Apenas uma criança
Eu tinha 8 anos quando minha avó, que era minha única responsável, morreu por causa de um tumor no pulmão. O mesmo ela já enfrentava há meses. Meus pais morreram quando eu era bebê, então eu fiquei órfã após o falecimento da vovó.
Eles me encaminharam para um orfanato... quem dera ter ido para lá... infelizmente meu caminho foi extraviado por um homem que prometeu cuidar de mim. Ele me levou para um beco, me amordaçou e me derrubou.
Quando recobrei a consciência, percebi que estava na Lupus. Outras 15 crianças também estavam presentes: 9 garotos e 6 garotas. Havia alguns adultos, mas eles eram separados das crianças, então não era possível saber o que acontecia com eles.
Estávamos na frente de um palco e uma mulher se encontrava sobre ele.
— Acredito que vocês estão confusos por terem despertado aqui, então eu já quero que saibam que neste lugar não existe espaço para lágrimas ou reclamações. Quem não for forte a partir de hoje não sobrevive.
De repente a mulher parou quando um dos garotos levantou a mão.
— Quando podemos sair daqui? Eu tinha amigos na rua.
A mulher de repente começou a gargalhar.
— Em poucos dias você não vai pensar mais em amizade, acredite em mim.
E então as torturas começaram. Eles tiravam o pior de nós. Promoviam batalhas em um local cheio de areia que tinha uma pilastra de madeira no centro. Força era o que te fazia sobreviver. Não havia nada além disso.
Passaram-se 4 meses e apenas restava 11 crianças, 5 haviam falecido e as torturas pioravam. Durante esses meses eu fiquei sozinha nesse local, sendo escrava dos pensamentos que colocavam em nossa mente.
"Seja forte, apenas forte."
Ninguém tinha esperança, nem mesmo um motivo para viver. Quem antes vivia cercado de sorrisos agora presenciava expressões fechadas e raiva. Até mesmo se alimentar era um desafio, pois comia quem conseguia lutar por alimento, se não sobrevivia de restos.
"Não existe felicidade aqui, lute por si e apenas por si."
Aos poucos os outros foram se tornando animais, lutando até mesmo por aquilo que tinham de sobra.
"Os outros são inimigos, se não estiver pronto para se defender, morrerá em poucos dias."
Mas em meio aquele caos de desilusões havia uma luz que nunca se ofuscava, a única que ainda sorria neste local, mesmo que em segredo, uma garota chamada Luna.
No quinto mês foi quando eu conheci ela. Estava sentindo muito frio porque eu tinha acabado de sair de uma tortura em que me jogaram em uma banheira de gelo. Estava tremendo no quarto, que era um pequeno corredor. Tanto na direita quanto na esquerda tinham beliches, eram 16 colchões no total e sete estavam vazios. O único local que nós podíamos andar por conta própria, era pelo espaço que tinha entre os beliches.
Naquele dia eu estava deitada em um deles. Tremia tanto que a cama de ferro fazia barulho. Escutando isso, Luna veio ver o que era. Ela se aproximou pelo corredor andando descalça no chão gelado.
— Oi. Como vai? — Luna perguntou ao ver a minha situação.
— Oi — Falei com a voz muito baixa.
— Você está tremendo... quer um cobertor? Posso dividir com você!
E de repente eu fiquei sem reação, ela foi a única a se importar comigo nesse lugar. Cheguei a acreditar que era um sonho, mas era tão real quanto o lindo sorriso que esbanjava.
— Sério?
— Sim!
Durante aquela noite, Luna usou seu corpo para me aquecer. Nós conversamos durante toda madrugada, uma coisa que eu nunca tinha feito na vida. A partir deste momento eu comecei a me sentir mais viva e mais alegre. Por mais que tivesse que suportar as torturas, depois que eu via aquele belo sorriso da Luna, percebia que valia a pena. E ainda havia momentos que sentia até algo mais.
Porém isso era um gigantesco problema, a Lupus apenas aceitava dor naquele lugar, não podíamos ter esperança, então apenas conversávamos no quarto, onde ninguém vigiava. O único local onde me sentia segura, o único momento onde eu podia sentir que estava viva e o primeiro local onde eu senti o calor de um abraço.
Dias depois as torturas ficaram mais severas, isso diminuiu nosso número para 8. Já fazia algum tempo desde o dia que a Luna prometeu que iríamos fugir e assim foi feito.
Ela estudou o movimento, horários e posições de todos os guardas. Isso era fácil para ela, pois recebeu um treinamento especial de seus pais antes de ser sequestrada para este local. "Fantasma" era assim que ela se chamava. E sempre reforçava que orgulharia sua família após fugir desta organização. Bastava esperar pelo momento certo.
E quando completou 4 anos desde o dia que fomos sequestradas, eles anunciaram que trariam algo que finalizaria as torturas, mas também avisaram que poucos sobreviveriam. Isso incentivou ainda mais a nossa fuga.
A Lupus já tinha mudado de base diversas vezes desde que eles foram descobertos pelo Serviço de Segurança Mundial. Eles eram conhecidos como SSM. Seu dever era localizar e destruir organizações como a Lupus, impedir destruições ou qualquer coisa que ameaçasse a sobrevivência humana. Isso a forçou a mudar de bases tantas vezes que eles nunca pegariam a Lupus. Além disso, Clara criou o Azcore, um programa tão poderoso que nem mesmo Bridget, uma máquina poderosíssima de computação do SSM, conseguia enfrentar. Mas mesmo assim não foi possível evitar o último ataque, onde todos homens da Lupus foram enviados e poucos retornaram. As defesas da Lupus nunca estiveram tão fracas, e claro, aproveitamos-nos disso. Foi durante a noite. As mãos ainda queimadas de Luna me acordaram.
Estava com um pouco de sono ainda e, mal entendia por que a Luna tinha me acordado tão tarde.
— O que foi? — Sussurrei para não acordar os outros.
— É hoje que vamos fugir! Vou tirar você deste lugar asqueroso!
— Ah que bom, então vamos.
Rapidamente me levantei e preparei a cama para parecer que alguém ainda estava dormindo.
— Qual é o plano?
— Tem um guarda que sempre vigia a porta de entrada do quarto, ele nunca vigia quem sai dele, apenas quem entra.
— Vamos derrubar ele?
— Sim. Porém temos que tomar cuidado, somos apenas crianças, ele é muito mais forte.
— E os outros?
— Eu te informo no meio do caminho.
Confirmei com a cabeça e demos os passos mais silenciosos que conseguíamos e olhamos pela porta. Um homem parado na frente dela. Em suas mãos uma metralhadora.
— Ele não vai atirar, precisam de nós — Luna disse — mas não baixe a guarda.
Ao chegar perto, Luna jogou-se na perna do homem, fazendo-o cair de joelhos no chão. Em seguida segurei no pescoço dele e tentei fazer um mata leão, mas era apenas uma criança fraca e acabei não conseguindo segurar. O guarda apenas colocou seu braço direito para trás, segurou a gola da minha camisa e me arremessou para frente, na direção da parede. Em seguida tentou se levantar, mas a Luna mordeu o braço dele antes que o mesmo conseguisse fazer algo. Ele logo tentou tirá-la a todo custo, mas ela estava mordendo tão forte que não foi possível.
Aproveitei o tempo que ele perdeu prestando atenção nela e corri para pegar a sua arma, mas o homem avançou para cima de mim e, no desespero, a arma disparou, acertando bem no peito.
Cuspindo um pouco de sangue, ele caiu e agonizou enquanto tentava lutar por sua vida, mas ela logo teve um fim.
Vendo o homem parado, com o peito sangrando, o meu coração acelerou. As mãos tremeram incessantemente e um suor frio não parava de descer. Eu tinha tirado uma vida, havia me tornado uma assassina.
— Ei, Lara respira. Você não pode se descontrolar... escuta minha voz... escuta minha voz — Luna colocou as mãos sobre a minha bochecha e forçou-me a olhar em seus olhos calmos e acolhedores — Você só tentou se defender. Repita comigo, "eu só tentei me defender". Vamos.
— Eu só tentei me defender — Respondi com dificuldade depois de alguns segundos.
Algumas lágrimas rolaram enquanto repetia a frase, mas não podíamos perder tempo, o disparo ecoou e as câmeras podiam nos ver. Era uma corrida contra o tempo.
Luna logo pegou uma pistola, que estava em um coldre do homem morto. Então nós seguimos pelos corredores e minutos depois a garota me empurrou contra a parede, em uma parte mais escondida. Eu olhei assustada e confusa nos olhos dela, mas novamente ela sorriu para mim. Segundos depois um homem cheio de tatuagens de bombas seguiu acompanhado de Santiago.
— Que merda... — Santiago reclamou ao ver o corpo.
— Parece que está cultivando pequenos demônios, Santiago. Nem mesmo eu seria indelicado de fazer uma sujeira dessas...
— Deve ser a 16, ela é filha de fantasmas.
O homem com tatuagens deixou escapar um barulho curioso no fundo da garganta.
— Fantasma? Oh, Santiago, você tem um grande problema nas mãos.
Então os dois rapidamente entraram no quarto dos Experimentos.
— Vamos, rápido! — Luna me puxou.
Evitamos ao máximo encontrar com inimigos pelo caminho, seguindo pelo máximo de pontos cegos decorados por Luna, até que finalmente chegamos na sala principal, aquela que tinha a escada de entrada para Lupus. Estávamos cara a cara com a saída deste local. Para não sermos vistas, nós nos agachamos no canto da porta, em um local que não era visível para quem estava dentro da sala. A área era repleta dos poucos guardas que restaram. Passar por aqui seria quase impossível, mas nós mantemos a esperança de fugir.
Luna se preparou para entrar na sala, engatilhando a pistola que pegou, mas eu segurei o braço dela antes que conseguisse levantar.
— Preocupada? — perguntou.
— É que... Eu queria falar algo.
Luna sorriu para mim e eu fiquei mais tranquila.
— Pode falar.
Confirmei com a minha cabeça e respirei fundo:
— Caso algo dê errado, eu quero que você saiba que eu te... — De repente eu senti um arrepio na minha coluna: nós escutamos a voz desagradável do Santiago
— Achei vocês, 11 e 16.
Luna rapidamente movimentou a arma na direção dele e começou a atirar, mas Santiago reagiu rápido ao chutar e os tiros acertaram o teto e a arma voou para longe.
— As duas pensaram que eram capazes de fugir? Que pena. Entendo o lado de vocês, mas não posso permitir uma fuga. É até admirável que conseguiram chegar até aqui, mas tudo tem um fim.
Ele se abaixou, apertou nossos braços com força e nos arrastou pelo corredor. Tentamos nos soltar socando o seu punho e para que não criássemos resistência, ele injetou um sedativo em nós duas e nos levou até uma grande sala. Todo o seu chão era composto por areia, algumas partes estavam cobertas por uma cor vermelha. No seu centro se encontrava uma grande pilastra de madeira, e as paredes tinham luzes que iluminam todo local.
Ainda desacordadas, Santiago nos arrastou até a pilastra. Com a ajuda de uma corda, ele nos amarrou na mesma e eu fiquei do lado oposto a Luna, estando cara a cara com ela.
Recobramos a consciência quando Santiago jogou um balde de água fria nas nossas cabeças. Percebemos que ele estava nos rodeando com um chicote na mão direita. Ele o esticava com força, usando as mãos.
— Por que vocês tentaram fugir?
— Porque nós nos cansamos deste lugar horrível! — Luna confrontou.
— Isso é um erro grave, 16... Sabe qual é a punição para isso?
— Não, não sei.
Santiago entregou um chicote para uma mulher com cabelo prateado que estava ao seu lado. Ela tinha a pele branca como a neve, olhos cor de gelo e estava sempre vestindo uma roupa negra de couro, além de luvas do mesmo material.
A mulher rodeou o local até que parou atrás de mim. Santiago levantou o braço e bateu com a ponta do chicote nas costas da Luna, fazendo um grande machucado. A mulher atrás de mim fez a mesma coisa. O chicote bateu nas minhas costas e senti uma dor imensa que me fez gritar. O agoniante barulho do chicote cortando o ar alertava a próxima pancada.
Comecei a chorar de dor, quando, de repente, a Luna encostou a mão no meu braço. Ela não tinha demonstrado nenhuma feição de dor, não tinha gritado, nem mesmo reclamado, pelo contrário, ela apenas sorriu para mim, como se estivesse falando: "vai ficar tudo bem." Isso me acalmou e eu resisti as próximas pancadas.
Alguns dias depois eu já tinha 12 anos e a Luna estava prestes a fazer 13, se não fosse o Santiago. Desde que fomos descobertas eu não via a Luna, fomos separadas. E naquele dia eles fizeram um último teste, onde eu passei como "Compatível."
E a Luna não tinha conseguido, estando abaixo de "Adequado". O corpo dela não foi capaz de ficar forte o suficiente. Foi quando a Lupus deu a última cartada.
Colocaram eu e Luna na mesma sala, mas injetaram-me AMSC.
Eu me descontrolei e mal me lembro do que aconteceu dentro da sala. Apenas me recordo de matá-la com uma estaca e nunca ter tido a chance de me despedir ou me desculpar.
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