Timidez
Ela está sentada a poucos metros de distância de onde estou. Em suas mãos repousa um exemplar velho de capa dura marrom. Não consigo ler o título porque ela o repousa sobre sua saia longa verde escura, com estampa de flores brancas bem pequenininhas. Um instante ou outro, vejo-a sorrir ou juntar as sobrancelhas em meio a sua leitura. Quando ela faz isso, seus óculos vermelhos de gatinho escorregam sobre a ponte de seu nariz. O que será que a faz mudar de expressões tantas vezes?
Ela nunca me olha no intervalo entre nossas aulas. Mas eu sempre a vejo, diariamente. Já tem um mês.
Sei que ela está no terceiro período de engenharia, o que me surpreende, porque ela me parece tão de humanas. Ela quase nunca está acompanhada e passa todos os intervalos sozinha no canto mais distante no pátio, lendo. E os livros raramente se repetem. Hoje é o marrom de capa dura, ontem foi um azul com um dragão na frente.
Ela sorri para os livros, queria que sorrisse pra mim também.
Nessas horas, sempre fico com vontade de me aproximar. Perguntar: “Ei, tudo bem? Para o que você tanto sorri?”. Mas nunca o faço porque sem sombras de dúvidas sou a pessoa mais tímida de todo o campus. E a mais desengonçada. E a mais esquisita. E a mais sem graça. E a mais apaixonada.
Argh! Como sou patético! Como posso afirmar estar apaixonado, se nem sei o seu nome? Mas acho que a gente sabe quando é, não é mesmo? Esse frio na minha barriga toda vez que nos cruzamos pelo corredor, essa ansiedade no meu peito quando sei que está chegando o momento do intervalo, essa vontade de eu mesmo colocar seus óculos no lugar; tudo isso não é natural. Só pode ser, né?
Ai, eu quero morrer! Não, não quero. Quero viver. Viver e pedir o número dela, passar horas conversando, dar as mãos, fazê-la sorrir, abraçar, beijar...
AHHHHHHHHHHHH
Suspiro.
Por que tenho que ser um banana. Você é um homem ou um rato? Um rato!
Esfrego as mãos pelo rosto, frustrado. Desesperançado.
Vamos, homem. Levante-se e fale com ela. O pior que pode acontecer, é ela te enxotar.
Mas ser enxotado me parece tão péssimo.
Ninguém morre por levar um pé na bunda!
Devo tentar pelo menos uma vez. Devia me levantar e ir até ela, não é? Não é?
Ah, mas o que deveria dizer?
Levanto de uma vez. Não importa quando chegar lá, eu me viro.
Mas e se ela não me der nenhuma atenção? Se achar que sou um esquisito?
Mas é claro que ela vai achar. Eu sou mesmo um esquisito.
Não importa, melhor tentar do que ficar nessa angústia. Dou o primeiro passo vacilante. Minhas mãos estão grudentas.
Vai dar tudo certo. Um passo de cada vez. Respire, inspire.
Meu coração parece que vai sair do peito. Acho que vou passar mal. Esses pontinhos pretos na minha visão sempre estiveram aqui?
Respire.
Inspire.
Homem. Não rato.
Respire.
Inspire.
Homem. Não rato.
Concentro-me em meus passos. Sempre que fico nervoso, tendo a tropeçar. Uma vergonha só.
Homem.
Estou indo bem. Quase lá. Só um metro.
Homem.
Menos de um metro.
Homem.
Desvio os olhos do chão e olho na direção. Ela se levanta; coloca a bolsa nos ombros. Vira em minha direção.
Rato.
Dou meia volta. Sem chance nenhuma. Não tem condições! Estou hiperventilando.
Ando apressado como se nada tivesse acontecido. Para longe. Que humilhação!
Mas ninguém sabe que você ia falar com ela?
E daí? Estou me sentido humilhado! O importante é o que eu estou sentindo.
Devo desistir. Isso não é pra mim. Definitivamente. Vou morrer solteiro.
Sigo minha caminhada até estar prestes a entrar no próximo prédio onde terei minha aula seguinte. Prestes a subir as escadas, sinto um toque suave.
Me assusto. Viro num rompante.
É ela. Preparem o caixão!
Espero que meus olhos não estejam tão arregalados quanto sinto que estão. Meu Deus! Que humilhação!
Ela sorri.
— Oi! — ela diz numa entonação alegre. Soa diferente do que imaginei.
— Oi! — eu digo, gaguejado e trêmulo. Que humilhação!
Ficamos nos encarando sem dizer nada. Ela parece esperar alguma coisa. Eu também. Meu desfalecimento.
— Você ia falar comigo?
Que diabos de pergunta é essa? Ela veio brigar comigo? O que eu respondo?
— Hein? — Idiota, idiota, idiota!
— É que pareceu que você estava inda na minha direção, então, pensei que... — Ela desvia meio sem jeito. Quero me esganar.
Pigarreio.
— É que... É que... É! — Patético.
Ela franze as sobrancelhas.
— É o quê?
Coço a nuca. Cadê o desfalecimento quanto precisamos dele?
— Eu ia mesmo falar com você — consigo dizer.
Seu sorriso volta a aparecer.
— E por que não foi?
Tento engolir o bolo na minha garganta.
— Não sei.
Ela me sorri de novo. Meu coração dá um salto.
— Devia ter ido.
O que está acontecendo?
— Devia?
Ela assente.
— Eu estava esperando.
O que está acontecendo?
Ficamos mais um tempo nos encarando. Eu sem jeito. Ela também. Até que ela simplesmente saca um papel, meio velho e amassado, e, me estende.
— Você pode me ligar? — É uma pergunta meio insegura.
Engulo mais uma vez.
— Posso. — E pego o papel.
Ela anui. Ainda tímida, põe uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Então, eu vou indo. Vou esperar sua ligação, ok?
— Ok.
E ela se vai. Deixando meu coração acelerado. Me sinto lerdo, acelerado, doido e revirado. Definitivamente. Apaixonado.
Por: Liv (@borboletinha_azul)
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