Capítulo 4 - A PROPOSTA
Luiz era um homem de cabelos grisalhos, por volta de cinquenta e poucos anos, sendo conservado para a idade que tinha. Trajava um paletó cinza de tweed, apesar do iminente calor que se estenderia pela tarde, e calças jeans claras, lhe conferindo jovialidade.
Os olhos brilharam em confusão ao ouvir a resposta categórica de Daniel.
E minha noiva
— Noivos? — Orleans estava realmente surpreso. — Que impressionante — buscou por Sophia que ainda se negava a encará-lo. — Tome cuidado, jovem Müller, Sophia tem o dom de abandonar o noivo no altar — Advertiu em tom irônico e mirou Daniel com um breve sorriso.
E dessa vez foi Müller quem a olhara como se ela fosse de outro mundo. Pegou-se imaginando-a fugindo de uma igreja, dizendo "não" para o noivo. Foi trazido de volta com Luiz alegando que o abandono no casamento tinha sido noticiado.
— Estava fora do país na época — justificou-se. — E quem foi que Sophia deixou no altar?
— Meu filho.
Então um clima pesado entre eles surgiu. Sophia recusava-se a olhar para qualquer um deles, Luiz fixava o olhar nela e Daniel não sabia como agir diante da situação. Compreendeu um dos motivos por qual ela pedira para que fingissem serem noivos, mas ainda haviam perguntas que precisavam ser respondidas.
Daniel resolveu quebrar a tensão entre eles, tocando levemente a mão de Sophia.
— Eu não sabia disso, mas não acredito que ela fará isso comigo. E encerremos esse assunto aqui, viemos para tratar de negócios. — Proferiu com determinação.
Sophia agradeceu mentalmente por Daniel se esquivar do assunto, a deixando mais aliviada. Mesmo incomodada com a presença de Luiz ali, se concentrou no trabalho e anotava tudo o que podia durante a reunião deles. Para auxiliá-la, trouxe um gravador que deixou sobre a mesa, para o caso de deixar passar alguma coisa.
O almoço não demorou a terminar, e os negócios foram fechados. Daniel assinara o contrato; as obras na filial seriam iniciadas na semana próxima.
Daniel e Sophia entraram na limusine, emudecidos. Ele a olhou e a viu colocando uma mecha do cabelo louro atrás da orelha enquanto ligava o tablet para fazer algo que não sabia o que era – e talvez nem se importasse. Passou os olhos por ela, a observando. Era a primeira vez em que reparava em Sophia como uma mulher, não somente como sua secretária.
A Hornet vestia uma saia preta na altura dos joelhos, um salto scarpin, os cabelos soltos se ondulavam levemente, uma camiseta social branca um pouco apertada delineava seus seios médios e firmes, alguns botões estavam abertos e desenhavam discretamente seu decote.
Olhou para frente, tentando não ser provocado por sua beleza. Sophia era inegavelmente bonita e atraente, e Daniel nunca a olhara com malícia. O CEO sabia separar sua vida pessoal da profissional e – às vezes – mantinha um código de ética ditado por ele mesmo: não se envolver com suas funcionárias ou outras mulheres que, de alguma maneira, tinham ligação com a Swiss Chocolate.
Fizeram todo percurso até o prédio da empresa em silêncio. Ela manuseando seu tablet, verificando a agenda de Müller outra vez, ainda que não fosse necessário, quem sabe um modo de ter o que fazer e não precisar explicar nada a Daniel durante o trajeto de volta. Ele ao celular, fazendo algumas ligações, tentando esquivar da mente as informações que chegaram ao seu cérebro há pouco.
Tome cuidado, jovem Müller, Sophia tem o dom de abandonar o noivo no altar.
Quando chegaram, o motorista abriu a porta para os dois, e eles subiram até a Presidência, insistindo em se manterem quietos.
— Senhorita Hornet, me acompanhe, por favor — disse Daniel, ao saírem do elevador, antes que Sophia pudesse seguir para sua sala.
Ela emitiu um: "Sim, senhor Müller", guardou suas coisas e seguiu até a sala do Presidente, divisando Daniel sentado atrás da sua mesa de vidro, girando de um lado a outro na cadeira. Sua fisionomia era séria, e as mãos unidas diante os lábios completava seu semblante austero.
Daniel a convidou para se sentar. Ela o fez.
— Estou esperando, senhorita Hornet, e se ainda quer esse cargo, sua justificativa deve ser bem, mas bem, convincente.
♦♦♦
Sophia respirou fundo. Ela precisava do emprego. Precisava do dinheiro que vinha daquele cargo caso quisesse continuar levando uma vida sem estar fugindo e passando por apertos. Então, iria contar tudo a Daniel, e rezava para que ele fosse compreensível.
Sophia Hornet lhe relatou tudo. Contou sobre a falência da família, sobre o pai vir perdendo gradualmente dinheiro da empresa em jogos e apostas em partidas de jóquei. Apostas altas. Os gastos com roupas, festas e viagens desenfreadas da mãe e da irmã nos últimos anos também contribuiu que, aos poucos, a família ficasse praticamente sem dinheiro. Mas o ápice foi quando Sebastian, tentando recuperar o que havia perdido, fez uma aposta em um cavalo numa dessas partidas de jóquei. Ele cria piamente que sua sorte mudaria, que ganharia a aposta e se recuperaria financeiramente. Mas não foi o que aconteceu. Sebastian perdeu. E para pagar a dívida da aposta vendeu suas ações da ConstruHornet a preços irrisórios. De setenta por cento, agora a família possuía apenas cinco por cento das ações, e o lucro gerado por essa mínima fração eles usavam para pagar as dívidas e sobreviver.
O pior de tudo, completou, era que a ConstruHornet, mesmo sob nova direção, não lucrava mais como antes. Sebastian conseguiu afundar a empresa enquanto era Presidente. A Construtora perdeu credibilidade com os bancos, devia muito e tinha obras atrasadas. Havia ações na justiça de antigos funcionários por não pagamentos e outros direitos trabalhistas, gerando ainda mais gastos. A empresa vinha afundando aos poucos, e os 5% que a família Hornet ainda possuía já não era o suficiente para que se mantivessem.
— Então, o senhor Guimarães, no intuito de transformar as duas empresas em uma só, propôs ao meu pai que Miguel e eu nos casássemos. Luiz compraria as ações que pertenceram ao meu pai, devolveria a ele, reergueria a construtora usando a influência do seu nome, uniriam as duas empresas em uma só e os dois se tornariam sócios, Orleans, claro, seria o sócio majoritário, dando ao meu pai apenas trinta por cento das ações. Para meu pai, era uma proposta irrecusável, já que a união das duas construtoras as tornaria a maior do país no seguimento. — Sophia contava. — Com o casamento, a empresa continuaria no nome das duas famílias quando eu e Miguel tomássemos a frente dos negócios. Mas era um casamento forçado, por acordo, por contrato. Eu não amava Miguel, até tentei ter algum afeto por ele, mas tudo o que consegui foi só um carinho de amizade. Eu não via a ele mais do que isso: um amigo. Eu sei que deveria ter posto fim a esse noivado muito antes, mas eu tinha esperança que Miguel percebesse as coisas e ele mesmo terminasse comigo. Mas não foi assim que aconteceu. No dia da cerimônia, eu decidi pôr fim a farsa daquela união e o abandonei. Me arrependo, por um lado, de ter feito isso frente de todas as pessoas presentes; por outro lado, não me arrependo por um segundo de ter desmanchado meu noivado, foi um alívio que eu senti quando o abandonei — finalizou com um suspiro.
Daniel tinha as mãos unidas e a encarava. Talvez compadecido com a história de Sophia ou surpreso pela ConstruHornet estar em decadência. Por um segundo, ele ficou quieto, pensativo, e Sophia quis muito saber no que pensava. Ela imaginou que seu chefe estaria cogitando acreditar nela ou não, afinal, quase ninguém sabia da falência da construtora de seu pai. Não ainda.
— Por que me pediu para que fingisse ser seu noivo? — Questionou, a tirando de seus devaneios.
— Eu considerei que talvez meu pai não viesse atrás de mim. Ele e Luiz são amigos e tinham um contrato. A essas alturas meu pai já deve saber que sou secretária executiva da Swiss Chocolate e noiva do presidente do grupo. Tudo o que eu queria era que eles parassem de vir atrás de mim insistindo no meu casamento com Miguel. — Suspirou, sentindo-se exaurida daquela vida.
— Não acha que seu pai irá querer conhecer o seu "noivo"? — Fez aspas com os dedos. — E fará o que quando isso acontecer? Me chamar novamente? Sem contar que se Luiz espalhar isso de sermos noivos, em dois tempos a imprensa estará nos atacando. Percebe a empreitada em que me colocou, senhorita Hornet?
Sophia exasperou um suspiro trêmulo.
— Não precisa se prender a essa mentira. Se alguém vier perguntar pode dizer a verdade, ou explicar que terminamos, não sei... Não precisa levar isso adiante.
— Não acho que seja necessário desmentir nada. — Declarou, e recostou-se a sua poltrona, a expressão facial se suavizando. — Até porque eu quero me casar com você, Sophia.
Sophia Hornet arregalou os olhos, surpresa com a declaração súbita de seu chefe.
A loura encarou Daniel com a mesma surpresa que ele a encarou quando, horas atrás, sugeriu que se passassem por noivos.
Daniel sorriu vendo a feição de surpresa de sua funcionária, e o que tinha em mente não era uma má ideia. Ele precisava de um casamento para conseguir ter acesso a sua herança; ela, de um pretexto para não se casar com Miguel de Orleans e reerguer a família. Sua ideia era perfeita.
O único risco que corria era receber um não, mas ponderou ser quase impossível. Sua proposta era irrecusável. Ambos se ajudariam, ambos seriam beneficiados, e ela poderia, por fim, parar de se esconder do pai e do ex-noivo.
— Calma, senhorita Hornet, eu posso explicar.
Explique-se, pensou, ainda atordoada com o pedido de casamento.
— Há mais ou menos dois anos meu pai faleceu. E com isso deixou tudo o que pertencia a ele para mim e para meu irmão Heitor. O caso é que há um testamento e uma das exigências para que eu possa ter acesso a minha parte da herança é que eu me case.
Sophia o olhava, prestando atenção em cada palavra que saia de sua boca. Ela acenou brevemente, como se começasse a entender a proposta de casamento repentina por parte de Daniel.
— Você disse que sua família e a empresa dos Hornet estão em decadência. Bom, se se casar comigo eu posso reerguer essa empresa, comprar e devolver a sua família as ações que foram suas. Setenta por cento. Muito mais que o velho Luiz estava lhe oferecendo. Ao mesmo tempo que se livrará de uma vez por todas desse Miguel.
— Senhor Müller... — ela tentou interver, mas foi interrompida.
— Deixe-me terminar de fazer toda a proposta — pediu, meio rígido, acenando com a mão. — Bom, o nosso casamento será apenas de fachada. Para todas as pessoas de fora seremos um casal perfeitamente comum, mas somente nós dois saberemos de nosso comum acordo: não consumaremos o casamento. Sequer vamos nos tocar. Não precisaremos cumprir com nossos papéis conjugais. Nenhum deles. Assim que eu tiver a herança em mãos e você ter tirado sua família da falência, eu dou o divórcio e cada um segue a sua vida, como se nada tivesse acontecido.
Sophia estava inexpressiva. Apesar de achar a proposta de Daniel tentadora, continuava a ser um casamento.
— E por que as pessoas devem achar que esse matrimônio é real? — Quis saber
— Primeiro, que as exigências são claras. Se por acaso for confirmado um casamento de conveniência, perco minha herança da mesma maneira. Segundo, para não manchar o nome da família Müller. Eu zelo muito pelo meu sobrenome, senhorita Hornet, saiba disso. Não quero nenhum tipo de manchete estampando que me casei apenas por dinheiro. É uma questão de honrar meu sobrenome. E é claro que eu também me preocupo em preservar o seu nome e o da sua família. A última coisa que queremos é que todos saibam da falência de seu pai, não é? — Sophia apenas pôde concordar com um abano breve de cabeça. Então Daniel continuou: — Sem contar que se esse tal de Miguel souber que nosso casamento é uma farsa, ele ainda insistirá com você, estou certo?
Sophia murmurou um sim, odiando ter que concordar com aquele fato. Por alguns instantes ficou pensativa. Mesmo que a proposta fosse assustadoramente tentadora, ainda era preciso pensar. Pensar bem antes de tomar qualquer decisão.
— Senhor Müller, eu não sei... Tenho que pensar.
— Obviamente... — girou sua cadeira de um lado a outro, vagarosamente. — Só preciso que me dê uma resposta definitiva neste sábado. Tudo bem?
— Claro. Sábado terá uma resposta, senhor Müller.
Sophia se levantou e saiu da sala da Presidência ainda zonza com tal proposta.
Uma proposta muito atraente.
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