20. Quando Você Me Deixou Ir
Max ainda estava se ajustando a luz daquele lugar. Ele constantemente piscava os olhos para protegê-los da brancura infinita daquele ambiente desconhecido.
-Estamos chegando?-ele perguntou a mulher de branco que o guiava.
Ela assentiu.
-Alguns passos e estaremos lá,-ela respondeu friamente.
Max caminhou por mais dois minutos até colidir com algo duro diante dele.
-Au!-ele massageou a cabeça e viu que diante dele um porta de madeira se projetou.-O que é isso?
-Chegamos ao tribunal. Espere aqui, vou anunciar sua chegada.
A mulher entrou e fechou a porta. Max encostou o ouvido na porta, sem medo de bisbilhotar, mas não ouviu nem um ruído se quer vindo de dentro. A mulher demorou mais de cinco minutos ali dentro. No sexto minuto, Max não se aguentou e abriu a porta.
-Ei, você não pode entrar sem anúncio,-a mulher tentou empurrá-lo para fora do tribunal, mas era tarde.
Max localizou a alguns metros a frente, Dorothy diante de três criaturas bizarras que vestiam roupas de cores exageradas. Ele viu o quão nervosa ela estava, e isso o preocupou, mas decidiu que aquele momento não era ideal para interrompê-la.
Então ele ficou ali, escutando a conversa.
-E o que planejava fazer depois que se afastasse de seu marido?-a mulher de vermelho perguntou a Dory.
Max franziu o cenho. Marido? Dory era casada? A informação o espantou e não foi pouco. Ele refletiu se aquele garoto que espancou no Smalls era, na verdade, o marido de Dory e se sentiu mal por tê-lo agredido.
Se sentiu um trouxa.
A conversa continuou.
-Eu voltaria para a casa e continuaria meu curso de aviação. Me tornaria piloto,-ele viu Dory responder.
Por algum motivo, aquela resposta trouxe um pouco de alegria ao seu coração.
-Egoísta!-a mulher de vermelho cuspiu e Max sentiu um pouco de raiva dela.
-Espera, ela o ama, Lizt, claro que não é egoísta,-a de azul defendeu.
Essa conversa estava matando Max. Quem era o homem que Dory amava? De quem estava falando? E por que raios Dory estava sendo interrogada por três criaturas carnavalescas?
-Deixe Kinn decidir!-a de vermelho retrucou.
O homem de amarelo pensou um pouco, e Max viu nele uma áurea de poder que era impossível de ignorar. Apesar das roupas engraçadas, aquelas pessoas tinham uma postura respeitável.
-Bom, é inegável que independe dos motivos, Dory é uma criminosa,-ele disse, causando em Max uma enorme confusão mental.-E por mais que as suas razões fossem ligadas ao amor pelo seu antigo marido, o amaldiçoado Maximillian, Dorothy Corderwin continua sendo autora de crimes imperdoáveis e por isso eu exijo sua execução.
Boom! Boom! Boom!
Max sentiu que levar três tiros no peito doeria bem menos do que escutar aquilo. Marido de Dory? Amaldiçoado? Para finalizar, se sentiu viúvo com a notícia da execução de Dorothy.
Ele precisou se apoiar em algo e procurou com as mãos algum lugar para se encostar. Seus dedos encontraram a maçaneta gelada da porta, e ele acidentalmente a fechou. Todas as cabeças se viraram em sua direção mas ele pouco se importou. Seus olhos estava em Dory, sua esposa.
Sua condição de rejuvenescimento provocava nele uma tristeza profunda, mas agora aquilo piorou. Além de não se lembrar de sua vida passada, não lembrava que tinha uma esposa. O que viria depois? Filhos? Netos?
-Max...-Dory o chamou. Ele encontrou seu olhar desesperado.-Eu posso explicar...
-Você deve, mas agora eu preciso ir lá chorar e lamentar minha vida e todas as coisas horríveis que fui submetido.-Ele apontou para fora e olhou para mulher que o acompanhou.-Preciso sair.
A mulher olhou para os líderes e apenas Metist respondeu.
-Deixe o rapaz.-Ela disse, e a mulher assentiu, abrindo a porta para Max.
Ele saiu, e a mulher o guiou até uma sala vazia onde o deixou sozinho. Max se sentou no chão e começou a chorar.
Nunca em sua vida sentiu tanta dor. Apesar de tudo que passou, ele sempre procurou ser positivo e otimista. Seu futuro parecia limitado pela sua condição, mas em muitos momentos se perguntou se não poderia, quem sabe um dia, se casar e ter filhos.
Saber que tinha uma esposa lhe trazia um conforto, porque agora não precisava se perguntar se um dia casaria. Mas Dory? Ele não sabia se tinha sorte ou azar.
Nunca teria uma vida pacífica, por mais que gostasse dela. Os dois pertenciam a mundos diferentes. Isso o fez se questionar o porquê haviam decidido se casar em qualquer que seja a realidade de onde Dory veio.
As lágrimas foram se acumulando em poça no chão e ele se deitou com as mãos servindo de travesseiro.
Quando o momento de calma veio, ele pensou em como aquilo fazia sentido. Sua estranha ligação com Dorothy, o tal do karma, e o fato de terem pulado no tempo na Suíça, em St. Moritz, juntos. Isso significava que eles haviam viajado juntos.
O que lhe causava dor era saber que ele não se lembrava de nada. Tudo que viveu junto com Dory pertencia a ela. As memórias eram só dela. Ele sentiu raiva pelo seu egoísmo, ainda mais sabendo que ela planejava abandoná-lo para continuar seu sonho em Londres.
Uma hora havia se passado e a porta da pequena sala foi aberta. Max, deitado, viu as botas de Dory mas não podia se importar com isso.
-Max, eu sei que está bravo,-ela começou, colocando as mãos no bolso,-mas se não se importa, a última coisa que desejo é vê-lo assim na beira da minha morte.
-O que deseja? Uma memória fantástica para levar consigo?-ele questionou, sarcástico, ainda olhando para suas botas.
-É exatamente isso que eu quero.
Max respirou fundo, sentindo o ar gelado queimar seus pulmões.
-Você é muito egoísta mesmo. Aquela mulher vermelha tinha razão sobre isso.
Dory colocou as mãos no bolso e se ajoelhou ao lado de Max.
-Acredite, sou tudo, menos egoísta.
Max levantou os olhos e viu Dory com um rosto entristecido. Ele estava escutando cada palavra com atenção.
-Cuidei de você quando entrou para a adolescência. Deixei tudo de lado e nos mudamos para a Islândia porque lá eu não teria o risco de sermos reconhecidos. Me afastei de tudo, do meu pai e dos meus sonhos,-ela explicou e depois sorriu.-É eu não sou egoísta.
Max fechou os olhos.
-É muita informação de uma vez só. É muita coisa que preciso engolir.
-Eu entendo...
-Não, você não entende,-ele disse, se sentando diante dela.-Você teve uma vida boa. Tem um pai, tem uma mãe engraçada e a possibilidade de realizar um sonho. Sabe o que eu tenho?-ela balançou a cabeça.-Uma mamadeira e uma fralda. Daqui uns anos eu vou estar dormindo em um berço. Que emocionante.
Dory abaixou o olhar e segurou as lágrimas. Max continuou.
-E além disso tudo, você tem as memórias do nosso casamento.
-Eu gostaria de esquece-las,-Dory limpou a lágrima que escorria com o dedo indicador.-É por isso que eu queria me afastar. A dor seria maior se tivéssemos ficado juntos.
-Isso teria feito você se sentir melhor?-ele perguntou, adotando uma expressão apática.
-Claro que sim...-Dory mentiu e olhou bem nos olhos dele.-Não...não eu teria me sentido péssima.
Max uniu os lábios com força e encostou a cabeça na parede. Ao fechar os olhos, ele se imaginou num lugar bem distante de onde estava. Talvez em uma praia italiana bebendo água de coco ou tomando gelato. Ele só precisava decidir se nesse cenário perfeito, Dory poderia se encaixar.
-Me conte como nós éramos. Como eu era como marido? Como era nossa vida.
Dory contou tudo que aconteceu durante os últimos 5 anos. Eles não tinham casa. A casa deles era o mundo, e eles eram viajantes que queriam conhecer o mundo inteiro. Ela falou sobre o casamento deles na Tailândia organizado pela amiga deles, Yoko e o então marido dela, Yuki. Ela revelou que depois disso foram passar a lua de mel no Havaí.
-Chegamos a...-Max ficou vermelho.
-Claro que sim,-Dory lhe deu um empurrãozinho no ombro e sorriu.-Éramos um casal.
-Ah, sim...
Dory prosseguiu falando sobre as aventuras. O dia que ele comeu aranha e passou mal na China e o dia que tentaram escalar o Monte Everest mas Dory desmaiou e Max precisou chamar a ambulância de helicóptero.
-A vida é curta demais para pensarmos em nossas condições. Era isso que eu tava querendo dizer lá na casa da Emi...-Dory massageou a própria mão e se encolheu.-Eu entendo que você odeia o que está acontecendo com o seu corpo e se pudesse eu reverteria isso. Cronos sabe muito bem que eu daria meu sangue para tirar essa maldição de você. Mas também queria dizer que é possível viver, mesmo com isso. Mesmo com tudo contra você.
-Dory, eu sinto muito,-Max agarrou sua mão com cautela.
-Você nunca tentou me machucar enquanto estávamos casados,-ela disse, puxando a mão para si.
-E eu sinto muito por isso. Fui um bosta e voltaria no tempo para consertar tudo.
Dory sorriu.
-Essa é a questão, voltar no tempo nunca foi a solução. Esse foi o maior erro da minha vida,-ela lamentou se levantando.-E tá na hora de eu ir para casa. Estou muito cansada.
Max estava preparado para se humilhar diante dela quando se levantou do chão. Ele iria implorar para que ela não o deixasse, mas a porta se abriu no momento que ele ia fazer isso.
-Senhorita Corderwin,-era uma daquelas mulheres inexpressivas que cuidava da sede da sociedade.-A líder do passado pede por sua presença. Dos dois, na verdade. Me acompanhem.
Max e Dory cortaram pela sede, se enfiando novamente naquela branquidão infinita. Levaram exatamente cinco minutos até chegarem a uma outra porta que carregava o brasão azul da líder do passado.
-Vou anunciar vocês,-a mulher disse, entrando na sala de Metist.
Ela voltou meio minuto depois para abrir passagem para os convidados.
-Ah, aí estão meus pombinhos,-Metist estava sentada numa poltrona bem confortável atrás de sua escrivaninha.
Sua sala era bem diferente da sala do tribunal. Era confortável e acolhedor e recheado de relógios antigos. Dava para ver que Metist era apaixonada por coelhos, já que tinha uma porção deles circulando seu santuário.
-Sentem-se,-ela apontou para o sofá do lado de uma lareira.-Chá?
-Sim,-Dory aceitou.
Com apenas um estralar de dedos, Metist projetou uma xícara de chá de camomila diante dela.
-Ótimo, agora vamos conversar.
Metist se levantou e deslizou até o sofá diante de Dory e Max. Ela vestia um roupão azul e o seu cabelo estava molhado. Metist não parecia nada como uma líder do tempo naquelas roupas ordinárias.
-Os outros líderes só querem executar Dorothy porque essa é a solução mais fácil. Mas não acredito nisso. Acho que o amor prevalece, e ele não deveria ser um problema, mas sim a solução.
Dory abriu a boca para intervir mas Metist fez um gesto para que ela se calasse.
-Você não vai morrer, minha querida. Vamos arranjar uma solução. Ah, tome, isso é seu,-Metist tirou do bolso do roupão um papel enrolado e amarrado por uma fita vermelha.
Dory desenrolou o papel e leu.
-L3Harris, certificado de conclusão do curso de aviação...O quê?
Metist sorriu.
-Você concluiu o curso, Dory.
-Mas como?-Dory leu e releu aquele documento sem entender como aquilo aconteceu.
-Você voltou ao passado. Abriu mão de sua vida que viveu tão lindamente, e acabou que conseguiu fazer a prova final,-Metist aplaudiu animada.-Agora que resolvemos essa questão, vamos ao que é importante,-ela se virou para Max,-Maximillian, o amaldiçoado.
Max torceu os lábios ao ouvir aquele apelido patético. Dizer que ele era amaldiçoado era tão deprimente que ele preferia ser chamado de derrotado.
-Eu realmente não sei porque você foi amaldiçoado. Não tenho acesso a tudo que aconteceu no passado, mas andei estudando e acredito que o autor dessa bagunça toda seja sua mãe...
Max arregalou os olhos.
-Como?
Ele passou tanto tempo imaginando sua mãe como uma mulher doce que era ofensivo ouvir que ela era o contrário.
-Sua mãe era uma mulher muito apegada a você e sua irmã. Passou a vida toda tentando contato com vocês, mas nada lhe favorecia. Você vivia uma vida de luxo na Itália, e sua irmã é a pessoa mais reclusa da Terra.-Metist suspirou, lamentando a situação.-Sua mãe sentia um vazio em sua vida, e aconteceu de ela ser uma maga do tempo.
Max quase engasgou com a própria saliva. Dory teve a mesma reação.
-Não sei exatamente como, mas ela colocou uma maldição chamada Reversibilidade em você quando tinha 48 anos. Ela aproveitou seu acidente para fazer isso. Esse é, claro, só um palpite meu.
Max estava novamente se vendo faminto por informações.
-Qual era o nome da minha mãe?
Metist beliscou o queixo enquanto pensava.
-Bem, eu não lembrou muito bem...Acredito que Lin...Liz...Lina...
-Linda?!-Dory quase berrou.
-Sim! Isso, Linda.
Dory viu seu mundo rodopiar em 360 graus. Ela teve uma vertigem tão pesada que precisou se segurar em Max para não cair do sofá.
-Ah,meu Deus, tudo faz sentido!-ela exclamou.
Max ergueu a sobrancelha.
-O quê?
Ela contou sobre a mulher que o havia sequestrado e revelou que foi por conta dela que Dory revolveu voltar no tempo.
-Ela havia me dito que o filho dela nasceu em 22 de março.
-Meu aniversário!-Max tirou do bolso da calça a carteira contendo sua identidade.-Eu sempre soube só meu aniversário. Está vendo aqui? Não tem o nome dos meus pais nem meu sobrenome. Só a data de nascimento.
-Isso é bizarro,-Metist colocou a mão na boca.-Bom, então Linda é de fato uma louca varrida.
Dory largou a xícara na mesa se posicionou na borda do sofá.
-Metist, como faz pra acabar com uma maldição do tempo?
Metist se encostou em seu sofá e apoiou os braços nele, toda relaxada. Falar de seus conhecimentos era o que ela mais amava.
-Tem apenas dois jeitos. Você pode voltar ao passado e acabar com quem aplica a maldição, isso quer dizer matar o autor dela. OU... você sacrifica algo que considera ultra importante.
-Tipo, muito importante?
-Sim, precisa ser algo que você não viveria sem,-Metist inclina a cabeça.
Dory refletiu sobre isso por alguns segundos antes de fazer uma das maiores loucuras de sua vida.
Ela rasgou seu certificado do L3Harris.
Islândia,
2023
Ela pulou bem no dia que conheceu Linda, a mãe de Max. Dory estava na cozinha, preparando o café, exatamente como havia feito algumas semanas atrás. Max ainda era bebê, e estava na cadeira chorando.
Ela saiu da cozinha e foi até a sala para pegá-lo no colo. Ele sorriu para ela, e ela retribuiu o sorriso e lhe deu um beijo na testa. Era provável que faltasse alguns minutos até que Linda aparecesse para se apresentar.
Dory aproveitou cada segundo com Max no braço. Ela cantou, e assistiu desenho animado. Chegou até a cochilar por cinco minutos até que foi acordada pela campainha que tocou em sua porta.
-Chegou a hora,-ela sussurrou para Max, que a observou confuso.-Você vai para casa com sua mãe.
Ela se despediu de Max e assistiu a distância entre eles aumentar enquanto Linda dirigia para longe. Aquele adeus significou mais do que um simples tchau. Significou um sacrifício dos mais profundos que existem, e para quem entende de magia do tempo, ou sabe o mínimo sobre como o tempo funciona, entende que os sacrifícios são poderosos e capazes de quebrar maldições, ou trazer enormes benefícios.
Dory não pensou sobre o que aconteceria depois. Ela apenas fechou a porta de casa e foi tirar um longo e necessário cochilo.
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