PROMETHEUS
Uma mesa pequena numa sala pequena e dois assentos desconfortáveis ocupados por duas almas ainda menores. Isso é tudo o que foi preciso para trazer o sentimento mais abissal que alguma vez já senti. Era como apertar estoicamente um balão sem estourá-lo, era pesado e ao mesmo tempo vazio. Sentia a culpa de um pecado que não cometi, mas a agonia da acusação me fazia acreditar que, em algum momento, cheguei a cometê-lo.
A pequena alma do outro lado me perscrutava com um olhar impassível. «Eu preciso apenas da verdade, Cain Keller, só a verdade, eu te garanto que será o melhor para todos, inclusive tu.»
«Eu não me lembro, e o pouco que recordo já descrevi inúmeras vezes», minha voz estava trêmula e rouca, aflita pela angina que sentia. O detetive encarregado do caso possuidor da alma pequena que me encarava do outro lado suavizou seu semblante, fez um sinal para os figurantes presentes na sala se retirarem, e depois que o fizeram continuou. «Eu acredito em ti, Sr. Keller, mas também tens de ver pelo meu ponto de vista. Foste encontrado a dormir na porta de um lugar onde jaziam sete cadáveres», jogou uma papelada sobre a mesa e tomou um ar mais resoluto, «as investigações apontam que as mortes se sucederam em intervalos de uma hora, o primeiro às oito da noite, o segundo às nove e assim por diante até as duas da madrugada. Tu foste encontrado às três horas na situação descrita, segundo o depoimento dos teus amigos», fez uma pausa, saiu da sala e voltou com uma jarra de água numa mão e um copo de vidro vazio na outra; sedento como estava, não recusei a água servida.
«Os três primeiros não possuíam cabeças, na verdade estavam completamente corroídas. Foram encontradas reservas de fluorantimônico em recipientes de teflon no local, sabes o que isto significa?», gesticulei negativamente observando as fotografias a serem passadas, «claro que não!», continuou, «todos eles apresentam sinais de envenenamento, e todos estavam desaparecidos há três dias, sabias disto?»; por mais uma vez, eu neguei, e o silêncio que surgiu aumentava a intensidade junto com minha ânsia, tudo girava e triplicava no meu campo de visão, mas eu não desviei o olhar dos registros funestos sobre a mesa pequena, e a sala já minúscula encolheu, me espremeu até meus fluídos deixarem meu corpo, meu golfo continha toda a comida que não ingeri e um pouco de minha pequena alma.
«Tenha calma, respira. Aqui, pegue», o detetive me ofereceu outro copo d'água, «Eu acredito em ti. O Yan é um conhecido meu e já me informou do teu álibi, por tu seres um bêbado desagradável, temos vários testemunhos sobre tuas andanças de ontem à noite. Tu serás liberado, entretanto recomendo que tenhas cuidado com o que fazes até o caso ser resolvido, dado que ainda és suspeito.»
Quando finalmente saí da delegacia, a lua alta no céu brilhava tão intensamente que não sei se era o seu brilho ou o da cidade que apagava as estrelas. Já não havia transportes públicos a rondar, pensei em chamar um táxi, mas desisti; afinal me apetecia uma caminhada depois de várias horas sentado desconfortavelmente, duraria cerca de uma hora e meia até em casa.
Cruzei alguns becos e parques habilmente em busca de atalhos, uma vez que era habituado com o local, e sempre que o fazia, observava meu reflexo nas janelas dos carros estacionados à beira da calçada. Havia muitos, presumi que era por causa da hora tardia. Era um cenário noturno ebúrneo, via-se algumas pedras de gelo se acumularem nos para-brisas, e o meu reflexo, que passava carro por carro, era tão pálido quanto elas.
Dentro de quinze minutos estaria dentro do meu quarto. Seria apenas minha cama enferrujada, um guarda-roupa com um espelho partido, as paredes brancas mofadas, cigarros e um violão sucumbido. Era tudo o que almejava no momento, mesmo assim sou atraído pela ruela à esquerda da entrada do edifício onde morava. Caminhei até o final e encontrei nada, apenas o que sempre estivera lá, a parede alta marcando o limite e uns gatos vagabundos procurando proteção contra o frio em vão.
Tracei o caminho de volta para a entrada, entretanto não entrei sem antes dar uma última olhadela, e então eu vi.
Um par de olhos gélidos refulgentes.
Ondulado cabelo carmesim.
E outro nada.
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