e olhou para baixo triste. Havia perdido a conta de quantas vezes aquela cena se repetiu diante dele.
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