O acompanhante dos solitários
Paulo Henrique era o nome dele. Você sabe, já deve tê-lo visto em alguma festa por ai ou correndo nas aulas de educação física. É difícil não percebê-lo, ainda mais quando se é um garoto tãaaao notável. Ok, ok, se você nunca o viu já deve ter no mínimo ouvido os suspiros que alguns soltam ao vê-lo passar, é sempre assim, Haha. Espera, você ainda não o reconheceu? Que audácia a sua! Um garoto como ele merece a sua atenção, já que se todos gostam dele, porque você também não gostaria? Que audácia não conhecê-lo, pessoa que me lê. Ok, Paulo é um garoto difícil de se conhecer mesmo (até porque ele é um ser sem passado), então se não o reconheceu, posso tentar dizer então que você provavelmente já viu alguém na sua escola como ele. Você sabe, "o cara que todo mundo quer pegar". E agora? Ficou mais claro? Espero que sim, porque ainda não me profissionalizei na arte de ouvir quem me lê, então so sorry about that.
Paulo tem vários títulos como mais inteligente, mais determinado, mais bonito... Sim, ele é bem padrãozinho: alto, dos olhos claros, ombros largos, de corpo sarado, cabelo curto, barba rala e, siiiim, ele é negro, como adivinhou? Haha. Maaas, contudo, porém, to-da-vi-aaaa, ele possui um segredo. Claro que possui. Um homem desses precisa ter um defeito para ser considerado dignamente um humano. Então sim, ele tem um. Ele é apaixonado por um amante! Mas não qualquer amante, não é seu melhor amigo hétero ou algum garoto loiro mais velho que conheceu num aplicativo. Não. Ele é apaixonado pelo Antonie. Quem é este? Você deve perguntar. Ele é apenas o garoto mais efeminado do colégio Damas do Norte. Claro, gay assumido. Claro, usa saia e maquiagem. Claro, ama falar das botas em promoção na lojinha do centro que ele quer tanto comprar. Claro, é gordinho (somos bem parecidos parando para pensar agora). E claro, está na mesma sala que Paulo. O que faz com que seja difícil para ele não demonstrar o que sente.
Coitadinho. Paulo não pode se assumir, ou melhor, é isto o que ele sente. Sente que não pode demonstrar interesse por quem ele gosta na escola (mesmo que sempre que ele pode Paulo tenta mostrar algum sinal), já que sabe que os que o rodeiam não o aceitariam... Mesmo que ele queira tanto.
Foi no carnaval do ano passado, 2019, que ele se apaixonou perdidamente e/ou pela primeira vez. Ele havia ido com alguns amigos no bloquinho que estava tendo no meio da cidade quando percebeu Antonie no meio de toda aquela multidão, sozinho e perdido. Como sendo um bom canceriano que Henrique é, resolveu ir até ele para fazer companhia ou só perguntar se ele gostaria de se juntar aos amigos dele (ignorando completamente o preconceito que estes tinham em relação ao Antonie), mas não precisou. Ele notou que mesmo sozinho Antonie conseguia dançar ali no meio de todo mundo como se aquilo não fosse nada, o que abriu os olhos de Paulo como nunca antes. Fazendo-o perceber que Antonie conseguia ser feliz mesmo sozinho e que ele sempre foi assim. Naquele momento ele percebeu que sempre gostou de Antonie, só nunca soube interpretar muito bem este sentimento. Mas quando o entendeu, não o largou mais. É uma linda história de amor, não acha? E só fica cada vez melhor, já que mesmo que Paulo seja um baita de um medroso para se assumir na frente do colégio inteiro, ele tinha coragem suficiente de fazer isso no meio de pessoas que ele nunca mais veria na vida. Sim, ele planejou se declarar para Antonie este ano no mesmo evento em que se apaixonou por ele. Sim, no Natal. ZOEIRA. Foi neste Carnaval.
Ele tinha tudo planejado. Já sabia o que falar e como falar com ele. Planejou até onde seria o melhor lugar para fazer isso. Enfim, ele era inteligente, logo teria um plano, né? E ele tinha certeza que seria infalível. Não havia chances de dar errado! Ele iria com os amigos dele, se afastaria deles de pouco em pouco até perdê-los de vista e procuraria por Antonie. Ao achá-lo, ele perguntaria se poderiam conversar a sós, em algum local afastado de seus amigos de preferência, quando ele falaria sobre seus sentimentos ao seu amado e daria um presente de agrado a este, que, como resposta, daria-lhe o melhor dos beijos e eles seriam felizes para sempre ou, no máximo, teriam um romance escondido até irem para a faculdade e assumirem o relacionamento lá. Era perfeeeeito. Não tinha como dar errado. Por isso que ele estava tão empolgado para o Carnaval deste ano, já que nada iria impedi-lo.
No dia do bloquinho no centro, Paulo foi comprar o presente de Antonie e o deixaria bem guardado na mochila que levaria para o evento. Após a compra, vestiu-se e saiu para encontrar com seus amigos. Dançou pouco com eles, zoou um pouco com eles e se divertiu com eles até notar a presença de Antonie. Ele foi se afastando, se afastando, se afastando do grupo de amigos até finalmente entrar no meio da multidão. De verdade, parecia que eles nem notaram que ele havia se separado do grupo. Então, saiu sem preocupações ao encontro com Antonie. Ele estava um pouco à frente dele, logo só mais alguns passos e já o alcançaria. Ou era o que deveria ter acontecido segundo seu plano, já que parecia que sempre que Paulo tentava se aproximar Antonie ficava mais distante de se alcançar, seja porque entravam na sua frente ou porque Antonie parecia se afastar dele. Mas claro que Antonie não se afastaria dele. Não faria sentido. Certeza que ele correspondia seus sentimentos, né? Até porque que outra opção ele teria além do garoto mais desejado do colégio Damas do Norte? Quem diria não para Paulo Henrique? Não, não era possível que ele estivesse se afastando de propósito. Então, ele continuou e continuou e continuou e continuou e continuou e continuou e quanto maaais ele tentava... mais Antonie se afastava. Ele ficou impressionado com o quanto de fôlego Antonie tinha mesmo com seu porte físico. Mas ele não desistiria tão facilmente. Paulo percebeu que Antonie ia por um lado, que, caso Henrique tentasse ir pelo caminho contrário, daria para enrascá-lo. E assim, o fez. Não deu certo na primeira e nem na segunda vez, mas na terceira... Antonie acabou sendo encurralado por Paulo numa rua sem saída. Agora ele não tinha como fugir e Paulo podia finalmente se declarar.
Assim, ele até pensou por alguns instantes do que teria feito o menino efeminado fugir dele: Seriam suas amizades? Seria o fato dele estar fantasiado com uma máscara do ghostface? Ou seria porque ele realmente não correspondia ao seu sentimento? Enfim, você viu? Ele até tentou pensar nessas possibilidades, mas... quando ele percebeu que sua paixão estava bem ali a sua frente não tinha como escutar a razão se o coração gritava mais alto. Ele nem precisava que Antonie olhasse para ele (observação: algo esse que Antonie já fazia desde que percebeu Paulo no bloquinho), apenas queria se declarar. Então, foi ao se aproximar devagar de seu amado e tirando o presente da bolsa, no caso, o conjunto de botas que Antonie não parava de falar sobre em classe, que ele começou a discursar. Primeiro com um "Oi", depois com um "Tudo bem com você? Faz tempo que não nos falamos" e ele continuava, mas Antonie insistia em não olhar para ele. Paulo, então, questionou aquilo achando que havia feito algo de errado e Antonie finalmente falou "Não, não. Não foi você...". Ele, então, continuou seu discurso, falando que fazia um tempo que queria dizer algo para ele, contudo parecia que quanto mais próximo ele chegava de dizer o "eu te amo" mais Antonie parecia se desesperar internamente. Claramente, Paulo não entendia nada daquela situação e percebendo que seu amado sofria fez o que ele achava certo, abraçou-o com força. Antonie, em agradecimento, chorou desesperadamente. Paulo não entendia o que acontecia, não era isso o que ele havia planejado, não era isso que ele queria para o seu amado. Então, ele finalmente disse "Antonie, eu preciso dizer. Eu te..." antes que tivesse a chance de terminar ele foi barrado por um "Não". E, em seguida, ele questionou "Não?". Antonie apenas assentiu com a cabeça e falou "Não, você não pode dizer isso. Porque se dizer eu terei que corresponder e eu não quero isso.". Ele continuava sem entender, mas, pelo menos, sentiu que seu sentimento era recíproco. Antonie continuou "Eu... Não quero isso, não quero mais isso, estou cansado disso...". Paulo tentou confortá-lo "Mas Antonie, isso é bom. Se você gosta de mim, então vamos ficar junto.", mas não era tão fácil assim. Não para Antonie, né. Parecia que estava sofrendo demais com aquela situação toda e não apenas isso como parecia carregar um peso insuportável que gostaria muito de se livrar, então disse, finalmente olhando para o apaixonado, "Paulo, eu não posso ficar com alguém que não existe." e continuou chorando ao terminar.
Algo dentro de Paulo começou a desmoronar, ele começou a se sentir estranho e questionou o que ele queria dizer com aquilo. Como resposta, Antonie tentou explicar, em meio à falta de fala que teve por não saber se respirava e conversava ou apenas continuava em prantos, para Paulo Henrique que este não era real, que ele era apenas uma memória de algo que nunca aconteceu, um desejo ilusória fruto de um desespero e algo criado para conseguir acalmar os anseios do solitário Antonie. Tudo o que Paulo lembrava era falso, os amigos com quem ele saia nunca o enxergaram, as pessoas que o amavam não O amavam, mas sim a pessoa da qual Antonie se inspirou para criá-lo (com leves mudanças, obviamente).
A cada palavra a mais que Antonie dava, mais Paulo se sentia mal. Ele parecia que desmaiaria a qualquer momento. Já não conseguia mais falar, não conseguia mais andar, a única coisa que ele conseguia fazer era ouvir seu amado enquanto o mesmo o desintegrava. "Me desculpa mesmo... Paulo. Eu te amei de verdade e a acho que ainda te amo... por isso fazer isso é tão difícil para mim. Mas é que eu cansei de depender de você para eu me sentir amado... Eu quero começar a fazer isso por mim mesmo..." e esta foi a última frase que ouviu de Antonie antes de não sentir mais nada por ele.
Paulo é um ser sem passado. Ele nunca nasceu, nunca foi criança, não tem uma história. Ele vive apenas pelo desejo e existe apenas quando sente algo por um garoto menosprezado. Logo, ao não sentir nada por ninguém, ele, consequentemente, não sentiria mais sua existência, não sentiria seu corpo, não teria mais paladar, não veria mais nada, não ouviria mais nada, não sentiria mais nada, não seria... nada. Apenas flutuaria na escuridão do esquecimento. Claro, até começar a sentir algo novamente, começar a ver algo novamente, começar a ouvir algo, novamente. Em meio ao esquecimento parece que alguém o lembrou de chamar, então ele sentiu uma enorme explosão em sua barriga que se locomoveu para o seu peito e, ao primeiro piscar de olhos, ele apareceu acordado. Estava de volta na mesma escola. Mas como de costume, não era mais Paulo Henrique e nem se lembrava dessa versão. Seu nome agora era João Guilherme, o bad boy da turma b, e a sua primeira e maior paixão era um menino efeminado e feliz que ele viu pela primeira vez num bloquinho de Carnaval.
Por: Lucas BM
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