A prima da bailarina
Nunca gostei de julho. Por causa das férias, os dias demoram a passar e sinto falta do agito da escola, dos professores ( que são legais) e das conversas e brincadeiras com meus amigos.
As férias só não são tediosas porque a Danielle, minha amiga bailarina que mora em São Paulo, vem com o pai descansar na casa de veraneio que eles tem no Condomínio Veleiros de Ibiúna.
A Danny é uma garota muito linda. Loura, de olhos azuis claros e rosto pontilhado de sardas. E alta. Nossas famílias se conhecem bem, o avô dela era daqui, e ela adora visitar minha casa, já que o frango caipira cozido com manjerona que a minha mãe faz, segundo ela, não tem comparação.
Mesmo sendo moça de cidade grande, a Danny é uma das pessoas mais humildes e simples que conheço. Adoro a amizade dela. Costumamos passear de cavalo e andar de bicicleta, mas nunca passamos de amizade.
Naquele sábado, eu estava assistindo um DVD qualquer, quando o Choquito latiu, avisando que tinha gente lá fora. Ao abrir a porta, vi duas garotas com blusas de moletom e gorros, calças legging e botas de montaria.
— Oiê. Senti saudade de ti. — Danny adiantou-se e me abraçou.
A garota que estava junto com ela tinha cabelos castanhos, e lisos, iguais aos da Danny. Seus olhos eram verdes. Achei incrível que as duas tivessem os mesmos traços físicos. Involuntariamente, sorri todo bobo para a desconhecida, que retribuiu.
— Pedro, essa é a minha prima Stefany Răducan.
— Oi. — dissemos ao mesmo tempo. Me adiantei e beijei a face direita da moça.
Conduzi as duas para nossa cozinha pequena com fogão de lenha. Meus pais escolhiam feijão numa peneira, e ao verem a Danny, levantaram-se para aperta-la num abraço. Todos aqui em casa a amam, nós a consideramos alguém da nossa família.
— Você também é bailarina? — meu pai perguntou à Stefany, depois que Danielle a apresentou.
— Não, senhor. Faço Curso Técnico de Nutrição.
Conversamos sobre assuntos aleatórios, até sobre futebol, sobre o nosso Corinthians. Stefany era são paulina, e não tinha muita coisa boa para dizer de seu time. Ela era tão simpática quanto a prima, e toda vez que nossos olhares se encontravam, sorriamos um para o outro.
— Vou à cocheira encilhar os cavalos e a égua que a nossa bailarina adora. — anunciou meu pai, fazendo a Danielle bater palmas de alegria. Ele não consegue negar nada à ela.
Encilhadas as três montarias, a loura se adiantou com a Rainha, nossa égua branca de crina comprida, e eu achei que ela o fez de propósito, para me deixar a sós com a Stefany. Na última mensagem de whatsapp que trocamos, ela havia prometido que traria uma pessoa para me conhecer.
Stefany e eu andamos a trote lado à lado, quietos, cada um esperando que o outro puxasse assunto. Timidez não era um defeito meu, porém não queria dizer uma coisa nada a ver e passar má impressão à moça de São Paulo.
Quer saber? Seja o que Deus quiser.
— É a primeira vez que você vem à Ibiúna?
— É, sim. A Danny sempre me convidou, mas só agora resolvi vir.
— Está gostando?
— Estou amando. É calmo. E o frio é muito gostoso.
Assenti, rindo.
— O que vocês fazem para se divertir? — Stefany perguntou.
— Tem boas pizzarias no centro da cidade, além da padaria Princesa. Não é igual São Paulo, mas dá pra curtir com os amigos. Aqui no campo, não tem nada. Bom... Hoje a noite tem festa julina, com quermesse e quadrilha. Não sei se você gosta desse tipo de diversão, mas se quiser, está convidada.
— Eu topo! À que horas vai ser?
— Depois da missa.
— A missa eu não assisto, porque sou ortodoxa. Mas dou um jeito de levar a Danny comigo.
— Fechou, então?
— Fechou.
Assim dizendo, ela estendeu a palma da mão, que eu bati com a minha, e trocamos um soco. Agitamos as rédeas dos cavalos para que eles corressem e alcançamos a Danielle, aparelhando ao lado dela e de Rainha.
Cavalgamos até o entardecer. Minha mãe insistiu para que elas ficassem para jantar, e as meninas acabaram aceitando. Fazia tempo que não riamos tanto na mesa. João, meu irmãozinho de cinco anos, apontava com o dedinho para os olhos azuis da Danny, que o carregou no colo e brincou com ele. Os olhos dela eram lindos mesmo, mas foi um par de olhos verdes que me deixou bobo.
As meninas foram embora à noitinha. O pai da Danny veio buscá-las. Tomei um banho demorado, me vesti adequadamente para uma festinha de interior, borrifei meu quasar nos pulsos e no pescoço. Como meus pais estavam resfriados, não foram à missa, e tive de ir a pé.
A Stefany e a Danielle estavam andando lado a lado, comendo pipoca. Por onde andavam, atraiam olhares dos garotos e também das moças. As duas usavam jaquetas de couro, jeans justos e botas de cano alto. Lindas. Me aproximei das primas e as cumprimentei, e tirei a Stefany para andarmos juntos. A Danny sumiu no meio do povo, sendo puxada pela mão pelo Marcos. Ela era quieta, mas eu sabia que trocaria alguns beijos com meu primo.
Stefany e eu andamos lado a lado em meio às pessoas. Comemos pastel e bebemos coca cola, rindo, conversando sobre vários assuntos aleatórios. Quando ela pediu licença para ir ao banheiro, aproveitei e fiz sinal para as crianças da catequese que vendiam correio elegante, e escolhi um cartão em formato de coração que era tudo a ver com ela.
— É para aquela moça que estava comigo. Ela vai voltar daqui a pouco, mas só venham entregar daqui a uns dez minutos, tá?
Passado esse tempo, as meninas da correspondência voltaram e entregaram para a Stefany o cartão que lhe remeti. Ela corou ao ler e sorriu.
— Ah, assim eu me apaixono. — então, eu corei. Acho.
Nunca me esqueci daquela festa. Fomos presos duas vezes na cadeia, só saindo mediante pagamento de fiança. Fomos tesourados por colegas e parentes meus, curiosos para saber quem era a garota de São Paulo. Achei que só ficaríamos na amizade mesmo.
Aconteceu de a quadrilha precisar de mais um casal, e a organizadora perguntou se queríamos participar.
— Mas assim, sem ensaio? — objetei.
— Eu topo. — para minha surpresa, Stefany adorou a ideia. — Ah, Pedro, vamos...
— Tudo bem. Vamos dançar.
Arregacei ambas as barras da calça até o joelho, tirei minha blusa de moletom, ficando de camisa social de manga comprida. Pintei um bigode preto, e para entrar no clima, pus um chapéu de palha desfiado.
Stefany apareceu diante de mim com um vestidinho azul piscina, duas tranças e um chapéu. Achei fofas as pintinhas vermelhas em seu rosto, que faziam ela parecer estar com catapora.
Fomos os eleitos o casal caipira mais simpático e até ganhamos um prêmio. Não em dinheiro, mas uma abóbora.
— É minha. — ela disse, rindo, tomando o prêmio das minhas mãos. — Se não fosse por mim, você não teria dançado. Ela vai comigo para São Paulo.
— Então, eu não vou ganhar nada? — fingi estar triste.
— Vai, sim.
— O que?
A garota apertou a abóbora contra o peito, me olhou atentamente, sorrindo, e sem que eu esperasse, me deu um selinho. E correu para junto da Danny, que voltara do amasso com o Marcos e a chamava para irem embora.
Stefany voltou para São Paulo. As férias terminaram e retomei minha vida normal, de estudo, jogos de futebol e vôlei no recreio, passeios de cavalo ou bicicleta nos fins de semana. Danielle saiu competir fora do país e já era uma das melhores bailarinas do mundo. Um dia seria a melhor, como a mãe foi.
Mas a prima dela, acho que esqueceu de mim. O que ela iria querer com um rapaz caipira que ao falar puxava o "r"?
A vida meio que perdeu a graça.
Eu já estava me confirmando, até que num sábado, alguém bateu a porta, e ao abrir, um sorriso surgiu no meu rosto.
— Eu disse que ia voltar. — o sorriso dela era puro e faceiro.
— Você não disse. — devolvi.
Rimos. Passando os dedos nos cabelos, trocamos um olhares longos e cheios de mensagens.
— Me apaixonei por Ibiúna.
— Só por Ibiúna?
— Por você também, seu bobo.
Nossas bocas se tocaram e trocamos nosso primeiro beijo de verdade. Puro. Inocente e sem mácula.
Hoje, usamos anéis de compromisso e temos planos de marcar nosso casamento assim que completarmos dezoito anos. A única coisa que não sabemos é se vamos morar em Ibiúna ou em São Paulo. Sabemos que a Danny será madrinha, pois foi graças a ela que conhecemos o amor.
E julho passou a ser o mês que mais amo.
Por: Wagner Pedroso
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