O abençoador.
Pessoas vão e vem num movimento apressado e num mesmo compasso próximo à subprefeitura do Butantã, seis e quarenta da manhã, precisam ir trabalhar. Carros fazem suas manobras rápidas, todos com muita pressa se dirigem à rodovia mais próxima que logo cedo já está um tanto quanto congestionada.
É ali que passo todos os dias e sempre vejo as mesmas pessoas, digo bom dia para uns, que na pressa nem olham, outros apenas acenam com a cabeça e seguem adiante. Viro a esquina e fico curioso ao de longe ver uma placa de chaveiro e uma porta, destas de comércio, aberta. Percebo também que as pessoas que passam ali em frente abrem um largo sorriso e vão com um brilho diferente no olhar. Apressei o passo para que assim pudesse passar logo em frente ao tal chaveiro e me perguntava.
— Quem é que abre um chaveiro às seis da manhã?
Aproximando-me, ouvi uma voz suave e tranquilizadora dizendo para um rapaz na calçada oposta:
— Bom trabalho! Vá em paz e que Deus te abençoe!
O rapaz sorriu e seguiu adiante. Ao passar olhei para dentro, ali, em um banquinho, estava sentado um senhor negro, com seus cabelos grisalhos, olhos cheios de brilho e um sorriso nos lábios. Ao ver-me, levantou uma das mãos em forma de concha para o alto e disse agradavelmente.
— Bom trabalho! Que Deus o abençoe filho!
Ao que respondi com um bom dia e Amém!
Eu me senti em profunda paz, percebi que uma energia me envolvia e estava agora ainda mais alegre que de costume, como se uma luz me acompanha-se a partir dali. Essa cena se repetiu ao longo da semana e eu não via a hora de passar diante do chaveiro, para que o "Abençoador" respondesse o meu bom dia com sua benção.
Certo dia, virando a esquina, encontrei as mesmas pessoas de sempre, mas estavam tristes, com o semblante apagado, sem o sorriso nos lábios. Olhando de longe, pude perceber que o chaveiro estava fechado e minha alegria diminuiu um pouco, senti-me triste por não ver lá o senhor das bênçãos, mas segui adiante me alegrando com a lembrança daquele rosto. Qual a idade daquele senhor? Ninguém deveria saber, afinal, as pessoas negras não aparentam tanto a velhice como as de pele mais clara, seu nome também ninguém sabia. Perguntei para uma das pessoas que passavam e ela disse não saber o nome dele, na verdade nunca pensara em perguntar.
Passaram-se três dias e o chaveiro permaneceu fechado, as pessoas ali estavam mesmo chateadas, percebia-se isso no ar, na cor das flores e até mesmo no canto dos pássaros, as coisas sem a presença dele eram tristes, menos coloridas, menos cheias de som.
Percebi assim como todos, que eu passava por ali e me sentia feliz, porém nunca parei para perguntar sequer o nome do senhor, que agora eu chamava de "Abençoador", talvez por causa da pressa, talvez apenas por termos nos acostumado com o fato de ele sempre estar ali. Mesmo sem que fizesse uma cópia de chave àquela hora da manhã.
Ele abria a sua oficina de chaves apenas para abençoar as pessoas que passavam, apenas por amor ao que fazia, pela alegria que sentia ao alegrar as pessoas, doava aquele seu tempo espontaneamente e assim fazia do dia de cada um, um dia melhor. Nessa altura eu ficava a me perguntar o que havia acontecido com o "Abençoador", será que estava doente? Será que teria ido viajar ou mudara-se? Ou haveria ele falecido?
Uma semana se passou nessa agonia do não saber, até que na terça-feira, lá estava ele, com seu sorriso nos lábios, sua voz suave e traquilizadora, sua mão em formato de concha elevada ao ar e seu grande segredo de viver bem; abençoando os que passam. O amor estava de volta naquele ambiente envolto das bênçãos proferidas pelo "Abençoador", os sorrisos, a alegria e a luz nos olhos dos que por ali passavam e eu mais uma vez pude vê-lo. Desta vez parei, olhei-o nos olhos, sorri contendo as lágrimas de emoção ao vê-lo novamente. Desejei falar algo, mas dentro de mim, percebi no olhar carinhoso dele que nenhuma palavra era necessária.
Ele entendeu meu agradecimento e mais uma vez me abençoou. Segui o caminho em paz.
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