Capítulo 17: Alcateia do Jacob
Clarissa avança em um dos palhaços e ele desaparece no ar. O outro começa a empurrar a maca comigo e eu tento gritar, mas quando vejo, Clarissa pulou em cima dele e o derrubou no chão.
Os palhaços pareciam ora serem fumaça e ora serem sólidos, evaporando quando bem desejassem. Clarissa volta para sua forma humana, diferente dos lobos de Crepúsculo, ainda usando suas roupas. Ela rapidamente solta meus braços e minhas pernas e eu desço da maca, tirando rapidamente a mordaça da boca.
Eram seis palhaços ao todo, e eles começam a rir e formar uma roda ao redor de nós, dando pulinhos e nos olhando de forma macabra. Eles estavam nos cercando de propósito, e eu estava pateticamente de saia e sutiã, já que eles arrancaram minha blusa, e para piorar, estava um frio congelante.
— Fica atrás de mim, entendeu? — Clarissa diz, ficando à minha frente, e eu percebo que seus olhos ainda estavam amarelos.
Eu estava inútil sem meus poderes, e todas as vezes era Clarissa que se arriscava por mim. Talvez os cultistas do medo soubessem que minha fraqueza é o medo, porque ele sempre me faz travar. Eu deveria usar meus poderes, lutar como uma bruxa poderosa, afinal, carrego o sobrenome de uma linhagem poderosa. No entanto, eu era apenas uma garotinha indefesa e com medo de palhaço.
Os palhaços logo começam a correr ao mesmo tempo na nossa direção, fazendo o círculo se fechar cada vez mais. Fecho os olhos, já esperando pelo pior, mas sinto Clarissa segurar minha mão e correr comigo e passarmos pela brecha entre dois palhaços. Olho para trás e vejo os palhaços correndo na nossa direção.
— O em... o emblema... — Falo com a voz tremendo, e Clarissa entra dentro da kombi e fecha a porta, enquanto os palhaços tentam abrir e começam a empurrar a kombi.
Sinto uma ardência no ombro e vejo sangue. Em algum momento, fui ferida por um dos palhaços, os quais dava para ver claramente seus dentes grandes e unhas afiadas. Eles olhavam assustadoramente pelo vidro, e estavam tão próximos que me fez fechar os olhos e me encolher atrás de Clarissa. Coloco uma das minhas mãos sob o ombro machucado, sentindo a adrenalina passar e a dor começar a aparecer.
Clarissa rapidamente achou o emblema do temor e ateou fogo nele, fazendo os palhaços desaparecerem. Suspiro aliviada, mas eu ainda estava com frio, com medo e ferida. Clarissa se vira para mim e me encara, ainda dentro da kombi que por alguma razão não desapareceu.
— Deixa eu ver.
Ela se aproxima e tira minha mão do ombro, e logo o meu sangue começa a escorrer. Clarissa tira seu casaco e o veste em mim, e o tecido estava tão quente que meu corpo logo se acostumou.
— Não foi profundo, não se preocupe. — Ela diz, abrindo a porta da kombi e saindo, e eu desço logo atrás com sua ajuda. — Você está bem?
Não respondo, porque no meu rosto dava para saber a resposta. Literalmente meus órgãos quase foram arrancados por palhaços assassinos, como eu poderia estar bem?
— Achei que você não viesse. — Murmuro baixo, e Clarissa me olha confusa.
— Por que você acha que eu não viria?
— Estamos quase do outro lado da cidade, eu não consegui te chamar nem te avisar porque os palhaços foram rápidos demais. Como sabia que eu estava aqui? — Pergunto.
— Coincidentemente eu estava perto. — Ela dá de ombros. — E eu nunca te deixaria sozinha. Eu estou aqui para te proteger, certo?
Em todas as vezes que estive com Clarissa, essa era a primeira vez que a vi sem casaco ou blusa de manga cumprida. Nos treinos de handebol ela usava um tipo de blusa térmica por baixo do uniforme, mas agora, apenas de regata, eu consegui ver algo que não tinha notado antes. Eram marcas espalhadas pelo braço inteiro.
— O que foi isso? — Pergunto curiosa, tocando levemente seu braço, mas ela tira minha mão de perto.
— Caçadores. — Ela responde friamente. — Ano passado. Mas eles não estão mais em Três Luas, eu acho.
— Caçadores de lobisomem? — Questiono perplexo, enquanto vejo um carro se aproximar.
— Caçadores sobrenaturais. Caçam lobisomens ou qualquer criatura mística que encontrarem e que valha um bom dinheiro. — Clarissa responde. — Por causa das lendas urbanas, talvez eles apareçam de novo, e você agora é uma mira também. A Vanessa e a família dela sabem se virar, mas você é nova, então... toma cuidado, entendeu?
— Vou tentar.
Clarissa abre a porta do carro, o qual percebo ser um carro de aplicativo, e eu logo entro. Ela entra depois e se senta ao meu lado, e eu encosto minha cabeça no vidro da janela enquanto o motorista começa a dirigir. Eu ainda estava abalada com tudo o que havia acontecido e ainda estava com dor. Pensei em ligar para Francis para me certificar que ela estava bem e que havia chegado em casa em segurança, mas o sono falou mais alto, e eu sem querer apaguei no carro.
• • •
— Teté. — Acordo com minha mãe me chamando bem tranquilamente.
Abro os olhos aos poucos e me dou conta de que estava em casa. A última coisa que lembrava foi que havia dormido no carro, depois de ter sido atacada pela gangue dos palhaços, mas em momento nenhum me recordo que havia subido para o quarto. Percebi que estava de pijama e que havia um curativo onde o palhaço havia me machucado ontem.
— O que aconteceu? — Digo sonolenta, me sentando na cama e observando minha mãe.
— A Clarissa me contou o que aconteceu ontem. Pobrezinha, caiu de bicicleta! — Minha mãe diz me olhando preocupada e fazendo um leve carinho no meu rosto. — Está sentindo dor, filha?
— Não. — Respondo, percebendo que não sentia absolutamente nada no ferimento. — Ela me trouxe para cá?
— Trouxe, mas eu ainda não tinha chegado em casa e o Lucas e a Ceci não estavam. — Minha mãe respondeu. — Ela me esperou chegar em casa ontem a noite para me avisar do acidente, e depois foi embora. Mas ela é bem forte, né? Deve fazer musculação.
— Pois é. — Vou até a cozinha para tomar café da manhã e vejo Cecília e Lucas lá.
— Bom dia, Teté. Melhorou? — Cecília pergunta preocupada.
— Não foi nada grave. — Respondo, pegando o pedaço de pão doce da mão do Lucas e comendo.
Mando uma mensagem para Rodrigo e Xaiane contando tudo o que aconteceu ontem. Penso em mandar uma para Clarissa, mas tive uma ideia melhor. Após tomar café da manhã, vou para meu quarto me arrumar e logo saio de casa. Caminho alguns metros até a entrada da trilha da floresta, que ficava apenas uns quinze minutos da minha casa. Começo a subir a trilha, ouvindo o belo canto dos passarinhos à minha volta.
Assim que chego ao fim da trilha, vejo a casa de Clarissa, e dessa vez parecia mais calma. Caminho até a entrada e bato na porta algumas vezes, até finalmente o jovem Gustavo abrir a porta para mim.
— Olá. A Clarissa está? — Pergunto.
— Não, ela está na oficina com o Felipe. — Ele responde, saindo para varanda e apontando para o que parecia ser um pequeno depósito do outro lado da montanha. — É lá.
— Ah, obrigada! — Agradeço, ouvindo a gritaria das crianças mais novas lá de dentro e logo seguindo o caminho indicado.
Ando por uns cinco minutos até finalmente chegar na oficina, que parecia mais uma garagem fora de casa. Haviam peças de motos espalhadas por todo lado, e também um forte cheiro de graça. Vejo Felipe, sem camisa e suado, parecendo consertar uma moto, e assim que me aproximo vejo Clarissa distraída, rindo com o irmão e mexendo em uma peça. Ela percebe minha presença e fica séria, com um olhar preocupado ao se aproximar de mim.
— Oi, o que você está fazendo aqui? — Ela pergunta. — Por que não avisou que viria?
— Eu só queria agradecer por ontem. — Falo baixo, um pouco sem jeito. — E vim ver como você estava.
— Ah, que gracinha! — Felipe diz lá de trás, enquanto faz uma voz ridícula e fica sorrindo.
— Para com isso, seu bocó! — Clarissa diz irritada para ele e olha para mim. — Eu estou bem.
— Ei, Stefany. — Felipe diz, se levantando e carregando a moto para fora. — A Clarissa falou que vocês vão participar de outra corrida e precisam de uma moto.
— Você é realmente a personificação da alcateia do Jacob. — Zombo dele, e ele apenas dá de ombros.
— A minha alcateia é mais legal. — Felipe dá uma piscadela para mim.
— Essa moto que consertamos vai ser melhor na pista. — Diz Clarissa, caminhando para perto. — A ideia foi sua, e eu realmente estou doida para esfregar a vitória na cara daquele mauricinho.
— Ideia minha? — Pergunto confusa e Clarissa abre um sorriso perverso.
— Você não se lembra? — Ela pergunta, se aproximando de mim. — Você desafiou a Vanessa, e também fez outras coisas um pouco vergonhosas.
— O que eu fiz? — Pergunto com medo da resposta, e Clarissa não responde, apenas segura a risada. — Fala, Clarissa!
— Eu não. — Ela dá de ombros e se vira, indo até onde Felipe ajeitava a moto. — Mas se você soubesse, ficaria muito envergonhada. O pior é que gravaram e todo mundo dá escola viu!
— É o quê?! — Rapidamente pego o celular e checo as redes sociais, sem me recordar de nenhum vídeo meu vergonhoso. — Cadê?
— Eu estou brincando. — Ela conclui rindo, me fazendo bufar de raiva. — Exceto a parte que você desafiou a Vanessa. Isso foi verdade.
— Nossa, mas como você é engraçadona! — Digo irritada e cruzo os braços.
— Quer aprender a pilotar? — Felipe pergunta para mim, e eu olho confusa.
— Nem pensar, Felipe! — Clarissa se nega. — Ela é toda estabanada. Vai cair, se machucar e a culpa vai ser minha!
— Ei, eu não sou nada estabanada! — Me defendo e me aproximo da moto e de Felipe. — Eu quero aprender a pilotar. Talvez assim eu pilote melhor que a sua irmã e finalmente vença a corrida.
— Ha! Nem nos seus sonhos! — Clarissa debocha de mim. — Se você cair, eu vou rir de você.
— Mentira, você vai logo correr preocupadinha. — Felipe responde segurando o riso. — Vem, vou te mostrar como faz.
Ele começou explicando pacientemente os controles básicos, me mostrando como ligar a moto, engatar as marchas e controlar o acelerador. No início, tudo parecia confuso, mas ele repetiu as instruções várias vezes até que eu começasse a me sentir mais confortável.
— Ok, agora é a sua vez. Sobe na moto e vamos praticar. — Disse ele, tentando parecer encorajador.
Subo na moto e dou partida, sentindo a adrenalina misturada com um pouco de medo. Felipe caminhava ao meu lado, dando instruções claras e simples. Clarissa ficava ao nosso lado, apenas observando.
— Isso mesmo, agora solta a embreagem devagar e acelera suavemente.
À medida que ganhava confiança, Felipe me soltou enquanto eu tentava pilotar sozinha. Cambaleei algumas vezes,mas consegui manter o equilíbrio. Cada vez que eu cometia um erro, Felipe não me repreendia, apenas me ajudava a entender o que eu precisava ajustar.
— Excelente, Stefany! Está ficando melhor que a Clarissa. — Ele brincou enquanto eu contornava uma curva com mais fluidez.
— Não vai tão rápido. — Clarissa orienta, um pouco mais distante, enquanto eu me soltava aos poucos.
— Isso aqui é tão legal! — Grito empolgada, acelerando ainda mais e vendo os dois ficando para trás.
— DESACELERA! — Ouvi o grito de Felipe lá de trás, e logo tentei diminuir a velocidade, mas eu esqueci totalmente quais eram os comandos.
— AAHHH! — Começo a gritar, enquanto a moto não seguia minhas instruções.
Consigo parar a moto, mas a força jogou meu corpo todo para frente e me fez arrastar no chão. Felipe vem correndo para se certificar que eu estava bem, enquanto Clarissa caminha lentamente até nós, com um sorriso malvado no rosto.
— Se você disser que avisou... — Ameaço, antes de Clarissa dizer qualquer coisa, enquanto Felipe me ajuda a levantar do chão.
— Eu avisei, eu avisei, eu avisei. — Clarissa começa a cantarolar, enquanto eu reparo alguns leves arranhões pelos braços e pelos joelhos.
— Você foi bem, mas precisa tomar cuidado. — Felipe conclui, enquanto pega a moto e leva de volta para a oficina.
Os dois irmãos me levaram para a casa, onde seus pais me convidaram para o almoço. Enquanto conversávamos, Felipe me zoava pela queda e Clarissa debochava por ter me avisado que eu era estabanada. Quando terminamos, acompanhei Clarissa, Felipe e Gustavo para uma parte da cachoeira que ficava aqui, e logo vi os dois garotos pularem na água, enquanto pareciam brincar de lutinha um com o outro.
— Vocês não vão vir? Tá um calor dos infernos! — Felipe diz, e sem questionar muito, pulo na água, com roupa e tudo.
Sinto a água gelada refrescar meu corpo e a leve correnteza passar por mim. Havia apenas mato ao redor, muitas árvores e animais por todo canto. Clarissa cruza os braços, nos olhando com uma blusa de manga cumprida e um short jeans, e eu nado até a pedra onde ela estava.
— Vem. — Estendo minha mão para ela, mas ela nega.
— Não quero. — Ela diz, mas a seguro mesmo assim e puxo para a água. — Ah, sua ordinária!
— Larga de ser rabugenta, sua chata! — Falo, jogando água na sua direção e Clarissa dá um mergulho, nadando por baixo de mim e me puxando para baixo.
Dou um empurrão nela debaixo da água e volto para superfície, vendo-a voltar também. Me aproximo dela, enquanto Gustavo e Felipe brincavam um com o outro, e olho em seus olhos.
— Vamos voltar, Harry Potter. — Clarissa diz, desviando o olhar e nadando de volta para a pedra.
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