Capítulo 21: O Trem Fantasma
Enquanto eu corria para ajudar Cecília nos preparativos das sobremesas, Lucas corria para juntar tudo no carro do Ricardo. A casa estava um caos, a Shakira não parava de latir e Wandinha corria de um lado para o outro como louca.
— CADÊ AS FITAS? ELAS ESTAVAM AQUI! — Minha mãe grita eufórica, e logo eu pulo pelo sofá com as fitas na mão.
— AQUI! — Tropeço na bagunça do chão, mas por fim, entrego as fitas.
Hoje é o tão esperado Festival da Lua. Uma data comemorativa em Três Luas bem famosa, e esse é o primeiro ano que participamos. Soube que quase a cidade toda se reúne em um grande evento, dividindo música, cultura e comida. Cecília decidiu montar uma tenda de doces no festival, a fim de atrair mais visibilidade para seu comércio. Por isso, todos nós estamos ajudando-a.
Ricardo e minha mãe assumiram namoro, logo depois que eles foram jantar. Eu o via constantemente, mas ainda ficava apreensiva com sua presença. Tinha medo dele magoar minha mãe. Até então ele demonstra ser um cara legal, tanto que se ofereceu para nos ajudar com a tenda da Cecília.
Corremos para o festival, e ainda eram quatro da tarde. Ele só começava às seis, mas devíamos deixar tudo preparado com antecedência. Estava batendo um vento gelado, mas fresco, e o céu ainda estava iluminado pelos raios solares. A tenda da Ceci fica dentro de um enorme parque de diversões, onde acontecerá o festival deste ano. A entrada estava liberada apenas para os comerciantes, e os funcionários do parque corriam para ajeitar tudo a tempo.
Passamos as duas horas ajudando Cecília, e a sua tenda ficou de longe a mais bonita. Estava totalmente enfeitada com tons de rosa bebê e marrom, e ela utilizou algumas luzes amarelas ao redor de todo o acabamento. Havia uma enorme variedade de sobremesas, bolos, doces, pudim, tortas, tudo bem bonito e organizado.
— Vamos olhar o festival, Teté. — Minha mãe me chama e eu a sigo, e Ricardo nos acompanha.
— Mãe, eu quero algodão doce! — Digo fazendo carinha de coitada, como se eu fosse um bebê, ao passar por um moço que carregava algodão doce.
— Só um minuto. — Ricardo diz, indo até o homem e comprando dois algodões doces, entregando um para mim e um para minha mãe. — Aqui.
— Awnn, que gracinha! — Minha mãe diz toda boba e dá um beijo na bochecha do Ricardo. — Obrigada, meu bem.
— Obrigada, mas eu não vou te chamar de papai. — Digo brincando e minha mãe e Ricardo soltam uma risada.
— Você quer ir a algum brinquedo? — Ricardo pergunta enquanto passeamos pelo parque.
A noite tinha acabado de chegar, e o céu aos poucos se enfeitava com milhares de estrelas. A lua estava em sua fase cheia, o que me fez questionar onde Clarissa estava. O parque estava lotado, mas por ser um lugar extremamente grande, não ficou apertado. As filas dos brinquedos estavam enormes, mas eu sempre fui apaixonada por parques de diversões.
— Vamos à montanha russa! — Minha mãe diz empolgada. — Você vem, Teté?
Peguei meu celular e mando mensagem para Rodrigo e Xaiane. Havíamos combinado de nos encontrar aqui, mas até então eu não os vi. Olho para frente e vejo Francis, caminhando sozinha enquanto observava o lugar. Seus olhos param em mim, e ela logo começa a caminhar na minha direção.
— Não, podem ir. — Falo com minha mãe, e logo ela e Ricardo vão para a fila da montanha russa.
Me aproximo de Francis e a vejo com seu estilo de sempre. Ela usava uma calça jeans e um cardigan bege por cima de uma blusa preta de gola alta.
— Oi, Stefany! — Ela me cumprimenta com um sorriso. — Não sabia que viria ao festival.
— Minha cunhada montou uma tenda de doces, então vim ajudá-la. E também vim encontrar meus amigos. — Explico, tentando não parecer indiferente a ela.
Eu ainda pensava em todas as teorias que Rodrigo, Xaiane e eu fizemos. Porém, como eu não tinha certeza, não podia simplesmente jogar tudo em cima da Francis. Se fosse para descobrir algo, eu precisava jogar conforme o jogo.
— Legal. — Diz Francis. — Depois eu passo lá para comprar algum doce.
— Seria ótimo. Vamos em algum brinquedo? — Puxo Francis pelo parque, passando por algumas crianças correndo. — Qual você gosta mais? Bate bate, barco viking, kamikaze?
— Podemos ir no que você quiser. — Ela sugere, e eu paro em frente à enorme roda gigante. — Ah, não. Todos menos a roda gigante!
— Por que? Tem medo? — Pergunto confusa e me aproximo dela. — Muitas pessoas têm medo de altura hoje em dia.
— Eu só não curto muito. — Diz Francis, se afastando e me puxando para a fila do crazy dance. — Esse é legal.
— E então, o que você fez esses dias? — Pergunto puxando assunto, me sentindo uma policial infiltrada tentando descobrir quem Francis realmente é. — Você veio sozinha hoje?
— Tive alguns problemas familiares, mas nada que precise se preocupar. — Diz Francis tranquilamente, enquanto aguardávamos na fila. — Não, estou aqui com minha irmã e minha sobrinha. Elas estão no carrossel.
— Não sabia que você tinha sobrinha, que fofa! — Digo, e até então Francis parecia uma pessoa normal agindo normalmente. — Qual é o nome dela?
— Liz. — Francis responde. — Ela tem dois anos e está simplesmente encantada com o parque.
Sorrio enquanto ela falava, e, mesmo desconfiada, Francis passava uma sensação de segurança. A nossa vez na fila chega, e logo começamos a entrar nas cabines do brinquedo. Sento ao lado de Francis e logo vejo o funcionário do parque ajeitar nossos coletes. O brinquedo logo começa a rodar, enquanto tocava I Gotta Feeling, e a sensação me faz sentir uma criança feliz.
Quando o brinquedo encerra, Francis e eu descemos super empolgadas e rindo. Ela não parecia exatamente uma ameaça, ou talvez eu estivesse sendo ingênua demais. Francis me puxa para mais uma fila, e eu logo vejo que era o túnel do amor. Bem clichê, eu diria.
— Seja sincera, Francis. — Olho a garota, que imediatamente me encara confusa. — Por que você me chamou para sair?
— Porque eu gostei de você. — Ela diz como se fosse óbvio, mas não era só isso. — Sempre fui fechada em questão de sair com alguém, relacionamento, então quis ver no que daria. E você foi a opção perfeita.
— Fui uma opção? — Pergunto, e logo Francis me encara apreensiva.
— Não foi isso que eu quis dizer. — Francis responde, enquanto estava quase na nossa vez de entrar no brinquedo. — Eu gosto de você e estou disposta para ver onde isso vai nos levar.
Ela não parecia muito segura do que dizia. Eu não sei se ela sabia que eu era uma bruxa e estava me usando para me sequestrar e me torturar como fez com Clarissa, mas eu precisava fazer ela acreditar que eu confiava nela. Queria que ela achasse que eu estava me apaixonando por ela, e no fim, transformar a caçadora na caça.
Entramos em uma espécie de carrinho com formato de coração. Ele logo começa a andar pelo túnel, que é iluminado com luzes rosas e desenhos de corações e cupido por todos os lados. Tinha a impressão de que Vanessa me encarava como se estivesse zuando com a minha cara, talvez por eu estar onde seu poder era associado. Estava tocando Talking to the Moon, do Bruno Mars, enquanto seguimos pelo túnel.
— Eu também estou disposta a ver onde isso vai nos levar, mesmo te conhecendo há poucas semanas. — Digo mentindo, mas fazendo de tudo para parecer sincera. — Eu gosto de você, Francis.
Minha emoção do primeiro dia que conheci Francis não correspondia com o agora. Algo havia mudado, e eu sabia que não era só por ela supostamente ser uma caçadora. Tinha algo a mais, uma peça que não se encaixava, um sentimento que me dava vontade de sair correndo dali. Mas eu precisava ser firme e manter meu teatro, mesmo podendo estar errada sobre Francis e fazer com que no fim ela se magoe por minha culpa.
— Desculpe se parece que eu sou confusa às vezes. — Ela diz baixo e me encara de uma forma diferente. — Eu realmente sou, sou frágil e complicada. Mas eu juro que não faria mal a ninguém e que minha intenção não é magoar você pelos meus sentimentos complicados e embaraçados.
— Eu acredito em você. — Respondo, forçando um sorriso e fazendo um leve carinho no seu rosto.
Francis segura gentilmente minha mão e se aproxima. Por um momento, esqueci como se respirava. Eu não estava nervosa por ela, e sim por nunca ter beijado ninguém antes. No entanto, quando Francis segura minha mão, sinto uma espécie de choque. Eu sei que é extremamente clichê dizer isso, mas foi o que aconteceu, e não foi como se meu corpo entrasse em alerta por conta da magia. Era diferente, mas não deu muito tempo para pensar, pois Francis me beijou.
Ela colou gentilmente seus lábios nos meus, e eu fiquei com os olhos abertos por alguns segundos, até finalmente fechá-los. A sensação era menos pior do que eu imaginei, e provavelmente minha boca estava doce por conta do algodão doce que comi mais cedo. Aos poucos vou me acostumando, e puxo Francis para mais perto.
Mais tarde, eu deveria pedir desculpas para Rodrigo por ter o julgado por ter retribuído o beijo da Vanessa na festa, mas agora eu estava fazendo exatamente a mesma coisa. Eu não sabia se apenas estava aproveitando a sensação, se realmente estava gostando ou se eu só era hipócrita mesmo.
Me afasto aos poucos e vejo a pupila de Francis dilatada. A sensação do túnel do amor ainda me dava arrepios, pois eu estava me sentindo perseguida pela Vanessa, que parecia estar rindo de mim de algum lugar. Quando finalmente o carrinho chegou ao fim, Francis e eu descemos em silêncio, logo voltando para o parque.
— Quer ir em mais algum brinquedo? Ou quer parar para comer algo? — Francis pergunta ao meu lado, como se nada tivesse acontecido no túnel do amor.
De repente, ouço bem de longe uivos. Era lua cheia, eu sabia, mas eu não fazia ideia do que a família lobisomem estava fazendo. Eu queria que Clarissa tivesse vindo, queria vê-la, mas imaginei que isso não aconteceria pela lua cheia. Francis pareceu também ter ouvido os uivos, e logo, sua aura de caçadora voltou, fazendo a Francis romântica do carrinho desaparecer.
— Ahn... eu já volto. — Diz Francis, dando as costas e saindo andando pelo parque.
Assim que ela se afasta, começo a segui-la. Porém, vejo Xaiane e Rodrigo aparecerem na minha frente com o semblante assustado.
— A lenda do trem fantasma está aqui, e duas pessoas foram encontradas feridas! O carrinho foi fechado, mas tem muita coisa bizarra acontecendo. — Rodrigo diz apressadamente, me puxando para o outro lado do parque. — A gente precisa ir.
Tentei me soltar dele, pois precisava saber para onde Francis iria. Precisava garantir que ela não fizesse nada com Clarissa. Porém, era meu dever proteger essas pessoas do medo, e no fundo eu sabia que Clarissa e sua família sabiam se defender.
Assim que chegamos ao trem fantasma, havia alguns funcionários interditando o lugar. Dois paramédicos ajudavam duas pessoas, e eu pude ver sangue pelo local. As pessoas olhavam confusas, assustadas e com medo, e o boato do trem fantasma amaldiçoado logo se espalhava.
— Os monstros eram reais, eles tentaram nos matar! — Ouço uma das pessoas falando desesperadas, e logo olho para Rodrigo e Xaiane.
— Como vamos entrar? — Xaiane questiona.
— Entrando. — Digo como se fosse óbvio e logo caminho para os fundos do brinquedo, onde havia uma tenda. — Estão ocupados demais com os feridos.
Dentro do trem fantasma, pego meu celular e ligo a câmera. Era óbvio que não iríamos pegar o trem, e sim andarmos até encontrar o emblema do temor. Eu estava um pouco distraída, mas determinada. Minha meditação e os rituais que fiz com Rafaela ajudaram na minha concentração, e também na forma como lido com meu medo.
Ouço Xaiane gritar quando passamos ao lado de um boneco de plástico do Fred Kruger, que se mexeu com o sensor de movimento. Me assusto com seu susto, e logo continuamos seguindo. O túnel era escuro, decorado com elementos de terror, sangue falso e alguns bonecos. No entanto, percebo uma respiração bem próxima de nós, e vejo um boneco que parecia uma pessoa com o corpo completamente queimado, e seus olhos eram mais reais do que deveriam.
— Isso é tão real. — Xaiane sussurra assustada, e eu noto que a respiração vinha daquela criatura.
— Porque é real. — Respondo, e imediatamente começo a correr.
A criatura começa a correr atrás de nós, e aquele cenário era tão estúpido que eu me senti em um episódio de Scooby-Doo. Um homem com a fantasia do leatherface também começa a correr atrás de nós, segurando uma serra elétrica real nas mãos.
— Ad magicam rem revelare. — Recito o encantamento que havia aprendido no grimório, canalizando todo o meu poder.
Vejo um brilho verde sinalizando bem dentro de um carrinho quebrado jogado mais a frente dos trilhos. Enquanto tentava correr até lá, ouço o grito de Rodrigo e logo o vejo sendo arrastado por um palhaço assassino, que erguia uma faca para ele. De repente, o medo tentou me preencher devido ao trauma com a gangue dos palhaços.
Respiro findo e sinto a força do meu poder em mim. Prometi a mim mesma não deixar o medo me dominar, e assim eu faria. Lancei uma rajada de poder na direção do palhaço, jogando-o longe. Meu corpo é rodeado por uma aura intensa, e logo descarrego uma onda de poder para todos os lados, afetando todos as lendas ao redor. Olho para Xaiane e aponto para o carrinho, e ela logo corre até ele enquanto ajudo Rodrigo a se reerguer.
Xaiane segura o emblema do temor e logo acende um isqueiro, incendiando o objeto amaldiçoado e fazendo os monstros ao nosso redor desaparecerem. Respiro aliviada por finalmente estar conseguindo usar os meus poderes, graças a Hécate.
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