Uma flexada em 3 | Parte I
25/12/2020
Oi, Hehe… Sei que estou entregando esta atividade meio tarde e, por isso, já gostaria de me desculpar imensamente com você, sra. Estér Brandão. Eu sei que era para ter enviado esta atividade para você há um tempo, mas eu não consegui. Digo, não é que eu não pudesse fazê-la, eu só não sabia como. Tente entender o meu lado sra. Brandão, não sou muito fã desta época do ano. Não é que eu odeie o Natal, eu só não consigo ligar muito para esta data, sabe? Eu até que gosto de como a decoração natalina faz tudo ficar mais bonito e que a comida fica incrivelmente mais saborosa nessa época (mesmo que as pessoas reclamem de uva-passa). Mas não sei, mesmo com esses detalhes eu ainda não consigo me importar completamente com o Natal. Para mim, é como se fosse só mais um dia ou feriado. E nem venha me considerar uma pessoa rabugenta sra. Brandão, porque isso é coisa de família. Tanto eu, meu irmão e minha mãe não nos importamos com o Natal. Minha mãe ainda tenta fingir para os nossos parentes do interior que se importa visitando-os nessa época, mas, em verdade, o que ela curte mesmo é ficar com a família então usa o Natal como desculpa para viajar para a casa da minha avó. É um costume nosso, sabe? Ir para o interior passar um tempo com a família nos feriados, férias e festividades, mas… Já faz um tempo que não viajo com eles.
Mais uma coisa antes de começar, eu gostaria de expor meus sinceros sentimentos conflitantes em relação a esta atividade (esses que também ajudaram na minha demora por fazer a atividade). Com qual finalidade existe esta atividade? Quero dizer, até entendo pedir para o pessoal do fundamental I e II fazerem, mas por que pedir algo do tipo ao pessoal do ensino médio? Minha turma está indo para o último ano de escola, o famigerado terceirão, e não acho que nos pedir para escrever algo tão banal quanto o tema “o melhor Natal que já tivemos” como última atividade do ano possa ser construtivo para nós enquanto estudantes.
Peço, novamente, desculpas pela demora e também por essa declaração um tanto grosseira em relação à atividade, mas agora acho que finalmente podemos começar.
Como já disse, o Natal nunca foi uma data muito importante para mim. E, por isso, foi difícil achar um Natal em que eu realmente tenha considerado como “o melhor”. Mas depois de pensar muito eu pude chegar a conclusão de que já tive sim um Natal que pudesse dar esse título.
Como fui dormir meio tarde no dia anterior, já era de se esperar que eu acordaria tarde e com uma enorme dificuldade de entender o que acontecia ao meu redor. Naquela, ainda, manhã de véspera de Natal, acordei ao som de fogos de artifício e música alta. Demorei para lembrar que minha mãe e meu irmão já haviam viajado no domingo passado para Ilha Solteira ver os parentes, então acabei gritando para a casa sem ninguém que abaixassem o volume. E como resposta, obtive um estouraço de fogos.
NOSSA, COMO EU ODEIO FOGOS DE ARTIFÍCIO. Desculpa, me exaltei. Mas é, podemos dizer que não consigo lidar muito bem com o barulho alto e explosivo dessas coisas. Não sei se posso chamar assim, mas digamos que eu tenha um medo dessas coisas desde menor. Medo esse que só consigo abafar quando ponho meus fones de ouvido e começo a contar até dez. É um exercício de diminuição de estresse que funciona muito bem. Aprendi quando estava no fundamental com um colega de classe. Ele foi bem atencioso comigo, emprestando seus fones e me fazendo contar até dez. Não minto que depois do sexto ano minha vida foi muito mais fácil graças a ajuda desse exercício e… dele.
Já de fone e contado até dez, pude começar o dia: ir no banheiro fazer as necessidades e escovar os dentes; regar as orquídeas da minha mãe; limpar a casa; e, por fim, pedir comida no ifood por eu estar com preguiça demais para fazer o almoço.
O dia até que estava dando para suportar se eu ignorasse a música alta dos vizinhos na churrasqueira do condomínio, que me impedia de ouvir até as minhas, e as brigas que tinham vez ou outra sobre o relacionamento amoroso deles bem na minha janela. Eu queria poder fazê-los brigar em outro lugar ou só resolvê-los de uma vez, mas como não sou nenhuma Julieta Romã não tive outra opção a não ser me mover para a sala.
Permaneci nesse cômodo, ouvindo música alta enquanto navegava pelo Pinterest. Geralmente é assim que passo minhas vésperas de Natal ou os próprios 25 de dezembro. Juro que não acho ruim, só um pouco solitário, claro. Mas não é como se eu fosse me sentir diferente se estivesse com a família, o sentimento não muda. Então por que viajar não é mesmo? Melhor sentir-se só no apê da minha mãe, cuidando da casa para ela do que ir e fazê-la pagar alguém que cuide da casa. Todo mundo ganha (ou era assim que eu pensava antes desse Natal).
Um pouco depois de eu pedir a pizza do final da tarde (como faço tradicionalmente nesta data), recebi uma mensagem de um contato desconhecido cujo DDD era 75. A princípio, pensei em excluir a mensagem, pois poderia ser algum trote dos garotos da escola ou um cara da cadeia tentando me extorquir. Mas algo dentro de mim me dizia para responder aquele “oi”, só pela aventura de desvendar o desconhecido. E agradeço até hoje por ter ouvido este meu lado, porque se não fosse pelo mesmo eu nunca teria a chance de falar com Junho de novo.
Victor Júnior Carvalho dos Reis ou, como eu gosto de chamar carinhosamente, Junho é aquele colega de classe que me ajudou no sexto ano a lidar com esse ‘trauma’ dos fogos. Não éramos próximos, sabe? Ele era tipo o garoto legal que falava com todo mundo, mas que ainda sim gostava de ficar na dele (mesmo que tivesse seu grupo seleto de amigos). Músico carismático de tonalidade chocolate com castanha, Junho era um dos meus maiores pedidos ao Papai Noel naquela época. Não posso dizer que o amava, mas sim que gostava muito se sua presença.
Logo, eu não soube o que responder quando ele mandou “Se lembra de mim? Sou o Junho.”. Eu não estava acreditando que era realmente ele ali, falando comigo. Meus dedos estavam tremendo e minha respiração havia acelerado um pouco também. Novamente, eu não sabia o que dizer, então, por impulso, mandei um “HNKSMABDYIWEGFB K,FEDUHV”. Não entendeu o que eu quis dizer? Pois é, nem eu. E como esperado do atencioso Junho, ele respondeu com uma figurinha de risada. Que bom! Significava que havíamos começado do jeito certo, mas… E agora? O que eu mandaria pra ele? Achei que usar mais uma vez a desesperada tática de socar o teclado poderia ser uma boa ideia, mas percebi que deixaria a conversa um pouco maçante. Então apenas mandei um compilado de perguntas monótonas:
Nossa, quanto tempo! Quantos anos já se passaram mesmo?
Siiim, Haha.
Nossa, acho que faz 4 anos, né?
Nooossa, verdade.
E por que você foi embora mesmo?
Desculpa, não consigo me lembrar
De boas, Haha.
Minha mãe queria voltar para sua terra natal e quando ela conseguiu um emprego aqui na Bahia, não pensou duas vezes antes de nos levar pra cá.
Nossa, Bahia?!
Que legaaal.
Siiim, kk.
E você cara, como tem passado? (sim, ele me chamou de cara, porque ele chama todos os amigos dele dessa forma. Ou seja, temos intimidade. Ou seja, eu sou um cara… Hehe, gostei de saber disso).
Aaaah, você sabe.
Passando o Natal em casa, ouvindo música.
Apenas esperando o momento em que meus tímpanos morrerão.
KKKKKKKKKKKKK.
Ai sra. Brandão, foi um final de tarde maravilhoso. Conversávamos sem parar sobre música, barulhos e pizza (o que quase me fez esquecer da pizza que eu estava esperando). Relembramos do dia em que ele ganhou o apelido Junho, sendo este o dia do primeiro ano do fundamental em que ao se apresentar pra turma ele disse “junho” na intenção de falar “Júnior”. Ele afirmou que estava com vergonha, claro, e portanto se enrolou ao dizer. Pode ter sido um momento vergonhoso na hora, mas logo as pessoas lembrariam com carinho desse apelido.
Junho nunca foi do tipo que gostava de brigas. Não. Ele era mais do tipo que apaziguava as brigas e abraçava quem estivesse precisando. Tanto que quando meu pai fugiu de casa no Natal do quinto ano, a primeira coisa que ele fez ao me ver no primeiro dia de aula do sexto foi um abraço e eu… Nem sabia que precisava de um antes que ele me dê-se (mas o agradeço até hoje por ele tê-lo feito). Foi um período difícil para minha família, principalmente para a minha mãe. Meu irmão não fala sobre e eu… Eu não sei o que sentir. Só lembro que naquele Natal os fogos estavam estourando de forma absurda, parecia que meus ouvidos iam explodir a qualquer momento. Foi horrível. Mas enfim, passou.
Conversar com ele realmente estava fazendo o meu dia melhor, estava mais alegre e acabei tirando os fones para poder conversar com ele sem que a música atrapalhasse meu raciocínio (e como parecia que os fogos haviam se amenizado, não sentia medo algum).
Com a noite se passando, fomos fazendo perguntas mais pessoais: Qual sua cor favorita? Qual a música que você ouve quando está triste? Qual sua melhor lembrança da infância? Com quem foi o seu primeiro beijo?… Tenho que admitir que esta última foi a pior de todas. Digo, eu queria, mas não queria, saber. Estava em cima do muro entre saber com quem foi a primeira vez dele e não querer saber para daí pensar que ainda tinha chance de ser sua primeira vez… (eu queria que ele fosse a minha, já que não tive uma). Enquanto ele demorava para digitar, várias imagens dele beijando outras pessoas transitavam pela minha cabeça. Eu não sabia dizer se estava enlouquecendo ou apenas me preparando para o pior. E quando ele disse:
Julieta Romã.
Senti um misto de confusão com alívio. Digo, pelo menos foi com alguém que eu conhecia (e que tinha certeza que ela não sentira nada com este ato). E quando foi minha vez de responder disse a verdade. E, poucos segundos depois de ler minha resposta, ele mandou:
E com quem você gostaria que fosse?
Eu-pa-ra-li-zei. Como ele pode me fazer uma pergunta como aquela? O que ele queria com essa informação? Ai, sra. Brandão. Eu queria desesperadamente contar para ele, contar tudo sem olhar para trás. Então o fiz! Digo… Eu queria tê-lo feito, mas não pude. Segundos antes de eu enviar a resposta que meu coração tanto ansiava que ele soubesse, o relógio bateu 00hrs e os fogos estouraram como nunca. Como estava sem os fones acabei levando um susto que quase pareceu um ataque cardíaco. Apertei tão forte o celular que quase rachou a tela. E momentos depois da barulheira se amenizar, pude ver que meu dedão apertava a opção de “excluir conversa”. Eu não tinha para onde fugir. Se tirasse o dedo apagaria toda a conversa junto com o contato dele (já que não o salvei) e se continuasse apertando alguma hora teria que soltar e aceitar a mesma conclusão. Então, tirei o dedão... e o que foi um maravilhoso dia de reencontro com minha paixão de infância, foi deletado em menos de 1 sec.
Óbvio que chorei, esperneei e fiz de tudo que era de direito a uma pessoa fazer quando passa por uma situação dessas. Não vou mentir, sra. Brandão. Demorei a dormir naquela noite, pois foi tanto choro e desespero que eu não conseguia descansar (e claro que os fogos também não ajudaram muito). E esse foi o melhor Natal que eu já tive.
Você deve estar pensando, sra. Brandão: Como esta pessoa tem a coragem de me dizer que esse foi o melhor Natal dela? Bem, realmente. Se formos considerar apenas o final desse dia, é… foi um Natal de merda. Mas se olharmos para a parte em que descubro que o número era de Junho e que conversei com ele até o final do dia, dá para entender o porquê de eu nomear este como o meu “melhor Natal”. Porque até eu demorei para perceber isso, mas este foi mesmo o melhor Natal que já tive por ser a primeira vez… em anos… que eu não me senti só nesse dia. Não me senti só por estar com ele, pois ele me fez sentir que eu importava. Pois, por causa dele, eu pude sorrir no Natal. Então, eu agradeço imensamente pela conversa que tivemos e pela oportunidade que tive de revê-lo e ser feliz de novo no Natal. De ser feliz no Natal deste ano pandêmico.
P.S.: Caso, você, sra. Brandão, ou qualquer outra pessoa que acabe por ler esta carta, conhecer ou tiver o contato do sujeito citado a cima, por favor diga a ele minhas sinceras desculpas por não podê-lo responder. E se puderem, digam que estou bem e que quero poder saber mais sobre ele. Então, se vocês puderem deixar o número ou qualquer rede social dele na parte em branco desta carta eu agradeceria muito.
De pessoa anônima.
Para a assistente social, sra. Estér Brandão.
Por: LMB
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