Prólogo
Naomi
— Doze anos se passaram, Daniel! – disse irritada, olhando pela janela do escritório, sem coragem de o encarar — Isso é muito tempo, principalmente quando sabemos que você sequer se importou em me mandar notícias – tentava alimentar a força dentro de mim, tirando energia sem nem saber de onde. Sabia somente que este era o momento para não desabar, não podia me entregar assim, havia muito em jogo.
Além disso, o que ele sabia da minha vida? Aquela Naomi que espalmou a mão no vidro do carro pedindo para ele ficar não existia mais. Ela ficara no passado, caída ao chão entre lágrimas, enquanto eu renascera como uma mulher firme, determinada, obstinada.
— Você sabe que eu não podia ficar. Seria pior para nós dois! – ainda tentou se justificar, enquanto eu respirava fundo para engolir as lágrimas que ameaçavam a se formar, evitando deixá-lo perceber os meus olhos avermelhados — Sair de casa e achar um lugar para mim, na esperança de ter encontros clandestinos com você, mataria um de nós na primeira tentativa – elevou a voz mas logo tratou de ocultar a sua ira interior.
Estávamos os dois feridos, magoados e mesmo sabendo que eu não estava com a razão, a minha irritação ao encontrar, cara a cara, com aquela mulher, tinha me feito compreender que as fantasias que eu nutria, sobre um dia ele voltar a ser meu, eram somente devaneios da cabeça de uma garota apaixonada que jamais fora capaz de superar o sentimento que vivera por um rapaz.
Só que, hoje éramos um homem e uma mulher. Tudo havia mudado.
— Ela está de volta – soltei sem querer o encarar, trazendo o tom da frieza para a minha voz, incapaz de admitir o quanto aquilo me feria — não há mais nada que o prenda aqui. Obrigada por ter voltado a pedido de papai – completei ao cruzar o escritório em direção à porta, sob o olhar misterioso de Daniel, que estava sentado no sofá de visitas.
— É isso mesmo o que você pensa, Naomi? Que eu voltei somente para a redenção de seu pai?
— Ela cruzou alguns continentes atrás de você, para chegar aqui, não cruzou? – alcancei a maçaneta mas não abri a porta, não antes de dizer o que estava entalado na minha garganta — Trinta horas de viagem da Ásia para a América do Sul, não é para qualquer um, no entanto, ela está aqui.
— Exatamente, não é para qualquer um – senti que ele levantou-se do sofá e mesmo sem olhar em sua direção, o poder que ele tinha sobre os meus sentimentos era tão forte que eu sabia que se aproximava, por isso apressei-me em tentar deixar o escritório — e eu também atravessei os mesmos continentes, assim que você me pediu. E eu já disse, ela não é a minha namorada, ao menos, não mais – espalmou a mão na madeira da porta voltando a fechá-la, impedindo que eu fugisse daquela situação.
— Deixe-me ir... – pedi tentando demonstrar toda a frieza inexistente dentro de mim.
— Você realmente acha que eu voltei somente por causa de seu pai, Na? – repetiu a pergunta aos sussurros, enquanto senti os dedos de sua mão direita acariciando o contorno de minha face, até que chegaram em meu queixo e o forçou para cima, fazendo com que fosse inevitável deixar de o encarar.
Daniel já era um homem maduro, seus traços mostravam que os anos tinham sido generosos com ele. Os cabelos escuros levemente ondulados caíam-lhe muito bem com a pele caucasiana. Mantinha aquele típico brilho nos olhos.
Mesmo com os altíssimos saltos, eu tinha a impressão de que não fora somente o seu corpo que desenvolvera ainda mais, ganhando mais musculatura, pois ele parecia muito mais alto e a camiseta regata de algodão deixava à mostra a belíssima arte das tatuagens que lhe cobriam os braços.
Sentia o seu cheiro exótico ditado pela fragrância oriental, que soava uma combinação de notas quentes com notas frescas, estimulando-me por dentro, fazendo correr o frio intenso por meu corpo sedento pelo prazer, aquela típica sensação que há tanto eu não sentia.
Entretanto, hoje, éramos dois desconhecidos, pois nossas vidas caminharam por estradas tão distintas. E eu acabara de me tornar a nee-san, isto é, a mulher a liderar o clã de meu pai. Daniel não podia estar aqui, ele não tinha mais o direito de estar entre nós.
— É melhor você me deixar sair – pedi, incapaz de negar o quanto aquele homem surtia efeito sobre as minhas fantasias e desejos.
Meu coração gritava por dentro, seu toque fazia meu corpo tremer, o sangue fervia-me correndo pelas veias. Quanto tempo mais eu suportaria esconder o que sentia? Estava tudo errado entre nós. Eu tinha uma missão, um dever com o que eu acreditava ser correto e mal havia começado a colocá-la em prática. Daniel representava muita distração e estar assim tão perto dele era de extremo perigo, não só para a minha fraqueza sentimental, mas para ele.
Não podia o arrastar comigo, para aquilo que poderia ser a ruína de todos nós. A máfia era perigosa demais e ele, um gaijin que nada tinha a ver com isso. Peitar o clã não passava de um dever meu.
— Você acha que eu não percebi? – perguntou muito mais em tom de afirmação, quando tocou a minha mão esquerda e acariciou o meu dedo anelar, agora sem o anel de compromisso, tendo a sua boca tão próxima à minha que quase pude sentir o sabor de seus lábios.
Daniel poderia ser a minha salvação ou a minharuína, mas neste momento, era somente o homem que abalava a minha convicção.
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* Nee-san – tradução literal "irmã mais velha" são as mulheres da Yakuza
* Gaijin – estrangeiros. Forma como os japoneses chamavam os europeus e adotada para denominar os brasileiros pelos primeiros imigrantes do Japão).
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