A carta de amor
Ela saiu para sua caminhada matinal como sempre fazia nas manhãs de domingo, o ar fresco deste dia em que poderia gozar do descanso de seu trabalho estressante durante toda a semana, inclusive os sábados, a fazia esquecer por alguns momentos o quanto sua vida era corrida e quão pouco tempo dedica a si mesma. A praça central do pequeno bairro onde mora era perfeita para fazê-la perceber a vida, pensar, e principalmente esquecer algumas coisas, mas esta última parte era tão contraditória que não conseguia entender. Como se consegue esquecer algo pensando nele? Era um vício aquilo, quanto mais pensava, mais distante ficava do objeto de seu pensamento e menos importância dava ao que havia se passado, percebeu então que não queria esquecer porque era simplesmente impossível, queria apenas perdoar e ouvira no sermão da Semana Santa que: "Perdoar é lembrar sem rancor", as palavras do padre saíram tão fortes e profundas que se dispôs a isso, e agora neste exato momento sentia-se feliz, percebeu quão verdadeiras eram aquelas palavras: "Palavras da salvação...", estava salva do veneno rancoroso que bebia lentamente em cada lembrança do fim de um amor mal correspondido, se é que chegou a ser um amor da parte dele, agora não sentia mais nada ao lembrar. Será que o próximo passo era não lembrar?
O coração batia um pouco acelerado e pelo tempo marcado no cronometro já havia superado as dez voltas há muito tempo, seus pensamentos a traíram, mas que importância tinha isso? Voltas a mais não fariam diferença, nada faz diferença quando se está sozinha, ninguém a espera, ninguém a nota, naquela praça com mil e quinhentos metros quadrados, arborizada e enfeitada com bancos feitos de troncos de árvore e fontes luminosas com estátuas de anjos, sentia-se só, enquanto a multidão do condomínio fechado ali próximo despertava, enquanto os pássaros cantavam a chegada da aurora.
Quanto tempo se passou? Nove; dez meses?
Tempo demais para alguns, mas não para ela que insistia em conservar aquela visão romântica e estúpida do amor, onde se espera a pessoa certa sem nem perceber que algumas vezes esta pessoa é aquela que está bem ali ao seu lado, por simplesmente olhar sempre para cima. Terminou seus alongamentos, respirou fundo mais duas vezes e sentou-se para um breve descanso antes de voltar para casa, eram quase sete horas, uma hora e meia de caminhada estava ótimo, ao sentar-se notou um envelope que mais parecia feito de papiro, lacrado com um pingo de cera e um laço de fita, no verso do envelope os dizeres: "O amor nada pede, se não, para ser amado." Melindrou, colocou-a de volta ao seu lugar e saiu caminhando confusa e curiosa. Seria para ela ou alguém simplesmente esqueceu ali? Olhou ao redor para ver se havia mais alguém na praça, não havia. Apenas um senhor, ele estava chegando como sempre acompanhado de seu cão, era cego... Voltou e pegou a carta, levou-a consigo, precisava saber. Seu coração pulsava ainda mais acelerado que quando estava caminhando, aquilo lhe parecia tão emocionante; tão errado e ao mesmo tempo tão certo. Se ali havia um amor e não estava endereçado a ninguém era de quem achasse primeiro e esse alguém era ela. Não se conteve, desistiu de ir para casa e sentou-se novamente, agora em um banco no centro da praça em baixo da maior árvore, próximo da maior fonte também, a fonte de Vênus. Vagarosamente como num ritual religioso rompeu o lacre do envelope e iniciou a leitura.
"O amor nada pede, senão, para ser amado...
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