02. Inacreditável
— Vamos lá, filha. Por favor, isso vai salvar a sua mãe. — Meu pai diz aquilo na maior calmaria, como se praticamente vender a filha fosse a coisa mais normal do mundo.
Eu apoio minhas mãos no rosto e estou quase debruçada por cima da mesa da sala de estar. Aquela mesa já havia passado por várias conversas de família. Meu pai volta depois de ter traído a minha mãe, bebido até não querer mais e casado com uma garotinha, uma vadia que é vinte anos mais nova do que ele. Mais pais se divorciaram e ele ficou oito anos sem se quer dar um simples oi. Jack, meu irmão mais velho, de vinte e oito anos, saiu de casa aos dezoito anos para ir morar com a noiva, Myllena, em Nova York. Lori é minha irmã mais nova, de vinte anos, não quer nada com a vida e sai para a balada todas as noites, dorme em casa uma ou duas vezes por semana, e olhe lá. Durante esses oito anos, em que tudo aconteceu, eu me transformei de uma garota de dezesseis anos — que podia estar saindo todas as noites, bebendo, me drogando ou me prostituindo — para uma mulher de vinte e quatro anos.
Batalhei muito para concluir a faculdade dos meus sonhos: Jornalismo. Trabalho arduamente como camareira do Green Hall Hotel, em Atlanta, onde moro atualmente. Trabalhei muito para pagar todos os meses a faculdade, e poder concluí-lá foi o maior sonho da minha vida. Pena que o dinheiro mal dava para a faculdade e é estritamente limitado para os gastos da casa. Não pude conseguir dinheiro à mais para o tratamento de câncer que minha mãe, Mary, precisa há três anos. Por sorte ela não tem tanto risco, mas a cirurgia é de extrema importância. Agora que eu terminei a faculdade eu tenho um dinheiro que posso guardar, mas vou levar a minha vida toda para juntar os cinquenta mil dólares que minha mãe precisa para a cirurgia.
Agora, oito anos depois que meu pai largou minha mãe — por bebida e mulher —, ele vem, chutado da casa que morava com a mulher depois do divórcio, e com o rabo entre as pernas, eu não sei o que sentir sobre isso. Além do mais, ele veio com uma proposta ridícula, eu não posso aceitar de jeito nenhum. Não tenho condições nenhuma de sair de onde estou e deixar minha mãe nessa situação para exercer a minha vocação. Meu pai chega dizendo que tem uma proposta boa, que eu serei feliz, mas ele não mencionou que isso moverá a minha vida para um outro extremo.
Enquanto eu e meu pai nos encaramos, eu também rondo o lugar com os olhos, tudo no mesmo lugar há anos, a sala e a cozinha no mesmo cômodo, um corredor com quatro portas, três para quartos e uma para o banheiro, na garagem um Mustangue e um jardim morto. A decoração da casa é a mesma desde o casamento dos meus pais, todos os móveis um pouco quebrados, mas sem jeito de troca. Minha mãe está no quarto dela, acabo de dar à ela um calmante, ela não sabe o que está acontecendo, está meio sedada.
— Olha, Clary, eu te dou dois dias para você pensar de livre e espontânea vontade, mas mais do que isso você será forçada à fazer isso, e eu não quero te forçar a nada, nunca quis. Saiba disso. Pense nisso.
Ele se levanta e beija minha testa. Sinto que lágrimas escorrem pelo meu pescoço. Amarro rapidamente meus cabelos castanhos em um coque bem apertado, fungo e limpo as lágrimas com a manga da blusa. Despeço-me dele e ele sai da casa.
Ele vai se arrepender de fazer isso comigo, ele não pode simplesmente chegar, depois de oito anos, e querer fazer o que ele bem entender com a minha vida. Em meio à tudo isso eu não posso decidir essa proposta só pensando em mim, e sim na minha mãe, como ele disse: toda essa proposta é por ela. Tudo. Eu não posso simplesmente negar a proposta e viver a minha vida, não posso fazer isso com ela. Não agora. Já que os outros filhos simplesmente deixaram ela de lado, o marido a traiu e se divorciou. Não consigo imaginar a minha vida sem estar ao lado dela, dessa mulher que me dá forças e inspiração.
Enquanto eu estou arrumando a cozinha ouço algo caindo na sala, penso que minha mãe pode ter se levantado e esbarrou em alguma coisa, devido ao fato de estar meio sedada pelos remédios.
— Mamãe! — grito, indo em direção à sala, quando chego. Já era de se esperar, como não pensei nisso. Lori está jogada no chão. — Ah, não, de novo não — murmuro, indo em direção à ela. Pego a mesma, bêbada e com cheiro de homem, não quero nem saber com quantos transou essa noite.
Eu sei, eu poderia muito bem ter pouco me importado com ela, ter deixado ela de lado e continuado cuidando da casa, mas eu prometi a mim mesma que eu nunca deixaria ninguém da minha família ficar mal, eu sempre cuidaria de todos, eu nasci para isso. Minha mãe sempre me dizia que eu era um anjo, eu gostei disso e acho que essa é a minha missão.
Começo o ritual — o que eu sempre faço quando ela chega bêbada em casa. Coloco uma água para fazer o chá e vou com ela para o banheiro. Lori está quase que inconsciente, tiro sua roupa, talvez esteja com tanto uso de entorpecentes que ela geme ainda, finalmente dou um banho quente nela e troco sua roupa, coloco ela na cama e vou ver a água, já quente, faço o chá e levo para ela. Normalmente não trocamos palavras.
— Clary? — É incrível o fato de ele se lembrar de alguma coisa, agora, à essa altura do campeonato.
— Sim. — Recostada na parede com os braços cruzados e cara triste, respondo.
— Por que faz isso? Quer dizer... por que se importa comigo? Sempre. — Me parece surpresa.
— Somos irmãs, Lori, somos irmãs. Tome o chá, depois venho buscar a xícara. — Dou de ombros e começo a fechar a porta.
— Você está bem, Clary?
— Sim. Quer dizer, dá pro gasto. — Brinco e ela dá uma risada.
— Não estou em minhas melhores condições, mas se quiser... estou aqui caso queira se abrir com alguém.
— Relaxa, Lori. Eu estou bem, não se preocupe. Só se preocupe com a sua vida, com certeza é melhor do que a minha. — Fecho definitivamente a porta.
Preciso de um tempo para raciocinar tudo o que meu pai me contou, quer dizer... ele me disse e contou tanta coisa que eu não sei nem por onde começar. Eu só espero ter uma resposta exata em dois dias. Não posso decidir por mim, e sim pela minha mãe. Minha mãe.
Estar ali sentada no meio fio da minha rua às cinco e vinte da tarde não era o meu plano para o meu domingo. Normalmente eu fico com a minha mãe — já que eu sempre tenho algo para fazer por ela, dando remédios ou fazendo qualquer coisa que ela precisa —, preocupada cuidando da casa ou procurando algum emprego. Terminei a faculdade final do ano passado e ainda não consegui emprego. Mais porque eu não consigo achar nenhuma enfermeira para ficar com a minha mãe, já que eu não confio ela à Lori. Tudo o que eu mais quero é achar alguém que cuide de verdade da minha mãe enquanto eu trabalho, mas infelizmente ninguém quer um serviço tão difícil. Afinal, não é qualquer um que aceita o desafio de cuidar de uma pessoa com câncer que fica na cama o dia inteiro, basicamente em coma.
Como eu disse, meu plano não era ficar aqui na calçada em pleno domingo, mas como nada que eu planejo nessa vida da certo, sempre acontece alguma coisa, eu tenho que espairecer e com a Lori dormindo e a mamãe também. Eu posso pensar um pouco.
— E aí, Clary, o que foi? — Violet pergunta, sentando-se ao meu lado.
Violet Lins é uma velha amiga minha, nós nos conhecemos aos oito anos. Desde então frequentamos a mesma escola e depois a mesma faculdade, mas ela cursou Arquitetura e Urbanismo. Ela é linda, tem olhos castanho claros e os cabelos um pouco abaixo dos ombros, ondulados, uma pele bronzeada e tem cara de modelo. Ela mora com a irmã, Vanessa, que cursa Medicina e é dois anos mais nova que Violet. Eu sempre contei tudo para ela. Nós sempre fomos próximas. Passamos poucas e boas juntas.
— O que aconteceu, amiga? — Violet tem o dom de fazer eu me desmanchar no colo dela. Eu apenas apoio meu rosto no ombro dela e a mesma segura a minha mão. — Você sabe que pode contar comigo para tudo, não sabe? Inclusive me contar tudo. O que está acontecendo, Clary?
Eu não sei se é certo dizer algo que eu não tenho certeza, mas talvez uma opinião à mais me ajude à tomar essa decisão. Algumas pessoas nascem com a capacidade de te tranquilizar nas piores horas, nascem com o dom de saber o que dizer em todas as situações. Sortudos são os que tem essas pessoas como âncora em sua vida. Sortudos são os que foram agraciados com esse presente da vida. Nem todas as pessoas do mundo, quer dizer, é mínimo o número de pessoas no mundo que recebem essa dádiva.
— O que você faria se recebesse uma proposta, na qual o sim vai te machucar, mas vai salvar quem você ama, e o não vai te custar a vida de quem você ama? O que você faria? Me diz, Violet, você se sacrificaria para salvar a pessoa mais importante da sua vida? Até que ponto você iria por alguém que ama? Violet, eu estou confusa.
Ela me aperta mais ainda em um abraço aconchegante, como se, por um momento, tudo o que eu pudesse pensar era em algo fútil ou fora da minha realidade. Como se nada mais no mundo importasse além de estar com alguém que eu gosto. Mas, de qualquer forma, eu não consigo sair de onde estou, não mesmo.
— Clary, eu sei que você está precisando tomar uma decisão difícil. Primeiro, vou responder às suas perguntas, eu me sacrificaria por qualquer um que eu amo, por você, pela Nessa, pelos meus pais, por qualquer um. Eu iria à qualquer lugar por eles, enfrentaria até a morte. — Mesmo dramática ela dava o seu recado. — Olha, Clary, eu te amo. Eu sei como você é. Eu sei quem você é e do que é capaz. Tenho certeza que você vai tomar o caminho certo nessa decisão. Eu sei que não quer contar e eu não vou me meter, mas eu confio em você, eu vou te apoiar no que precisar, pode contar comigo, okay?
Apenas concordo com a cabeça e a abraço de novo. Ficamos abraçadas até eu me sentir segura, na verdade, até eu escutar um barulho em casa. Mais uma vez minha mãe ou Lori haviam acordado.
— Tem mais uma coisa, Vi. — Eu também precisava falar de um dos motivos por eu estar assim. Ela assentiu e então eu falei rápido para entrar em casa e ver o que aconteceu. — Meu pai voltou.
— Como assim, Clary? Ele não tinha mudado de cidade oito anos atrás. — Sua expressão é de surpresa, tanto quanto eu.
— Pois é. Desculpa, Vi, eu escutei uma coisa lá em casa, pode ser a minha mãe, depois conversarmos melhor sobre isso. — Levanto-me do meio fio e ela pede para que vá comigo, mas eu digo que não precisa, então ela vai para casa.
Entro em casa em desespero, passo pelo quarto de Lori e ela está deitada como um bebê em sua cama — nem parece que há seis horas estava se enchendo de bebida e se esfregando em homens sujos de álcool. Então vou para o quarto da minha mãe, ela havia caído no chão por cima do soro.
Quando minha mãe começou a ficar doente eu fiz um curso de enfermagem, eram só dois anos, conciliei os dois últimos anos de Jornalismo com o outro curso, então eu posso colocar soro, remédio e tudo mais — desde que eu vá ao médico com ela uma vez por mês. Desde então eu aplico o soro e remédio na veia, já que muitos deles são extremamente desagradáveis de serem tomados via oral.
Recolho o soro, que infelizmente havia saído e espirrado um pouco de sangue no chão e nas roupas, coloco ela de volta na cama e tiro o soro de vez, pego a caixa onde guardo os curativos e remédios. Limpo bem a área onde está o soro e faço o curativo.
— Obrigada, Clary — praqueja, exausta. — Você é a única que realmente me dá atenção desde que essa... essa maldição caiu sobre mim... — Suas palavras saem aos poucos em meio a suspiros fadigados. Peço que ela fique deitada que eu já lhe traria o jantar.
Arrumo o quarto e limpo o sangue do chão e então vou para a cozinha fazer o jantar. Enquanto isso ligo a pequena televisão e fico assistindo um Talk Show que está passando.
— Eu não posso me casar com um estranho assim do nada por cinquenta mil dólares. Tudo bem, isso vai dar para pagar o tratamento, as cirurgias, as quimioterapias e um logo período de cuidados. Ah, mãe, eu vou fazer isso, pela senhora, eu juro, o dinheiro vai ser destinado somente para ti, mãe, eu não vou usar um centavo do que esse homem me der para o meu bem, é somente para você, mãe.
— Clary, como assim?
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