01 - Novo Mundo
— Podemos saber para onde você pensa que vai? — perguntou uma voz debochada e familiar.
Levei meses para descobrir uma forma de abrir a porta para viajar para outros mundos. Procurei por meses um mundo onde o Pete existia e estivesse vivo. Levei semanas acumulando forças para transportar minha alma para aquele novo mundo só para ficar com o amor da minha vida. Nada ou ninguém me impediria de atravessar aquela dimensão.
— Não achei que encontraria pessoas aqui — afirmei, olhando em volta daquela imensidão escura para encontrar o dono daquela voz.
— Mas não há pessoas aqui, Klay — disse Nathan, se materializando na minha frente.
Era impossível ele estar ali. Nathan estava no pós-vida junto com o Pete. Pessoas no pós-vida, teoricamente, não podiam sair de lá.
— Você é meu subconsciente — comentei. — Um falso Nathan.
— E ele não é o único! — exclamou a voz linda e inconfundível do Pete.
Fiquei emocionado em vê-lo novamente, mesmo sendo apenas uma projeção da minha mente.
— Já nos conhecemos, falso Pete — falei, com um meio sorriso. —, mas faz tempo que não nos falamos.
— De fato — confirmou. — Você não tem parado para conversar consigo mesmo, não é?
Eu sabia o que eles estavam tentando fazer. Eu sabia o que aquela parte de mim estava querendo.
— Não vou jogar fora o trabalho que levei meses para construir — afirmei. — Pesquisei por muito tempo uma forma de ir para outros mundos e vocês não vão me impedir.
— Para quê? — questionou o falso Pete. — Para encontrar comigo? Klay, você precisa aceitar que eu morri e não vou mais voltar. Você precisa seguir sua vida!
— Você não é ele! — retruquei. — Você é uma parte de mim que está com medo de seguir, mas não vai me impedir!
— E seus pais? — perguntou o falso Nathan, antes que eu avançasse. — Seus pais, Shawn e seus irmãos que ainda nem nasceram...
— Vou encontrá-los no mundo que estou indo — respondi.
— Será? — questionou o falso Pete. — Você realmente acha que o mundo que está indo é igual ao que você vivia?
Eu não tinha parado para pensar naquilo, mas não importava.
— Eu vou! — exclamei, decidido. — Não vou voltar atrás agora que juntei forças para fazer a passagem.
O Falso Pete e o falso Nathan trocaram olhares e sorrisos.
— Você sabe que entrará no corpo da sua versão do Klay daquele mundo, não sabe? — questionou o falso Pete.
— Sei.
— E você sabe que o Klay daquele universo vai entrar no seu corpo desacordado na sua realidade, não sabe? — questionou o falso Nathan.
— Estarei hibernando — afirmei, tranquilo. — Ele não vai criar problemas.
— Mas e se outros problemas forem criados? — perguntou o falso Pete. — Você não acha muito arriscado viajar para outro mundo? Você já ouviu alguma coisa assim antes?
— Me deixem em paz! — falei, firmemente. — Nada vai me impedir de reencontrar o verdadeiro Pete!
— Boa sorte — disseram os dois ao mesmo tempo antes de desaparecerem.
O caminho estava livre... Pete me aguardava naquele novo e misterioso mundo.
(...)
Acordei com um barulho estranho e diferente do que eu estava acostumado, mas que parecia ser do despertador do celular. Ainda bêbado de sono, tateei o local ao lado da cama que eu geralmente o deixava, mas não havia nada lá. Cocei os olhos, estiquei os braços para me espreguiçar e soltei um longo bocejo.
— Eu consegui? — questionei, ainda confuso.
Aquele não era o mesmo quarto que eu tinha na minha antiga realidade. O quarto era menor, tinha roupas e caixas de comida espalhadas por todos os lados e era uma completa bagunça. Minha cama era menor e ficava encostada no canto da parede. Minha escrivaninha era grande e estava ao lado da cama, mas tinha um gabinete de computador ao lado de dois monitores gigantescos no lugar do meu pequeno e humilde notebook.
O barulho que me despertou parou antes de eu saber de onde ele vinha. Encontrei os chinelos que o Klay daquela realidade costumava usar assim que sentei na cama e coloquei meus pés no chão. Eu estava só de cueca e aquilo me incomodou, pois eu não costumava dormir daquele jeito.
— Será que é mesmo o meu quarto? — perguntei, cambaleando por aquele espaço.
Minha visão ainda estava embaçada, então cocei os olhos um pouco mais enquanto soltava outro longo bocejo. Passei pelo espelho do guarda-roupas distraidamente e vi de relance uma misteriosa mancha em minha perna. Intrigado, parei e voltei alguns passos para me olhar diretamente no espelho.
— Ah, cacete! — exclamei com o susto.
Havia uma tatuagem com três linhas pretas, duas delas eram grossas e a do meio era um pouco mais fina. Todas davam uma volta completa em minha perna direita. Observando mais de perto, descobri que na batata da minha perna esquerda também tinha a tatuagem de um leão, e um pouco abaixo do meu pulso direito outra que parecia uma caveira em cima de um símbolo do infinito.
— Mas que porras são essas? — indaguei, abismado.
Ainda olhando no espelho encontrei mais duas tatuagens. Uma tinha dizeres em alguma língua estranha do lado esquerdo de minhas costelas e a outra tinha o número onze separado por um sinal de slash um pouco abaixo do meu ombro esquerdo.
As tatuagens não foram as únicas coisas que me assustaram. Minha barba não estava grande, mas estava cheia e cobria toda a parte debaixo do meu rosto. Meu cabelo estava maior do que o que eu era acostumado e ambas as unhas do meu dedo anelar estavam pintadas de preto.
— Ainda bem que não tenho piercings — resmunguei, conferindo minhas orelhas e minha linga.
Ainda me olhando no espelho, abaixei minha cueca para ver a situação da minha parte íntima. Fiquei aliviado ao descobrir que o tamanho e o formato eram os mesmos e que não haviam tatuagens ou piercings naquela região. Eu só precisaria me depilar um pouco, pois a situação não estava das melhores.
O guarda-roupas daquele Klay estava cheio de camisetas e calças pretas. Eu não gostava de usar preto, pois nunca achei que ficava bem naquele tom. Procurei nas gavetas inferiores do móvel e encontrei uma blusa de manga cumprida branca e uma calça jeans azul-claro.
Aquele barulho irritante voltou a ecoar pelo quarto. Parecia ser o toque que eu recebia chamadas no celular naquela realidade. Era um tipo de rock misturado com música eletrônica de muito mal gosto e que fazia meus ouvidos doerem.
— Klay?! — chamou a voz irreconhecível do meu pai. — Já acordou, filho?
— Já vou, pai! — exclamei, aliviado em saber que estava com a minha família.
Rastreei meu celular pelo toque e fiquei espantado ao saber que era um dos maiores e mais incômodos aparelhos que aquele Klay poderia ter escolhido. Eu estava recebendo uma mensagem de uma tal de "Charlotte Barbada". Eu não fazia a menor ideia de quem era aquela pessoa.
— Alô?
— Ah, Sr. Nivans! Bom dia!
— Bom dia! O que foi?
— Liguei para saber como você vai querer o seu café da manhã de hoje. Espero não ter te acordado e nem estar te atrapalhando. É que você pediu para eu te ligar sempre neste horário para me falar o que vai querer de café da manhã.
Estranhei o tom que ela usava comigo.
— Eu... aaah... talvez...
— Sr. Nivans...?
— Pode ser a mesma coisa que pedi ontem?
— Ontem foi domingo, Sr. Nivans.
— A mesma coisa que pedi no sábado, quero dizer...
— Sábado o senhor não veio trabalhar.
Trabalhar? Eu não fazia ideia de nada sobre o Klay daquela realidade.
— Na sexta, por favor!
— Tudo bem, Sr. Nivans. Até daqui a pouco!
— Obrigado!
— Ah... Não há de quê, Sr. Nivans.
A mulher encerrou a ligação parecendo surpresa com meu agradecimento. Foi estranho, pois pelo pouco que entendi, eu trabalhava em algum lugar e era chefe de alguma coisa, pois ela me tratou como se eu fosse o superior dela.
Depois de me trocar e colocar um tênis all-star surrado que encontrei ao lado da porta do quarto, andei pela casa para encontrar meus pais e meu irmão daquela realidade. A janela do meu quarto estava fechada, então não percebi que eu estava em um apartamento até chegar na cozinha. A janela da cozinha estava aberta e, pela altura que estávamos, era provável que morávamos em um dos últimos andares.
— Bom dia, Klay! — exclamou meu pai, entrando na cozinha.
— Bom dia, pai — respondi, com um largo sorriso. — Cadê a mamãe?
Meu pai pareceu surpreso com a pergunta.
— Na casa dela, eu acho — respondeu ele, indo para o fogão pegar o bule de café.
— Como assim? Ela não está aqui com a gente?
— Você ainda tá de ressaca? Sei que bebemos muito ontem à noite, mas acho que a esta hora a bebedeira deve ter passado, né?
— Eu bebo? — perguntei, abismado. — Você me deixa beber e... você bebe comigo?
Meu pai começou a rir.
— Acho que você bebeu demais mesmo, Klay. De qualquer forma, sua mãe está na casa dela com o atual marido e cuidando do seu meio-irmão.
Meus pais eram separados naquela realidade? Como aquilo era possível?
— Shawn está com ela?
— Shawn? Quem é Shawn?
— Meu irmão, Shawn!
— Você é filho único, Klay! Único do meu casamento com ela. Deus me livre aturar aquele ronco de novo.
Era muita informação para assimilar. Além dos meus pais estarem separados, Shawn não existia.
— Que merda! — resmunguei.
— Pois é! — exclamou meu pai. — Acho melhor você tomar um café bem forte e comer alguma coisa para essa ressaca passar. Seu namorado vai nos encontrar e não quero que ele te veja nesse estado deplorável.
Meu namorado? Pete estava para chegar?
— Okay — concordei, com um largo sorriso.
Já era uma boa notícia saber que Pete e eu estávamos juntos naquela realidade. Era por isso que estudei e juntei forças por tanto tempo. Eu precisava vê-lo e estar com ele mais uma vez.
Meu pai e eu tomamos o café da manhã mais esquisito que já tomei na vida. A geladeira estava praticamente vazia, mas o freezer estava lotado de comida congelada. Não haviam frutas naquele apartamento. A pia estava cheia de louça e o lixo transbordava de tanta coisa que tinha e ninguém fazia questão de tirar. Quando saímos, tentei ficar sempre atrás do meu pai para aprender como se andava naquele prédio. Morávamos no décimo segundo andar, então pegamos o elevador para descer até o estacionamento.
— Você não está esquecendo nada? — perguntou meu pai, enquanto o elevador descia.
— Acho que não, por quê?!
Ele ergueu uma carteira em minha direção.
— Sua carteira, babacão! Se eu tivesse uma carteira recheada de dinheiro e cartões de crédito como a sua, não a deixaria em casa.
— Tem tanto dinheiro assim?
Meu pai fez uma careta.
— Você deveria ser um pouco mais generoso com o seu velho pai. Você ganha rios de dinheiro com sua loja e nem compartilha comigo.
— Eu tenho uma loja?!
Meu pai me olhou de uma forma curiosa e engraçada.
— Você tá chapado? — perguntou ele.
Nunca pensei que meu pai me perguntaria uma coisa daquelas. Balancei os ombros e forcei um sorriso. Esqueci por um momento que não estava na minha realidade, mas sim na realidade de um Klayton Nivans totalmente diferente do que eu era. De qualquer forma, nada daquilo me importava. Eu encontraria o Pete naquela manhã e tudo ficaria perfeito de novo.
Assim que saímos do elevador, acompanhei meu pai até um dos carros mais bonitos e luxuosos daquela garagem. O carro era muito mais bonito que o carro que meu pai tinha no outro mundo, então, imaginei que ele estivesse brincando quando disse que eu não era generoso com ele. Até que...
— Você também esqueceu a chave do carro — disse meu pai, jogando o chaveiro em minha direção.
O chaveiro bateu no meu peito e caiu sobre meus pés.
— Quê?! Você quer que eu dirija?
— Você tá começando a me assustar, Klayton! Você tá bem mesmo?
— Eu não sei dirigir! — exclamei apavorado, mas consciente do que estava acontecendo. — Quero dizer... Eu não sei se vou conseguir dirigir de ressaca, sabe?
— Então quem vai dirigir?
— Pode fazer isso por mim? — perguntei forçando um sorriso simpático.
— Você nunca me deixou dirigir o seu carro, Klayton. Você não deixa nem o seu namorado encostar no volante desse carro.
— Mudei de ideia! Você pode dirigir hoje se quiser, pai.
Naquele momento um rapaz saiu do elevador e se aproximou para cumprimentar meu pai. Deduzi que fosse um vizinho que também acordou cedo para trabalhar e veio buscar o carro no estacionamento.
— Bom dia, Sr. Nivans — cumprimentou o rapaz.
— Bom dia, Phillip! — exclamou meu pai, pegando um maço de cigarros do bolso depois de retribuir o cumprimento com um aperto de mãos.
Meu pai fumava? Que absurdo era aquele?
O rapaz deu a volta em meu carro para se aproximar de mim. Achei que ele fosse me cumprimentar com um aperto de mãos como fez com o meu pai, mas antes que eu pudesse estender a mão para cumprimentá-lo e dizer bom dia, ele agarrou minha cintura e começou a me beijar.
— Hey, hey! — exclamei, me afastando dele imediatamente. — O que você está fazendo?
— Beijando o meu namorado.
— Seu namorado?! Eu sou seu namorado?!
— É sim — respondeu ele, confuso. — O que você tem?
Por aquela eu não esperava. Pensei que o Klay daquela realidade namorasse com o Pete. Eu fui para aquela realidade maluca só para revê-lo. Todas as outras que visitei em meus sonhos, Pete já estava morto.
— Ele tá de ressaca, Phillip — disse meu pai. — Nem quer dirigir o carro de estimação dele hoje.
— Quer que eu dirija, bebê? — perguntou o tal de Phillip.
Eu queria dispensá-lo, mas talvez naquele momento não fosse uma boa ideia. Meu pai já estava desconfiado e eu precisava manter a calma se quisesse que tudo desse certo. Eu não podia simplesmente largar tudo e ir encontrar com o meu verdadeiro e único namorado.
— Okay! — exclamei, pegando a chave do chão e entregando para o Phillip. — Vamos logo!
Phillip assentiu, pegou a chave e deu a volta para entrar e sentar no banco do motorista. Meu pai abriu a porta de trás depois de acender o cigarro e dar um longo e esquisito trago.
— Não vai fumar no meu carro! — exclamei, irritado. — Pode jogar esse troço fora agora mesmo!
Meu pai fez uma careta, mas assentiu e jogou o cigarro no chão do estacionamento antes de entrar.
Aquele seria um longo dia.
...
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