Capítulo 16: A Gangue dos Palhaços
— Eu nem acredito que irei a um encontro! — Digo empolgada, enquanto Rodrigo e Xaiane guardavam as coisas da loja.
— É seu primeiro encontro? — Rodrigo pergunta, carregando uma caixa de papelão para os fundos da Geek Store.
— De verdade, sim. — Respondo, sentada em cima do balcão enquanto Xaiane varria o chão. — Os outros eu apenas fui usada, nunca deu em nada. Agora, não que eu ache que vá namorar, mas eu preciso sair, pelo menos dar uns beijos, ter uma história clichê de adolescente que nunca vai dar certo, sabem?
— Ah, tem uma história legal. — Xaiane para de varrer e me olha. — Uma vez o Rodrigo...
— Xaiane, cala a boca! — Rodrigo rapidamente corre para onde estávamos, olhando Xaiane de forma intimidadora.
— É uma história engraçada. — Xaiane diz pensativa.
— Não se atreva... — Rodrigo ameaça, mas Xaiane apenas me observa de forma bem travessa.
— O Rodrigo já namorou uma menina no Roblox. — Xaiane diz, e Rodrigo senta na cadeira tampando o rosto com as mãos. — E depois descobriu que era um velho enganando ele.
— Isso já faz um tempão! — Rodrigo diz indignado e envergonhado.
— Foi ano passado. — Xaiane terminou de contar, e eu olhei para Rodrigo, segurando a vontade de rir.
— Olha, chega. Isso foi um trauma, ok? — Rodrigo diz emburrado, caminhando até a saída da loja. — Vamos embora que preciso fechar a loja. E Stefany tem que se arrumar para o date dela.
— Ai, eu tenho um date! — Digo empolgada, pulando da bancada e indo até a saída. — Mas e vocês? O que vão fazer hoje? É sábado.
— Vamos ao clube de tiro com o tio Jonathan e a tia Roberta. — Xaiane responde, apagando as luzes da loja e indo para fora. — Eles te convidaram, mas você tem um date então imaginamos que não fosse querer ir.
— Agradeça eles o convite, quem sabe outra hora. Mas hoje é meu dia! — Seguro Xaiane pelo ombro e dou uns pulinhos, enquanto ela me encara desinteressada.
— Tem certeza que não foi nenhum feitiço da Vanessa? — Rodrigo pergunta desconfiado, parecendo preocupado. — Não sei não, estudo no Jesus Amado desde o fundamental e nunca vi nenhuma Francis.
— Nem eu. — Xaiane diz e tira minhas mãos do ombro dela. — Mas, contanto que o feitiço não te faça se apaixonar por mim de novo, por mim tanto faz.
— Nossa, que horror! — Digo com o comentário de Xaiane. — Não é feitiço da Vanessa, ela está no sapatinho esses dias por eu ter ajudado ela, e também o colar que a Clarissa me deu me protege dos feitiços da Vanessa.
— Se você diz. — Rodrigo dá de ombros e logo abre um sorriso. — Até segunda, e tenha um bom date.
— Tenham um bom tiro vocês também! — Dou uma piscadela e logo caminho feliz para casa.
• • •
— MÃE! — Dou um grito assim que chego em casa, e a vejo descer as escadas toda arrumada. — Eu tenho um date!
— Eu também! — Ela diz, e meu sorriso imediatamente se desfaz.
— Pera, quê? — Pergunto confusa, sem acreditar no que ela havia dito. — Com quem?
— Um homem que conheci no show dos Calcinha Preta. Ele é tão bonito, tão inteligente, tão gentil. — Ela diz com um ar apaixonado, e logo eu ouço a campainha tocar. — Ele deve ter chegado. Pode pedir para ele esperar, por favor? Vamos ao La Perle Dorée.
Caminho até o portão, impressionada pelo date da minha mãe ser em um dos restaurantes mais chiques de Três Luas, enquanto o meu vai ser no circo. Abro a porta e vejo um homem de costas, segurando um enorme buquê de rosas na mão enquanto parecia tentar ajeitar a gravata. Ele era familiar, mas só o reconheço quando ele se vira e me olha assustado.
— Professor Ricardo?! — Exclamo inerte, sem acreditar que minha mãe teria um date com meu professor de filosofia.
— Oi, Stefany. — Ele me cumprimenta timidamente. — Você mora aqui?
— Sim, eu sou filha da Ione. — Respondo, rangendo os dentes. — Ela mandou esperar. Você quer entrar?
— Bem que ela me falou que tinha três filhos, mas que surpresa um deles ser uma aluna tão... — Ele tenta procurar algum adjetivo positivo para mim como aluna, mas por fim desiste. — Bom, eu espero aqui fora.
— Tô de olho, hein! — Ameaço ele, que apenas limpa a garganta. — A Shakira também. Se magoar minha mãe eu mando a Shakira te morder!
Shakira, parecendo ler meus pensamentos, se aproxima de nós e rosna para Ricardo, que recua dando alguns passos para trás. Minha mãe logo aparece, usando um vestido azul marinho longo, o qual usou no casamento da Rafaela, e uma maquiagem que eu aposto que foi a Cecília que fez.
— Se comporta com a Clarissa, tá bom? — Minha mãe me dá um beijinho da testa e me aperta. — E vê se não volta tarde.
— Mas eu não vou sair com a... — Minha mãe apenas dá as costas e vai embora com Ricardo, que abre a porta do carro para ela e entra em seguida.
Reviro os olhos, mas aliviada por saber que o date da minha mãe era meu professor. Ele é bonzinho, meio bobinho e tímido, o suficiente para sempre cair nas pegadinhas dos alunos. Minha mãe merecia um amor tranquilo depois do caos que meu pai causou na vida dela.
Me arrumo correndo, pois estava com medo de atrasar o meu encontro. Coloco uma saia bem justa e uma blusa de manga longa. Espero não estar piriguete demais. Passo pouca maquiagem, um gloss e me perfumo, logo chamando o uber para o ponto de encontro que Francis sugeriu. Ontem a vi na escola, mas por ela ser da outra turma, não tivemos muito tempo para conversarmos. Ela era da turma da Clarissa, então imaginei que elas se conhecessem.
Assim que chego no ponto de encontro, a vejo lá esperando. Ela estava bem bonita, usava uma jeans wide leg, uma regata branca justa e uma camisa azul quadriculada aberta e de manda longa. Assim que desço do carro, caminho desajeitosamente até sua frente, e a mesma me encara com um sorriso leve.
— Uau, você está linda. — Francis diz, me fazendo dar gritinhos internos.
— Você também não está nada mal. — Começo a caminhar ao seu lado, na direção do circo que ficava ali perto. — Você já foi nesse circo alguma vez?
— Fui umas duas vezes com a minha irmã mais velha. — Ela responde. — Mas já faz um tempo. Ela casou e saiu de casa, então...
— Eu sei bem como é. — Garanto ao me lembrar de Rafaela. — Acho que vamos nos divertir bastante!
Fomos até a bilheteria e compramos dois ingressos para o espetáculo. Assim que entramos, o circo estava escuro e uma musiquinha tocava, enquanto o público chegava e escolhia seus lugares. Francis e eu decidimos ficar na fileira do meio, bem mas cadeiras de frente para o palco. Um senhor passou vendendo churros, e compramos um para cada, enquanto o mestre de cerimônia dava início aos espetáculos.
— Eu adoro a energia dos circos, sabia que eu já quis ser trapezista? — Falo com Francis, enquanto os trapezistas começavam a subir no palco. — Viver viajando com os circenses, voar pelos ares!
— Nunca é tarde. — Francis responde, enquanto eu pegava meu celular e colocava na câmera.
— Vamos tirar uma foto. — Viro a câmera para nós e levanto o celular, posicionando a imagem para nós duas e abrindo um sorriso.
— Eu não gosto muito de fotos, mas tudo bem. — Ela diz um pouco incerta, mas abre um sorriso fraco sem mostrar os dentes. — Tá bom assim?
— Diga abacaxii! — Pressiono o botão da câmera, logo registrando a foto. — Ficou boa. Um pouco escura, mas dá para nos ver.
O espetáculo foi mágico e empolgante. Assistimos ao show dos mágicos, os palhaços, até um engolidor de espadas e um globo da morte. Cada apresentação era única e empolgante, me trazendo a típica sensação de alegria que só o circo é capaz de proporcionar. Quando tudo acabou, começamos a sair da tenda junto com a multidão.
— O que você achou? — Francis pergunta, assim que saímos do circo e voltamos a andar pela rua.
— Eu amei! — Respondo, ainda empolgada pelo date. — E você?
— Eu gostei das apresentações, mas a companhia foi o que deixou melhor. — Francis responde, e eu sinto meu estômago revirar por inteiro. — Acho que eu estava precisando disso.
— Eu digo o mesmo. — Suspiro. — Esses dias têm sido complicados. Muita confusão de uma vez, muita coisa para lidar.
Lendas urbanas, bruxaria e tudo mais. Mas você, Francis, não precisa saber disso, até porque, não quero envolver mais ninguém nessa confusão sobrenatural. Uma bruxa, uma loba e dois humanos esquisitos já eram o suficiente.
— Eu entendo bem. — Ela responde sincera, parecendo preocupada e olhando para o nada.
Já estava um pouco tarde, hoje está um pouco frio e eu não havia levado casaco. As pessoas já tinham ido embora, e Francis e eu estávamos apenas caminhando sem destino pelas calçadas de Três Luas.
— Espero que essa sua resposta não se refira a uma decepção amorosa, e nem que você só esteja saindo comigo para esquecer outra pessoa. — Falo, tentando fazer com que a frase saia como brincadeira, mas saiu mais sincera só que eu imaginava. — É brincadeira. Isso já meio que aconteceu outras vezes...
— Tudo bem. — Ela dá um sorriso fraco, mas não desmente o que eu disse, me deixando um pouco paranóica. — Prometo que não estou te usando. Eu realmente gostei de te conhecer, Stefany. Tenho a impressão de que te conheço de algum lugar...
— Você também não é me estranha. — Digo, esperando que no mínimo fosse o famoso clichê "almas que se conhecem de outras vidas". — Podemos sair mais vezes, se quiser. Ah, posso anotar seu número?
— Claro. — Pego meu celular e Francis começa a falar os números, o qual eu anoto no bloco de notas mesmo. — Bom, preciso ir. Meu irmão combinou de me buscar no posto.
— Tudo bem, eu vou esperar um ônibus. O ponto é aqui perto mesmo. — Respondo, guardando o celular rapidamente para não correr o risco de ser assaltada. — Até segunda.
— Você vai ficar bem sozinha? — Ela pergunta, e eu concordo com a cabeça. — Então tudo bem. Até!
Ela se aproxima e me dá um abraço rápido e desajeitado. Dava para ver que ela estava nervosa, assim como eu, e que provavelmente não sabia agir em dates, assim como eu. Sinto o calor do seu corpo e um perfume Luna, e logo Francis se afasta e vai embora.
Torço para o ônibus não demorar e pego meu celular para ver o valor do uber. Estava caro demais, então valia mais a pena esperar o ônibus que era só R$4,45. Vejo uma kombi azul parada um pouco mais à frente, e torço para não ser nenhum maluco sequestrador. Vejo um palhaço sair de dentro dela, e me alivio ao imaginar que era do circo.
Ele me encara e acena para mim, e eu aceno de volta. Ele fica alguma longos segundos me encarando, e a essa altura eu já estava com medo. Coragem, Stefany. Coragem! O palhaço usava uma peruca azul e seu sorriso era um tanto psicótico, e o olhar do palhaço parecia penetrar minha alma. Dou as costas ao ponto de ônibus e começo a andar na direção oposta, na tentativa de ir até o outro ponto ou encontrar algum lugar aberto.
Ouço o som da kombi pela rua vazia, e logo a vejo passar ao meu lado. Percebo alguns palhaços dentro da kombi, e imediatamente me lembro de uma lenda urbana que assisti no Domingo Legal, quando era bem mais nova. A Gangue dos Palhaços.
Começo a correr, e eu realmente não sabia onde procurar o emblema do temor. Sinto minha boca ser tampada e meu corpo ser arrastado para dentro da kombi, enquanto os palhaços começam a rir como se tivessem contado a maior piada do mundo. Dois deles me seguram e amarram minhas mãos e colocam um pano na minha boca para me amordaçar.
Tento me soltar, inovar meus poderes, gritar, mas nada adiantava. Queria que a Clarissa aparecesse aqui em forma de lobo e comesse esses bozos esquisitos, mas eu tinha a leve impressão que hoje ela não apareceria.
— HHIM HMOLHM! — Tento gritar "ME SOLTA", mas esse foi o único som que conseguiu sair da minha boca.
Chegamos a um beco escuro e os palhaços logo me tiram da kombi e me puxam para fora, me levando para um tipo de depósito abandonado. Eu não fazia ideia do que eles fariam comigo, mas se seguisse a lógica da lenda, meus órgãos seriam arrancados e vendidos.
Os palhaços não paravam de rir, e já haviam lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não queria que minha morte fosse tão patética assim. Se fosse para morrer, eu queria morrer lutando, e não tendo o rim arrancado pela gangue dos palhaços! Eu sabia que não havia carne e osso, e que eram apenas lendas que desapareceriam quando um saquinho fosse queimado.
Vejo um dos palhaços se aproximar com uma espécie de bisturi, com um sorriso enorme de canto a canto. Outro palhaço me deita em uma maca, e eles logo começam a apenas rirem, sem dizerem nada. Ele chega bem perto da minha roupa e rasga minha blusa, prendendo meus braços e minhas pernas na maca. Começo a me debater, e eu tinha quase certeza que o desespero me impedia de usar meus poderes.
De repente, os palhaços param de rir e olham para o final do depósito, onde estava completamente escuro, mas deu para ver perfeitamente um par de olhos amarelos. Da bruma da escuridão, vejo um lobo sair rosnando e minha respiração continua acelerada.
Eu conhecia perfeitamente aquele lobo, ou melhor, aquela loba. Era a segunda vez que eu a vi transformada, e então eu soube que daria ruim para os palhaços.
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