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Capítulo 6: A Loira do Banheiro

— Olá, Medrosos e Medrosas! Aqui quem fala é o Rodrigo em mais um episódio de Histórias para Boi Dormir. Hoje é um dia muito especial, pois temos uma grande surpresa para vocês! — Rodrigo anuncia, colocando um som de suspense no fundo.

— Rodrigo e eu iniciamos o podcast há dois anos, e foi maravilhoso acompanhar cada lenda aqui. Só que agora a família cresceu, pois temos uma nova integrante! — Xaiane anuncia, e timidamente eu me aproximo do microfone.

— Oi, gente! Aqui quem fala é a Stefany e será um grande prazer contar histórias assustadoras para vocês! — Começo a falar, seguindo perfeitamente o roteiro que montamos. — No meu episódio de estreia, iremos contar uma história real que nos assustou bastante. Uma lenda bem popular entre as crianças, a qual provavelmente já foi trauma de algum ouvinte.

— Vamos contar a lenda urbana do homem do saco e como conseguimos detê-lo! — Rodrigo começa, e logo iniciamos um longo bate papo sobre todo o ocorrido, mudando informações mais privadas como o saquinho que encontramos ou o símbolo.

Contamos também a origem e as variações da lenda, alguns detalhes importantes e outros casos conhecidos como o homem do saco. Foi bastante interessante fazer parte do podcast, pois agora eu não era ouvinte, e sim participante. Eu estava grata com o convite de Rodrigo e Xaiane, e pronta para mais uma história assustadora.

• • •

Era sexta-feira. Só de pensar que amanhã é sábado já me deixa com arrepios na espinha. A insuportável da Clarissa não me deixaria em paz até eu participar daquela corrida estúpida com ela, coisa de gente inconsequente sem o que fazer.

Passo pela quadra e a vejo junto com a equipe enquanto elas treinavam handebol. A encaro de longe, sem esconder nem um pouco meu desgosto, e ela me encara de volta, com um sorriso provocativo de lado.

— Achei esse livro na biblioteca da cidade. Encontrei um desenho bem parecido com o símbolo do saquinho, o problema é que o livro está todo em latim. — Xaiane diz, segurando um enorme livro de capa verde e marrom, com uma leve textura e folhas amareladas e empoeiradas.

Nos sentamos no gramado enquanto os alunos se espalhavam pela escola, pois estávamos no intervalo. Xaiane abre o livro na página indicada, e eu logo pego meu celular e coloco no google tradutor. Miro a câmera nas letras, e rapidamente o google traduz o texto de latim para português.

— Os cultistas do medo reverenciam o Emblema do Temor. Cada grito e cada lágrima derramada é um tributo ao seu mestre. A discórdia e o terror alimentam o grande mestre. Os humanos têm medo do que não podem controlar. Os cultistas sedentos por poder, muitos desejavam transformação em criaturas das trevas. Dispostos a realizar sacrifícios abomináveis em nome de sua devoção, acreditando que, assim, ganhariam os favores do mago. — Leio, vendo que as outras páginas estavam rasgadas. — Ei, está rasgado!

— Droga! — Rodrigo resmunga, olhando o que faltava no livro.

— Cultistas do medo. — Xaiane repete em voz alta. — Será que eles estão aqui? Causando medo nas pessoas?

Lembro-me imediatamente do povo que vi na floresta e do tanto medo que senti. Eles usavam capuzes marrons e tinham olhos vermelhos, exceto a garota de olhos rosa. Será que eles fazem parte deste culto do medo? Mas, se fizerem, o que será que eles tanto queriam comigo?

— Por isso as lendas estão se tornando real. É uma forma de espalhar o medo bem facilmente entre as pessoas. — Comento baixo. — A discórdia e o terror alimentam o grande mestre.

— Tem o autor do livro? — Rodrigo questiona, e Xaiane dá uma olhada rápida pelas extremidades do objeto.

— Isso parece mais um diário. — Eu falo.

Aruá Lupus Est Mulier. — Xaiane lê. — Mas isso não parece um nome.

— Mesmo que saibamos quem é essa pessoa, a chance dela já estar morta é alta. — Comento, fechando o livro e me levantando ao ouvir o sinal tocar.

• • •

Dormi quase toda aula de matemática.

Acordei com a Xaiane me cutucando com uma régua, indicando que estava na hora de ir embora. Coço os olhos e levanto da cadeira, pegando minha mochila e jogando-a por cima dos ombros.

— Vou no banheiro. Quer ir comigo, Xaiane? — Pergunto, assim que saímos da sala.

— Pode ser. — Rodrigo acena, indicando que nos esperaria na saída.

Xaiane e eu andamos lentamente até o banheiro. Ao abrirmos a porta, encontro um grupo de garotas, com uma chorando no meio. Percebi que uma parte do espelho estava rachado, e que havia algumas gotas de sangue no chão.

— O que aconteceu? — Pergunto preocupada, me aproximando das meninas.

— Ela disse que chamaram a loira do banheiro e ela apareceu. — Uma delas responde, parecendo não acreditar muito.

Olho para Xaiane, que provavelmente pensa o mesmo que eu imediatamente. Dessa vez não tinha como Rodrigo participar, pois seria difícil explicar para o diretor por que havia um menino no banheiro feminino.

— Vaza todo mundo, vambora! — Começo a chispar as garotas para fora do banheiro, deixando apenas a que estava chorando. Xaiane vai para a porta e a tranca por dentro. — Você está bem? Pode contar o que aconteceu?

— Tinha duas meninas aqui mais cedo e eu vi elas brincando de chamar a loira do banheiro só porque eu tenho medo! Aí elas saíram e me trancaram aqui para zoar com a minha cara, só que apareceu uma garota que parecia morta no espelho e ele rachou sozinho e as luzes começaram a piscar! — Ela diz, começando a chorar novamente, parecendo estar apavorada. — Eu comecei a gritar até alguém abrir a porta, mas ninguém acreditou em mim!

— Eu acredito em você. — Tranquilizo a garota, ajudando-a a se levantar. — Você se machucou?

— Só um corte no rosto com o caco de vidro. — Olho a bochecha dela e vejo um leve arranhão e um pouco de sangue saindo.

— Tudo bem. Olha, vai para casa e descansa, tudo bem? Ah, faz uma oração também. — Explico para ela com calma e total empatia e caminho até a porta com ela, abrindo e deixando-a sair.

Nem um minuto depois, uma das coordenadoras se aproxima e adentra no banheiro, arregalando os olhos furiosa ao presenciar o estado caótico do banheiro. Ela olha Xaiane e eu, e eu senti que estávamos prestes a levar um esporro.

...

Após levarmos uma bela advertência, nos encontramos com Rodrigo na saída. Ele estranhou nossa demora e também a movimentação estranha no banheiro.

— O que aconteceu? Por que demoraram tanto? — Ele questiona enquanto caminhamos para fora da escola.

— Temos um problema. Umas meninas chamaram a loira do banheiro na escola e aparentemente ela apareceu. — Respondo, vendo Rodrigo me encarar interessado.

— Lenda bem popular essa. — Comenta Xaiane. — A gente já chamou a loira do banheiro uma vez, lembra?

— Lembro. Estávamos na casa da vó Nilza. — Rodrigo responde com um sorriso no rosto. — Mas não aconteceu nada sobrenatural, só a Xaiane descoloriu o cabelo e eu achei que ela era a loira do banheiro.

— Um dia vou te levar para conhecer a vó Nilza. Ela conta muitas histórias de terror da época dela. — Xaiane sussurra ao meu lado.

— Vou adorar conhecer a avó de vocês, mas no momento temos um problema para resolver. — Aviso, parando de andar e fazendo os dois pararem de andar também. — Loira do banheiro. O que vamos fazer?

— Pela crença popular, a loira do banheiro aparece para quem a invocou. Vocês sabem quem chamou elas? — Rodrigo pergunta.

— Esqueci de perguntar. — Suspiro, vendo a garota que estava no banheiro, saindo pelo portão. — Vão direto para a locadora. Vejo vocês lá.

Sem muito tempo deles responderem, subo na bicicleta e pedalo até a garota. Ela leva um susto, mas logo se alivia ao ver que era apenas eu.

— Quer uma carona? — Pergunto, e ela concorda com a cabeça e sobe no banco atrás da bicicleta. — Qual seu nome?

— Nicole. — Ela responde timidamente enquanto eu começo a pedalar. — Obrigada por mais cedo, por acreditar em mim.

— Ah, não se preocupe. Meu nome é Stefany, e os doidos são os que enxergam além. — Digo, inventando uma frase aleatória apenas para parecer filosófica. — Quem te prendeu no banheiro e chamou a loira do banheiro?

— Umas garotas de outras turmas. Elas são da equipe de handebol do terceiro ano. — Nicole responde cabisbaixa, e logo eu sinto meu sangue ferver ao lembrar de uma pessoa da equipe de handebol.

— Qual o nome delas? — Pergunto, mas Nicole fica uns segundos em silêncio. — Eu não vou dedurar, relaxa.

— Gabriela e Yasmin. — Nicole responde, e eu anoto os nomes mentalmente para saber quem eu iria descer no tapa mais tarde. — Ei, você não está no Caça Lendas? O grupo que ajudou as crianças no caso do homem do saco?

— Eu mesma. — Respondo orgulhosa, sentindo um entusiasmo na voz da garota. — Essa é a sua rua?

— Sim. — Nicole concorda, enquanto eu me aproximava do portão da sua casa. — Você vai caçar a loira do banheiro, não vai?

— Quem sabe. — Pisco um olho para ela assim que ela desce da bicicleta e se aproxima do portão de casa. — Se cuida.

— Obrigada! — Nicole agradece timidamente, abrindo o portão e entrando em casa.

Volto a pedalar em direção a Geek Store como havia combinado com Rodrigo e Xaiane. Prendo a bicicleta no bicicletário e logo entro na loja, vendo que os dois já estavam lá me esperando.

— Gabriela e Yasmin foram as ordinárias que chamaram a loira do banheiro. — Respondo de uma vez. — São do terceiro ano, da equipe de handebol.

— Sabemos quem é. — Rodrigo garante, olhando para Xaiane como se eles soubessem de algo a mais. — Elas faziam bullying com a gente.

— Mas pararam quando eu coloquei creme depilador no shampoo delas. — Xaiane responde, sem esboçar reação, mas dava para perceber a satisfação. — Sabia que elas usam peruca até hoje?

— Você é um gênio! — Afirmo, mas sem adentrar muito no assunto. — Sabem onde elas podem estar agora?

— Provavelmente ainda na escola treinando. — Rodrigo responde. — Vamos voltar?

— Vamos, mas eu tenho uma ideia. — Respondo, abrindo um longo sorriso malvado.

• • •

Voltamos para escola e demos a desculpa que Xaiane havia perdido as chaves de casa. O porteiro nos deixou entrar para procurar sem preocupações, e logo observamos as garotas na quadra.

— Quando elas estiverem indo até o banheiro, nos avise. — Peço para Rodrigo, que concorda com a cabeça e caminha até mais perto da quadra.

Xaiane e eu corremos até o banheiro, nos escondendo para a coordenadora não nos ver. Procuro o saquinho do símbolo pelo banheiro, pois se minha teoria estivesse certa, significava que a lenda só iria se materializar na presença do símbolo.

— Acho que tem alguma coisa dentro da descarga. — Xaiane me aciona, após rodarmos o banheiro inteiro procurando o objeto.

Pego a câmera e a ligo, apontando-a para mim e dando um enorme sorriso.

— Olá, Medrosos e Medrosas! Sejam bem-vindos a mais um episódio do Caça Lendas! A lenda de hoje é a loira do banheiro, e como estamos no banheiro feminino da escola, o Rodrigo infelizmente teve que esperar lá fora. — Aponto a câmera para Xaiane, que acena muda. — Duas garotas da escola inventaram de assustar uma colega nossa chamando a loira do banheiro, só que parece que deu tudo errado. Agora nós vamos dar o troco, e assim pegar a loira do banheiro. Acompanhem tudo e se preparem para uma grande reviravolta!

Coloco a câmera em cima de um apoio, perto de uma das cabines, de um jeito que pegasse bastante o banheiro. A câmera não estava muito escondida, mas eu duvido que no momento de terror alguém a viria.

— O Rodrigo falou que elas estão vindo! — Xaiane alerta, e eu logo entro em uma das cabines junto com ela.

Enquanto ouço a porta abrir, subo no vaso e pego o saquinho que estava lá, exatamente como o que havia na cabana do homem do saco. Ouço risadas quando as garotas se aproximam. Entrego o saquinho para Xaiane, que sabe exatamente o que fazer.

— Quem são Yasmin e Gabriela? — Pergunto, e duas garotas me encaram confusas.

— O que você quer? — Uma delas pergunta rudemente, enquanto outras três garotas que estavam no banheiro observam atentamente.

— Sai vocês três! — Abro a porta e expulso as outras três garotas, trancando a porta e deixando apenas Yasmin e Gabriela.

— O que você pensa que está fazendo? — A garota mais alta pergunta, vindo na direção da porta, a qual Rodrigo havia trancado por fora.

— Loira do banheiro! — Digo olhando para o espelho.

— Deixa a gente sair, sua esquisita! — A outra vem para cima de mim, mas eu não hesito.

— Loira do banheiro! — Chamo a terceira vez, vendo que as duas estavam ainda mais furiosas. — Loira do banheiro!

Logo, Xaiane dá descarga três vezes e as luzes começam a piscar. Eu sabia que a qualquer momento as duas garotas poderiam me bater, mas dessa vez eu contava com uma lenda urbana para me salvar. Ouço o grito de uma das garotas, e percebo mais uma rachadura no espelho e vejo a presença assustadora ali.

Era uma garota jovem, loira e sua pele estava pálida e com algumas marcas. Ela tinha algodão no nariz, e seu olhar era extremamente sombrio. Ela abre a boca e dá um grito, fazendo as luzes piscar novamente. As duas garotas entram em desespero e tentam abrir a porta a todo custo, mas não iam conseguir.

— Ué, vocês não tinham chamado ela? — Pergunto com deboche, mas eu mesma me assusto ao ver a água dos vasos transbordarem, mas estavam esverdeados como se tivessem saído diretamente do esgoto.

A mesma coisa acontece com todas as bicas da pia. Elas abrem sozinhas, fazendo água escorrer por todo canto. Uma figura começa a se materializar no chão, e logo a vejo bem na minha frente, usando um longo vestido branco, completamente encardido.

Eu não costumava sentir medo das coisas facilmente, mas senti algo estranho quando a vi. Era como se ela invadisse meu subconsciente, como se fosse a pior coisa que eu havia visto em toda minha vida. Meu corpo começa a tremer e suar frio e meu coração bate mais forte do que nunca, e uma intensa vontade de chorar me atinge.

— Stefany! — Xaiane me chama desesperada, e mostra o saquinho queimando no chão. — Acabou. Nós conseguimos!

Saio do transe e vejo o banheiro normal, como se ele não tivesse encharcado antes. As garotas ainda olhavam desesperadas para o nada, juntas e escoradas na parede. Eu senti o que elas haviam sentido, mas no fundo continuei achando que elas haviam merecido. O paranormal é algo sério demais para se brincar.

Vejo a porta ser arrombada e Clarissa me encara assustada e incrédula, vendo o estado das suas duas colegas de handebol. A única coisa que havia restado era o espelho quebrado, mais que antes, e a aura de medo que preencheu aquele lugar.

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